A dama selvagem - Capítulo 11


Aimê sentia a água correr por seu corpo.

Seus olhos ainda ardiam do pranto incontido. O barulho do lı́quido sufocava seus soluços.

Jamais agira de forma tão violenta com alguém. Na verdade, nunca em seus vinte e dois anos se mostrara daquele jeito tão descontrolado.

Como foi capaz de morder a Calligari?

Desconhecia-se, parecia que um gênio do mal tinha assumido seu lugar nos últimos dias...

Fechou as mãos, apertando-as forte.

Por que o fato de Diana ter ficado com outra mulher a incomodava tanto? Por que isso a feria como se uma espada transpassasse seu peito?

Encostou as costas na parede fria, fechou os olhos.

A água corria por seu rosto, seus cabelos colados à nuca, o corado da face se sobressaia.

Gostaria que nada daquilo tivesse acontecido!

Queria apenas retornar para sua casa, para a floricultura, sentir o perfume delicado das flores, mexer com a terra...

Sua vida era tranquila. Aprendera a conviver com as limitações e sempre conseguira superar muitas delas...

O que aconteceria quando retornasse para sua realidade?

Desejava esquecer... Livrar-se das memórias que vivera, dos toques atrevidos, dos lábios grosseiros que seduziam cruelmente...

Seria isso?

Aquela inquietação angustiante que parecia destruir tudo e doı́a tanto era a paixão que os poetas costumavam proclamar em suas poesias?

Era isso o que sentia?

O que se passava consigo?

Por que parecia que dentro do seu peito havia uma guerra sendo travada?

Mordiscou o lábio inferior e novamente não conteve as lágrimas.

-- Deus... me ajude...

O nome foi dito em sussurros baixos e doloridos...

Abraçou os ombros e logo começou a esfregar a pele freneticamente, desejando se livrar de algo que naquele momento perturbava sua paz.

 

 

 

 

 

 

O restaurante do hotel estava quase vazio.

Diana se aproximou.

Seu andar seguro, ombros eretos, cabeça sempre erguida. Mesmo diante de tudo o que passou não perdera o orgulho.

 Foi cumprimentada por algumas pessoas com um gesto de cabeça, mas ela nem mesmo respondeu.

Usava Jeans desbotado colada às pernas torneadas, camiseta branca e jaqueta de couro na cor marrom e botas combinando.

Seus cabelos como de costume estavam soltos, ainda úmidos do banho recente.

Sentou e logo a garçonete se aproximou.

-- Traga o de sempre e o prato da casa para a minha convidada!

A moça assentiu se afastando, deixando uma garrafa de vinho branco.

Olhou para o relógio que descansava em seu pulso.

Aimê estava em outro quarto e pelo que ficara sabendo pela camareira que a ajudava, a jovem parecia estar mais calma.

Fitou a mão, observou a marca.

Quem diria que aquele rostinho angelical escondia uma fera.

Bebericou lentamente e adorou sentir o álcool penetrar em seu sangue. Como necessitara daquilo nos últimos dias.

Agora que retornara tinha algumas coisas a resolver.

Tamborilava os dedos sobre o tampo da mesa.

Observou o restaurante elegante que tinha uma vista para praia.

Ouvia o som das ondas e de certa forma aquilo a acalmou.

Respirou lentamente ao sentir uma fisgada no abdome.

Seguiria para uma clı́nica, precisava examinar o ferimento que continuava a incomodar.

Pegou o celular no bolso.

Havia inúmeras ligações, mensagens e mais mensagens.

Leu algumas de sua empresária.

Haveria uma exposição e sua participação fora confirmada.

Suspirou!

Não estava com cabeça para pensar nisso naquele momento, pois outras coisas perturbavam sua paz.

Buscou o número de Ricardo Villa Real e logo ouviu a voz do homem.

-- Sua neta está comigo, agora falta a sua parte no trato! – Falou sem rodeios.

Ouviu um silêncio e depois algumas interjeições de alegria.

-- Deus, deixe-me falar com ela, preciso ouvi-la. – O homem pedia emocionado. – Eu sabia que você conseguiria.

Diana não confiava naquela famı́lia e não baixaria a guarda novamente. Foi por confiar em Otávio que sua vida fora destruı́da.

-- Antes eu desejo o meu pagamento, antes eu desejo que toda a verdade seja dita para que todas saibam de uma vez por todas o que se passou. – Apertou forte o aparelho.

-- Sim, eu farei tudo o que deseja! – Apressou-se em dizer. -- Porém traga Aimê para mim, desejo falar com ela antes de contar tudo, não quero que ela sofra mais um trauma.

A morena deu um sorriso sarcástico.

