A dama selvagem - Capítulo 22


Anos antes..

Alexander andava de um lado para o outro na mansão da famı́lia.

A sala grande e decorada elegantemente parecia solitária àquela hora da noite. Mexia-se de um lado para o outro de forma impaciente.

Ainda usava a farda do exército e as insı́gnias que enfeitavam o peito.

Estava com o telefone na mão, ligara para Antônia para avisar que naquele dia dormiria na fazenda. Dispensou os trabalhadores, afinal, não tinha cabeça para lidar com as tarefas naquele momento. Algumas reformas estavam sendo feitas e por isso tiveram que ocupar o apartamento da cidade.

Ouviu o relinchar de Cérbero profanando o silêncio da noite.

O animal vivia a reclamar da ausência da dona. Estava sempre agitado e não permitia que ninguém se aproximasse. Suspirou cheio de tristeza.

Seguiu até a mesinha do centro, pegou o porta-retratos, passou os dedos pela imagem da morena de olhos puxados. Exibiu um sorriso.

Sua ı́ndia selvagem que sempre agia como uma dama quando participava das reuniões da alta sociedade que fazia parte.

Sua única filha!

Passara toda a vida se dedicando ao seu ú nico amor.

Ainda se recordava de quando ficara sabendo que a princesa do Sol estava grávida.

Fizera tudo para trazê-la consigo, mesmo não  tendo durado muito, fora os melhores momentos que vivera e recebera o maior presente de todos.

Passou a mão pelos cabelos grisalhos.

Sentia-se irritado por não ter notado o risco que a jovem corria. Agora precisava correr contra o tempo para salvar sua vida.

Meneou a cabeça em total desgosto.

Diana chegara a comentar sobre o assédio do herdeiro dos Villas Real, apenas não imaginara que as coisas se complicariam daquele jeito. Inicialmente achara normal, ainda mais por ela ser uma mulher tão bonita, não era difı́cil alguém cair de amores.

Limpou uma lágrima que insistia em cair.

Sua filha não cometera nenhum crime... Aquelas mentiras que a mı́dia divulgava logo seria esclarecida. Pegou o jornal matutino e mais uma vez viu a foto da major.

Sempre fora motivo de orgulho para si e em nenhum momento acreditara em todas aquelas mentiras que foram contadas.

Lia com atenção cada frase escrita, cada acusação cruel... Limpou os olhos com as costas da mão.

Traidora!

Aquela era sempre o predicativo usado para se referir a major. Amassou o jornal, jogando-o ao chão.

Provaria sua inocência!

Ouviu passos e ao virar-se, deparou-se com Otávio Villa Real. O homem alto, bonito e de sorriso fácil veio ao seu encontro.

-- Alexander! – Abraçou o general em lágrimas. – Amanhã mesmo seguirei para a floresta, prometo trazer a nossa Diana.

O Calligari livrou-se da demonstração de carinho com um safanão.

O coronel exibiu total surpresa.

-- Você é um miserável! – Alexander esbravejou. – Como ousa vim até aqui? Os olhos azuis de Otávio mostravam espanto.

-- O que se passa? – Levou a mão ao peito em total drama. – Estou desesperado em busca da sua filha, estou disposto a tudo para limpar sua reputação... Arriscar-me-ei naquela mata cheia de selvagens para trazer a mulher que amo para casa.

Alexander estreitou os olhos em fú ria.

-- Nunca vai se aproximar da Diana, jamais poderá ter algo com ela! Quando vai perceber que a minha filha te despreza? – Questionou indignado. – Nem que fosse o último ser do mundo poderia conquistá-la!

Otávio estranhou as palavras, afinal, nunca o general se mostrara tão irritado consigo, ao contrário disso, sempre fora tratado como um filho, ainda mais agora que corria atrás para trazer a major de volta.

Mirou tudo com atenção.

O que se passara em menos de vinte e quatro horas?

-- Acha que não sei do que andou fazendo? Acha que não sei que está envolvido nessa história?

 O filho de Ricardo pareceu perplexo com o que ouvia.

A pele branca exibiu a coloração avermelhada.

-- Alexander, eu acho que você está confundindo as coisas – Deu alguns passos para trás. – Todo mundo é testemunha do amor que tenho por Diana, todos sabem como já me arrisquei para livrá-la das mãos daqueles bandidos que ela se uniu... – Dizia com pesar. – Meu Deus...

