A dama selvagem - Capítulo 18


Diana mirou-a.

Fitou-lhe os olhos, observou as bochechas coradas, os lábios trêmulos...

-- Sim, não merecem e eu ofereci ajuda para que viessem até aqui... – Parou diante da garota. – Mas se deseja que eu a ajude, protegendo sua miserável vida... Ajoelhe-se e implore por isso... Implore por minha ajuda, filha do coronel Otávio Villa Real.

Todos os presentes na sala pareceram não acreditar no grau de humilhação que a herdeira de Alexander desejava infligir à jovem, ainda mais quando a menina fora a segunda mais prejudicada em toda aquela história, afinal, vivera uma vida de mentiras e ainda estava tentando conter o pranto desesperado quando a major tentava subjugá-la.

-- Ela não é culpada por nada! – Ricardo se levantou e seguiu até elas. – Se deseja que alguém se ajoelhe e implore por sua boa vontade, eu o farei.

Diana o fitou com desprezo, enquanto o via, com muita dificuldade dobrar-se diante dela.

Ajeitou o cabelo por trás da orelha, enquanto um sorriso desdenhoso brincava no canto dos lábios.

-- Por favor – A voz de Cláudia suplicava – Ela não tem culpa de nada! – Ajoelhou-se também. – Fomos nós e Otávio que fizemos mal a você, ela é inocente de tudo o que se passou, era apenas uma menina na época...

A Caligari cerrou os olhos, enquanto sua atenção se voltava para Aimê.

Via a dor em seu mar azul, percebia como ela estava destruı́da depois de saber tudo o que seu precioso papaizinho tinha feito.

Não teria piedade dela!

Caminhou até a varanda e ficou lá por alguns segundos.

Havia uma batalha dentro de si...

Apertou forte a base, observou o céu... De repente em sua mente voltou aquele dia...

Conseguia ver os olhos sem vida de Eduardo, ainda sentia as chicotadas em suas costas...

Retornou para a sala.

Antônia apoiava a garota, temia que a menina desfalecesse depois de tudo.

Encarou a sobrinha e mais uma vez pedia clemência com seu olhar.

A morena a ignorou totalmente. Mirando a doce herdeira de Otávio.

-- Eu desejo que você implore e não eles, afinal, os dois mentirosos ainda terão muito que enfrentar, ainda mais o general terá que se por a disposição da justiça.

Aimê imaginou que agora perderia os avós e aquilo a deixou em total desespero.

Amava-os e mesmo que estivesse magoada por ter vivido uma farsa, não poderia suportar que algo acontecesse a eles.

Desvencilhou-se dos braços de Antônia.

Tentou inutilmente secar as lágrimas com as costas da mão.

Levantou o queixo.

-- Ajoelharei como você deseja, major...

Os olhos negros não abandonaram a face da garota.

Sentiu o vento frio da noite em seu pescoço. Um arrepio percorreu sua espinha...

Vanessa observava tudo e não podia negar como aquela jovem diante da pintora mostrava uma coragem sem igual.

-- Ajoelha! – Diana ordenou por entre os dentes. – Implore...

Mesmo diante dos protestos dos avós, Aimê fê-lo.

 

Delicadamente dobrou-se diante dela, mantando a cabeça baixa.

Antônia levou a mão à boca. Condoı́a-se por aquela menina que nada fizera, mas que era o alvo principal da herdeira de Alexander.

Ricardo e Cláudia choravam por saberem que a culpa de tudo aquilo era apenas deles.

Os três jaziam ajoelhados diante da pintora.

-- Os respeitados Villas Real implorando pela vida! – Sorriu de forma sarcástica. – Que lindo! Acho que irei pintar um quadro de vocês... – Debochou.

Aimê levantou a cabeça.

Os olhos azuis brilhavam em lágrimas e em determinação...

Os lábios rosados estavam trêmulos...

A bela ı́ndia sentiu o poder daqueles olhos que não tinham luz...

-- Não estou implorando por minha vida, Diana Calligari, não temo sua ira, pois mesmo que entenda seus motivos, não tenho medo... – O queixo bem feito empinou-se. -- Ajoelho-me para que salve os meus avós... Humilho-me diante de você por eles e não por mim...

Diana cerrou os olhos cheia de ódio.

Fechou as mãos ao lado do corpo. Furiosa!

Mesmo diante de tudo, a maldita mimadinha ainda tinha topete para desafiá-la.

Vanessa prendeu a respiração, sabia que a artista não aceitaria de bom grado aquelas palavras.

Antônia já se antecipava, quando Diana a deteve com o olhar.

Segurou-a pelos ombros, levantando-a.

Apertou-a fortemente, tendo a impressão que seus dedos queimavam diante do contato com a pele macia.

Fitou-a e viu o desafio.

-- Sua idiota! – Empurrou-a.

Antônia foi rápida em sustentar a filha de Otávio, antes que ela fosse ao chão.

-- Leve-a daqui, antes que eu perca o resto de paciência que ainda me sobra. – Ordenou.

Vanessa e Antônia fizeram rapidamente o que fora dito, mesmo diante das negativas de Aimê, levaram-na dali, pois ambas temiam o que aconteceria depois.

Diana observou-as se afastar.

Sentia algo lhe arder por dentro...

Jamais fora desafiada daquele jeito, jamais alguém agira tão abertamente contra si.

Caminhou até o bar, pegou uma garrafa de champanhe e uma taça de cristal, retornou e sentou na poltrona.

Observou os dois que continuavam ajoelhados diante de si.

Encheu o copo e bebia lentamente, enquanto os encarava.

