A dama selvagem - Capítulo 13


Diana seguia pelo corredor e quase bateu de frente com Antônia.

A senhora olhou para o rosto dela, estava tão corada que parecia ter pegado sol durante o dia todo, mas a Calligari não esperou que a tia a questionasse, pois seguiu rapidamente para um dos quartos de hospedes.

A tia de Alexander fitou os aposentos que Aimê ocupava, parecia pensativa, ponderava sobre o que podia ter se passado.

Ficara esperando pela neta de Ricardo, mas como demorara muito, fora a sua procura, deparando-se com a sobrinha que parecia estar sendo perseguida por todos os demônios.

Respirando fundo, decidindo ir ver o que se passava com a major.

Ao entrar no quarto ouviu o som do chuveiro.

Seguiu até o banheiro e pelo box conseguiu ver a jovem sob a ducha.

Diana apoiava os braços no vidro, sua cabeça estava inclinada.

-- O que se passa? – Indagou de fora. – O que você tem?

A pintora nada disse, apenas ficou ali, permitindo que a água fria lavasse seu corpo... Buscando acalmá-lo.

Sentia-se em chamas, como se por dentro estivesse em erupção.

Ainda não entendia como conseguira se controlar, pois o que mais desejava era que seu corpo se consumisse na Villa Real.

Ela era virgem!

Fechou as mãos fortemente.

Precisava se afastar... Não confiava em seus instintos...

Levantou a cabeça, inclinando o pescoço em movimentos circulares.

Ainda martelava em sua mente o fato de Aimê está em companhia de Otávio naquele dia, ainda estava presa nisso, esse fato destruı́ra sua força.

-- Filha, diga-me o que se passa?

A voz de Antônia a tirou dos seus pensamentos.

Desligou a água, pegou o roupão, vestindo-o calmamente, depois deixou o recinto.

-- Dinda, leve Aimê para Ricardo! – Ordenou, enquanto passava pela tia.

-- Diana, você não está bem! – Seguiu até ela, tocando-lhe a face, fazendo-a encará-la. – Você discutiu com a menina? Está com febre?

Fitou os olhos intensamente negros e percebeu como ainda pareciam feridos, mas também havia remorso.

-- Leve-a, Dinda, antes que eu mude de ideia... – Falou por entre os dentes. – Afaste essa garota de mim!

Antônia tomou-lhe as mãos, beijando-as.

-- Filha, eu sei que o que Ricardo disse deve ter sido difı́cil, porém se realmente é verdade, você não sabia que Aimê estava no carro.

O maxilar forte enrijeceu, enquanto ela permanecia calada.

Mesmo que nunca tivesse admitido se sentira péssima quando recordava que negara ajuda a alguém que precisava, então mesmo com todo o ódio que sentia, sentira-se aliviada quando Otávio não morreu no acidente. Sim, ela desejava a morte dele, mas não daquela forma covarde, desejava um confronto direto. Porém agora ao saber que houvera uma vı́tima, sentia-se desnorteada com aquele fato.

-- Eu não sei... – Suspirou. – Também não desejo falar sobre isso, quero apenas ficar sozinha.

Antônia abraçou-a como era seu costume.

 

 

Conhecia bem a sobrinha e sabia que ela raramente desabafava, foram poucas as vezes que aqueles lábios bonitos falavam o que a perturbava ou mesmo expressaram como algo doı́a, como se sentia arrasada...

Sentia o coração dela pulsar acelerado, sentia como ela parecia tocada.

Segurou-lhe a face, depois depositou um beijo em sua testa.

-- Estarei sempre com você, minha Diana!

A Calligari nada disse, enquanto observava a tia deixar os aposentos.

Caminhou até a cama, deitando-se de costas.

Observava o teto...

Os olhos negros pareciam tão perdidos naquele momento, enquanto em sua mente cenas se repetiam.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Aimê continuava ajoelhada no chão.

 

 

Seu corpo ainda tremia... Era como se um vulcão tivesse entrado em erupção dentro de si.

Levou a mão aos lábios, cobrindo a boca, tentando conter o soluço que escapava.

O que fora aquilo que se passou?

Por que não a deteve?

Depois de tudo, aquela mulher ainda falara em honra...

Que honra?

Sua alma tinha sido profanada...

O que faria agora?

Mordiscou o lábio inferior demoradamente...