O poderoso Calligari estreitou os olhos em total descrença. Ficara sabendo do envolvimento de Otávio com coisas terríveis.

-- Minha filha não se uniu com ninguém! – Vociferou, segurando-o pelo colarinho bem assado. – Ao contrário de você, ela é dotada de honra e caráter... – Empurrou-o. – Saia da minha casa e agradeça por eu não colocar uma bala na sua cabeça... Quero que esteja vivo quando toda essa história vir à tona.

Otávio mostrava um semblante de total inocência. Sentou-se na poltrona, baixando a cabeça.

Começou a soluçar, chorava como um menino.

Alexander o encarava, tinha o cenho franzido e a testa enrugada. Esperou pacientemente que ele se recuperasse.

Não sabia direito qual a participação do filho de Ricardo naqueles crimes, porém ficara sabendo que ele se envolvera com pessoas perigosas e isso desmentia a maioria das coisas que ele falara sobre a Diana.

Passou a mão pelos cabelos.

Se suas suspeitas fossem confirmadas, não mediria esforços para colocar aquele desgraçado na cadeia.

Na manhã seguinte iria se embrenhar naquela floresta, enfrentaria qualquer um para trazer de volta sua amada herdeira.

Otávio chorava ainda mais alto como uma criança mimada que queria apenas chamar a atenção.

-- Eu juro pela vida da minha filha... – Soluçava. – Eu amo a Diana, amo-a mais do que a mim mesma... – Levantou a cabeça. – Sou apaixonado... Amo-a tanto que seria capaz de enfrentar todo o mundo para tê-la comigo... Estou disposto a assumir toda a culpa para tê-la comigo...

O general se aproximou dele.

 

-- Nunca – disse por entre os dentes -- Nunca a Diana Alessandra de Calligari será sua, jamais... Então saia da minha casa, antes que te arraste daqui!

Alexander deu as costas e não pôde ver os olhos azuis se estreitarem em puro ódio.

Otávio tirou o revólver do coldre e rasteiramente se aproximou, usando toda sua força para bater na nuca do general.

Alexander caiu desfalecido.

-- Então quer dizer que não terei a sua filhinha? – Chutou as costelas do homem caı́do. – Como vai protegê-la? – Chutou mais forte. – Sua selvagem recebera o mesmo tratamento por ter me rejeitado!

Engatilhou o revólver, apontando para a cabeça do militar.

-- Vamos ver se você ainda vai defender sua garotinha!

O coronel se manteve inabalável, enquanto via o corpo se contorcer. Observava o sangue jorrar, molhando o bonito carpete.

Seguiu até a mesinha de centro, pegou o quadro com a foto da major. Sentou-se, enquanto observava fascinado a bela morena.

Ainda não tivera o prazer de tê-la em seus braços, mas assim que colocasse as mãos nela, tomaria para si e depois a mandaria para o bordel.

Respirou fundo!

Tudo poderia ter sido diferente... Crocodilo se aproximou.

O bandido pareceu chocado com a cena.

-- Você o matou?

O coronel encarou o homem.

-- Uma pedra a menos no meu sapato! – Beijou o vidro. – Arrume tudo para que pareça o suicı́dio!

-- Mas eles vão acreditar? – Observava o corpo desfalecido.

-- Com certeza, o coitado estava passando por muitos desgostos... A Diana com certeza fora a culpada por isso! – Observou o jornal que estava ao lado do homem. – Termine logo isso, precisamos ir atrás daquela ı́ndia selvagem... – Exibiu um sorriso. – Pobre homem, não aguentou a desgraça que caiu sobre seu ilustre nome...

O coronel se afastou.

Crocodilo observou o corpo novamente. No bolso tinha a pequena filmadora.

Um dia aquelas imagens poderiam lhe servir para algo.

 

 

 

 

Dias atuais...

A Calligari continuava a ver o vı́deo...

Seus olhos ardiam pelas lágrimas que jorravam sem empecilhos.

Ouvia a voz do pai em sua defesa, sua garra em defendê-la diante do monstro do Villa Real. Cobriu o rosto com as mãos.

Ele sabia a verdade...

Cobriu a boca para conter o soluço.

Não tirara a vida por se envergonhar de tudo o que se passou... Estivera disposto a tudo para salvá-la daquela armação.

Olhou a imagem de Alexander e a forma covarde que Otávio atirou. Como podia existir pessoa tão perversas no mundo?