Desgraçados!

Se não fosse por todas as mentiras que contaram durante tantos anos, nada daquilo estaria acontecendo... Nem mesmo teria se embrenhado na selva para salva aquela menina estúpida que parecia tentar dominar seus pensamentos.

-- Agora é a nossa vez de conversar!

 

 

 

Vanessa e Antônia seguiram até o quarto do andar superior.

Temiam que Diana mudasse de ideia e continuasse humilhando Aimê.

Sabiam que nada poderiam fazer para detê-la, afinal, ela nunca ouvia ninguém, jamais se importava com a opinião alheia.

Percebia como o corpo frágil da garota estava trêmulo, como suas mãos estavam frias.

Entraram no enorme aposento.

Dinda dormia ali e preferiu deixar a garota perto de si.

As paredes eram brancas e havia algumas molduras no teto.

Havia uma enorme cama ocupando o centro, um aparador com espelho, uma escrivaninha e duas cadeiras.

Sentou Aimê em uma delas.

-- Vou pedir que tragam um chá para você! – Já se preparava para afastar, quando a Villa Real não lhe soltou a mão.

Vanessa e Antônia a observavam com atenção.

-- Perdoe-me, senhora, por todas as coisas ruins que meu pai causou a sua famı́lia.

A tia de Alexander observou a face tão bonita cheia de dor e mais uma vez lagrimou por ela.

-- Você não é responsável pelos pecados do seu pai, querida! – A empresária agachou, tomando-lhe as mãos. – E apenas mais uma vı́tima.

Aimê reconheceu a voz da mulher que lhe falava.

No dia da exposição do prefeito, ela estava acompanhando a Diana.

Ficou em silêncio por alguns segundos, tendo a atenção das presentes.

-- Eu preciso ficar com meus avós... – Dizia em um fio de voz. – Preciso protegê-los da Diana... Ela os odeia... Odeia a mim também...

A tia de Alexander fez um sinal negativo, sabia que seria uma loucura levá-la de volta.

-- Fique aqui... Será o melhor por enquanto... – A empresária se antecipou.

Vanessa temia que a Calligari agisse com violência fı́sica, mesmo sabendo que não era algo tı́pico dela.

Mais uma vez Aimê permaneceu quieta e quando voltou a falar, sua voz estava embargada pelo pranto.

 

 

-- Sabe... – Iniciou relutante. – Desde que ouvi aquelas coisas, meu cérebro não consegue associar todas essas maldades ao homem que foi meu pai... – Mordiscou o lábio inferior e mais uma vez as lágrimas começaram a lhe banhar a face. – Eu perdi a minha mãe quando tinha cinco anos e o papai sempre fora um homem presente em minha vida... Levava-me para passear... Ajudava-me nas lições, ia as reuniões da escola... – Esboçou um sorriso triste. – No dia das mães, ele ia a comemoração e todos ficavam surpresos com aquilo... – Cobriu o rosto e depois deixou as mãos descansar sobre o colo. – Ele brincava comigo de chá da tarde... – Sua narrativa foi assolada por soluços.

Antônia e Vanessa ouviam tudo cheias de surpresas.

-- Eu tinha pesadelos durante a noite e ele sempre estava lá... Contava histórias... – Levantou a cabeça. – Eu não consigo associar meu pai a esse monstro que fez tanto mal a todos vocês...

Dinda chorou... Pela neta de Ricardo e pela sobrinha.

Sempre ouvira de Diana os planos de vingança, mas nunca em toda a vida, imaginou como isso feriria verdadeiramente um inocente.

-- Querida – A empresária começou – O que ele fez não fará que ele deixe de ser seu pai e deve conservar sim todas essas lindas lembranças... Não deixe que esses erros do passado a persigam, a destrua...

Aimê recordou-se da major...

Teria sido ela um ser diferente daquele antes de tudo acontecer?

Como seu pai pudera ser tão cruel?

-- Como fizeram com a Diana?

Antônia fez um gesto de assentimento com a cabeça.

Agora que tudo estava sendo finalmente esclarecido, esperava com todo coração que a amada sobrinha pudesse reconstruir a vida e deixar essa obsessão no passado. Foram mais de dez anos, vendo-a dia após dia sonhar com sua vingança, imaginando como todos reagiriam quando descobrissem toda a verdade.

Respirou fundo!

Esse dia tinha chegado e jamais imaginou que seria um momento tão amargo como estava se mostrando.

-- Precisa de um banho, filha, deve descansar, fez uma viagem longa.

Aimê se levantou.

-- Não, eu devo ficar com meus avós, preciso protegê-los... – Continuava insistindo. – Leve-me lá...

A empresária trocou olhares com a Dinda.

-- Não, querida, deve ficar aqui! – Vanessa se antecipou. – Descanse, irei até a sala e estarei presente para ver o que a Diana fará.

A filha de Otávio ainda protestou, mas Antônia praticamente a arrastou até o banheiro.

A empresária observou-as se afastar.

Seria uma catástrofe maior se a jovem estivesse presente, pois era dela que a Calligari tinha mais raiva e amor.

Deus, que combinação terrível!

Tomando coragem, seguiu até a sala.

Caminhava devagar e ficou surpresa ao ver as luzes apagadas.

Imaginou que não estavam mais ali, porém ao olhar com atenção decifrou a figura sombria sentada na poltrona com uma taça nas mãos.

Seguia até o interruptor, quando ouviu a voz forte.

-- Deixe como estar!

A empresária preferiu não contrariar a ordem.

Seguiu até ela, sentando na poltrona oposta.

