A dama selvagem - Capítulo 25


Na manhã seguinte Vanessa chegou cedo ao apartamento. Dirigiu-se para o quarto de Aimê, encontrando-a de roupão. Tinha acabado de tomar banho.

-- Bom dia! – Cumprimentou animadamente.

Cláudia sorriu.

-- Deu viagem perdida, não irei a lugar nenhum contigo! – A garota falou em tom de desafio.

Não iria aceitar nada que viesse da filha de Alexander. Sabia que sua família já fizera mal suficiente àquela mulher, então não havia dívidas da parte dela para consigo.

Claro que gostaria de voltar a enxergar, passara todos aqueles anos ansiando por isso, mas sabia que aquele não era seu momento, não teria condição para pagar, então, essa seria sua escolha.

Não conseguira dormir nada. Revirara na cama pensando em tudo o que estava acontecendo.

Vanessa e Cláudia trocaram olhares.

A empresária não pareceu surpresa com a negativa, já estava pronta para usar todos os argumentos para convencê- la quando a porta se abriu.

Prendeu a respiração, pois sabia que não haveria muita negociação com a pintora.

Diana Calligari!

O rosto trazia uma expressão debochada, um sorriso sarcástico brincava no canto dos lábios bem feitos.

-- Ótimo, mimadinha, vamos nós duas então!

A senhora Villa Real observou a expressão decidida da herdeira de Alexander, enquanto via Aimê bater o pé, negando-se totalmente a se submeter a ela.

Decidiu se intrometer:

-- Filha, por favor, pense bem, se deseja tanto ir embora, defender-se sozinha, enquanto for cega continuará sendo uma presa fácil para Crocodilo.

Aimê cruzou os braços sobre os seios.

Tivera uma noite terrível depois da última visita da major e quando dormira um pouco, tivera a sensação que seu corpo tinha sido tomado pela índia selvagem.

Deus, claro que ela desejava voltar a enxergar e desde que soubera dessa possibilidade ficara eufórica, entretanto, o problema era depender da mulher que a ferira tanto para isso.

Ainda doía em seu ı́ntimo recordar de como fora burra em se declarar e em seguida ser alvo de deboche, humilhada de forma a feri-la cruelmente.

Diana fez um gesto para que Cláudia e Vanessa deixassem o quarto.

O olhar inflexível não dava chances para protestos.

A empresária colocou a mão sobre o ombro da mulher de Ricardo, auxiliando-a a deixar os aposentos.

Quando ficaram sozinhas, a Calligari se sentou na poltrona, cruzando elegantemente as longas pernas.

Sabia que a garota parada no meio daquele quarto era teimosa, percebia que não seria fácil convencê-la a fazer algo, se esbravejasse seria pior, a menos realmente que estivesse disposta a arrancá-la dali pelas lindas e delicadas madeixas, coisa que ainda não estava em cogitação.

Observou-a com bastante atenção, perdendo-se naquela beleza teimosa.

 

-- Está agindo como criança! – Falou calmamente. – Não estou te dando nenhuma esmola, estou apenas tentando me redimir de algo terrível que fiz... Deveria me dá  essa chance para eu não queimar totalmente no fogo do inferno por mais um pecado. – Debochou.

Aimê ouvia a explicação sarcástica, parecia ponderar tudo com atenção.

-- Aceite o que estou te oferecendo... Não quero obrigá-la a fazer nada, ainda mais quando se trata de uma cirurgia que te devolverá a visão... Quero que o faça, que possa, como sua avó disse, se defender de tudo o que possa acontecer...Defender-se de mim... Quero que faça a melhor escolha.

A Villa Real seguiu até a cama, sentando na beirada. Mantinha a cabeça baixa, parecia pensativa.

Diana seguiu até ela, acomodando-se ao seu lado.

-- Prometo que não me aproximarei, nem mostrarei minha desagradável cara quando voltar a enxergar. – Gracejou com um sorriso.

Aimê levantou a cabeça na direção dela, os olhos azuis brilhavam em lágrimas. Por que era tão difı́cil tê-la perto?

Ansiava por aquela mulher e odiava-se por isso.

-- Quero ir embora, Diana, quero me afastar de ti... Não posso ficar próxima de você...