-- Eu não me importo com o que essa imprestável da sua neta vai sentir... – falava com os dentes cerrados. – deveria ter me contado que ela era cega, deveria ter me dito o risco que eu corria, não sabe como quase a deixei morrer em meio àquela maldita floresta...

De repente ficou muda ao ver quem se aproximava acompanhada por uma camareira.

Sentiu um frenesi tomar conta do seu corpo.

Seus lábios ficaram secos. Umedeceu-os com a lı́ngua.

Não gostou do olhar que algumas pessoas dirigiram a neta de Ricardo, mas entendia perfeitamente o que se passava com eles.

Aimê estava deslumbrante.

Os cabelos estavam soltos e enfeitavam o rosto bonito, os olhos mais vivos, os lábios mais rosados e cheios.

A pele branca parecia a mais rica porcelana.

Observava-a de cima a baixo.

A roupa que pedira para comprar ficara simplesmente perfeita.

O short era curto, preto em seda e deixava as belas pernas de fora, mas não de forma vulgar, elegante. A blusa era dourada, de mangas longas, com cordões que trançavam lindamente a figura.

Fitou as sandálias sem salto...

Ela era alta, alguns centı́metros abaixo de si.

Estava divina!

Ouviu o general chamar seu nome, porém não desejava mais falar com ele naquele momento, nem mesmo se despediu, deligando o celular e colocando-o na bolsa.

A camareira parou com a jovem diante da mesa.

Com um gesto, a pintora dispensou a moça, levantando-se puxou a cadeira para que a convidada sentasse, porém não a acomodou rapidamente, ao contrário, permaneceu parada por trás dela.

Aspirou o delicioso aroma que se depreendia dela.

-- Você é linda...—Sussurrou de encontro a sua orelha.

Aimê sentiu os pelos da nuca se arrepiarem e aquilo a chateou.

-- Desejo falar com meu avô! – Disse simplesmente. – Quando vai me levar para ele ou simplesmente diga onde estamos, tenho certeza de que virá me buscar.

Diana depositou as mãos em seus ombros, trazendo-a para mais perto de si.

Iniciou uma espécie de massagem.

-- E eu desejo comer... – Ajudou-a a sentar, acomodando-se em seguida ao seu lado.

Por que aquela simples frase parecia ter uma conotação diferente dita por aquela voz rouca

A neta de Ricardo teve a impressão que suas pernas tremiam. Estavam tão próximas que chegava a sufocar.

A Calligari sorriu ao ver o belo rosto se tingir de vermelho.

-- Você está muito linda, mimadinha... – Repetiu. – Parece a personificação do paraíso.

A jovem estava surpresa com os elogios, até constrangidas ao ouvi-los.

Sentia o olhar insistente sobre si, aquele magnetismo esmagador que não deixava respirar direito.

Um rapaz bem vestido se aproximou trazendo a comida e o aroma delicioso pareceu dissipar a animosidade da Villa Real.

A morena a serviu e depois fez o mesmo consigo.

Comeram em silêncio por alguns minutos.

-- Agora sim estamos tendo uma refeição civilizada...

Aimê mastigava lentamente até levantar a cabeça para ela.

-- Você não tem nada de civilizada... Mesmo que se vista, que se comporte como uma, há algo em ti muito primitivo e selvagem... Está no seu sangue. – Ela falava com calma.

Diana estreitou os olhos, mas não pareceu irritada.

-- Se quis me ofender, sinto muito, mas não conseguiu. – Estendeu a mão tocando o queixo delicado. – Gosto de ser selvagem... Mas há alguns lugares que sou menos e em outros sou bem mais... – Aproximou os lábios dos dela. – Depende do que você quiser...

A Villa Real colocou os talheres perfeitamente ao lado do prato, limpando os lábios delicadamente com o guardanapo, depois retirou a mão dela do seu rosto.

Senti-la tão perto a tirava do sério, então precisava manter total distância.

-- Não quis ofendê-la mesmo, foi apenas uma observação... Agora sim eu acredito quando diz que é ı́ndia de uma tribo de canibais.

Diana estendeu a mão novamente, tocando a dela e mantendo cativa entre as suas.

Estavam frias.

Suavam...

Delicadamente levou o membro, depositando-a em sua coxa sob a mesa, prendendo-a lá.

-- Desejo pintar você, darei o que quiser para que tire a roupa e deixe que eu use minha arte.

A Caligari a queria em seu quadro, desejava passar aquela delicadeza e transformá-la em sua mais valorosa obra.

Desde que a viu pela primeira vez sentiu esse apelo artı́stico e agora essa era uma ideia que não deixava a sua cabeça.

Aimê estava muito magoada e seu olhar não escondia a perplexidade.

-- Só nos seus sonhos você o fará. – Tentou se livrar da carı́cia, mas a morena não parecia interessada em soltá-la.