Olhou para o chão temendo ver alguns corpos estendidos e um carpete cheio de sangue.

Graças a Deus não havia nenhuma carnificina.

-- Vá para sua casa, já está tarde! – Diana disse enquanto continuava a beber.

-- Artur passará para me buscar mais tarde.

A Calligari apenas deu de ombros, enquanto mantinha os olhos fixos na taça. Mesmo na penumbra, parecia interessada nas bolhas do champanhe.

A empresária tamborilava os dedos sobre as próprias coxas, impaciente.

-- Eu não os matei... – A major parecia ler seus pensamentos. – Nem mesmo encostei as mãos em nenhum deles... – Bebeu um pouco. – Na verdade, eu até estava muito calma, apenas Aimê me tirou do sério. – Suspirou. – Por que ela me desafia?

A empresária sabia que deveria tomar cuidado com as palavras que falaria.

-- Ela ajoelhou como você pediu. – Disse depois de um tempo. – Obedeceu a sua ordem.

Diana a fitou e mesmo na escuridão, Vanessa sentiu a raiva pairar na superfı́cie.

-- Ela implorou por eles, desafiou-me novamente quando disse que não me temia! – Levantou-se. – O que aquela garotinha idiota e cega pode fazer para se proteger da minha ira? – Apertou forte a taça, quebrando-a. – Será que ela não sabe quem é Diana Calligari?

Não pareceu se importar em ter a pele cortada, na verdade pareceu não perceber.

-- Aimê é corajosa!

A pintora trincou os dentes...

-- Vou fazê-la se dobrar diante de mim... A maldita tola vai pagar pelo que fez.

A empresária pareceu ponderar durante alguns segundos.

-- Como você mesma disse, é uma menina cega que não tem como te vencer... Qual o seu prazer em tudo isso?

A pintora passou a mão nos cabelos.

Os pés no chão mal fazia barulho.

-- Eu estive disposta a reparar o mal que fiz a ela... Naquele dia que estivemos lá... Porém Aimê tem algo que me tira do sério... Sua sinceridade, suas palavras ditas de forma doce me tiram do sério... Eu não sei, apenas a odeio... Acusou-me diante da amiguinha, diante das autoridades...

Vanessa pigarreou.

Não acreditava que ela simplesmente odiasse a filha de Otávio, sabia que tinha muito mais por baixo daquela camada.

-- O que pretende fazer agora?

-- Proteger a garotinha estúpida e usá-la como isca para atrair o Crocodilo... Se ele a deseja tanto, quero que venha buscar...

-- E Ricardo e Cláudia? O que acontecerá com eles?

 

 

-- O maldito general vai ter prestar esclarecimento sobre tudo o que se passou... Eu quero que todos os jornais tragam a verdade sobre Otávio, quero que a TV explore toda a podridão que o miserável do coronel se envolveu... Quero que a maldita famı́lia sinta a mesma humilhação que eu provei...

Vanessa ouvia e seus pensamentos só se direcionavam a menina Villa Real.

-- Onde Aimê ficará?

-- Comigo, por enquanto aqui na capital... Quero que a leve ao especialista.

A empresária se levantou.

Meneou a cabeça.

-- Você vai acabar me deixando louca! Eu juro que não te entendo! Ora diz que vai destruir a menina, que vai fazê-la se dobrar diante de si e agora fala para que a leve no especialista para que recupere a visão... Preciso ir ao salão pintar meus cabelos, estou cheia de fios brancos!

Diana caminhou até o interruptor, ligando uma das luzes.

Caminhou até o bar e pegou uma garrafa, abrindo-a, derramou sobre os ferimentos.

Havia alguns vidros presos em sua pele.

Vanessa correu até ela quando viu.

-- Deus, o que houve?

Correu até o banheiro térreo e não demorou a voltar com material para tratar o machucado.

A Calligari sentou, enquanto a empresária cuidava das feridas.

-- Quero que a leve ao especialista... Continuo disposta a curar a cegueira que causei.

A empresária a encarou.

Diana chorara? O rosto estava vermelho.

Tentava decifrar qual realmente era a intenção da filha de Alexander, mas como sempre era impossível descobrir algo olhando aquele mar negro.

-- Eu continuo dizendo que Aimê não merece sua raiva, ela é inocente de tudo, mas você continua batendo na tecla errada.

A pintora nada disse, apenas observava Vanessa fazer tudo com muito cuidado.

-- Onde ela está? – Indagou quando a outra terminava o curativo.

-- No quarto da Dinda, creio que seja o melhor lugar para ela ficar.

Ouviram o som do celular.

Vanessa pegou o aparelho na bolsa.

-- O Arthur já chegou. – Abraçou a amiga. – Vou indo, descanse, amanhã estarei aqui. – Beijou-lhe a testa. – Por favor, tente pensar com calma em tudo o que está acontecendo.

Diana não saiu do lugar onde estava.

Observava a gaze sobre os cortes.

Fechou os olhos.

Seus pensamentos estavam em Alexander naquele momento. Não demoraria a que todos soubessem a verdade.

Lutara tanto... Agora limparia toda a lama que caı́ra sobre o sobrenome dos Calligaris...

Uma lágrima solitária molhou sua face...

Por que o sabor não era doce como imaginara que fosse?

Mordiscou o lábio inferior.

Respirou fundo...

Ainda sentia o cheiro dela em suas mãos... Ainda via os olhos tão azuis lhe fitando, mesmo sem enxergar, parecia desnudar sua alma...

-- Aimê... – Falou baixinho. – Quem vai te defender da minha fúria agora?

Cerrou os dentes.

O maxilar forte enrijeceu.