A morena assentiu tristemente.

Era dolorido ouvir aquilo, ainda mais por saber que fora a única responsável por plantar aquele desprezo dentro dela.

Levantou-se.

-- Vá com a Vanessa! Faça o que deve ser feito e depois disso prometo que pensarei carinhosamente na sua vontade de ir embora.

Seguiu até a porta, mas antes de sair, olhou mais uma vez para a filha de Otávio. Quanto mal tinha causado a ela?

Será que um dia toda aquela dor passaria? Sem mais palavras, deixou os aposentos.

 

 

 

 

 

Não demorou muito para Vanessa retornar.

Observou a Villa Real sentada na cama, via a tristeza em seus olhos azuis, era parecida com a que a Calligari tentara disfarçar ao deixar o quarto.

Não entendia como pessoas que se amavam poderiam viver se repelindo daquele jeito.

Estava claro o que ambas sentiam, mas infelizmente Otávio até morto continuava a destruir a vida da major. Aproximou-se de Aimê, tomando-lhe as mãos delicadamente.

-- E então, querida? Qual a sua decisão?

A garota umedeceu o lábio superior, depois levantou a cabeça para a mulher.

-- Vanessa... – iniciou hesitante – a Diana já se apaixonou por alguém em sua vida?

 A empresária pareceu surpresa com o questionamento.

Ponderou durante um tempo antes de indagar:

-- Por quê?

-- Eu acho que deveria ser interessante ver a arrogante major se desmanchar em amor por alguém... Se dobrar a vontade alheia...

Vanessa exibiu um grande sorriso.

-- Não é isso que você faz com ela? – Mordeu a lı́ngua para não se desmanchar em gargalhada.

Os olhos azuis se estreitaram em confusão.

-- Eu? – Perguntou surpresa.

A empresária arrumou os cabelos da neta de Ricardo.

-- Um dia quando voltar a enxergar e tiver a oportunidade, olhe nos olhos da Diana quando ela estiver contigo...

Aimê não pareceu entender o que Vanessa tentava dizer.

-- Bem, vou chamar sua avó para te ajudar a se arrumar, quero sair logo.

A Villa Real nada disse, enquanto ouvia os passos se afastarem.

Estava presa em seus pensamentos e em seus temores, ainda mais quando se tratava da intratável anfitriã. Em alguns  momentos  ficava  confusa  diante  da  pintora,  pois  percebia  que  em  algumas  situações  ela  tentava  segurar  o  terrível gênio, mas na maioria das vezes agia com maior grosseria possível.

Não tirava da Calligari o direito de sentir tanta raiva da sua famı́lia e isso era algo terrivelmente frustrante, pois sabia que fazia parte daquele cı́rculo e doı́a muito entender que a mulher que amava não podia sentir o mesmo por si.

Às vezes tinha vontade de abraça-la bem forte e mantê-la ali para que nada as separasse, em outras, queria fugir para longe e nunca mais ouvir menção a ela.

Umedeceu os lábios sentindo-os secos.

Ouviu os passos da avó.

Cláudia se aproximou, abraçando-a.

-- Estou tão feliz que tenha aceitado, desejo tanto que possa voltar a enxergar. – Beijou-lhe o topo da cabeça. – Ricardo vai ficar tão feliz quando você for o visitar e poder vê-lo. – Afastou-se um pouco, segurando-lhe as mãos.

-- Acho que estamos esquecendo dele, raramente saı́mos para vê-lo... – Dizia tristemente. – Queria que ele saı́sse daquela prisão o mais rápido.

-- O advogado está trabalhando para isso e logo ele retornará para o nosso lado e vamos poder ser muito felizes.

Aimê suspirou demoradamente.

-- Espero que sim... É o que mais desejo.

Cláudia seguiu para arrumar as roupas, enquanto a jovem permanecia perdida em seus pensamentos.

 

 

 

 

 

Vanessa seguiu até o escritório, sabia que Diana tinha ido para lá. Parou em frente a porta, bateu e como não recebeu resposta, adentrou.

Observou a morena compenetrada diante da tela do computador portátil.

 

Quem não a conhecesse bem, imaginaria uma cena normal, equilibrada até, porém a empresária sabia como aquela máscara era enganosa.