Diana fê-la acaricia-la, mas Aimê conseguiu se livrar do aperto.

-- Não se contentou com a sua amante? – A Villa Real questionou-a em voz baixa e sem disfarçar a irritação. – Pinte-a, tenho certeza de que ela se sentirá honrada com o seu “interesse cultural”.

A morena fitava os belos lábios e desejou mais uma vez senti-los.

-- Não me contentarei, mesmo que eu durma com um milhão de mulheres, pois meu desejo é por ti... – Disse observando a face bonita. – Eu quero transar contigo...

A jovem engoliu em seco!

-- Ficará querendo, porque você jamais vai me tocar!

-- Pela minha tribo, depois que nosso casamento foi consumado eu tenho direito a tudo e você será apenas a minha linda esposa submissa. – Provocou-a.

-- Só na sua fértil imaginação e eu acho que você tá com algum problema de cabeça, pois esse casamento não foi consumado.

A discussão acontecia em voz baixa.

Diana tomou-lhe a mão novamente, levou-a à boca, virando-a, depositando um beijo demorado em seu centro.

Aimê estreitou os olhos.

-- Essa farsa que você chama de casamento não foi consumado! – Dessa vez conseguiu se livrar do toque. – E jamais será.

 -- Mimadinha, ontem fizemos muito, não vai demorar em que você se torne minha mulher... Tenho certeza de que vai adorar... Prometo fazer direitinho... Sou boa em alguns quesitos, claro que prefiro que comprove, assim não pensará que estou contando vantagens.

A Calligari usava sempre aquele tom baixo e meio enrouquecido.

-- Você é uma louca! – Acusou-a incomodada. – Quando me entregar aos meus avós, nunca mais nossos caminhos cruzarão.

-- Pouse pra mim, prometo fazer a melhor obra de todo o mundo! – Insistia. – Se fazê-lo, prometo que a deixarei em paz!

A Villa real se levantou, mas a major a detinha pelo pulso.

-- O miserável do seu pai não te ensinou ser educada não? – Indagou impaciente. – Fala de mim, mas suas ações são mais selvagens do que as minhas! – Arrumou o cabelo por trás da orelha.

-- Não ouse falar do meu pai! – Desvencilhou-se do toque. – E se ajo assim é porque estou cansada de ti, cansada das suas provocações, das suas grosserias...

Diana a encarava furiosa.

Por que aquela garota a desafiava daquele jeito?

-- Coitada de você, Aimê, quando toda a ilusão que tem sobre quem era seu pai cair por terra totalmente. – Falou em tom debochado. – Vou querer estar ao seu lado nesse momento.

-- Meu pai era um homem digno! – Disse cheia de orgulho e tentando manter a calma. – Alguém superior a você!

-- Seu pai era um desgraçado... – Deu um sorriso sarcástico. – Mas um pouco e eu teria sido sua madrasta... – Fitou o decote por sobre a blusa que a menina usava. – Seria incesto? – Estendeu a mão, tocando-lhe o quadril. – Sim, seria, pois sei que você também me deseja!

A Villa Real pareceu desconsertada com o que ouvia.

-- Você não tem vergonha na cara!

-- Somos casadas, mimadinha, e mesmo que não queira temos laços que nos unem. – Olhou ao redor e viu algumas pessoas observando-as de forma curiosa. – Sente-se! – Pediu de forma mais calma. – Ou eu a farei sentar...

Aimê ainda pensou em protestar, mas percebia que aquilo era o melhor a fazer.

Naqueles dias aprendeu que era um gasto de energia inútil discutir com a major.

A jovem se acomodou.

O silêncio reinou, apenas a respiração de ambas podia ser ouvida.

Alguns minutos depois Veridiana se aproximou da mesa onde as duas estavam.

A Villa Real reconheceu o perfume enjoativo.

Não acreditava que dividiria a mesa com aquela mulher.

Mexeu-se impaciente na confortável cadeira.

Desejou levantar e ir para longe.

-- Temos companhia, Aimê! – Diana disse com um debochado sorriso. – Sente-se, querida! – Dirigiu-se à amante.

A neta de Ricardo sentiu o estômago embrulhar, mas nada disse.

Veridiana tocou a mão da menina.

-- É  um prazer conhecê-la, a Diana me contou que a resgatou daquela selva terrível e também me falou como você foi corajosa em remar às cegas para salvá-la...

A neta de Ricardo pareceu surpresa com o que ouvia.

A Calligari levou o copo de vinho aos lábios, bebericava lentamente enquanto acompanhava a reação de sua acompanhante.

-- Sim, realmente é um lugar cheio de perigos... Eu fiz o que tinha que fazer! – Disse retirando a mão e esboçando um sorriso amigável.

-- Imagino que sim, ainda mais tendo essa deficiência... Deve ter sido um inferno...