Iria embora, deixaria tudo o que passou para trás, esqueceria os dias, as horas, todos os momentos que passara ao lado  da  terrıv́  el  major.  Sim,  era  o  que  deveria  fazer,  deveria  seguir  e  como  a  Calligari  mesma  disse,  nunca  mais  cruzaria  o caminho dela.

Meneou a cabeça...

Deus, como tirar aquelas lembranças de sua mente?

Nunca em sua vida imaginara que haveria uma sensação realmente tão forte...

Outra lágrima insistiu em descer... Depois várias outras...

Conseguiria sufocar aquele sentimento?

 

 

 

Antônia bateu na porta do quarto onde estava a filha de Otávio.

Não houve respostas.

Tentou mais uma vez e outra... Porém nada fora dito como se o lugar estivesse vazio.

Já se preparava para se afastar quando ouviu um soluço, gemidos...

Sem pensar abriu a porta e ficou pasma ao ver Aimê de joelhos se derramando em lágrimas.

Pegou o roupão que estava ao chão, cobriu o corpo nu, levantando-a em seguida.

Fitando-a com atenção.

A face estava demasiadamente corada... Os olhos azuis abertos, fixos, chorosos...

-- O que se passa, filha? – Indagou preocupada.

Só naquele momento, a jovem se deu conta de que havia alguém ali com ela, só naquele momento percebeu que estava de pé e segurada pelos braços da senhora Antônia.

Abraçou-a, apoiando o rosto em seu ombro.

-- Eu...não sei... – Sussurrava baixinho – Quero ir embora daqui... Eu preciso ir... – As frase eram interrompidas por súbitas tomadas de ar.

Dinda lhe acariciou os cabelos.

-- Shiiiii – embalava-a como se fosse uma criança. – Tudo vai ficar bem, tenha calma... Não se desespere, querida...

A Villa Real se agarrava àquela senhora como se fosse sua salvação.

Antônia permaneceu ali, ouvindo os suplı́cios da garota e se sentindo triste, pois sabia que fora sua sobrinha a causadora daquela dor que agora feria aquele ser tão doce e indefeso.

Mas será que a Diana podia ser responsabilizada? Ela também não fora uma vı́tima de tudo o que aconteceu?

Gostaria que elas nunca tivessem se encontrado, desejava que Ricardo nunca tivesse pedido a ajuda da herdeira de Alexander, mas agora que acontecera nada se podia fazer.

-- Aimê... – Chamou-a. – Quando sair daqui com seu avô, tudo voltará ao normal... Você terá sua vida de volta, estará com as pessoas que ama... Aos poucos essa dor que está sentindo vai passar, aos poucos sua memória esquecerá o que fora vivido...

Alguns segundos se passaram até que a garota levantasse a cabeça.

-- E se não passar? E se eu nunca conseguir esquecer?

Antônia suspirou alto.

-- Vai passar...

A jovem fez uma gesto afirmativo com a cabeça, mesmo que duvidasse que tudo pudesse ficar como era antes... Mesmo assim seria menos doloroso acreditar nisso do que pensar que jamais tiraria Diana Calligari dos seus pensamentos e do seu coração.

 

 

 

 

 

 

Diana estava sob uma árvore.

Acariciava a crina de Cérbero quando viu o carro passar na estrada.          

Aquela fora a melhor coisa a ser feita, ainda mais porque não sabia se conseguiria segurar a vontade que sentia de tomar aquela menina para si de forma completa e isso era algo que deveria evitar de todo jeito, pois não sabia se uma única vez seria suficiente para saciar seu desejo.

Puxou as rédeas e logo o cavalo seguiu em disparada para o lado oposto.

Naquele mesmo dia, Diana cumprira a promessa que fizera a Antônia e ambas seguiram para a Alemanha.

 

 

 

 

Aimê foi acolhida por lágrimas emocionadas de Cláudia.

A mulher ficara surpresa ao ver o marido entrar com a neta.

Naquela manhã o procurara na cama e não o encontrou, chegando a se preocupar, pois ele não costumava sair sem avisar para onde estava indo.

-- Filha... filha... Minha pequena... – Tomou-lhe a face nas mãos. – Eu tive tanto medo de te perder, tanto medo que nunca mais voltasse para a casa.

Aimê a apertou forte.

-- Vovó, pensei que nunca mais ouviria sua doce voz.

Ricardo uniu-se a elas, comemorando a volta da sua amada neta.

 

 

 

 

 

 

Alguns dias depois, em um jantar entre eles, Aimê tocou no assunto que há tempos a incomodava.

