A dama selvagem - Capítulo 3


Diana observava os homens que faziam guarda bem próximos da caverna.

Subira em uma árvore e analisava as chances de saı́rem dali sem serem notadas.

Tudo era tão verde, poderoso, natural...

Observou o céu azul sobre sua cabeça.

Fitou o camaleão camuflado ao seu lado. Mirou os olhos do animal lhe fitando. Ela piscou para ele, voltando a observar os bandidos.

Alguns macacos pulavam de galho em galho, gritavam... Viu o tucano pomposo...

Um dos desgraçados atirou contra o primata.

A Calligari ficou tão fora de si que precisou ter muito controle para não partir contra um dos captores.

Como desejava matá-los, como desejava vê-los sangrar até que a vida deixasse seus corpos miseráveis.

Respirou fundo tentando manter a calma.

Tentou se concentrar, apurando os ouvidos, notando o silêncio tomar conta.

Apoiou-se melhor sobre o galho.

Pelo que via, eles acampariam por ali naquela noite. Seguiram as pegadas...

As coisas não seriam nada fáceis. Aquelas pessoas não desistiriam de forma tão simples, decerto imaginavam que Aimê fugira em companhia de alguém, mas será que sabiam que uma ú nica pessoa desafiara o grupo?

Mirou o outro lado, sabendo que por ali também havia outra ameaça.

Tupã!

-- Ela não pode ter ido longe. É uma cega, uma maldita cega! Para onde ela iria? – Crocodilo esbravejava. – Tragam os cães.

O cruel homem estava com a perna apoiada sobre uma árvore caı́da. Estava de costas para os outros e parecia observar tudo com bastante atenção.

Ele se agachou, parecia investigar o terreno.

O chão estava forrado de folhas secas e com os dedos ele parecia desenhar algo.

-- Mas, chefe, esta noite, devemos procurar algo para nos protegermos dos animais que habitam essa parte. Sem falar nos ı́ndios! – Um dos mais jovens parecia apavorado.

Índios!

Eles temiam alguns deles, temiam, pois havia muitas histórias sobre canibais, sobre a crueldade que costumavam fazer com os invasores.

O outro pareceu ponderar por algum tempo, depois se virou para ele com a arma em punho.

-- Está bem! Façam guarda nessa parte, eu retornarei para o acampamento e amanhã assim que o sol nascer traremos os animais para encontrar a garota. – Levantou-se. – Tenho certeza de que ainda estão por aqui... – Com a mão nos quadris, ele olhou para cima.

-- E se ela for comida por uma onça?

-- Não seja idiota! – Olhou mais uma vez tudo com atenção. – Tenho certeza que alguém a ajuda com afinco, não está sozinha. Mas o que lhe digo é que nem ela nem seu salvador deixarão esse inferno com vida. – Observou uma cobra rastejar perto. – Pisou sobre a cabeça do réptil. – Eu não desistirei da minha doce Aimê... Tenho planos para ela.

Diana mordiscou o lábio inferior.

Teria que pensar em algo, pois sabia os cães poderiam ser uma ameaça grande.

 

 

Viu os homens se afastarem.

Aimê era realmente um prêmio esplêndido, mesmo sendo cega ela continuava sendo uma distração perigosa.

Recordou dos olhos tão penetrantes, intensos...

Sacudiu a cabeça como se desejasse espantar os pensamentos conflitantes.

Esperaria anoitecer para assim voltar à caverna.

 

 

A Villa Real tentou se soltar das cordas, mas sua tentativa foi em vão.

Poderia deixar aquele lugar, mas para onde seguiria?

Estaria se arriscando ainda mais, sem falar nos animais e também nos ı́ndios que a sua ‘salvadora’ falara.

Será que havia mesmo canibais por ali?

Ouviu um tiro e se assustou.

Levantou-se, encostando-se à parede fria.

Teria acontecido algo?

E se aquela mulher a deixasse ali sozinha, o que faria?