Aimê apenas fez um gesto afirmativo com a cabeça.

Pegou os talheres e voltou a comer, mesmo tendo perdido a fome, mas o fez para se manter ocupada e não ter que participar daquela conversa.

Não demorou muito para que Veridiana perdesse o interesse na jovem e voltasse sua atenção para a pintora.

A  herdeira  de  Otávio  rezava  para  que  saı́ssem  dali  o  mais  rápido  possível,  pois  tinha  a  impressão  que  a  tal acompanhante fazia tudo para diminuı́-la em seus comentários.

-- Deve procurar um médico, amor, hoje quando estivemos juntas me preocupei ao ver o ferimento, ainda mais porque você sempre ultrapassa os limites.

A Calligari percebeu a palidez tomar conta da bela Aimê.

De repente ao olhar para aquele mar tão azul algo a deixou desconfortável diante das palavras da amante.

-- Não me recordo de ter passado dos limites em nada, então não se preocupe com a minha saúde.

Veridiana conversava, não pareceu se importar em ter sido repreendida, mas o olhar de Diana e seus pensamentos estavam centrados na jovem que estava sentada a sua frente.

Desejou segurar seu queixo e fazê-la encará-la.

Por que ela parecia tão única em meio a tantas?

Olhava-a e tinha a impressão de que não só seu corpo, mas também seu espı́rito ficava em êxtase?

Irritou-se com aqueles pensamentos.

Veridiana deu um beijo nos lábios da pintora, despedindo-se em seguida, pois precisava retomar suas tarefas.

Quando ficaram sozinhas, a morena estendeu a mão, tomando mais uma vez a da jovem nas suas.

-- O que achou dela?

-- Não tenho que achar nada! – Tentou se livrar do contato, mas foi inútil.

-- Deveria dar a sua opinião, afinal, ela ocupa o lugar que é seu...

Aimê levantou a cabeça.

-- Ficou feliz que tenha encontrado alguém que ature as suas grosserias, alguém que não se importe de lidar com uma selvagem que age como se fosse a dona do mundo... Valorize-a, pois eu tenho certeza de que essa é a única que vai ter.

Diana retirou a mão.

Não era difı́cil perceber a raiva que passava por sua face bonita.

Furiosa, levantou-se.

-- Apresse-se, pois não a esperarei por todo o dia!

A Villa Real ouviu os sons dos passos se afastarem e só naquele momento soltou a respiração lentamente.

Não terminou a refeição, pois perdera totalmente o apetite, só desejava ir para casa.

Massageou as têmporas, pois já sentia a cabeça latejar.

Seguiram logo em seguida de carro. A Villa Real se mantinha calada, enquanto Diana não parecia levar em conta os limites de velocidade.

Estava irritada!

Várias vezes fitava a companheira de soslaio e sua fú ria parecia aumentar mais e mais.

Estava decidida a não entregar a neta de Ricardo até que ele cumprisse a palavra.

O rádio cantava alto.

Uma canção falava sobre amor.

A morena desligou, não parecendo se interessar pelo tema.

Aimê nada falava, apenas estava mergulhado em seus pensamentos, distraı́da em suas divagações.

Quando chegasse a sua casa, a primeira coisa que faria era pedir para que o avô lhe explicasse todas as acusações que ouvira contra seu pai. Quando estava em cativeiro com aqueles homens, muitas vezes se usava o nome de Otávio e nunca parecia ser coisa boa. Não que tivesse alguma dúvida quanto à ı́ndole do homem que a protegera e a amara tanto, porém havia coisas sobre a morte dele que não a deixava viver em paz. Por isso se arriscara buscando a verdade.

O carro estacionou diante da mansão de dois andares.

Diana saiu do veı́culo e sorriu ao ver a tia descer as escadas indo até ela, abraçando-a.

-- Deus seja louvado! – A senhora falou, segurando-lhe a face. – Tive tanto medo que não retornasse.

-- Eu disse que voltaria!

Dinda se afastou colocando as mãos na cintura.

-- Nunca mais ousara se aventurar novamente!

A morena seguiu até o carro, abrindo a porta para a garota.

Antônia naquele momento fitava o alvo da atenção da sobrinha.

-- Venha comigo! – Diana tomou-lhe a mão.

-- Onde estamos? – Aimê questionou assustada.

A Calligari praticamente a puxou do veı́culo.

-- Você não consegue entender frases imperativas? – Indagou irritada. – Só deve seguir as minhas ordens e estaremos bem.

-- Não sou um dos seus soldados! – Desvencilhou do toque. – E se você pedisse seria muito mais fácil.

Antônia observava tudo perplexa.