Nunca em sua vida chegara a pensar que o coronel Villa Real tinha ido tão longe em sua crueldade. Fitou a tela que começara a pintar.

Viu os rabiscos começarem a se transformar no semblante da jovem Aimê.

Fitou o sofá, vendo a garota dormindo tranquilamente em seu aconchegante local de descanso.

“Porque eu te amo... Porque eu te amo, mesmo sendo eu a filha do homem que destruiu sua vida. ”

 

Não havia esse negócio de amor, essa também fora as justificativas que a maldito Otávio usara para se desculpar por seus atos bárbaros.

Fechou as mãos com tanta força que só percebeu o que fazia quando os dedos começaram a se mostrar doloridos. Aquela famı́lia não merecia nada de bom, nem mesmo merecia a piedade que pediram tanto.

Como pôde se deixar levar pela paixão que sentia? Meneou a cabeça em total descrença.

Tudo o que fizera fora por seu desejo louco...

Queria-a e isso a fez se desviar dos seus verdadeiros propósitos! Respirou fundo!

Levantou-se!

Caminhou até onde estava a filha do assassino do seu pai.

Mirou o rosto bonito, a pele de porcelana. Observou o corpo mal coberto e aquele fogo voltou a queimar dentro de si. Aquele desejo incontrolável de tê-la lhe turvava os sentidos, lhe tirava o raciocı́nio.

Pegou os óculos, limpando as lentes, voltou a usá-los. Depois sentou na pequena mesa, tão perto da Aimê que sentia seu delicioso cheiro.

Tendo as costas ereta, o celular em uma das mãos e os olhos na neta de Ricardo, permaneceu naquela posição durante longas horas.

Ouvia a respiração dela...

Voltou a ver o vı́deo...

Seu pai nunca desistira de si...

Teria ido até a floresta, enfrentaria todos os perigos para trazê-la de volta, estava disposto a provar a todos sua inocência...

Observou a hora que marcava em seu relógio... Três da madrugada.

A Calligari parecia perdida em seus pensamentos, perdida em seus conflitos internos, presa em suas dores... Baixou a cabeça e mais uma vez chorou em silêncio...

Por que a sua dor era ainda maior agora? Mordiscou o lábio inferior para conter o soluço...

Estava tão perdida em sua agonia que não viu quando Aimê acordou. A filha de Otávio ouviu o choro baixo, estranhando.

Sentou-se.

Estava frio.

Vestiu o roupão.

Seu corpo ainda trazia resquı́cios dos toques...

-- Diana... – Chamou em um sussurro.

A major demorou para fita-la e só a ouvir seu nome pela segunda vez o fez.

Encarou-a durante longos segundos, observava com atenção os olhos tão azuis, tão intensos e brilhantes. Por que ela tinha que ter o sangue do maldito assassino em suas veias?

Por que tivera que sentir aquelas coisas logo por ela?

-- Você está bem? – A jovem indagou. – O que se passa?

A morena ouviu a voz rouca ainda de sono, levantou-se, dando alguns passos para trás.

Desejava ficar longe dela, precisava se livrar daquele sentimento agonizante o mais rápido possível. O maxilar forte se enrijeceu e uma máscara de frieza se apossou do seu rosto bonito.

-- Te levarei ao seu quarto! – Colocou o celular sobre a mesa.

A Villa Real percebia a mudança no tom da pintora.

-- O que se passa? – Questionou novamente. – O que você tem?

A Calligari colocou as mãos nos quadris, estreitou os olhos negros.

-- Desde quando te devo explicações? – Falava em tom baixo e frio.

Aimê sentia a agressividade, lembrando-se de quando se conheceram na floresta. Empertigou-se.

-- Bem, levando em conta que você não estava agindo assim há algumas horas, creio que o mı́nimo que mereço é uma explicação para essa mudança de humor.

Diana se aproximou a passos longos, ficando bem perto da garota, mas pareceu se arrepender. Passou a mão pelos cabelos presos.

Cerrou os dentes.

Os olhos negros faiscavam.

-- Eu não devo explicações para a filha de um assassino!

Aimê teve a impressão que recebia um golpe tão forte que por pouco não caiu de joelhos. Suas pernas não pareciam sustentar seu peso.

Engoliu em seco.

A filha de Alexander mirou os olhos cheios de lágrimas, viu a dor em sua bela face. Voltou seu olhar para outro ponto, parecendo não ter forças para encará-la.

-- Te levarei de volta para seu quarto! – Segurou-lhe o braço.