“ Meu Deus, não me abandone...” – Fez uma prece silenciosa, enquanto sentia as lágrimas molharem seu rosto.

 

 

 

 

 

 

A Calligari seguiu com total cautela em meio à escuridão da noite.

Ouviu o pio da coruja e a avistou perto da entrada da caverna.

Seria impossível alguém encontrar aquele esconderijo... Mas não seria difı́cil para os cães farejarem...

Observou o céu.

Não havia uma única estrela... Será que a previsão de chuva do pajé se concretizaria?

Com um suspiro de frustração adentrou o espaço e não demorou a seus olhos se acostumarem com a penumbra.

Pegou a pequena lanterna que trazia no bolso.

Encontrou a filha de Otávio sentada no chão batido. Deixara-a amarrada, pois ainda não sabia até onde ia o grau de imbecilidade dela em fugir dali.

Aproximou-se em passos lentos e viu o olhar dela se voltar a sua direção.

Os olhos estavam vermelhos denunciando que chorara.

-- Pensei que não voltaria mais...

A morena seguiu até a mochila, ignorando totalmente o temor da jovem. Pegou os lençóis forrando o chão duro, havia uma esteira de palha, assim amenizaria o desconforto. Improvisou uma cama.

Pegou uma calcinha limpa e uma camiseta, seguindo até o lago.

Entrou na água, lavando-se demoradamente.

Precisava pensar...e o fez enquanto o lı́quido frio molhava sua pele...

Deveria ter um plano para o dia seguinte.

Olhava ao redor... Mirou o céu que se mostrava no topo.

Deu um sorriso!

Quando passara um tempo na tribo aprendera muitas coisas e dentre elas havia umas técnicas que com certeza lhe ajudariam muito para sair viva daquele lugar. Esperava que ainda fosse boa nesse quesito, afinal, ela despistara os cães treinados do exército, então poderia fazer o mesmo com os que estavam por aparecer.

Rapidamente saiu da água, secou-se, em seguida vestia-se pacientemente.

Caminhou a passos largos até onde estava a prisioneira.

Aimê permanecia sentada e com a cabeça erguida.

Observou-a por alguns segundos, analisando a postura elegante mesmo naquele lugar selvagem.

Tudo nela a irritava!

Agachou-se e de forma tosca começou a livrá-la das roupas.

Aimê a empurrou, tentando se desvencilhar dos braços que a seguravam.

-- O que está fazendo? – A Villa Real tentava afastá-la. – Por favor, não...

Diana a deitou sobre a cama improvisada, ajoelhando-se em meio às suas longas pernas, e de forma ágil rasgou a blusa e o sutiã.

Por um momento parou para ver os olhos azuis e era como se ali estivesse a condenação de todos os seus pecados.

Fitou os seios redondos...

A Villa Real lutava bravamente, mas não era páreo para a filha de Alexander. A jovem gritava e buscava se defender do ataque, enquanto a morena fazia o mesmo com a calça e depois com a calcinha. Quando a deixou totalmente nua, afastou- se.

Observou-a em posição de defesa, ajoelhada, chorando e soluçando.

-- Chega de lágrimas! – Ordenou de forma insensível.

-- Por favor... Por favor, não me toque... – Cobria os seios e o sexo de forma inútil. – Não me machuque!

A Calligari estreitou os olhos.

-- Achas que vou me aproveitar da sua pureza? – Indagou sarcasticamente. – Poupe-me!

-- E então?

Diana sentou-se sobre os calcanhares, montando a fogueira.

Tinha prática e não demorou muito para as labaredas iluminarem o lugar.

Jogou os trapos dentro do fogo.

-- Precisava que ficasse sem roupas, apenas isso, faz parte do meu plano para nos livrar dos seus amigos.

A Villa Real parecia assustada, confusa, desnorteada com a brutalidade daquela mulher.

-- Por quê... Por que não pediu? Poderia ter falado...

Diana a fitou demoradamente como se ela estivesse falando algo inacreditável.

-- Não sou de pedir!