-- Vamos ver quais armas usará...

Caminhou até a mesinha e viu um envelope amarelo.

Abriu e começou a ler o relatório que fora feito sobre a garota naquela última semana.

 

Amassou o papel ao ver o nome do tal Alex.

Estava sempre com ele...

Observou a escada que dava ao piso superior.

Desejou ir até ela...

Meneou a cabeça.

Seguiu até o estúdio. Com certeza não seria uma noite fácil para dormir, então ficaria estudando um pouco sobre arte e quem sabe poderia desenhar algo... Não, o machucado impediria de fazê-lo.

 

 

 

 

 

Antônia acordou cedo.

Precisara fazer Aimê tomar um calmante para que conseguisse dormir.

A menina estava muito agitada e chorara durante todo o tempo. Pedia para ver os avós, mas a boa senhora sabia que não seria uma boa ideia, pelo menos não naquele momento.

Acabou de se arrumar, tentando não fazer barulho para não despertar a garota.

Fitou-a e mais uma vez se condoeu por ela, pela terrível situação que estava a passar.

Seguiu para fora do quarto.

Encontrou a empregada no corredor.

-- Bom dia, Ana! – Cumprimentou a jovem que limpava tudo. – Onde está a minha sobrinha?

-- A dona Diana saiu cedinho, mas não faz dez minutos que voltou. Está tomando café da manhã na varanda.

Antônia assentiu e foi na direção indicada.

Caminhava lentamente.

Já não era uma jovem como antes, sentia dores nas pernas.

Desceu as escadas e ao chegar ao terraço que tinha uma bela visão da cidade, encontrou a Calligari sentada.

A pintora estava concentrada, lia um jornal.

Antônia estranhou, pois ela nunca fazia aquilo, na verdade, desde que teve a vida assombrada por jornalistas, deixara de lado esse hábito.

Fitou as roupas e percebeu que ela estava vestida de maneira bem formal.

Terninho preto e camisa branca.

Foi até ela, beijando-lhe o topo da cabeça. Depois se sentou.

A pequena mesa redonda de tampo de vidro estava cheia de coisas deliciosas.

Suco, café, chás, bolos, pães, queijo branco, torrada...

-- Bom dia, Dinda? – Entregou-lhe o folhetim matinal.

A mulher se sentou, enquanto via a manchete principal.

A sobrinha costumava ser bastante rápida em seus objetivos.

A foto de todos os Villas Real estampava a primeira página.

Antônia não pareceu interessada em ler, deixando de lado.

-- Isso é apenas o inı́cio... Ainda tem muito para acontecer... – Tomou um pouco de suco. – O exército reabrirá o caso, o general terá que explicar muita coisa.

A tia de Alexander permaneceu calada, pois se dissesse que não era a favor de revirar o passado, haveria uma discussão com a sobrinha.

-- Decidi permanecer aqui por mais uns dias! – A senhora tomou um pouco de chá. – Creio que Aimê precisará de alguém que fique ao lado dela nesse momento.

Diana tomou um pouco de suco.

-- Não, você vai para Alemanha, não quero que corra risco, ainda mais agora que a guerra contra os bandidos foi declarada. – Dizia calmamente.

-- Claro que não irei! – Protestou. – Ficarei ao seu lado e se você correr risco, correrei também. – Falou em determinação.

-- Bobagem! – Colocou o copo sobre a mesa. – Não deixarei que nada aconteça com as pessoas que amo por causa dessa famı́lia sem moral. – Pegou uma torrada. – Ficará fora até que tudo se resolva, não poderei me arriscar a tê-la por perto.

Antônia encarou-a.

-- Filha! – Segurou a mão da pintora. – Não quero que nada aconteça contigo, por favor, eu não suportaria.

Diana sorriu, enquanto levava a mão amorosa aos lábios, beijando-a.

-- Preciso que fique segura, prometo que me cuidarei.

Só naquele momento Dinda viu o curativo.

-- O que houve?

Antes que pudesse responder, Ana apareceu toda esbaforida.

-- O que se passa? – A calligari se levantou questionando.

-- A moça acordou e parece descontrolada!

Antônia mal se levantava para ir até lá, quando Diana seguiu como um flash em direção ao quarto.

 

 

 

 

 

 

A Villa Real Batia na porta.

Ana a deixou trancada, pois temeu que a menina deixasse o quarto.

Aimê quando acordou recordou-se de tudo o que tinha se passado. Procurou pelos avós, chamando-os, mas ninguém respondia, estava sozinha e presa sem mesmo saber onde.

Sua mente se mostrou confusa, como se tudo o que se passou não fosse mais do que um pesadelo, mas aos poucos, os acontecimentos da noite anterior foram clareando em seu cérebro.

Temia que algo tivesse acontecido a Ricardo e Cláudia. Essa possibilidade deixou-a em total pânico.

Ouviu a chave girar na fechadura e alguém entrar.

Não precisava vê-la, para saber de quem se tratava.

Deu alguns passos para trás.

A Calligari a encarou.

Os cabelos da garota estavam em desalinhos, alguns fios colados na face pelas lágrimas. Usava um roupão branco.

A pele estava mais corada do que de costume.

-- O que houve? Por que essa gritaria? – Indagou calmamente.

A respiração de Aimê estava acelerada. Isso chamou a atenção da major, ainda mais porque dava para perceber os movimentos dos seios.

Encarou-a.

-- Meus avós, quero vê-los, desejo ficar com eles.

Diana se aproximou mais.

-- Você ficará comigo, eu a protegerei, esse foi o trato que fizemos.