 A Villa Real se desvencilhou de forma brusca.

-- Prefiro tropeçar na escada, cair e quebrar o meu pescoço a ter que ser conduzida por ti! – Vociferou. – Nunca mais em sua vida voltará a encostar as mãos em mim! – Limpou as lágrimas que insistiam em sair. – Não desejo estar na sua presença nunca mais!

-- Não ouse me desafiar! – A Calligari disse por entre os dentes. – Não tenho paciência para seus dramas.

Aimê fez um gesto se assentimento com a cabeça.

-- Sim, major, meu pai é um assassino como dizes... – Levantou a cabeça orgulhosamente. – Feriu pessoas, destruiu a sua vida... Mas e eu? O que te fiz? Qual foi o pecado que cometi?

Diana mirou os olhos azuis brilhando em lágrimas e em desafio.

Odiava-se por senti-la tão forte dentro de si, odiava as sensações que se apossava do seu corpo sempre que pensava nela.

-- Já disse que não devo explicações dos meus atos a você! – Esbravejou. – Não esqueça que precisou se ajoelhar diante de mim para que a ajudasse.

-- Eu não ajoelhei por mim, jamais pediria por mim...Fiz por meus avós, pois já são de idades... – Empinou ainda mais o nariz. – Eu jamais desejei nada que viesse de você, jamais quis sua ajuda!

Diana exibiu uma expressão mesclada entre a fúria e a angustia.

 

-- E eu realmente não desejo suas explicações ou suas justificativas... Você não é melhor do que Otávio Villa Real em muitos aspectos!

A Filha de Alexander a segurou forte pelos ombros, prendendo-a forte, desejando feri-la.

-- Não me compare àquele demônio!

-- Diga-me onde é melhor do que ele, ainda mais quando se trata de ferir alguém que nada tem a ver com a história. – Gritou. – Torna-se pior do que ele em todos os sentidos!

Diana esboçou um sorriso cheio de sarcasmo, apertando-a mais forte.

-- Você está fazendo muito drama só porque transamos... – Debochou. – Deveria estar grata por eu ter perdido meu tempo te iniciando nesse processo... Vai poder usar o que te ensinei...

Aimê conseguiu se livrar das mãos que a prendiam e já estava pronta para esbofeteá-la, mas a morena foi rápida em retardar seu movimento, detendo-a.

-- Eu odeio você! – A neta de Ricardo gritou entre lágrimas.

Diana mordiscou o lábio inferior.

-- Não faz nem vinte e quatro horas que dizia ao contrário... Onde está o amor que gritou entre gemidos de prazer?

A Calligari viu os olhos azuis se derramarem em lágrimas e mais uma vez desviou o olhar.

Soltou-a, enquanto seguia até o interfone.

Discou um número e depois de longos segundos ouviu a voz sonolenta da empregada.

-- Venha buscar a senhorita Villa Real! – Ordenou, desligando em seguida. Caminhou até o banco diante da tela, sentando-se.

Baixou a cabeça...

Tapou os ouvidos para não ouvir os soluços de Aimê.

Fechou os olhos, tentando se livrar da imagem dela, tentando apagar da sua mente a dor que viu nos olhos azuis. Sentiu as próprias lágrimas quentes queimar...

Por que doı́a tanto?

Por quê?

“Porque eu te amo... Porque eu te amo, mesmo sendo eu a filha do homem que destruiu sua vida. ”

Jamais perdoaria aquela famı́lia, jamais viveria em paz... Tudo fora tirado de si e agora isso tinha um gosto ainda mais amargo...

Ao levantar a cabeça a razão de sua angustia não estava mais lá. Seguiu até o sofá, sentando-se pesadamente.

O cheiro dela impregnava o ar e profanava seu espaço de paz. Inclinou a cabeça para trás.

Ansiava por matar Ricardo, por fazê-lo pagar por tudo o que ajudou a fazer, mas a morte era um castigo pequeno, uma pena leve que ele não merecia.

Otávio não estava mais ali para receber sua punição, então só restaria que os que colaboraram com todo esse macabro plano pagassem...

Agora precisaria ter forças para continuar em frente, mesmo que isso significasse sufocar algo que trazia luz a sua vida.

Deitou-se, fechando os olhos, tentava conter o pranto que não demorou muito a correr livre.

A empregada ajudou Aimê até a porta do quarto.