-- Essa é a filhinha do dignı́ssimo Otávio! – Falou de forma sarcástica, apresentando-a a Antônia. – Ela vai passar uns dias aqui! Foi por ela que me embrenhei naquela selva de loucos.

A perplexidade estava estampada no rosto de Dinda, seus olhos traziam pânico, mas ela simpatizou, mesmo assim, com a jovem.

Era muito bonita, parecia tão angelical e doce.

Estendeu a mão.

-- Sou Antônia, tia de Diana!

Os olhos azuis pareceram surpresos e confusos.

-- Ela não enxerga! – A pintora falou impacientemente. – Peça para os empregados acomodá-la em algum lugar.

Tenho coisas mais importantes para fazer!

A Calligari subiu as escadas rapidamente não parecendo se importar em deixar a Villa Real em companhia de alguém que nem conhecia.

Antônia tomou-lhe as mãos carinhosamente.

-- Deus, como você é linda! – Tocou-lhe a face. – Parece um anjo com esses olhos tão grandes e da cor do céu.

Aimê pareceu constrangida com o carinho que recebia.

-- Venha comigo!

A Villa Real assentiu, pois não sabia o que fazer. Não imaginou que estava sendo levada para outro lugar que não fosse a sua casa.

Antônia tomava cuidado para que a menina não tropeçasse, enquanto subia os degraus segurando a mão da jovem.

-- Não se importe com o jeito da minha sobrinha, ela tem essa forma arrogante e grosseira, porém ela é uma ótima pessoa.

Aimê nada disse.

Caminhava e em sua mente pensava por qual razão ainda não tinha sido levada para os avós.

O que a Calligari queria?

Que lugar era aquele?

Tinha a impressão que o oxigênio era mais puro, mais ventilado.

 

 

 

 

 

 

Ricardo andava de um lado para o outro, enquanto Cláudia o fitava com apreensão.

-- Tem certeza de que ela está com a nossa neta?

-- Sim! – Disse com um enorme sorriso. – Ela conseguiu, eu sabia que ela conseguiria. – Abraçou a esposa. – Aimê não está mais nas mãos daqueles bandidos.

Cláudia chorava, parecia cada vez mais emocionada.

-- Quando... Quando ela vai trazê-la? Quero abraçá-la, quero vê-la!

-- Sim, sim... Decerto ela vai ligar de novo e vamos poder combinar tudo.

-- Precisará cumprir o que prometeu.

O general apenas assentiu enquanto pensava quais passos deveria dar.

Tinha uma carta na manga e a jogaria quando chegasse o momento adequado.

 

 

 

 

Diana trocou de roupa e rapidamente seguiu até o estábulo. Usava traje de montaria na cor preta.

Aproximou-se da baia.

O enorme garanhão negro se manifestou ao ver a dona.

A morena se aproximou.

Deu-lhe uma cenoura e ficou acariciando a crina bem cuidada.

-- Estava com saudades, velho amigo!

Nem mesmo selou o animal, montando-o em pelos e saindo a galope.

Os cabelos eram acariciados pelo vento.

Alguns trabalhadores a observavam embevecidos.

 

 

 

 

 

 

Antônia levou Aimê para um quarto e pela janela viu quando a sobrinha saiu com o cavalo.

Irritou-se, pois desejava lhe falar e como sempre não havia oportunidade para isso.

-- Que lugar é esse?

A voz doce da Villa Real a tirou de sua distração.

-- Aqui é a nossa casa, uma linda fazenda! – Aproximou-se, tomando-lhe as mãos. – Está segura aqui, criança!

-- Mas por que ela me trouxe para cá? Quero ficar com meus avós. – Desvencilhou-se do toque. – Onde está Diana, desejo lhe falar.

A boa senhora voltou a fitar a janela e não viu mais sombras da Calligari.

-- Ela saiu...

-- Vai demorar? – Questionou apreensiva. – Ligue para o meu avô, preciso falar com ele.

Antônia não sabia, porém sabia que algo não estava certo para a filha de Alexander sair tão rapidamente e ainda mais no Cérbero.

Voltou a fitar os lindos olhos azuis da filha do odioso Otávio.

Seria possível?

-- Meu bem, descanse! – Disse um pouco preocupada. – Vou pedir para que lhe traga algo para comer. Quando minha sobrinha voltar, ela faz a ligação.

Antes que a Villa Real falasse algo, a mulher saiu apressadamente.

Aimê suspirou impaciente, enquanto tateava até encontrar a cama, sentando-se.

Precisava ir embora, não desejava ficar no mesmo lugar que a prepotente Calligari.

Passou a mão pelos cabelos.

O que estava acontecendo em sua vida?

Por que se sentia tão perdida quando seus pensamentos seguiam por Diana?

Levou o indicador ao lábio inferior.

Depois de tudo, de todas as grosserias, ainda sentia aquele sentimento dentro de si...