Aimê sentia a respiração dela perto, sabia como estavam próximas, deu mais alguns passos para trás, sentindo esbarrar na cama.

-- Não quero me proteja, como disse ontem, não merecemos nada que venha de você. Quero apenas ficar com meus avós, enfrentarei ao lado deles tudo o que estar por vir.

A Calligari esboçou um sorriso.

-- Você é uma tola, não sabe o que pode acontecer se continuar a protestar... Eu posso me cansar e deixar que te levem de uma vez.

-- Não me importo, quero apenas ficar ao lado dos meus avós... – Repetia cheia de determinação.

A pintora cerrou os olhos.

-- Mesmo depois de terem mentido você ainda se preocupa com eles? – Indagou curiosa. – É uma idiota ainda maior do que imaginei.

A Villa Real permaneceu calada, tinha a cabeça baixa, parecia pensar em tudo o que ficara sabendo.

-- Se eu pedir perdão por tudo o que meu pai te fez não vai mudar nada não é? – Umedeceu os lábios. – A mesma coisa acontece com meus avós, odiá-los não vai mudar o que se passou... Estou magoada, triste, muito triste, porém não desejo que nada de ruim aconteça a eles... São os únicos que tenho...Passaram toda a vida a me proteger...

Diana estendeu a mão para lhe secar as lágrimas que desciam, mas se arrependeu, recolhendo-a.

-- Não desejo suas desculpas ou sua pena...Use-as com você, talvez precise mais que eu!

Aimê apenas fez um gesto de assentimento.

Diana caminhou até uma poltrona, sentando-se confortavelmente.

-- Ficará comigo até que tudo se resolva... – Observou o machucado na mão. – Preciso que vá ao médico...

A jovem não escondia a surpresa.

-- Por quê? Eu não estou doente! Eu já disse o que quero.

A Calligari se mostrou impaciente.

Ninguém questionava ou protestava diante de suas ordens daquele jeito.

-- A partir de agora você vai querer o que eu quiser e se continuar a se negar vai ser pior.

A filha de Otávio levantou a cabeça em desafio.

-- Por quê? Em breve todos vão saber a verdade, seu desejo de vingança será concretizado, não tem por que se meter com esses traficantes... O que ganha salvando a minha vida novamente?

Lembrou-se da primeira vez que a viu pelo binóculo... recordou-se da fotografia sobre a escrivaninha de Ricardo...

Não respondeu de imediato, porém depois o fez.

-- Chega dos seus questionamentos idiotas... – Levantou-se. – Irá ao especialista com a Vanessa. Vou pedir que te arrumem uma roupa – Olhou-a de cima a baixo – Não pode sair desse jeito.

A Calligari já abria a porta para sair.

-- Eu não irei a lugar nenhum, só desejo retornar para o lado dos meus avós! – Disse em desafio.

A major bateu o punho fechado contra a madeira e em frações de segundos estava segurando Aimê pelos ombros.

Trincou os dentes ao sentir o machucado latejar pela pressão.

-- Não me tente, vai ser melhor para você!

A filha de Otávio não pareceu se importar, apenas permaneceu quieta nos braços dela, tendo a cabeça levantada.

A morena mirou os lábios rosados, desejando senti-los mais uma vez.

Que maldição era aquela?

-- Eu te imploro pelos meus avós... – Pediu. – Não permita que esses homens façam mal a eles... Eu não me importo com a minha vida... Se esse Crocodilo me deseja tanto, irei de bom grado... Mas que nada aconteça a eles...

Diana a colou mais a si, abraçando-a pela cintura.

Quando a sentia era como se sua mente não conseguisse processar nada, como se o mundo lá fora não existisse...

Fitou um pouco dos ombros desnudos e imaginou a pela branca exposta... Os seios redondos...

Umedeceu os lábios.

-- Quer que ajoelhe novamente e implore por eles? Me quer novamente de joelhos?

Diana adorava o cheiro dela, a voz doce...

Deus, precisava saciar aquela vontade de tê-la antes que enlouquecesse!

Colou os lábios no pescoço esguio, sussurrando em seu ouvido.

-- Eu quero que você ajoelhe... Só ao imaginar essa cena... – Falou roucamente, cheia de desejo. – Ajoelhada, mas não para implorar por eles...

Aimê sentiu as mãos em sua face e não teve tempo de protestar ao sentir os lábios sobre os seus.

Abraçou-a pelo pescoço. Fê-lo porque havia uma força maior que a unia, uma vontade única que a jogava nos braços dela, mesmo que estivessem em lados opostos da história.

Ter a boca macia sobre a sua era um suplı́cio delicioso...

Fechou os olhos para senti-la melhor...

Ouvia a respiração acelerada... Sentia o sabor daquela boca que naquele momento não estava sendo grosseira, mas delicada.

Permitiu que Diana dominasse o ato.

Sentiu a lı́ngua buscando a sua, uniu-as, montando-a, prendendo-a... Batalhando...

Gemeu alto quando a Calligari começou sugá-la.

Temeu cair, pois suas pernas estavam bambas, trêmulas. Praticamente pendurou-se a ela, adorando senti-la mais uma vez.

 

Como resistiria a paixão que sentia por ela?

Com certeza a major só tinha desejo por si... Não havia dúvidas, pois nada mais poderia sentir pela filha do homem que mais odiava em todo o mundo.

Mergulhou dentro dela... Adorando ouvir o som que produziam...

Ouviram batidas na porta.

Diana não a soltou, apenas cessou o beijo.

-- Está tudo bem aı́, filha?

A herdeira de Alexander cerrou os dentes em frustração.