Aimê ouviu os passos se afastando, então começou a tatear o chão em busca de algo para se cobrir.

Ouvia o som e sentiu o calor do fogo.

Ainda sentia as batidas rápidas do coração.

De repente ouvi-a se aproximar e um lençol fora jogado sobre si.

-- Cubra-se!

A jovem se encolheu, enquanto a sentia deitar ao seu lado.

-- Já disse para se acalmar que não tenho nenhum tipo de pretensão em relação ao seu corpinho. – Relanceou os olhos, irritada.

A Villa Real virou-se de lado para a direção de onde vinha a voz.

-- Por que agiu tão violentamente? – Questionou depois de alguns segundos. – Não tem modos? Se pedisse, eu teria me despido para ti...

Diana não respondeu de imediato.

Demorou-se observando os traços bonitos.

O fogo projetava sombras, deixando-a mais iluminada.

-- Precisava das suas roupas...

-- Para quê? Poderia ter pedido...

Diana apoiou-se no cotovelo.

-- Os seus perseguidores irão mandar farejadores... Você é muito valiosa para eles...

A Callgari buscava naqueles olhos o terror, a falta de fé, o desespero, mas não fora apenas aquilo que encontrou.

-- Então, estou perdida? – Questionou de forma que parecia mais uma afirmação.

Mais uma vez a pintora permaneceu calada. Fitou os lábios entreabertos, estavam trêmulos.

Desviou o olhar.

Não desejava sentir empatia por ela.

-- Já disse e repito... Se tiver um momento que não consiga me acompanhar, não pensarei duas vezes em te deixar pelo caminho e ir embora sozinha.

-- Não tenho dúvidas sobre isso... – Replicou calmamente.

Nada mais fora dito.

Aimê deitou de costas e mais uma vez fez suas preces.

Temia pela própria vida, mais do que nunca tinha total certeza que não retornaria para casa.

Nem mesmo sabia quais eram as intenções daquela mulher, decerto a venderia também ou quem sabe faria ainda pior.

Mais uma vez as lágrimas teimaram em sair, teimaram em mostrar total desespero por tudo que vinha vivendo nos últimos dias.

Levou as mãos amarrada à boca, mordendo-a para não soluçar alto.

 

 

Diana virou para o outro lado.

Não poderia se dar o luxo de dormir, precisaria montar guarda, mas estava tão cansada que sabia que a tarefa não seria fácil.

Sorriu ao recordar-se que fora naquele lugar que tivera pela primeira vez uma das ı́ndias nos braços.

Sempre fugia para aquela parte e trazia uma delas consigo... Amava-as durante uma noite e no outro dia retornavam como se nada tivesse acontecido. Era uma busca insana pela satisfação dos desejos, uma vontade louca de atingir um patamar inalcançável.

Tudo fora bom até que o pajé descobrira tudo e a mandara de volta a Alexander.

Seu pai nada falara sobre os episódios...

Respirou fundo!

Não fora uma boa filha... Não fora uma boa noiva...

Nem sabia onde estava com a cabeça quando aceitara aquele noivado. Fazendo-o apenas para não manchar o respeitado nome Calligari, pois suas saı́das e casos estavam se tornando bastantes conhecidos.

Eduardo se prontificara em ajudá-la, porém jamais imaginara que tudo seguiria por um caminho sem volta.

Dez anos se passaram e ainda assim continuava a viver sobre a tortura dos seus atos e dos atos de Otávio.

Sentiu saudade do Cérbero, aquele seria uma noite boa para cavalgar.

Sentou-se, percebendo que a jovem companheira estava com os olhos fechados.

Seus dedos ainda queimavam com a maciez da pele dela.

Seda...

Fechou as mãos fortemente.

Estaria dormindo?

Levantou-se, agoniada.

Daria uma olhada lá fora, precisaria despistar os animais que chegariam ao amanhecer.

Se conseguisse lhe dar pistas falsas, poderia seguir no dia seguinte.

Conseguiu ver as fogueiras próximas dali.

Ouviu o som do falcão.