 

 

 

 

 

 

Cérbero corria em uma velocidade louca...

Diana se deixava guiar, deixava-se conduzir por seu velho amigo...

O garanhão negro parou ao chegar ao rio.

Árvores cobriam toda aquela área escondendo o paraı́so dos olhos curiosos

A morena desceu, indo até a margem, acocorando-se, lavou o rosto.

A água era tão lı́mpida que se via no fundo.

Os pássaros cantavam.

Logo escureceria.

O sol já se despedia no horizonte.

Observou tudo ao redor.

Levantando-se, livrou-se de toda roupa, entrando na água.

Sentiu o lı́quido frio acariciar seu corpo... Os mamilos se eriçaram.

Inclinou a cabeça para trás, fechando os olhos, tentando relaxar.

Enquanto Ricardo não cumprisse o acordo não entregaria Aimê... Não seria tola em acreditar na palavra daquele homem ou em qualquer um daquela famı́lia.

Cerrou os dentes ao se lembrar dos olhos azuis tão penetrantes...

Por que aquela maldita garota tinha o dom de tirá-la do sério? Por que a desafiava e não se entregava de uma vez por todas?

Sorriu...

Mesmo que a garotinha negasse sabia que ela desejava, sabia que ela não era imune ao apelo que sentia.

Coitada!

Quantas lágrimas faria derramar a filha do homem que mais odiava em todo o mundo?

 

 

 

 

Antônia estava sentada na sala de estar quando ouviu os passos da sobrinha.

Rapidamente foi até ela.

-- Estava banhando no rio uma hora dessas? – Questionou em tom reprovador enquanto observava os cabelos molhados da jovem. – Precisamos conversar! – Apontou para o escritório.

A morena ainda pensou em se negar, mas acabou seguindo na frente e sentando na cadeira diante da escrivaninha.

-- O que se passa, Dinda?

-- Por que trouxe Aimê Villa Real para cá? Por que não a levou para os avós?

Diana apoiou as pernas sobre a mesa, enquanto cruzava as mãos sob a cabeça.

Ela observava a reprovação nos olhos da tia e não parecia se importar muito com isso.

-- Só a entregarei quando Ricardo cumprir o prometido! – Disse calmamente.

O rosto da mulher demonstrava total horror.

-- Filha, a menina parece muito assustada e ainda por cima é cega... Deus, como ela ficou cega?

Diana mordiscou o lábio inferior demoradamente. Parecia que ponderava sobre a indagação.

-- Não sei e também não me interessa!

Antônia suspirou impaciente.

-- Não quero que use essa menina para vingança! – Apontou-lhe o dedo em riste. – Não costumo exigir coisas de você, porém dessa vez o farei: Não a machuque, Diana, ela não é Otávio!

A Calligari sorriu.

-- Não, se preocupe, Dinda, não farei nada que a minha linda esposa não suporte!

A mulher levou a mão ao peite como se tivesse passando mal.

O rosto ficou mais branco do que um papel.

Rapidamente Diana foi até ela, ajudando-a a sentar no sofá, ajoelhando-se diante dela.

-- Está bem? Chamarei um médico...

Já se levantava quando Antônia a deteve.

-- Eu estou bem... – Levou a mão à fronte. – Sente aqui e me diga que brincadeira é essa.

A morena fez o que lhe foi pedido, observando bem a tia, buscando algum sinal de que ela realmente estava bem.

Aquela mulher era a única famı́lia que lhe restara e sempre cuidava para que estivesse sempre bem.

-- Tupã me obrigou a casar com Aimê ou não me deixaria sair da tribo.

-- Deus meu! Não acredito que você aceitou isso. – Meneou a cabeça. – Não gosto dessas pessoas e dos costumes que tem, isso não tem nada de civilizado, por isso sempre fui contra que você vivesse naquele lugar.

-- Por favor, Dinda, sabe que essa cultura é muito atrasada e para mim esse casamento não tem nenhuma importância.

Antônia encarava os olhos negros, parecia querer investigar o que se passava neles.

-- Consumou o casamento? – Questionou baixinho, temerosa. – Filha, por Deus, diga-me que não forçou nada com a neta de Ricardo.

Diana pareceu constrangida com a pergunta.

Levantou-se, dando as costas para a tia.

Antônia nunca a reprovava ou discutia sobre suas decisões, mas naquele momento parecia realmente perturbada com a hipótese de uma relação dessas.

-- Dinda, não desejo falar sobre essas coisas contigo!

-- Diana Alessandra de Calligari, não permitirei que seu ódio se estenda a pessoas que não tem nada a ver com o que aconteceu.

A morena nada disse, deixando o escritório rapidamente, seguindo para o andar superior.