Sabia que se não respondesse, Dinda entraria.

Mirou mais uma vez a boca sedutora, desejando continuar o que estava fazendo...

-- Está tudo bem! – Disse com voz rouca. – Estou saindo já.

Observou como Aimê estava corada e como seus olhos estavam escuros.

A Villa Real se desvencilhou dos seus braços.

A morena sentiu-se vazia sem ela, mas jamais admitiria isso.

Mordiscou o lábio inferior.

Respirou fundo!

Nunca em sua vida se sentira tão fora do seu controle, fosse à sua intensa paixão ou no seu ódio... Tudo com ela se mostrava diferente.

Arrumou a roupa.

-- Eu ajudarei os seus avós, deixarei em local seguro, contratarei quantos seguranças forem necessários para que nada de ruim aconteça a eles e ainda contratarei advogados para que ele não seja preso por ter mentido para todos.

Os olhos azuis brilharam.

-- Faria isso mesmo? – Aimê indagou esperançosa, mas também temerosa. – O que deseja em troca?

Sentiu aquela conhecida manifestação em seu estômago...

Suspirou.

-- Pouse para mim, deixe-me pintá-la...

Por que aquela ı́ndia selvagem tinha essa verdadeira obsessão por seu corpo?

-- Nua? – Questionou assustada.

A Calligari a fitou mais uma vez e desejou despi-la naquele momento.

-- Sim, totalmente nua... – Fitou-a novamente. – Será uma obra esplêndida!

Aimê segurou as amarras do roupão, fazia-o com demasiada força.

-- Mas por que deseja tanto isso?

Diana suspirou impaciente.

-- Apenas eu quero, não tenho motivos para te explicar nada!

-- Você nunca vai conseguir conversar durante muito tempo sem se transformar no cavalo da princesa?

A Calligari não entendeu de inı́cio, mas ao se dar conta do que ela quis dizer, esboçou um sorriso.

Por que havia uma contradição dentro de si quando se tratava de Aimê?

Era estranho, pois tinha a impressão que tudo era muito extremo... Irritava-se, mas a queria, sentia-se louca por ela.

Passou a mão pelos cabelos.

-- Diga-me de uma vez se aceita o que te proponho!

 

Aimê parecia ponderar.

Umedeceu os lábios...

Lembrou-se do avô, dos machucados e de tudo o que sofreu...

-- Farei como quiser, mas com a condição que não me tocará enquanto me pinta e que esse quadro nunca será vendido ou exposto.

Diana lhe segurou o pulso, trazendo o rosto bem perto do seu.

 

 

-- Você não está em condição de impor nada, porém não venderei a obra, nem exporei, será meu, apenas meu... Quanto a tocar em ti... Só se você pedir muito para isso.

Mais uma vez a neta de Ricardo sentiu as bochechas queimarem.

-- Eu jamais pediria... – Desvencilhou-se do toque. – Deixarei que me pinte, contanto que ajude meus avós. – Estendeu a mão.

A Calligari observou-a por intermináveis segundo e lembrou-se do dia que sentiu os dedos longos em seu sexo...

Mesmo de forma atrapalhada, a garotinha a deixou louca.

Apertou-a.

-- Negócio fechado, mimadinha!

O tato dela era tão macio que incomodava.

 

 

 

 

Soltou-a.

-- Agora vá tomar um banho, não vai demorar a Vanessa chegar.

Aimê ainda pensou em protestar, afinal, não estava doente, mas se ela insistia era melhor não contrariar, seria uma discussão sem fim.

-- Está bem!

Diana ainda se demorou ali, parada, fitando-a...

Não entendia o que se passava em seu ı́ntimo...

Tudo ficava diferente quando estava diante da jovem Villa Real.

Na noite anterior ficara furiosa, pois imaginara que ela pedira por si, mas ela não o fez, ao contrário, demonstrara total segurança e valentia ao dizer que não a temia...

Como falara para Vanessa, desejava dobrá-la as suas vontades, porém ficava a pensar se aquilo realmente seria algo tão fácil, ainda mais quando a garota a enfrentava com uma coragem que faltava a todos da sua famı́lia.

Abriu a porta, deixando os aposentos.

Caminhou a passos largos, entrando no próprio quarto.

Parou em frente ao espelho.

Retirou o terninho, estava com muito calor, mesmo a temperatura estando em dezoito graus.

Espalmou as mãos sobre a madeira do aparador.

Mirou o reflexo.

Os olhos negros brilhavam... Os lábios estavam inchados...

Como tudo aquilo acabaria?

Sabia que ela também a queria, sentia isso no beijo dela, na forma como a abraçava... Mas sabia que ela não cederia tão facilmente...

 

Se Aimê tivesse se entregado, com certeza não estaria se sentindo tão enlouquecida, desejosa dela...

Lembrou-se de Vanessa dizendo que ela estava apaixonada pela Villa Real...

Não, não estava...

Era apenas desejo, se não tivesse sido negado ela não estaria tão desejosa...

 

 

 

 

 

 

 

Vanessa não demorou a chegar.

Antônia tinha ajudado Aimê a se arrumar e naquele momento já seguia com a empresária.

Um vestido florido e uma bela trança deixara a menina uma graça.

Diana saiu logo em seguida, deixando claro que não retornaria naquele dia.

Dinda ficou preocupada, mas a sobrinha não escutou os protestos por muito tempo.

Alguns seguranças ficariam responsáveis de guardar o apartamento e acompanhar a filha de Otávio em todos os passos que desse.

 

 

 

 

 

Ao estacionar na luxuosa clı́nica, Vanessa viu os dois carros que a acompanhava.