A mulher parecia preocupada, ainda mais porque a menina se mostrava chorosa. O rosto bonito estava bastante rosado.

-- Quer que eu ligue para alguém, querida? – Questionou assim que entraram. – Você está bem? A Villa Real apenas fez um gesto de assentimento.

-- Estou bem! – Falou depois de um tempo. – Pode voltar para seu quarto.

A empregada ainda abriu a boca para questionar, mas sabia que não deveria se meter nos problemas da patroa.

-- Qualquer coisa, basta que aperte o botão ao lado da cama e venho.

A filha de Otávio permaneceu parada, ouvindo os passos se afastarem, percebendo que estava sozinha. Seu cérebro martelava cada uma das frases que ouviu.

Diana Calligari!

Qual a razão dos caminhos de ambas terem se cruzado, como pôde se apaixonar por aquela cruel mulher? Sentia os batimentos do coração acelerado, sentia a pressão em seu peito...

Sempre soubera que aquela relação nunca aconteceria, sempre soubera que havia muita pedra em meio àquele caminho espinhoso. Sempre soubera que nunca representara nada para a major, então por que permitiu que ela entrasse em sua vida?

Mordiscou o lábio inferior, sentiu o gosto salgado das lágrimas. As pernas tremiam!

Por poucos minutos naquela fatı́dica noite chegara a acreditar que haveria esperança... Por frações de um iludido tempo imaginara que a ı́ndia selvagem sentia algo por si...

Burra!

Como se deixara iludir daquele jeito?

Diana sempre deixara claro suas intenções, sempre fora arrogante e egoı́sta em suas ações... Na verdade, ela não fazia questão de mostrar sentimentos... Fora apenas sexo!

Eu te quero, isso não basta? – Acariciava-a delicadamente. – Você me quer também... O maxilar delicado se enrijeceu.

Cerrou os dentes, enquanto tentava conter as lágrimas.

Quanto tempo demoraria até que se livrasse daquele sentimento?

Não  desejava  ficar  ali,  desejava  ir  para  longe  daquela  mulher  o  mais  rápido  possıv́  el.  Livrar-se  da  sua  presença...

Fugir daquele suplı́cio que lhe tirava o fôlego.

Caminhou com passos lentos até o banheiro, livrou-se do roupão. Ligou a ducha e permaneceu ali, sentindo o lı́quido lavar sua dor... Ouvia seus soluços fazerem eco...

 

 

 

 

 

O dia surgiu nublado no horizonte.

O céu estava cinzento, o asfalto molhado.

Era quase nove horas quando Diana deixou o apartamento, mas o sol ainda estava preso por trás das nuvens pesadas.

 

Ouvia algumas notı́cias pelo rádio do carro, mas sua mente não parecia processar as informações. Não dormira nada, então se cansara de tentar...

A cabeça doı́a!

Acelerou e por pouco não se chocou contra um motoqueiro que parou bruscamente. Praguejou alto e quase passou no sinal vermelho.

Retirou os óculos escuros e ao se olhar no espelho viu as olheiras e o vermelho das lágrimas derramadas. Respirou fundo!

Bateu com o punho fechado no volante.

O cheiro de Aimê estava ali como uma droga perigosa e poderosa! Passara pela porta do quarto dela mais cedo, desejara vê-la...

Precisava se livrar de tudo aquilo, necessitava de se livrar daquele sentimento forte que começava despertar em seu peito.

Maldito são todos que tinham o salgue Villa Real.

Ouviu as buzinas atrás de si e percebeu que há tempos o semáforo tinha ficado verde. Acelerou!

Ouviu o celular tocar, viu no painel do carro o nú mero e soube de quem se tratava. Hesitou por alguns segundos.

Atendeu.

-- E então, Diana, teve uma boa noite de sono? Crocodilo!

-- Quando eu por as minhas mãos em ti você vai ver como terei uma boa noite de sono. – Falou por entre os dentes. – Não descansarei enquanto não te fizer pagar por tudo o que fez.

A gargalhada odiosa invadiu o espaço.

-- Eu acho que está querendo se vingar da pessoa errada... Tudo o que fiz foi por ordem de Otávio... Sabe que ele me deixava fazer meu trabalho sem incômodo, mas eu precisava pagar... Então, me envolvi em tudo...

Diana sabia muito bem de tudo aquilo, pois ela viu todas as provas da associação dos dois homens.