Seguia pelo corredor quando encontrou a Villa Real parada de fronte a porta do quarto de hóspedes.

Estaria tentando fugir como no hotel?

Segurou-a pelo braço rudemente, em seguida entrou em seus próprios aposentos.

-- Solte-me! – Aimê conseguiu se livrar do aperto em seu pulso. – Realmente é uma selvagem! – Disse, enquanto massageava o braço.

O quarto estava com as persianas fechadas.

A major seguiu até o interruptor, ligando a iluminação.

-- Como sabia que era eu se não consegue enxergar? – Indagou desconfiada.

-- Não acredito que existam pessoas tão rudes como você, major!

A pintora sentou confortavelmente na poltrona, cruzando as longas pernas.

O quarto era grande e mesmo que ela tivesse um estúdio para suas criações, ali também havia um cavalete, tintas, pincéis.

 Lógico que tudo estava bem arrumado, o que não acontecia quando a morena estava por perto.

Aimê estava parada bem próximo a enorme cama de casal que ocupava o centro dos aposentos.

-- Ah, sim, com certeza, os seus captores eram verdadeiros gentleman. – Ironizou.

-- Mesmo que duvide, tinham mais modos que você!

Diana estreitou os olhos de forma ameaçadora, enquanto seguia até a jovem, segurou-lhe os ombros, porém de forma mais delicada, mesmo que em sua face não houvesse nenhum tipo de delicadeza.

Fitava os olhos intensamente azuis e era como se mergulhasse em um mar de mistérios.

Observou os lábios rosados e se recordou de que a primeira vez que os viu imaginou que eram aveludados, depois de beijá-los tivera certeza que eles iam além dos veludos e das sedas.

-- Ah, sim, quando você estivesse sendo puta em um bordel eles continuariam sendo educados... Abra as pernas, senhorita, chupe-me, senhorita, deixa eu foder forte em você, senhorita....

A Villa Real não era acostumada a usar violência, porém mais uma vez diante das grosserias que ouviu, soltou-se às cegas e logo voltou com a mão e essa estalou na face da filha de Alexander.

A própria neta de Ricardo pareceu perplexa com o que acaba de fazer.

Ficou com a mão parada diante dos olhos como se pudesse ver algo, como se não reconhecesse aquele membro como sendo seu. Seus dedos doı́am pela força que utilizara...

A face estava tão pálida... Os lábios entreabertos...

-- Me perdo...

Antes que terminasse a frase, sentiu o corpo ser levantado e aterrissou em um baque surdo sobre o leito.

Teve a impressão que sua respiração tinha sido paralisada, mas já começava o oxigênio voltar aos seus pulmões.

Já se apoiava nos cotovelos quando sentiu aquela mulher montar sobre si, segurando-lhe os braços sobre a cabeça.

-- Como ousa bater em mim, sua maldita mimadinha?

A Calligari parecia fora de si, seu rosto trazia um ódio mortal.

-- Eu não sei por que o fiz... Perdoe-me, Diana... Eu juro que não quis fazer isso... Jamais que feri-la, perdoe-me, Diana.

Os olhos negros se estreitaram.

-- Não fale meu nome! – Gritou. – Eu deveria ter deixado que te levassem para um bordel, deveria ter permitido que homens usassem você... Tem sangue podre igual o seu pai...

Aimê começou a se debater, mas a morena praticamente se deitou sobre ela, ajustando-se entre as coxas da garota.

-- Não fale do meu pai... Você não é digna de falar dele...

Diana gargalhou de forma debochada.

-- O miserável do seu pai só não me estuprou sobre o corpo do meu noivo morto porque alguém o deteve ... O seu querido pai me vendeu para aqueles homens que estavam com você... Seu querido pai matou o homem que seria o meu marido...

Os olhos azuis ficaram ainda maiores.

A face de Aimê demonstrava descrença e muita raiva.

-- Chega, Diana! -- A voz firme de Antônia interrompeu a discussão.

A pintora bufava, enquanto observava a jovem, mas acabou se levantando, afastando-se dela.

Os gritos da Calligari foram ouvidos no corredor e isso assustou a tia de Alexander.

A boa senhora se aproximou de Aimê ajudando-a a sentar.

-- É mentira... – A jovem sussurrava baixinho. – Você mente... Você é cruel... é o ser mais cruel que já conheci... – Os olhos azuis expressavam total inocência. – Não desejo te odiar, Diana, mas é isso que sinto... – Os olhos já se entregavam ao pranto. – Pela primeira vez em minha vida, eu odeio alguém e isso é uma muito ruim...

A Calligari fitou a tia e depois a jovem novamente.

-- É mentira, Dinda? É mentira tudo o que Otávio Villa Real fez?

A tia de Alexander pareceu entre a cruz e a espada.