A matriarca servia uma deliciosa sopa para o marido e para neta, depois se sentou.

-- Você vai amar, filha, sei que essa é a sua favorita.

Os Villa Real ocupavam um apartamento modesto no centro de uma pequena cidade.

Ricardo perdera tudo que acumulara em toda sua vida com as farras de Otávio, o tratamento da neta e as grandes quantias que tivera que entregar aos bandidos para proteger a memória do filho.

O general não pareceu se importar em cumprir a promessa que fizera para a Calligari.

Trocara todos os números de telefone, sumindo sem deixar pista.

Não poderia fazer o que Diana queria, era impossível, havia muita coisa em risco.

-- Essa semana vamos ter um grande evento na cidade, o prefeito vai dar uma festa para angariar verbas para o lar dos idosos... – Aimê dizia entusiasmada. – Nossa floricultura fora a escolhida para decorar a mansão... Estamos numa correria só.

-- Teremos muito trabalho! – Cláudia levava a colher à boca. – Temo que apenas nós três não consigamos dar conta.

-- Não, vovó, a Bianca e eu estamos tomando a frente de tudo, estamos dispostas a fazer hora extra. – Sorriu. – Gosto de me ocupar, fico feliz por ter coisas para fazer.

Ricardo nada falava sobre isso, pois para ele era uma humilhação que a esposa e neta trabalhassem.

Ele recebia um dinheiro do exército e agora conseguira ser nomeado secretário de segurança daquela pequena cidade, mas as dıvidas ainda eram enormes. Sem falar que desejava muito poder juntar o valor para que a neta fizesse uma nova cirurgia.

Depois que terminaram de jantar, seguiram para a pequena varanda, coisa que era normal.

Cláudia seguiu até a cozinha para fazer café, enquanto Ricardo e Aimê ficaram conversando.

-- Fico feliz que esteja feliz, filha!

A garota sorriu, mas de repente voltou a ficar séria.

Tinham um assunto a tratar, mas sempre que tocava no tema, Ricardo desconversava.

No dia que voltavam da fazenda da Calligari chegou as fazer questionamentos, mas o general se negou a falar sobre assunto.

-- Vovô... – Chamou-o relutante.

Ricardo folheava uma revista, quando a voz doce chamou sua atenção.

-- Sim, querida! – Encarou-a. – O que deseja?

A garota respirou fundo, parecia procurar uma forma para iniciar a conversa.

-- Eu preciso que me fale sobre as acusações que ouvi no cativeiro, sem falar nas palavras que... – Mordiscou o lábio inferior. – Sobre o que a Calligari me disse.

Aimê sentiu um arrepio na espinha só em falar aquele sobrenome.

Desde que retornara, dedicava-se ao trabalho dia a dia, ocupando-se, pois não desejava pensar naquela mulher, porém sempre que deitava para dormir, era como se o cheiro dela ainda estivesse ali presente, era como se aquela voz rouca ainda esbravejasse ou...Sentiu o rosto corar.

-- Eu não quero falar sobre isso! – O homem cortou.

-- Não, Ricardo!

A voz de Cláudia pôde ser ouvida.

-- Conte para ela, fale tudo de uma vez por todas! – Ordenou.

Aimê pareceu surpresa.

O general levantou-se, enviando um olhar de advertência para a esposa.

Levantou-se, andou um pouco pela sala e depois se voltou para a neta.

-- Ok!

A jovem assentiu, enquanto esperava ansiosamente pelo esclarecimento daqueles fatos.

O militar respirou fundo e depois de algum tempo começou a falar.

-- O seu pai fora apaixonado por Diana Calligari! Toda a desgraça da nossa famı́lia começou porque causa dessa maldita paixão.

Aimê pareceu chocada com as palavras.

Seu pai era apaixonado por... Mas como? Diana deveria ser apenas uma adolescente.

Por que aquele pensamento era tão doloroso?

-- Ele matou o noivo dela?

Cláudia abria a boca para falar, mas Ricardo fez um gesto para que ela parasse.

 -- Não, a Diana e o noivo eram traidores, estavam roubando armas e cedendo para traficantes.

Cláudia pareceu chocada, pois ela sabia que aquilo não era verdade.

Ricardo não encarou a esposa, sabia que ela não concordaria com aquilo.

-- Seu pai amava tanto a Diana que estava disposto a perdoar essa falha da Calligari, contanto que ela aceitasse seu pedido de casamento.