Sorriu.

O pajé continuava a observá-la.

 

 

 

 

 

 

A noite seguiu lentamente.

Diana montara guarda, enquanto Aimê não conseguia descansar temendo que algo acontecesse consigo, temendo que de uma hora para outra aquela mulher a atacasse ou os sequestradores a levassem novamente.

Percebeu quando ela se afastou e só nesse momento conseguiu relaxar e dormir um pouco.

Por que a presença dela era tão incômoda?

Por que era tão grosseira?

Qual seria a aparência dela?

A voz apesar de denotar sempre sarcasmo e irritação tinha um tom rouco, baixo, agradável até.

Ela era magra, sentiu-a rapidamente, mas parecia ser bastante forte.

Loira? Morena? Negra? Ruiva?

Recordou-se do cheiro dela... Mesmo estando naquele lugar selvagem, ela tinha um aroma delicioso... talvez primitivo...

Deus, quem era aquela mulher?

 

 

 

 

 

 

O sol já nascia quando Diana voltou para o lugar onde tinha improvisado a cama.

Estava irritada! Passara a noite toda acordada e isso a deixava mais irascível do que de costume.

-- Levante-se! – Ordenava enquanto recolhia as coisas e seguia para o outro lado da caverna.

A herdeira de Ricardo pareceu confusa, sentando-se.

O que se passava?

-- Que droga, você é surda? – Diana esbravejava. – Já disse para levantar! – Tomou-a pelo braço forçando-a a ficar de pé.

-- Está me machucando! – Aimê tentou se afastar, mas foi em vão.

-- E acha que isso me importa? – Apertou-a mais forte nos braços. – Se quiser manter a sua miserável vida faça o que estou mandando. – Soltou-a tão forte que a moça se desequilibrou.

A Calligari não pareceu se importar com aquilo.

Seguiu desmontando tudo, enquanto a Villa Real tentava cobrir a nudez com um dos lençóis, mas seu esforço era inútil, ainda mais quando tinha os pulsos amarrados.

Diana precisava ser rápida, pois se seu plano desse errado, não poderia deixar nenhum vestı́gio de sua presença ali.

Acabara de arrumar tudo.

Praguejou baixinho.

Onde diabos estava a garota cega?

Será que ela não entendia a gravidade dos acontecimentos.

Seguiu em passos largos, encontrando-a tentando de algum jeito cobrir o corpo nu.

Parou a alguns passos... Observando-a.

Fitou os seios redondos como uma laranja...

Meneou a cabeça negativamente, enquanto se aproximava dela.

Tentou segurar seu braço, mas Aimê se afastou.

-- Não me toque! – Falou baixinho. – Estou cansada de suas grosserias e brutalidades.

A morena colocou as mãos na cintura, encarando-a.

-- Ah, então não me diga que prefere voltar para seus amiguinhos... Ah, já sei, decerto, você deve ter gostado de ser violentada por eles... Tornou-se puta deles e por isso deseja retornar...

Antes que ela terminasse de falar, a Villa Real caiu de joelhos e começou a vomitar.

Aimê tossia e colocava para fora o pouco que comera no dia anterior.

A Calligari via a cena sem saber que atitude tomar.

Passou a mão pelos cabelos negros, respirando fundo.

Lentamente foi até ela, segurando-a pelos ombros.

-- Precisamos ir para o lago, não podemos estar aqui se os cães aparecerem. – Dessa vez foi mais agradável, até gentil. – Venha comigo. – Ajudou-a a levantar.

Diana enrolou o cobertor em seu corpo para cobrir sua nudez, depois a livrou das cordas que prendiam seus pulsos.

-- Preciso que me ajude...

Os olhos azuis traziam surpresa diante do pedido... Fez um gesto afirmativo, levantando-se, caminharam juntas, de mãos dadas seguiram.

Não  estava  totalmente  claro,  pois  o  dia  estava  nublado,  mesmo  assim  era  possível  enxergar...  Eram  os  primeiros raios do dia iluminando a caverna pelas frestas.