-- Aimê está se arrumando e daqui a pouco a levarei até a clı́nica.

A Calligari digitava e só quando terminou, lançou seu olhar a outra.

-- Ótimo, você ficará responsável por ela a partir de agora. – Baixou a tela. – Participarei da exposição na França, acabei de aceitar o convite, hoje mesmo viajarei.

A empresária se aproximou, sentando-se. Fitou-a demoradamente.

Rara eram as vezes que a pintora participava desses eventos sozinha, não demonstrava muita paciência para isso.

-- Pensei que não fosse, tinha deixado claro a sua antipatia pelos organizadores... – Falava pensativa. – Não me diga que está precisando de dinheiro! – Debochou.

Os olhos negros se estreitaram.

-- Também aproveitarei para checar uma pista que os detetives me passaram sobre o paradeiro do Crocodilo.

Vanessa se alterou diante das palavras que ouvia.

-- Eu não acredito que depois de tudo, ainda está  atrás  desse homem! – Repreendeu-a. – Quase foi alvejada da    última vez e o coronel deixou claro para manter distância da operação.

-- E desde quando eu recebo ordens de alguém? – Indagou irritada. – Não vou esperar que aqueles idiotas consigam solucionar esse caso, não acredito que terão sucesso, ainda mais se o maldito bandido seguir pela floresta, como é de costume.

-- Ah, sim, e você tem todas as chances de prendê-lo! – Levantou-se exasperada. – Às vezes tenho a impressão que deseja se matar, na verdade sempre tive essa impressão, porém agora parece mais caprichosa em conseguir esse intuito.

A pintora suspirou.

-- Eu só desejo fazer esse homem pagar! – Disse por entre os dentes.

-- Claro, eu tinha esquecido que você é a cobradora! O Rubem Fonseca vai acabar pedindo os direitos autorais dessa história!

Diana recostou-se na cadeira, girando lentamente, enquanto massageava as têmporas.

-- Sabe que eu entendo a Aimê, eu realmente entendo a raiva que ela sente de você, eu no lugar já teria feito uma mandinga para te ver ajoelhada aos meus pés.

A Calligari meneou negativamente a cabeça.

-- Acho que você não está muito bem, deveria tomar um chá! – Ironizou.

A empresária se aproximou, apoiando as mãos na mesa e inclinando o corpo para a frente.

-- A mulher que você ama vai fazer a cirurgia que poderá devolver a visão e ao invés de você está presente para mostrar esse rosto lindo, você vai caçar esse Crocodilo! – Deu um riso nervoso. – Eu concordo com a Villa Real, no tocante a personalidade, parece que mil demônios habitam sua alma... Mas, meu bem, você é muito linda, maravilhosa, uma deusa, arrogante como elas, mas ainda perfeita... Então se mantiver a boca fechada e não estreitar esses olhos ou revirá-los, tenho certeza que vai ser amor à primeira vista!

Diana acabou rindo das palavras da amiga, na verdade gargalhou tanto que os olhos encheram de lágrimas.

-- Isso não é uma piada! – Vanessa advertiu-a.

 

-- Só pode ser piada, pois eu tenho certeza de que a última pessoa nesse mundo que Aimê deseja ver, sou eu! – Seu rosto voltou a ficar sério. – Por isso deixarei tudo em suas mãos! – Levantou-se. – Também aproveitarei esses dias para ir ao encontro da minha tia.

A empresária a fitava demoradamente.

-- Você sempre me pareceu uma mulher tão forte, mas diante do amor, recua como um coelhinho assustado.

A Calligari cerrou os dentes, o maxilar enrijeceu.

-- Ok, você deseja ouvir, então abra bem seus ouvidos! – respirou fundo. – Eu a amo sim, amo-a muito, amo-a como jamais imaginei que amaria, na verdade, nunca tinha sentido isso e se pudesse arrancar isso de dentro do meu peito, já teria feito.

-- Por quê?