-- Ricardo! – A esposa chamou seu nome em advertência.

O general a ignorou.

-- A Diana fingiu ter aceitado, mentiu, enganou e quando seu pai descobriu foi obrigado a tomar atitudes trágicas. Ela fora amante de Otávio, enquanto noivava com outro.

Aimê se levantou.

Ela o fez tão rapidamente que quase caiu.

Cláudia foi até ela, segurando-a.

-- Não pode ser! – Passou a mão pelos cabelos. – Como a Diana pôde fazer algo assim? Ela age com muito ódio por nossa famı́lia, fala como se tivesse sido vı́tima!

-- Duvida do seu pai? Duvida do homem maravilhoso que sempre te amou e te protegeu de tudo e de todos? – Ricardo questionou aborrecido.

-- Não, mas é que...

-- Você queria a verdade, essa é a verdade!

-- Mas os sequestradores, eles falavam...

-- Acreditou nesses bandidos? Prefere acreditar nesses bandidos?

Aimê estava confusa, mas acabou fazendo um gesto negativo com a cabeça.

Sentia-se mal por ter duvidado na integridade do pai, por ter chegado a pensar que Diana falara a verdade.

Como pôde pensar algo assim?

Desculpou-se, enquanto seguia para seu quarto.

Cláudia não foi atrás dela. Permaneceu lá, seu olhar denotava pesar, denotava decepção.

Ricardo caminhou até o pequeno bar, preparou um conhaque, bebendo de uma vez.

Depois caminhou até o sofá, sentando-se de cabeça baixa.

-- Por que mentiu?

-- Eu não posso... Não entende como a verdade seria destrutiva.?

-- Você mentiu para a nossa neta, você não cumpriu a promessa que fizera para a Diana! – Acusou-o. – Ela foi naquela selva, se arriscou e trouxe Aimê para nós... – Passou a mão pelos cabelos. – Não sei o que pensar.

Ricardo a encarou.

-- Se eu cumprir a promessa que fiz a Calligari, esses homens virão aqui e levarão Aimê novamente e dessa vez a matarão.

-- Sim, Ricardo, eles virão porque nós permitimos que apesar de tudo que Otávio fez, nós encobrimos, não denunciamos o crime dele, sendo assim seus cumprisses ainda estão livres...

Ele ainda abriu a boca para falar algo, mas acabou permanecendo calado, enquanto ouvia os passos da esposa se afastarem.

Infelizmente, ele não acreditava que pudesse fazer algo para mudar tudo aquilo.

 

 

Passara muitos anos, não poderia simplesmente contar tudo o que se passou, afinal, aquilo acontecera há tanto tempo, nada mudaria se a verdade viesse à tona, apenas a vida da sua neta correria perigo.

 

 

 

 

Naquela noite Aimê não conseguira dormir.

Não parava de pensar que seu pai fora apaixonado por Diana... Sua mente criava situações e só em imaginar que havia tido uma relação ı́ntima entre eles... Que a Calligari fora amante de Otávio...

Aquilo não podia estar acontecendo?

Suas lágrimas molhavam o travesseiro.

Como um ser humano poderia ser tão terrível como a major?

Agora sim estava cada vez mais segura de não desejar encontra-la mais, agora sim tinha certeza de que o melhor era manter total distância.

 

 

 

Mesmo tendo tido uma péssima noite, na manhã seguinte, logo cedo a jovem Villa Real seguia para floricultura acompanhada de Cláudia.

A mulher observava a neta de soslaio, enquanto dirigia tinha a impressão que ela não estava bem.

Na verdade, desse que a jovem retornara daquela aventura terrível sentia que algo estava errado. Inúmeras vezes tentara conversar sobre aquilo, mas Aimê sempre dizia que tudo estava em ordem.

Será que essas mentiras contadas por Ricardo não seria uma faca de dois gumes?

-- Tem nuvens no céu? – A garota perguntou.

Cláudia exibiu um sorriso enquanto fitava a rua.

Acabavam de chegar à praça onde estava a floricultura.

Ali era o centro daquela pequena cidade.

Havia sorveterias, lojas de roupa, lojas de sapatos, restaurantes, uma pequena pousada e aos finais de semana, uma grande feira que chegava durar o dia todo.

Cláudia estacionou o veı́culo.

-- Na verdade tem algumas nuvens carregadas, creio que teremos uma pequena chuva, mas não durará.

-- Menos mal! – Ela disse soltando o cinto.

-- Por quê?