-- Te dei algo, a prova de que seu querido papai não se matou, mas seu adorado coronel fez tudo para tirá-lo do caminho... – Deu uma pausa. – Ele tinha verdadeira obsessão por ti.

A Calligari estreitou os olhos em demonstração de ódio.

-- Querida, se você me entregar os Villas Real estarei disposto a te dar uma lista com os nomes de todos do exército que fizeram parte desse jogo doentio... Poderá puni-los... Ainda há muitos que não pagaram por tudo o que fizeram...

A major apertou forte a direção.

-- Você quer Aimê? – Exibiu um sorriso frio. – Venha buscá-la, seja homem e dê as caras! – Observou a arma que sempre levava consigo.

-- Sim, eu irei...—Disse sem esconde a raiva. -- Fique sabendo que se Otávio estivesse vivo já teria me entregado a garotinha cega! Ele sempre dizia que seria ela o meu pagamento.

-- Então não deveria ter matado coronel, assim não teria problemas para ter sua recompensa.

-- Você vai se arrepender, Diana, vai se arrepender de não ter aceitado a minha proposta! A Calligari ouviu o som de encerramento de chamada.

Não faria nenhum acordo com o maldito Crocodilo, não mesmo!

Parou na guarita do quartel e se identificou, recebendo imediatamente a permissão para entrar.

 

 

 

 

 

Naquele mesmo dia, Ricardo fora levado ao quartel, ficaria preso e logo seria julgado por tudo que fizera.

Diana nem mesmo se sensibilizou ao ouvir os juramentos do homem que dizia não saber que fora Otávio quem tirara a vida do general Calligari.

Quando o Villa Real passou por ela, fitou os olhos negros frios.

-- Por favor, Diana, eu imploro que não permita que nada aconteça com a minha neta... – Dizia entre lágrimas. – Cláudia, meu Deus, não a abandone, proteja-as!

A morena nada disse, apenas exibia aquela expressão de arrogância e superioridade. Não demorou muito para deixar o local.

 

 

 

 

 

Cláudia andava de um lado para o outro na sala do apartamento. Há mais de duas horas o marido fora levado dali por oficiais.

Ligou para o advogado para avisar, mas fora informada que não trabalhava mais no caso. Discou inú meras vezes para a major, mas o telefone só fazia chamar.

Já estava pronta para sair em busca do marido quando a porta abriu e Diana adentrou o espaço. Calça jeans preto colada as pernas, camisa social na mesma cor.

Os cabelos estavam soltos como de costume, a sobrancelha esquerda estava arqueada em expressão de puro sarcasmo.

-- O que houve com Ricardo, Diana? – A mulher questionou em desespero.

A Calligari não respondeu, seguindo até o confortável sofá, sentando-se com as pernas cruzadas.

-- Eu fico a imaginar qual o castigo devo reservar para a senhora!

Cláudia parecia surpresa.

-- O que se passa? Meu marido foi levado e quando falei com o advogado, ele disse que você tinha dispensado os serviços dele.

-- Ah, sim! – Retirou o celular da bolsa, colocando no vı́deo, entregando a ela. – Bem, eu acho que isso não vai ser surpresa, mas como não tenho muita paciência para falar, veja que não podem me fazer de idiota por mais tempo!

A avó de Aimê observava as cenas em total desespero.

Diana parecia interessada em cada reação da mulher e ficava a imaginar se todos naquela famı́lia tinham nascido com o dom de atuar ou fizeram um curso por correspondência.

Viu as lágrimas banharem os olhos da mulher e quando ela desabou no sofá, ouvia impaciente os soluços de desespero.

Relanceou os olhos em tédio.

-- Meu Deus, como ele pôde fazer algo assim?

A Calligari estreitou os olhos de forma ameaçadora.

-- Chega de fingimento, tenho certeza de que sabiam disso. – Levantou-se. – Estou cansada das mentiras que contam, cansada do jeito que se comportam! – Retirou o aparelho das mãos da mulher grosseiramente. – Amanhã mesmo exijo que deixe o apartamento!

-- E a Aimê? – Levantou-se em desespero. – Disse que a protegeria, deu sua palavra!

Antes que Diana pudesse responder o telefone começou a tocar.

Vanessa!

Ainda pensou em ignorar, mas acabou atendendo.

-- Estou um pouco ocupada agora, te ligo...

A empresária a interrompeu.

-- Aimê caiu da escada, estou seguindo a ambulância... – Dizia apreensiva. – Estava desacordada e temo que seja grave...


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