-- Porque eu não consigo separar a Aimê que eu amo da filha de um assassino que destruiu a minha vida... – Bateu com o punho fechado sobre a mesa. – Acha que não gostaria de deixar tudo no passado? Acha que não já tentei? – Os olhos negros faiscavam. – Eu não consigo! – Baixou a cabeça. – Acha que é uma tarefa fácil tê-la sob meu teto? Não sabe como me desesperei quando ela sofreu aquele acidente, como me senti culpada... – Fitou-a. – Eu estou condenada a penar, enquanto a ter por perto... Preciso pegar o Crocodilo, assim ela não correrá mais risco e poderá viver em paz... Longe de mim!

Vanessa limpou uma lágrima que lhe banhou a face.

Sempre soube da dor da major, mas vê-la colocar tudo em palavras a levou ao extremo.

Desejou ir até ela e abraça-la, mas conhecia bem a morena e tinha certeza de que ela não aceitaria nenhuma demonstração de pesar.

-- Está disposta a deixá-la ir embora?

A pintora assentiu.

-- Sim, contanto que ela esteja em segurança.

A empresária deu a volta na mesa, indo até onde ela estava. Depositou um beijo em sua face.

-- Você acabou de ganhar pontos comigo... – Afastou-se alguns centı́metros. – Cuide-se e prometo cuidar do seu amor. – Segurou-lhe o queixo. – Seja cordata na exposição, aquelas pessoas gostam bastante das suas obras e devem estar eufóricas porque pela primeira vez você aceitou o convite.

-- Sentirei saudades de você chamando a minha atenção o tempo todo.

Vanessa sorriu.

-- Mantenha-me informada de tudo!

A empresária a abraçou.

-- Eu sei que você vai conseguir ser muito feliz ao lado da Villa Real e ainda vai ter vários bebês, todos bronzeados e com essa carranca grande para eu levar pra passear.

Diana a viu se afastar sem olhar para trás e ficou grata por aquilo. Limpou algumas lágrimas que insistiam em sair.

Voltou a sentar, levantando a tela do notebook.

Sabia que aquilo era o melhor a ser feito, mesmo que soubesse que aquele passo significaria a sua total condenação. Fechou os olhos por alguns segundos e a imagem da Aimê veio em sua mente.

Os olhos azuis tão lindos e intensos...

Lembrou do desprezo que demonstrara inú meras vezes nos últimos dias.

Precisava mantê-la distante de si, pois temia não controlar o desejo de tê-la em seus braços, de senti-la, unir-se a ela.

Ouviu o som do correio eletrônico... O e-mail fora enviado com sucesso.

 

 

 

 

 

 

Naquele dia Aimê deu entrada no hospital.

Doutor Júlio Romanofe se mostrou bastante entusiasmado e ao recebê-las em seu consultório, explicou todo o processo que a jovem se submeteria.

Esclarecia que não seria uma operação simples, devido aos longos anos que a Villa Real perdeu com especialistas que não entendiam bem do assunto.

Depois do acidente que sofrera, a filha de Otávio tinha passado por algumas cirurgias, mas os poucos recursos que tinham para investir não foram suficientes para irem mais longe.

Há anos, Júlio vinha fazendo pesquisas naquela área e conseguira resultados ótimos, mas no paı́s era a primeira vez que tentava a proeza.

-- Quero que entendam que o procedimento é bastante delicado, mas temos muitas chances de obter sucesso.

 Aimê estava sentada entre Cláudia e Vanessa.

-- Onde está a Alessandra? – Indagou, enquanto prescrevia algumas coisas. – Ela estava tão entusiasmada que imaginei que seria a primeira a estar aqui hoje

A Villa Real respirou fundo chamando a atenção da empresária.

-- A Diana precisou viajar – Disse, mirando a jovem de soslaio-- nesse momento deve estar indo para o aeroporto, porém me pediu para lhe informar sobre tudo.

-- Ótimo! – O doutor levantou. – Hoje você fica interna! Já reservei um apartamento para que fique assim que sair da sala de cirurgia. As duas poderão acompanhá-la.

-- Obrigada, doutor! – Cláudia se antecipou.

-- Vai ser um prazer devolver a visão a uma jovem tão linda!

A porta se abriu e uma enfermeira se aproximou.

-- Leve-as e cuide da Aimê, pois amanhã mesmo desejo fazer a cirurgia.