-- Esquece de que tem a festa e pelo que fiquei sabendo será no grande jardim que os convidados dançarão, imagine que terrível se eles molharem suas roupas.

Cláudia sorriu enquanto abria a porta e descia do carro.

-- Você vai com a Bianca, não estou muito animada para esse tipo de evento.

Aimê também desceu do veı́culo.

-- Não gosto de ir, acho chato.

Cláudia lhe tomou a mão, caminhando ao lado dela.

-- Você é muito jovem, precisa se divertir, conhecer gente nova.

O cheiro de flores era maravilhoso.

A loja já estava aberta.

Pelas vitrines de vidros se via os mais belos arranjos.

Bianca atendia um cliente quando as duas entraram.

A garota foi até as duas mulheres, abraçando-as.

-- Demoramos um pouco porque passamos para comprar o café da manhã. – Aimê disse em um sorriso. – Trouxemos um monte de coisas gostosas!

Bianca era sobrinha do prefeito e a única amiga que Aimê tinha.

Conhecia-a desde que fora morar ali, há mais de seis anos e se tornara uma boa amiga.

Elas tinham a mesma idade e quando a Villa Real tivera a ideia de montar a floricultura a moça entrara como sócia e a amizade de ambas ficara ainda mais estreita.

-- Vou preparar um café e já volto. – Cláudia beijou as duas e foi para o fundo da loja.

-- Preferimos suco! – Bianca falou piscando.

Todo dia era a mesma coisa, a matriarca fazia café para os clientes e refresco para as meninas.

-- Vocês não têm bom gosto! – Resmungava enquanto se afastava.

Quando estavam sozinhas, Aimê seguiu para a lateral onde cultivavam algumas flores e jovem loira e miúda a acompanhou.

A Villa Real se apoiou sobre os calcanhares, enquanto tocava as rosas.

-- Ontem falei com meu avô...

Bianca conhecia toda a história, até mesmo sabia dos detalhes de sua aventura na selva.

-- E então? – Indagou receosa.

Aimê tocou a pétala macia, depois se levantou.

-- Aquela mulher fora amante do meu pai e ainda por cima uma grande traidora!

-- Nossa! – Levou a mão à boca. – Então tudo o que ela falou é mentira?

Aimê fez um gesto de assentimento.

-- Prefiro não falar mais nisso, não desejo nem mesmo recordar de Diana.

Bianca lhe tomou as mãos.

Ela conhecia bem a amiga e sabia como ela era perturbada com as histórias que ouvira sobre Otávio. Agora percebia como essa verdade lhe fez mal.

-- Sabe que estou aqui para qualquer coisa! – Abraçou-a. – Hoje na festa você vai se esquecer de tudo isso! – Colocava entusiasmo na voz. – Meu primo perguntou por você, acho que ele está apaixonado.

-- Ah, não, sabe que não desejo ir a essa festa! – Desvencilhou-se do toque. – E também não quero que me fale do seu primo, não acredito que alguém deseje ter uma relação comigo.

-- Ei, Aimê, desde quando você tá com essa auto estima tão baixa hein? – repreendeu-a. – Já perdi as contas de quantos rapazes se interessaram por ti... Meu Deus, você é linda... Esses olhos tão azuis, esses cabelos pretos... E essa pele branquinha... Ah se eu fosse tão linda, passaria o rodo na cidade.

Ambas acabaram caindo na risada com aquela brincadeira.

-- Você é terrível, Bianca Alvarenga!

Ouviram a voz de Cláudia chamando.

-- Vamos, teremos pouco tempo para comer hoje, muito trabalho... Mas à noite poderemos no encher de salgadinhos!

Aimê assentiu, enquanto ouvia os passos dela se afastando.

Não a seguiu de imediato.

Permaneceu lá, parada, tendo aquela impressão de que algo estava errado.

Quando pensava que cedera ao desejo e permitira que Diana a tocasse, sentia-se nauseada, pois em sua mente chegava a imaginar o pai sendo seduzido do mesmo jeito.

Aquele  mês  não  fora  fácil,  fora  terrível,  pois  em  muitos  momentos  estava  sempre  a  esperar  ouvir  aquela  voz imperiosa... Mas agora que sabia de tudo, tiraria a major de uma vez por todas dos seus pensamentos...

Fechou os olhos respirando lentamente.

Não conseguia pensar que a Calligari também estivesse em seu coração... Essa ideia a perturbava terrivelmente, essa possibilidade era terrível, pois jamais poderia lidar com um sentimento assim.