-- Preciso que entre na água e fique lá, esconda-se atrás das rochas.

A morena observou os olhos grandes atentos a suas palavras.

-- E você? – Questionou assustada.

Diana fitou a abertura no teto da caverna.

Teria que escalar.

-- Ficarei observando tudo... Em hipótese alguma saia...

Tirou-lhe o cobertor, depois se livrou das próprias roupas, levando-a até o esconderijo.

-- E se eles entrarem aqui? – Indagou ainda mais apreensiva.

A morena a observou umedecer os lábios e por alguns segundos ficou hipnotizada diante da pontinha da lı́ngua rosada.

Cerrou os dentes irritada.

-- Bem, se você tem alguma religião, comece a rezar.

Aimê engoliu em seco, enquanto percebia que aquela misteriosa mulher se distanciava.

A Calligari vestiu-se, depois pegou os coldres colocando-os nas coxas e no peito. Também se armou com o arco.

Se o seu plano de despistar não desse certo, usaria todo o poder de fogo que possuı́a.

Antes de escalar as pedras, fitou mais uma vez em direção onde estava a neta de Ricardo.

Ela teria ideia do perigo que estava correndo?

Dando de ombros, seguiu para o seu posto.

A alguns metros dali podia ouvir a voz daqueles homens e o latido dos cachorros.

Diana pegou o binóculo, observando tudo com atenção.

Sentiu uma gota cair em sua mão.

Observou o céu, não demoraria a chover.

Fitou os quatro homens mais à frente.

Havia dois cães com eles, pastores alemães.

Prendeu a respiração.

E se atirasse neles? Seria muito arriscado e se denunciaria, sem falar que havia muitos outros.

Esperava que seu plano desse certo.

 

 

 

 

 

 

Os homens observavam as redondezas.

O voo alto e barulhento do falcão pareceu distrair os cachorros.

-- Vamos, façam esses vira-latas trabalharem! – Gritava. — Precisamos encontrar essa maldita garota!

O latido dos cães pareciam meio perdidos.

Mais uma vez ruı́dos os distraı́ram.

-- O que está acontecendo com esses imprestáveis? – Crocodilo esbravejou. -- Essa maldita ave está atrapalhando! – Mirou com a arma em direção ao pássaro.

Um dos homens veio correndo na direção deles.

Ele parecia assustado e totalmente sem fôlego.

-- Uma onça está vindo em nossa direção, está caçando. – Disse assustado. – Parece um demônio faminto.

Crocodilo engatilhou o revólver.

-- Que ela venha se encontrar com minha arma!

De repente uma nuvem encobriu o céu e alguns pingos começaram a cair. Uma simples neblina tomou proporções desastrosas.

-- Que merda é essa?

Um raio caiu perto deles, sobre uma enorme árvore.

Os homens pareceram assustados.

-- Voltemos para o acampamento, esperaremos esse dilúvio passar. – Ordenava Crocodilo.

 

 

 

 

 

 

Diana se sentiu aliviada.

Fitou o céu e percebeu que aquela tempestade demoraria bastante o que seria bom para poder descansar e assim que recuperasse as forças seguiriam viagem.

Sentiu as gotas grossas molhando seu rosto.

Observou os sequestradores se afastarem.

Eles eram espertos, pois sabiam que ninguém sairia sob aquela chuva e eles sabiam que elas estavam por perto.

Observou com o binóculo que nem todos tinham partido. Novamente um mantinha guarda.

Mordiscou o lábio inferior.

Aquela pequena vitória não deveria subir a cabeça, pois tinha certeza que eles não desistiriam. Eles sabiam que tinham mais vantagens e por isso arriscariam tudo em busca da refém valiosa.

Precisava estudar o mapa e mesmo que fosse mais perigoso, seguiria pela parte mais selvagem, menos habitada.

Esperava não cruzar com nenhuma daquelas tribos que a baniram, isso seria seu fim.

Um poderoso trovão se fez ouvir.