A mulher jovem toda vestida de branco sorriu em simpatia.

-- Venha comigo, vamos fazer alguns exames!

Pediram licença, deixando o consultório.

 

 

 

A Villa Real parecia pensativa, enquanto passava por uma bateria de exames.

Na verdade, estava a imaginar a onde tinha ido a Calligari. Assustava-se ao imaginar que ela poderia estar correndo risco indo atrás do Crocodilo.

Cláudia foi até o banheiro, enquanto só a empresária e a enfermeira acompanhavam a garota. Aimê estava deitada na cama.

Em determinado momento chamou Vanessa.

-- Sim, querida! – Respondeu preocupada. – Algum problema?

A enfermeira seguia medindo os batimentos cardı́acos da paciente.

-- Onde a Diana está? – Perguntou receosa.

Vanessa suspirou.

Estava na ponta da lı́ngua despejar toda preocupação que estava sentindo com a pintora, mas sabia que não poderia perturbar a calma da garota, ainda mais agora.

-- Ela foi a uma exposição na França.

-- Tem certeza de que ela não está se arriscando em uma caça àquele bandido? – Indagou desconfiada. – Não deveria permitir que ela fizesse isso!

A empresária suspirou.

-- Meu anjo, eu conheço a Diana há tanto tempo e nunca consegui dissuadi-la de uma ideia quando coloca naquela cabeça.

-- Naquele dia que estivemos no quartel você disse que o coronel tinha proibido que ela se metesse nesses assuntos. – Dizia pensativa. – Por quê?

-- Porque quase ela levou um tiro no confronto!

Os olhos azuis se abriram em total pânico.

-- Deus!

Vanessa se arrependeu de ter falado.

-- Mas não deve se preocupar, ela foi para França, vai participar de uma exposição. – Tentava amenizar a preocupação que via na testa franzida.

-- Quanto tempo ela vai ficar fora?

-- Ainda não sei, pois comentou que ainda vai visitar a Dinda.

-- Você vai falar com ela? Pode me dizer se ela está bem?

A empresária via como havia amor entre aquelas duas mulheres e doı́a ver como perdia tempo se digladiando.

-- Sim, querida, agora relaxe para que tudo saia bem.

Aimê fez um gesto de assentimento com a cabeça, mas isso não era suficiente para convencer seu coração de que tudo ficaria bem.

Estava assustada, temendo que algo de ruim se passasse com a pintora.

Lembrou-se do dia que estavam na floresta, recordou-se de quando ficara sabendo que ela tinha sido alvejada pelos bandidos.

Deus, como temeu perdê-la naquele momento! Mexeu-se na cama.

-- Fique imóvel! – A enfermeira pediu. – Não deve se mexer, enquanto fazemos os exames.

-- Certo, desculpe-me!

 

 

 

 

 

Diana embarcara há mais de uma hora. Sabia que a viagem seria longa.

Pegou um livro e aparelho com músicas.

Precisava se distrair durante o percurso de quase vinte horas.

Sabia que dormir não seria uma opção, pois não conseguia fazê-lo durante voos.

A elegante aeromoça apareceu oferecendo um delicioso vinho, mas a Calligari dispensou, decidindo-se pela água. Desejava se manter sóbria, pois quando bebia acabava se entregando aos sentimentos e isso doı́a mais.

Depois de ler a mesma página três vezes e não conseguir entender, fechou a brochura. Olhou pela janelinha... Depois observou os passageiros que estavam ao seu lado.

Um senhor de aparência simpática lia uma revista, na outra poltrona uma adolescente dormia tranquilamente.

Voltou a olhar pela pequena abertura.

Desejava ter ficado ao lado da Villa Real naquele momento. Adoraria ver aqueles lindos olhos voltarem a enxergar, mas sabia que sua presença não seria algo benéfico para a menina.

Deus, como fora se apaixonar pela filha do desgraçado que lhe tirou tudo?

Odiava ainda mais Otávio, pois mesmo depois de morto, ele ainda lhe tirara a chance de ser feliz com a mulher que amava.

Aimê tinha todas as razões do mundo para odiá-la, afinal, fora humilhada cruelmente depois de ter se entregado e confessado seu amor.

Engoliu em seco.