 

 

 

 

Diana chegara da Alemanha na manhã anterior.

Não tinha retornado para a fazenda, pois a tia permanecera na Europa por mais alguns dias, então preferira ficar na grande metrópole e esperar a chegada dela.

Tinha acabado de sair do banho.

Sentou diante da escrivaninha e ligou o computador portátil.

Naqueles últimos trinta dias nada fizera, perdendo todo o contato com as pessoas. Nem mesmo usara o celular, apenas se entregou a noites de festas, farras e mulheres para aliviar sua mente.

Ouviu a porta abrir e não demorou muito para que a empresária entrasse por ela.

-- Então você se dignou a aparecer! – A mulher disse em tom acusador, enquanto parava no meio da sala. – Sabe como fiquei preocupada durante esses dias? – Indagou com as mãos nos quadris. – Primeiro se embrenha dentro do mato e quando retorna some sem deixar nenhuma explicação.

A major se levantou.

-- Eu precisava de umas férias!

-- Eu nunca disse que não precisava ou critiquei por algo assim, porém não acho que desaparecer sem dizer se está tudo bem é o cúmulo até para você.

A Calligari jogou os cabelos para trás.

-- Estou de volta e pronto para retornar ao meu trabalho!

Vanessa foi até ela, abraçando-a.

-- Nossa, Diana, eu deveria te bater, mas estou tão feliz que você está bem que já estou esquecendo minha raiva.

A morena sorriu, afastando-se um pouco para fitá-la.

-- Diga que está com a minha agenda cheia, desejo participar de exposições.

-- Ah, imagina que depois de ter que cancelar todos os seus compromissos e ainda ouvir os donos de galerias te acusarem de arrogante e irresponsável, ainda nos sobra alguns trabalhos.

Ambas sorriram.

-- Você é muito dramática! – Afastou-se.

-- Mas já que está querendo trabalhar desejo muito que me acompanhe a uma festa!

Diana voltou para o computador, não parecia interessada.

-- Estou cansada de festas!

-- Mas essa é uma beneficente, onde um quadro seu estará sendo leiloado para ajudar um lar de idosos. E a essa festa não é como as orgias que você frequenta. – Alfinetou-a.

-- De onde essas pessoas tiraram dinheiro para comprar um quadro meu? – Indagou por sobre o ombro. – Orgias são ótimas, pensando em fazer algumas por aqui.

-- Eu fiz a doação! – Vanessa sentou no sofá. – E prometi que você estaria lá, assim, mais pessoas compareceriam e ajudariam os velhinhos.

Diana arqueou a sobrancelha esquerda.

-- Desde quando sou irmã de caridade?

-- Desde que eu decidi. – Pegou o celular discando um número. – Prepare o avião... – Falava ao telefone.

-- Ah, não! – A Calligari se levantou. – Se deseja que vá contigo, vamos de carro, não aguento mais ficar dentro desse urubu aéreo!

Vanessa lhe dirigiu um olhar irritado, enquanto pedia que a interlocutor esperasse.

-- É uma cidade do interior, há quase quinhentos quilômetros daqui, não vou passar o dia dirigindo e tampouco arriscar a minha vida contigo voando em alta velocidade. – Avisou-a. – Será um voo rápido, pousaremos uma cidade vizinha e partimos de carro, trinta minutos chegaremos lá.

Diana ainda pensou em retrucar, mas realmente seria uma viagem bastante longa e cansativa.

Por fim, fez um gesto de assentimento.

Vanessa terminou de falar e logo desligou o aparelho.

-- Arrume uma bolsa, pois partiremos logo!

A morena caminhou até a mulher, sentando ao seu lado.

-- Desde quando aceito suas ordens?

-- Desde quando me deixou sem notı́cias suas, então se quiser se redimir terá que fazer o que peço.

Diana encostou as costas na poltrona, inclinando a cabeça para trás.

-- Não tenho roupas apropriadas aqui! Não andei me vestindo como uma dama ultimamente.

-- Não se preocupe! Comprei um vestido maravilhoso para sua exposição que você não apareceu, apesar de você está um pouco mais magra do que o normal, creio que ficará perfeito.

-- Você sempre tem tudo pronto!

-- Vai querer uma acompanhante? – Fitou-a. – deseja que levemos uma amante bonita daquelas com pouco cérebro, mas com muito peito?

Diana esboçou um sorriso.