Realmente, a Calligari não permitiria que Crocodilo se aproximasse tão facilmente, infelizmente sabia que a major não tomava o mesmo cuidado com a própria vida.

Ajudou Aimê deixar o veı́culo.

A menina permaneceu em silêncio em grande parte da viagem.

-- Vamos? – Tomou-lhe o braço pacientemente.

O prédio era enorme, os vidros todo espelhados.

Seguiram até a recepção.

Os passos eram abafados pelo carpete felpudo.

Uma senhora elegante cumprimentou-as com um sorriso.

-- Temos uma consulta marcada com o doutor Júlio Romanofe!

-- Imagino que vieram em nome de Alessandra Calligari? – Indagou, enquanto observava a ficha.

Vanessa assentiu.

A recepcionista discou para o consultório.

-- Ele a espera. – Disse com um sorriso. – Décimo andar.

A empresária seguiu até o elevador com a garota.

-- Ainda não entendi por que estamos aqui. – Aimê falou em determinado momento. – Por que sempre chamam a Diana de Alessandra?

 

Vanessa sorriu.

-- Esse é o seu segundo nome e é assim que assina os quadros.

-- Por quê?

Antes que a empresária lhe dissesse, chegaram ao andar.

Diana não contara a jovem sobre o especialista.

-- Vamos ver um médico que poderá fazê-la voltar a enxergar, querida. – Disse entusiasmada.

A Villa Real pareceu surpresa com o que ouvia.

O médico era um homem alto, deveria ter um cinquenta anos, os cabelos estavam todo grisalho.

Júlio era um dos maiores especialista, sua fama ganhara o mundo, além de um grande pesquisador e professor da universidade.

O homem sorriu gentilmente, fitando Aimê.

 

 

-- Sejam bem-vindas, queridas!

O médico deu passagem para que elas entrassem.

Desde que falara com Diana ficara bastante interessado no caso da jovem, tendo certeza de que poderia devolver a visão a ela.

 

 

 

 

 

 

 

Diana seguiu até o apartamento onde o casal Villa Real tinha sido levado.

Encontrou os seguranças que guardavam a porta.

Crocodilo era um bandido de grande periculosidade e agora com a primeira parte de toda a história noticiada, ele não descansaria, enquanto não se vingasse de todos que o traı́ram.

Se o general tivesse tomado essa atitude na época, teria sido aclamado e não teria perdido tudo para salvar a neta.

Meneou a cabeça.

Ao entrar, encontrou o médico examinando Ricardo.

Cláudia ainda não parara de chorar e ao ver a pintora foi até ela.

-- Como está a minha neta? – Indagou em lágrimas.

A Calligari nada respondeu, enquanto seguia até a pequena varanda.

Observou tudo ao redor.

Buscava entre os rostos alguém suspeito, mas nada encontrou.

Conhecia-o bem, ele não se renderia sem causar um estrago sem igual.

O médico se despediu, deixando o apartamento.

A Calligari seguiu até a poltrona, sentando-se.

-- Pergunto-me por que os homens do Crocodilo te bateram com tanta delicadeza!? – Questionou com a sobrancelha arqueada.

O general a encarou.

Um dos olhos estava totalmente fechado devido aos socos. Quebrara algumas costelas, alguns dentes não faziam mais parte de sua boca.

-- Ele não me mataria... Estava querendo me convencer a entregar Aimê... – Levantou-se com dificuldade. – Agora fico a pensar se você realmente fora a melhor escolha para protegê-la.

Diana exibiu um sorriso cheio de ironia.

-- A quem recorreria então? Ao Batman? A liga da justiça? Os vingadores?

Ricardo a encarou cheio de raiva.

-- Ao namorado dela, Alex com certeza não se negaria a fazê-lo.

A morena passou a mão pelo rosto incomodada.

Ainda não engolira essa história.

-- Chega, Ricardo! Não há ninguém capaz de salvar Aimê que não seja a Diana e devemos estar gratos por ela estender a proteção a nós.

A pintora se levantou.

-- Acredite que estou começando ficar tentada em deixar que o namorado da sua netinha assuma isso... – Retirou uma pasta da bolsa. – Espero que esteja pronto para enfrentar seus crimes.

O general abriu o envelope e viu a carta.

-- Espero que conte toda a verdade dessa vez!

Ricardo lia cada linha.

Fez um gesto de assentimento.

-- Farei o que quiser, contanto que esse bandido miserável não chegue perto da Aimê.

A Calligari passou mais um tempo por lá, pois havia muitos pontos que só o homem poderia esclarecer sobre Crocodilo.

 

 

 

 

 

 

 

Aimê não conseguia dormir, em seus pensamentos ainda não conseguia compreender tudo o que fora contado sobre o pai.

Ainda martelava em sua cabeça as dores que infligira a Diana.

Deitou de costas.

De repente algo começava a lhe assustar.

Teria herdado o sentimento por ela e também a crueldade?

Apertou os olhos fortemente.

Lembrava-se bem do dia que estiveram na delegacia e da raiva que sentira ao perceber como o delegado flertava abertamente com a pintora.

Deus, como o pai pôde cometer tantos crimes... Matar tanta gente em nome de uma obsessão?

Quando imaginava a Calligari sendo açoitada, vendida para aqueles bandidos, uma incontrolável raiva pulsava dentro do seu peito.

Uma revolta contra o homem que amara tanto!

Sentiu a boca seca.

Levantou-se.

Lentamente deu a volta e seguiu até o cômodo que ficava a jarra de água.

Não  estava lá!

Suspirou alto!

Caminhou até a porta.