O melhor seria que ela casasse com o tal de Alex, assim, ela poderia ser feliz e ter alguém para amá-la sem medo e mágoas.

Apertou forte os dentes.

Só em pensar que ela seria tocada por outro a enlouquecia, só em pensar que ele acordaria ao seu lado e veria aqueles lindos olhos se abrirem de manhã junto com um sorriso...

Fechou as mãos ao lado do corpo. Suspirou!

O melhor a fazer era se concentrar na sua busca por Crocodilo, só assim Aimê poderia viver em paz. Ouviu o choro de uma criança e sorriu ao ver o bebê no colo da mãe na fileira do lado.

Quando a Villa Real tivesse um filho teria aqueles olhos grandes e azuis e aquela aparência de anjo. Sorriu com a imagem que povoou sua mente.

Seria doce, gentil e tagarela...

Ela a levaria para passear, brincaria e faria palhaçada para arrancar risos da criança... E depois da cirurgia ela poderia ver o rosto dela.

Voltou a fechar os olhos, desejando dormir durante muito tempo.

 

 

 

 

 

Dois longos dias depois, Aimê se submetia a uma cirurgia que durara longas horas.

Doutor Júlio contara com o auxı́lio de dois médicos alemães que estudaram o caso junto consigo.

Cláudia e Vanessa andava de um lado para o outro no enorme corredor.

Estavam ansiosas para saber notı́cias, mas ninguém dizia nada.

Já era noite quando o médico deixou a sala acompanhado dos colegas.

A empresária se adiantou até ele, enquanto a senhora Villa Real mal conseguia se manter de pé com as pernas trêmulas.

-- E então, doutor? – Questionou a empresária. – Como foi?

Júlio deu um enorme sorriso.

-- De nossa parte podemos dizer que foi um sucesso, agora precisamos esperar para ver se o resultado foi o plenajeado.

-- Mas tem risco de que não dê certo? – Cláudia indagou assustada.

-- Eu disse que terı́amos noventa por cento de chances de que tudo saı́sse bem, então esperamos que quando os curativos forem tirados, Aimê consiga enxergar. – Bateu amigavelmente nas costas das mulheres. – Calma, vamos ter fé! Daqui a algumas horas ela será levada para o quarto e vocês poderão ficar com ela.

O homem pediu licença, seguindo junto com os outros. Vanessa abraçou a avó da jovem.

-- Precisamos ter calma, tudo vai ficar bem... O doutor é um dos melhores do mundo! – Tentava encorajar a Villa Real.

-- Tenho medo que as coisas deem errado... Aimê já tinha se submetido a uma intervenção, mas não deu certo e depois não tivemos mais condições de custear

O som de um telefone interrompeu-as. Vanessa reconheceu o número.

Calligari.

Pediu licença, enquanto se afastava.

-- E então? – A pintora questionou ansiosa.

A empresária respirou fundo.

-- Não deveria estar dormindo?

Diana tinha saı́do cedo, foi até uma boate conhecida em Paris para tentar se distrair e naquele momento tinha acabado de chegar ao hotel.

-- Diga-me de uma vez! – Exigiu irritada.

Vanessa suspirou.

-- Acabou agora, mas ainda não sabemos o resultado. Júlio falou que temos que esperar.

A Calligari sentou na cama.

-- Sim, eu sei, mas como ela está?

-- Ainda não a vimos, não foi levada para o quarto.

-- Assim que estiver com ela me avise.

-- Diana, eu estou quase sem bateria porque de um e um minuto você me ligou... Acho que nunca em dez anos tı́nhamos falado tanto como hoje.

-- Compre um celular novo se precisar!

A empresária ouviu o som da chamada sendo encerrada.

Não era nada fácil lidar com a major, ainda mais quando se tratava da Villa Real.

 

 

 

 

Alguns dias depois, Júlio estava no quarto, pronto para tirar os curativos.

 Cláudia estava apreensiva, Vanessa observava tudo com calma.

Aimê não demonstrava ansiedade, exibia grande serenidade, sentada na cama. Uma enfermeira auxiliava o médico.

Jú lio observava com atenção as bandagens que foram colocadas.