-- Você é terrível... Mas dessa vez não quero que leve ninguém, acho que estou cansada de mulheres!

-- Você não parece bem... – Ajeitou-se de lado, enquanto a encarava, examinando-a com o olhar. – O que houve?

A Calligari respirou fundo.

Aceitar a proposta de Ricardo só lhe deixou pior e ainda por cima o maldito general nem mesmo cumprira com o combinado, sumindo novamente do seu radar.

Levantou-se.

-- Estou bem, irei arrumar uma pequena valise.

Vanessa a viu se afastar e ainda desejou abrir a boca para falar algo, mas prometera a Antônia que esperaria para que Diana lhe contasse tudo, coisa que não acreditava que aconteceria.

Ficara todo aquele tempo em contato com a Dinda e ficara sabendo de todas as aventuras vividas e ficara surpresa quando a senhora contara suas suspeitas sobre a relação da Calligari com Aimê Villa Real.

Teria fundamentos essa história ou a tia de Alexander estava fantasiando?

Levantou-se, seguindo até o computador.

Observou alguns e-mails e ficou surpresa que a pintora estivesse se comunicando com um renomado oftalmologista.

 

 

 

 

 

A bonita mansão do prefeito estava linda.

O trabalho fora árduo, mas a decoração superava todas que já aconteceram anteriormente.

Quando receberam a proposta, Aimê ficara um pouco assustada, pois a pequena floricultura não estava acostumada a realizar eventos tão grandes, mas mesmo com os longos dias trabalhados, tudo ao final saı́ra bem.

Naquele momento estava sentada em uma mesa em companhia da amiga.

O jardim estava lotado de pessoas. Alguns deputados estavam presentes, grandes empresários também prestigiava o evento.

Uma banda fora contratada para tocar e ficou por conta dela animar toda a recepção.

-- O Thiago não vai vir! – Bianca disse enquanto levava um docinho à boca. – Disse que tinha muita coisa da faculdade para estudar!

Aimê ficou calada, pois tinha a impressão que o namorado da amiga nunca parecia interessado em estar presente nessas festas e muito menos ao lado dela.

-- Bem, só porque ele não está aqui não significa que você não deva se divertir. – Pegou a taça levando aos lábios. – Não tem suco? Não gosto de bebida com álcool.

Bianca sorriu.

-- Precisamos parecer damas e elas bebem champanhe!

A jovem morava com o prefeito desde que perdera os pais em um acidente. O tio se responsabilizara pela educação da garota e por seu bem estar.

-- Ah, sim... – Assentiu em tédio. – Tem muita gente? Que horas vai começar os leilões?

Bianca observou ao redor e olhava com atenção para as outras mesas onde havia pessoas elegantemente vestidas.

-- Sim, muitas pessoas que nunca nem vi! – Ela observou um belo rapaz encará-las. – Tem um homem que para de olhar para ti! – Disse em seu ouvido. – Mas quem não te olharia? Você está muito linda!

-- Bobagem!

-- Aimê, se você pudesse se ver saberia como é uma jovem bonita e qualquer pessoa se apaixonaria facilmente por ti.

Realmente a herdeira de Otávio estava ainda mais bela naquela noite.

Usava um vestido branco de tubinho, sem mangas, valorizando ainda mais o colo.

Nos pés trazia uma sandália de salto média que deixava os pés delicados à mostra.

Os cabelos estavam soltos, tendo apenas duas tranças finas nas laterais que iam até o topo, deixando-a mais encantadora.

O rosto recebera um pouco de maquiagem, destacando principalmente os olhos grandes e os lábios rosados.

-- Você ainda não me disse que horas vai ser o leilão?

-- Por que o interesse? Não acredito que eu ou você possamos dar um lance acima de cinquenta centavos.

Ambas gargalharam da brincadeira.

-- Bem, isso não é verdade, mas mesmo assim nossa poupança não chegaria perto dos valores dessas coisas.

-- Pelo que fiquei sabendo pela minha tia, havia um quadro de uma renomada artista que custaria todos os nossos órgãos em vida.

-- Nossa!

-- Parece que fora doado!

-- Que gesto bonito, afinal, não é todo mundo que faz uma doação tão generosa.

-- Ah, sim, e pelo que fiquei sabendo ela também estaria aqui para entregar pessoalmente a obra, mas ouvi também que a tal mulher era muito arrogante e orgulhosa.

-- E quem é essa artista? – Indagou curiosa.