Aimê gritou assustada.

A Calligari a fitou demoradamente. Parecia hipnotizada.

 

Massageou as têmporas de forma impaciente.

Ela continuava no mesmo lugar, escondendo-se por trás das rochas.

Diana suspirou irritada.

Começou a descer e em poucos segundos estava à beira do lago.

Tirou as armas, depois se livrou das roupas.

Caminhou até onde ela estava, a água estava fria e o corpo da jovem tremia.

Encostou-se a suas costas, abraçando-a.

Aimê teve um sobressalto.

-- Calma, sou eu! – Disse em seu ouvido. – Seu corpo está frio como o cano do meu revólver.

Diana colou-se mais, pois a última coisa que desejava era que a garota ficasse doente.

A morena tocou-lhe os ombros, massageando-os, sentindo a pele dela totalmente arrepiada.

Ela tinha as costas bem feitas.

Alguns sinais repousavam sobre a pele branca.

Naquela parte havia frestas onde a luz penetrava, deixando menos escuro.

-- Estou com frio... – A Villa Real batia os dentes.

A pintora não pareceu se importar com aquilo naquele momento, pois outra sensação poderosa a estava dominando.

Cerrou os dentes.

-- O que houve? – A jovem questionou.

A neta de Ricardo sentiu os mamilos doloridos. Cruzou os braços sobre eles.

Diana colocou uma madeixa por trás da orelha dela e sussurrou ao seu ouvido.

-- Por agora estamos salvas...

A Villa Real virou o rosto, sentindo o hálito fresco tão próximo.

A pintora observou os lábios rosados demoradamente... Fitou os olhos tão azuis e recordou-se de outros cruéis tão idênticos.

-- Vamos sair daqui... – A Calligari disse de forma aborrecida.

Aimê sentiu os pelos da nuca se arrepiarem ao sentir o hálito tão próximo do pescoço.

Os toques dos corpos nus pareceram uma forma de blasfêmia.

Assentiu rapidamente, tentando se livrar das sensações estranhas que a invadiam.

Ambas caminharam para fora, seguindo em direção ao outro corredor. Diana caminhava rapidamente, enquanto Aimê se esforçava para conseguir acompanhá-la.

A morena armou mais uma vez a cama improvisada, ajudou-a a deitar, cobrindo-a com um cobertor, em seguida se concentrou em acender a fogueira.

-- Onde... Onde eles estão?

-- Com certeza se protegendo da tempestade. – Respondeu sem se voltar. – Mas nem todos seguiram, temos um que vigia incessantemente.

Aimê cobriu-se até o queixo.

-- Então estamos salvas por enquanto?

As primeiras labaredas começavam a esquentar o local.

Diana permaneceu sentada por alguns segundos observando o fogo, depois deitou ao lado da garota.

-- Por pouco tempo sim, mas depois eles voltarão ainda mais determinados a sua procura.

A Villa Real pareceu ponderar por alguns segundo e depois voltou a falar.

-- Você os conhece? Sabe o quão perigosos são?

A Calligari nada disse, apenas se virou de forma que pudesse observar melhor a prisioneira. Mesmo tendo ela aquela deficiência, seria bem requisitada nos bordeis do oriente. Era bonita, tinha uma essência inocente... Pura... Alguém que a olhasse ficaria a pensar em como deveria ser gostoso possuı́-la, como deveria ser perfeito ver aquela face transfigurada pelo prazer.

Sacudiu a cabeça para se livrar desses pensamentos.

-- Eles tocaram em ti? – Questionou-a. – Foi molestada?

Aimê meneou a cabeça negativamente.

-- Falaram que seria preferível assim... Porém alguns insinuavam durante todo o tempo que se eu não ficasse quieta iriam fazer pior do que costumavam fazer com as mulheres que estavam nas tendas. – Umedeceu o lábio superior. – Usavam- nas em minha presença, diziam que era para eu aprender como deveria satisfazer meus clientes...