-- Mantenha os olhos fechados! – O cirurgião se livrava aos poucos das proteções. – Tenha calma...

O quarto estava com a luz baixa.

Delicadamente o homem se livrava de todos. Afastou-se um pouco.

-- Abra devagar, querida... – Pediu. Cláudia e Vanessa se aproximaram.

A Villa Real fez o que fora ordenado.

Os olhos azuis se abriam lentamente, enquanto todos a encaravam.

-- E então?

Aimê piscou durante alguns segundos. Seu rosto trazia uma expressão de pesar...

Mordiscou o lábio inferior por intermináveis segundos, até que balbuciou.

-- Eu não vejo nada... Nada...

 

 

 

 

 

Diana não conseguira se manter distante depois da notı́cia aterradora que recebeu de Vanessa. Pegou o primeiro voo retornando ao paı́s.

Sua mente estava a mil quando estacionou o carro diante do hospital. Já era noite e o céu estava sem estrelas.

A pintora subiu as longas escadarias com passos rápidos, não parecendo se incomodar com o alegante sapato de saltos finos que adornavam seus lindos pés.

Saı́ra do aeroporto direto para lá.

Ao adentrar o espaço silencioso e frio, os olhares das recepcionistas se voltaram para si.

Diana usava calça social ajustada às pernas longas e torneadas, na cor azul marinho, camisa social branca e terninho combinando com os trajes baixos.

Os cabelos estavam soltos e naquela noite estava a usar os óculos de graus.

-- O doutor Romanofe a espera! – A mulher se antecipou, temendo ser alvo do terrível gênio da pintora. – Pode me acompanhar.

A Calligari assentiu e logo entrava no consultório do médico.

Júlio se levantou ao vê-la, entendendo-lhe a mão.

A morena aceitou o cumprimento.

-- O que houve? – Questionou imediatamente. – Disse-me que existia grandes chances dela recuperar a visão.

Júlio apontou a cadeira para que ela sentasse.

Era possível ver a impaciência e preocupação nos olhos negros.

Depois de um tempo, ela acabou se acomodando e o homem fez o mesmo. O médico tinha alguns exames nas mãos.

-- Eu estou aqui há horas olhando esses papéis, vendo que tudo está bem com a Aimê, mas ela não enxerga. – Entregou-lhe. – Creio que algo interno está bloqueando! O problema foi corrigido, mas não consegue ver. – Suspirou. – Pedi ao neuro para dar uma olhada nela.

Diana observava com atenção os exames.

-- Mas você não tinha falado sobre algo assim! – Devolveu a ele. – Quando nos encontramos a primeira vez deixei claro que não desejava dar falsas ilusões para ela, eu disse, pois imagino como isso deve ser doloroso. – Queixou-se.

-- E eu te disse que terı́amos chances, examinei-a e tive certeza disso, mas há outras coisas envolvidas. – Explicava com calma.

-- E o que pretende fazer quanto a isso?

Romanofe a encarou.

Não precisava ter uma bola de cristal para perceber o interesse que Diana tinha na moça.

-- Infelizmente apenas só podemos esperar!

Diana se levantou.

-- Eu não sei o que pensar, realmente não sei! A major deixou a sala.

Tinha a impressão que mais uma vez algo escapava das suas mãos.

Desde que ficara sabendo do ocorrido se arrependeu de não ter ficado ali, mesmo diante do desprezo de Aimê, deveria ter ficado ao seu lado.

Andava distraı́da, quando se deparou com Vanessa, que lhe deu um caloroso abraço.

-- Veio do aeroporto direto para cá? – Questionou, afastando um pouco para vê-la melhor. – Não parece nada bem.

Diana parecia aborrecida.

-- Por que demorou tanto para me dizer o que tinha acontecido?

A empresária sabia que isso seria motivo de irritação, mas não tivera coragem de dizer, esperando que um milagre ocorresse e a jovem voltasse a enxergar.

-- Desculpe-me, mas eu preferi esperar, ainda mais por que o Romanofe disse que seria questão de tempo ela se recuperar... Apenas queria te dar uma notı́cia boa.

A Calligari parecia cansada.

-- Onde ela está?