-- Ah, com certeza deve ser uma dessas velhas ricas que nasceram com muito talento.

-- Por que acha que é uma velha?

-- Bem, não sou muito desse mundo, mas não me recordo de ter visto uma artista desse alto nível jovem.

Aimê levou a taça aos lábios novamente.

Ela conhecia uma... ou também seria mentira?

Ouviram o anúncio de que em poucos minutos começaria o leilão.

-- Quero acompanhar! – Aimê se levantou. – Vamos comigo? Quero me descreva as coisas.

-- Ah sim, com certeza, quero ver quem vai pagar tão caro pelos objetos e também desejo conhecer a tal pintora que tem o rei na barriga.

 

 

 

 

Os garçons serviam aos convidados no grande salão.

As pessoas se aglomeravam em torno de Diana.

Todos pareciam interessados na artista que tentava ao máximo ser paciente.

Vanessa se aproximou, pedindo licença e tirando a morena de lá.

-- Desculpe-me, demorei porque tive que conversar com o prefeito. – Tomou-lhe o braço. – Vamos para o lugar reservado a nós.

Caminhavam enquanto os olhares não as abandonavam.

-- Você está linda nesse vestido preto! – Vanessa dizia. – Sua elegância nunca passa despercebida.

-- Não me venha com essa conversa, sabe muito bem que estou entediada nesse lugar. Não sabia que era uma cidade tão pequena que nem mesmo tinha um hotel decente.

-- Isso já foi resolvido, vamos nos hospedar aqui hoje e amanhã cedo retornamos à capital.

-- Assim espero... – Caminhava enquanto seu olhar não parecia muito interessado em nada.

-- Eu disse para trazer uma acompanhante e você se negou, então não sei por que está reclamando.

Chegaram ao lugar onde um palco tinha sido montado.

Não só o prefeito seguiu até elas para cumprimentá-las, como outras figuras públicas fizeram o mesmo.

Diana não parecia realmente interessada em bajulações e não parecia se importar em parecer simpática.

O prefeito convidou as duas mulheres a segui-los e quando estendeu a mão para a Calligari, ela ignorou, seguindo sozinha.

O homem pareceu constrangido, mas nada disse.

Vanessa se adiantou e seguiu até a pintora.

Sobre o palco havia uma enorme mesa e era lá onde os convidados importantes ficariam.

-- Não poderia ser um pouco mais amistosa? – Vanessa sussurrou em seu ouvido.

O garçom serviu-as.

A morena bebeu o champanhe lentamente.

-- Não gosto de bajulação! Por que tem tantas flores aqui? – Questionou incomodada.

Vanessa pegou o belo buquê que fora dado a artista.

-- São rosas, suas preferidas!

A Calligari deu de ombros.

-- Você é uma figura pública, uma artista renomada internacionalmente, todos gostariam de ter um quadro seu em suas paredes.

-- Mesmo sendo ignorantes e não tendo sensibilidade para reconhecer o real significado deles? – Questionou cheia de sarcasmo.

-- E desde quando a arte precisa sem entendida?

Diana não respondeu, mas depois de alguns segundo observou o céu estrelado.

-- Está quente aqui!

-- Bem, você sempre está com esses cabelos soltos, se tivesse feito o penteado não estaria com calor.

A Calligari nada disse, pois sabia que seria uma discussão sem fim.

Observava as luzes iluminarem o gramado, onde havia um número considerável de pessoas.

Aquilo não passava de campanha eleitoral antecipada!

Algumas pessoas se aproximaram da mesa para cumprimentá-la e dizer que adorava seu trabalho.

Vanessa tratava todos com gentileza, enquanto a Calligari dizia poucas palavras.

Diana tirou o celular da bolsa, havia algumas ligações de sua tia, estava digitando uma mensagem quando ouviu a voz de uma jovem.

-- Boa noite! – Bianca cumprimentou Vanessa. – Vi o quadro que senhora pintou e fiquei de queixo caı́do, é muito lindo e ao descrevê-lo para a minha amiga, ela desejou conhecê-la e parabenizá-la.

Vanessa observava as duas jovens e ao fitar Diana percebeu que ela não estava pouco interessada em acabar com a confusão.

-- Realmente a senhora é muito talentosa... – Aimê dizia. – A Bianca me descreveu a obra e fiquei a imaginar se estava seguindo a ideias renascentistas...

O aparelho de celular caiu das mãos da pintora, então levantando a cabeça ela viu aqueles olhos intensamente azuis em sua direção.


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