Ao girar a maçaneta, percebeu que não estava trancada.

Mordiscou o lábio inferior demoradamente.

Não conhecia nada naquele lugar, então o melhor era voltar para a cama e tentar dormir.

 

 

 

 

 

 

Já passava da meia noite quando Diana retornou.

Tivera um dia cheio.

Reunira-se com várias pessoas e mais uma vez relembrara tudo o que viveu naqueles dias de tortura.

Tirou o terno e jogou sobre a poltrona.

Seguiu até o bar.

Preparou um drinque, sentou na banqueta.

As luzes estavam apagadas, com certeza todos já deviam estar dormindo.

Bebeu devagar, sentindo o lı́quido queimar a garganta.

Pegou mais uma vez o jornal, amassando, jogando-o longe.

Não entendia o que se passava em sua mente...

Passara todo o dia ansiosa, mas não para ficar diante da grande cúpula militar... Desejou voltar para a casa e poder ver a jovem Villa Real.

Agora ainda tinha o tal do namorado!

Levou o copo aos lábios bebendo o conteúdo de uma vez.

Encheu o copo mais uma vez, mas não bebeu, pois ouviu um ruı́do na parte superior.

Seguiu rapidamente até lá, tentando não fazer barulho e ficou surpresa ao ver a filha de Otávio tateando as paredes.

Estaria tentando fugir?

Irritada, segurou-a pelo braço, praticamente arrastando-a até seu quarto.

Entrou e fechou a porta.

-- Posso saber onde estava indo? – Indagou furiosa.

Aimê conseguiu se desvencilhar do toque grosseiro.

-- Você me assustou! – Disse, enquanto esfregava o pulso. – Quase arrancou meu braço!

Diana acendeu as luzes.

Fitou-a e observou a marca dos dedos na pele delicada.

Suspirou, enquanto começava se livrar da própria blusa.

Desabotoou os punhos, depois a parte frontal. Fazia-o lentamente, sem deixar de encarar a jovem.

-- Estava tentando fugir? – Fitou a camisola de seda branca. – Deveria ter pelo menos trocado de roupa.

Livrou-se da camisa, ficando apenas de sutiã preto.

-- Eu estava procurando água... Estava morta de sede.

Diana estreitou os olhos, analisando-a.

Os cabelos estavam soltos emoldurando o rosto bonito.

Olhou o decote e percebeu que não fora uma boa ideia.

Não pensou que a veria naquela noite. Não se preparara para aquilo.

Começou a abrir a calça.

-- O que está fazendo? – Aimê questionou depois de alguns segundos.

Diana se livrou da calça e só depois respondeu.

-- Tirando a roupa, preciso de um banho...

Aimê nada disse.

De repente o cheiro da pintora parecia sufocante.

-- Acho melhor que me ajude a voltar ao meu quarto. Está tarde e estou cansada.

A Calligari ignorou o pedido, sentando na poltrona, enquanto a encarava.

-- E o que o médico falou?

A Villa Real cruzou os braços sobre os seios.

-- Por que está fazendo isso? Depois de tudo que minha famı́lia fez, não acho que deva mover uma palha para me ajudar.

A pintora a observava com atenção e mais uma vez teve a impressão que nunca conhecera alguém tão pura e inocente como a filha de Otávio.

-- Eu pago minhas dívidas... Quando aconteceu o acidente jamais imaginei que você estivesse naquele carro...

Aimê segurou a respiração durante alguns segundo.

-- Teria me salvado então?

A Calligari observou o curativo e começou a tirá-lo.

-- Você era apenas uma criança... – Levantou-se. – Farei o que deve ser feito, pois não gosto de ficar em dívida com ninguém.

Aimê parecia ponderar...

Algo martelava sua mente...

Abriu a boca para perguntar, mas lhe faltou coragem... Porém ao tentar de novo, conseguiu fazer o questionamento,

-- Teria matado meu pai?

O maxilar forte se enrijeceu.

-- Esse é o meu maior arrependimento... Não o ter matado com as minhas mãos!

Uma lágrima rolou dos olhos azuis.

Não sabia o que falar, mas se sentia imensamente triste.

Baixou a cabeça e depois a levantou.

-- Perdoe-me, Diana, por todas as coisas ruins que a minha famı́lia causou a você...

A Calligari a fitou, engolindo em seco.

-- Perdoe-me por ter te acusado de destruir a floricultura... Perdoe-me, Diana...

Aimê estendeu as mãos e lentamente seguiu até a major...

Sentiu-a firme...

Abraçou-a.

Diana, inicialmente, permaneceu com os braços caı́dos ao lado do corpo...

 

De repente tudo que fora vivido começou a passar em seu cérebro como um filme...

As dores...

As decepções...

A morte do seu pai...

Aimê ouviu o soluço abafado que escapou dos lábios da major... Sentiu as mãos se agarrando a si...

Sentiu as lágrimas lhe molharem a pele...

A cabeça dela escondida em seu pescoço...

Abraçou-a mais forte... Muito forte...


Comentários

  1. Chorei ...
    Que momento 😕❤️
    Sempre desejosa de ler mais dessas mulheres.
    Obrigada por nos dar a oportunidade de ler tal obra.

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    1. De nada, meu bem, essa é a minha história preferida...

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  2. E olha que acompanhei essa história, mas estou ansiosa pelo próximo capítulo, posta mais um, por favor! Para terminar a noite bem kkkkkkk

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    1. Meu bem, acreditas que estou a ler também? Caramba, eu amo essa história e postar novamente também tá sendo uma delícia pra mim que estou acompanhando.

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