-- No quarto, está dormindo, pois precisou ser medicada para fazer alguns exames. Diana observou o longo corredor. Colocou as mãos nos bolsos da calça.

-- Cláudia está com ela?

-- Não, infelizmente a famı́lia Villa Real não parece muito agraciada pela sorte.

-- O que se passou? – Questionou preocupada.

-- Ricardo passou muito mal e está hospitalizado.

A morena passou a mão pelos cabelos.

-- O que ele tem?

-- Pneumonia! Está muito debilitado. Vitor entrou com um pedido de habeas corpos!

A pintora apenas fez um gesto de assentimento com a cabeça, enquanto observava as postas dos quartos.

-- Onde ela está? – Voltou a perguntar sem esconder a ansiedade.

 A empresária apontou para a terceira porta à esquerda.

-- Ficará com ela? – Indagou esperançosa. -- Preciso ir a minha casa trocar de roupa... Também tenho umas coisas para resolver.

A morena mordiscou o lábio inferior, parecia hesitar diante da possibilidade oferecida.

-- Não acho que a minha presença faça bem, ainda mais depois disso.

-- Não pense assim... Sabe que Aimê me surpreendeu, pois em nenhum momento ela demonstrou desespero, mesmo eu sabendo que isso a deixou muito triste, ela age como se tudo estivesse bem. Apenas ficou agitada quando soube do avô, mas ela está bem, melhor do que nós.

A Calligari assentiu.

-- Ficarei com ela, mas não demore!

Vanessa fez um gesto afirmativo com a cabeça, enquanto via a artista seguir em passos relutantes até o quarto.

 

 

 

O cômodo estava com a luz acesa.

Havia uma cama que era ocupada pela paciente, uma que servia para a acompanhante e um confortável sofá. Havia também uma mesinha pequena para as refeições.

Diana entrou e seu olhar foi atraı́do imediatamente para a jovem que dormia no leito. Levou a mão ao peito, pois temeu que o coração saı́sse a qualquer momento.

Lentamente seguiu até ela e desejou poder abraçá-la bem forte e dizer que tudo ficaria bem e que não a deixaria sozinha jamais.

Estendeu a mão para acariciar sua face, mas não o fez, temendo despertá-la. Seria capaz de doar os próprios olhos para que Aimê pudesse voltar a enxergar. Mirou os lábios rosados, o nariz bem feito.

Não conseguiu evitar se sentir culpada por ter dado esperanças a ela. Inclinou-se, depositando um beijo delicado em sua face.

Afastou-se e viu os olhos azuis se abrirem lentamente.

A Villa Real piscou vária vezes, sentiu os olhos arderem... Doı́am... Fechou-os...

Sentia-se cansada de tantos exames, cansada de estar naquele lugar... Desejava ir embora o mais rápido possível, voltar a sua vida...

Não queria ter se submetido àquela cirurgia, pois sabia que aquele fracasso feria muito os que a amavam... Quanto a ela, estava acostumada com aquela escuridão... Mesmo que tivesse acalentado por em segredo o enorme desejo de poder ver novamente as estrelas... As flores...

Suspirou e mais uma vez abriu os olhos.

Sentiu algo muito forte em sua direção, como um farol alto de um carro... Fechou-os e os abriu devagar...

Tudo estava tão embaçado...

Estaria sonhando?

Conseguiu focalizar melhor... e de repente a imagem borrada pareceu mais nı́tida. Viu os cabelos intensamente negros, emoldurando um rosto forte...

Mirou os olhos negros...

Deus!

O nariz forte e afilado, arrebitado e orgulhoso... A boca grande, de sensuais lábios carnudos... Um anjo vingador com olhar arrogante...

Seria aquilo uma miragem...

Engoliu em seco.

Abriu a boca para falar, mas só depois de um grande esforço, conseguiu verbalizar.

-- Diana...


Comentários

  1. Aaaaah meu pai...
    Mais um.. só mais um..
    Poooor favor. 🥺

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  2. Chegay! Kkkkkkkk Esse momento é muito emocionante, você arrasou! E ansiedade mata viu kkkkk posta mais um pleaseeeeeeeeee!

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  3. 🎶😉Mal acostumadaaa ! Vc me deixouuuu mal acostumadaaa🔭🎶

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