Diana conhecia bem aquele discurso, mas nem sempre eles seguiam as ordens do chefe. Crocodilo tentara estuprá- la e se não tivesse o ferido, em seguida fugido, logo ela seria usada por todos aqueles bárbaros.

-- Quem é você? Por que veio até aqui? Meu avô mandou você me salvar?

A morena esboçou um sorriso sarcástico.

-- Ninguém manda em mim!

-- Mas então? – Apoiou-se de lado.

Com o movimento, o lençol cedeu um pouco, deixando a pele branca de fora, a tentadora borda dos seios.

Diana mordeu a lateral do lábio inferior.

Virou de costas, observando o teto da caverna, havia teias de aranha e decerto morcegos, depois voltou para a posição de antes.

-- Sou Diana Calligari! A major Diana Calligari!

A perplexidade estava presente na face da herdeira de Ricardo.

Há tempos quando convivera com os Villa Real não cruzara muito com a garotinha que agora já era uma mulher.

Decerto, ela nem se recordava de si.

-- Diana...

A morena sentiu um arrepio na nuca ao ouvir seu nome pronunciado por aqueles lábios bonitos. Era doce, melodiosa...Excitante... Um canto das musas de Apolo.

Mexeu-se exasperada.

-- Diana Calligari... – Ponderava, enquanto repetia o nome. – Eu tenho a impressão já ouvi esse nome... Mas não me recordo... Alexander Calligari tem alguma ligação contigo?

-- Sim... Ele era meu pai...

Aimê pareceu confusa.

-- Então você fazia parte do batalhão... – Abriu um enorme sorriso. – Decerto esteve sob as ordens do meu pai...

-- Não me fale desse miserável! – Cortou-a de forma agressiva.

Aimê pareceu chocada com a explosão.

-- Por que se dirige assim a ele?

-- Se você não parar de falar, eu te jogarei lá fora... Então você não será uma puta em um bordel, mas comida para uma onça faminta que está caçando.

 

A jovem ainda abriu a boca para dizer algo, porém mais uma vez achou melhor não a afrontar.

Fechou os olhos, pensando no que acabara de ficar sabendo.

Deus!

E se essa mulher estivesse ali por interesses próprios, se estivesse ali para levá-la para um destino ainda pior do que o outro?

Sacudiu a cabeça tentando se livrar daqueles pensamentos assustadores.

 

 

 

Diana preferiu se afastar.

Mesmo diante da chuva, a morena deixou a caverna.

Estava faminta e não aguentava comer mais sanduı́che.

Sabia onde conseguiria algo delicioso.

Seguiu na direção contrária.

Ela não parecia se incomodar com o banho que estava tomando, parecia até gostar.

Estava totalmente nua, usando um coldre com um punhal na canela e o arco e flecha nas costas.

Sentia falta daquilo, sentia falta daquela liberdade, de não precisar ser uma dama daquela sociedade que fora tão cruel consigo.

Corria livre... Parou ao ver algo bem apetitoso.

O pequeno animal estava sob um tronco tombado e não teve chance de defesa.

A Calligari foi rápida e precisa.

Pegou o animal e ali mesmo o livrou da sua pele, retirando as entranhas e deixando-o pronto para ser comido.

A chuva engrossou.

Uma árvore foi atingida perto de si, tombando violentamente.

-- Quem é você?

O sotaque colombiano a assustou, mas ela permaneceu quieta, sabia que o outro estava parado bem atrás de si.

Não sabia qual deles seria, mas tinha certeza que poderia ter problemas sérios se não agisse de forma adequada.

Virou-se lentamente, tentando não fazer nenhum movimento brusco, temendo que ele reagisse.

O olhar do homem pareceu enfeitiçado diante da bela mulher despida.

-- Ouviu a minha pergunta?

Diana fez um gesto de assentimento com a cabeça.

Conhecia-o, ele fora o cara que transou com a prostituta diante de Aimê.

-- Quem é você? – Questionou apontando a arma. – Quem é você? – Repetia desconfiado.

-- Eu? – Falou alto para se fazer ouvir sobre a tempestade. – Sou uma ı́ndia. – Disse observando tudo ao redor, temendo que tivessem outros por ali.

Ele esboçou um sorriso cruel e os dentes podres puderam ser vistos.

-- Nunca trepei com uma ı́ndia! – Encostou o cano contra a pele do pescoço dela. – Ainda mais uma tão bonita. – Acariciou o pescoço esguio com o revólver. – Sempre tem a primeira vez. E estou pronta para aprender suas particularidades de selvagem.

Diana sabia que a arma estava engatilhada... Seu cérebro parecia calcular todas as chances de sair vitoriosa daquele ataque.

 

Mais uma vez olhou ao redor buscando outros, mas parecia que ele estava sozinho.

Um estrondoso trovão foi a distração que ela precisava.

-- Disso não há dúvidas!

Rapidamente a Calligari o desarmou e travaram uma luta corporal.

O homem era muito forte e maior e a pintora precisou ser bastante ágil para se livrar das suas investidas desajeitadas.

Ele a encostou forte contra uma árvore, enforcando-a.

-- Maldita, vai morrer para aprender a ser civilizada!

Ele era forte e alto, conseguindo levantá-la sem muito esforço.

-- Depois que morrer, usarei seu corpo bonitinho... – Apertou-a mais forte.

A Filha de Alexander tinha dificuldades para respirar... Segurou-lhe os pulsos para tentar aliviar o aperto, mas sua tentativa foi inútil.

A Chuva caia mais grossa, o barulho era ensurdecedor.

Em uma tentativa desesperada, a morena levantou a coxa, acertando-o nas partes ı́ntimas, em seguida se afastou tentando respirar.

Sentiu-se tonta pela falta do oxigênio.

O homem não demorou muito para partir novamente para cima dela.

Diana foi rápida ao pegar o punhal que estava preso na canela e jogar contra ele.

A arma descansou contra a garganta do oponente que arregalou os olhos antes de cair em um baque surdo.

Aproximou-se dele.

Observando-o com atenção, enquanto tentava respirar.

O corte fora superficial, mas fora sobre um dos pontos de pressão e por isso o deixaria um tempo desacordado.

Pegou a arma, a caça e saiu correndo por entre as árvores.

 

 

Aimê despertou com o barulho de um trovão.

A fogueira ainda queimava

Ela sentou, enquanto se cobria até o queixo.

Ainda estava nua e esperava conseguir roupas porque não se sentia bem estando despida.

Ouviu o som dos morcegos e pareceu ainda mais temerosa.

Ouviu passos.

 -- Diana... – Chamou-a.

A Calligari parou diante dela. Ainda respirava com dificuldades.

 

 

Deixou a caça de lado e logo sentou.

Tremia...

-- Onde você estava?

Pegou um pouco a coberta.

-- Tomou banho de chuva?

A Calligari batia os dentes.

-- Sim!

Aimê tocou nela por acidente.

-- Deus, você está fria como uma pedra de gelo. – Disse horrorizada. – Precisa se aquecer.

Diana a encarou por alguns segundos, parecia ponderar. Depois fê-la deitar e logo em seguida cobriu-a com seu corpo.

Aimê teve a impressão que uma descarga elétrica a percorria.

-- O que está fazendo? – A jovem questionou assustada.

-- Preciso... Preciso me aquecer... Preciso de calor humano ou vou morrer de hipotermia.

A Villa Real sentiu-a moldar perfeitamente sob sua pele. Sentiu o contato entre os seios, entre as coxas e teve uma sensação estranha, embriagante.

Permaneceram quietas, enquanto o calor passava de um corpo para o outro.

A Calligari começou a sentir outro tipo de necessidade.

Encarou-a por alguns segundos.

Viu os olhos azuis parecerem assustados...

Sentiu-se molhada... Terrivelmente molhada...

Escondeu o rosto no pescoço esguio...

Fechou os olhos e logo adormeceu nos braços da filha do homem que destruı́ra sua vida.


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