Com um olhar chegou a implorar para que a sobrinha parasse.

-- Já chega por hoje disso, filha, deixa essa menina em paz. – Pediu pacientemente.

Os olhos negros pareceram ainda mais irados.

-- Então vai negar a verdade? Você sabe o que aconteceu muito bem...

-- Mentira! – Aimê se levantou. – Jamais acreditarei em ti!

Antônia segurou o braço da garota delicadamente.

-- Venha comigo, vou levá-la para o seu quarto...

-- Não vai levá-la a lugar nenhum! – Falou por entre os dentes. – De acordo com as leis do meu povo, ela é a minha mulher, pois então ela dormirá comigo!

Os olhos da senhora quase soltaram de órbitas, enquanto o pânico se estampava no rosto da filha da neta do general.

-- Você nunca se importou com as leis do seu povo... – Dinda a repreendeu. – Sempre agiu como branco!

-- Pois sabe que agora eu comecei a ter vontade de ser ı́ndia e abraçar meu sangue selvagem! – Debochou.

-- Diana... – A mulher falou em tom de advertência.

A Calligari seguiu até o armário, pegando um roupão.

-- Irei tomar um banho e quando retornar, espero que ela esteja aqui... Ou a levo para um lugar onde a senhora não poderá interceder.

-- Para que isso? O que vai ganhar?

-- Eu não desejo ganhar nada... Apenas essa mimadinha irá pagar caro pelo que fez hoje e espero que o avô dela cumpra a maldita palavra ou não sobrará muito da filhinha do Otávio para eles.

A morena seguiu para o banheiro.

Antônia conhecia a sobrinha desde que era um bebê e sabia que seria inútil dialogar com ela naquele momento, sabia que seria mais motivos para que ela se estressasse e batesse o pé em teimosia.

Respirou fundo, enquanto ajudava a garota a senta na poltrona. Agachou-se diante dela, tomando-lhe as mãos.

-- Fique aqui, quando a raiva da Diana passar você retornará para o seu quarto. Ela não fará nada, mantenha-se calada, não caia em suas provocações.

-- Não, quero voltar para a minha casa...

-- Você retornará  assim que o general vir te buscar... Eu ligarei para ele, pedirei que venha o mais rápido possível.

A jovem segurou forte as mãos de Antônia.

-- Diga-me se é verdade o que ela disse sobre meu pai... – Pediu. – Por que a Diana falou aquelas coisas terríveis?

Antônia viu os olhos tão profundos fitando-a. Estavam vermelhos por causa das lágrimas.

Deus, ela parecia um anjo.

-- Filha, converse com seus avós, só eles poderão esclarecer toda a história.

-- Meu pai não é um monstro... – Sussurrou.

-- Olhe, meu bem, não fique pensando nisso. – Acariciou os cabelos macios. – Preciso providenciar o jantar. Está tarde! Fique aqui e não responda as provocações da minha sobrinha, vai ver que ela deixará de implicar com você.

-- Por que ela é assim?

Dinda fitou a porta que ela seguira.

Mordiscou o lábio inferior.

-- A dor muda as pessoas... – Depositou um beijo na fronte da menina. – Retorno logo para buscá-la. Se não responder as provocações, logo ela ficara quieta, conheço-a bem. Ela está agindo assim porque você a desafia e isso é uma coisa rara de acontecer.

 

 

 

 

Diana estava mergulhada na banheira enquanto sentia a raiva queimar por dentro.

Tocou a mão na face e ainda sentia arder diante da bofetada que levara.

O que mais irritava era o fato do seu corpo ainda querer toma-la para si, ainda desejava possuı́-la até perder a noção do tempo, até esquecer o próprio nome.

Mas a Villa Real abria a boca para rejeitá-la sempre...

Estava sendo castigada? Mas qual seria o motivo da punição, afinal, ela quem tivera que viver um verdadeiro inferno, ela quem passara por coisas terríveis.

Fechou os olhos e recordou daquele fatı́dico dia.

O olhar doentio de Otávio...

Violento...

Lembrou-se de quando tentara matá-lo... Perseguira-o durante horas e só parou quando viu o veı́culo capotar... Não pensara que ele sobreviveria, pois se tivesse pensando nessa hipótese teria descarregado todas as balas da pistola na cabeça do miserável.

Passara horas lá observando o carro tombado, mas não ousou se aproximar, apenas ficou lá pensando que aquilo era pouco por tudo que sofrera.

Se tivesse o matado teria conseguido ficar em paz?

Ainda se recordava da dor e decepção que viu nos olhos do pai, ainda recordava de como foi terrível encontrá-lo morto.

 

 

 

 

 

Ricardo estava em seu escritório.

Conseguira fazer a esposa descansar, ela estava bastante ansiosa.

Sentou na cadeira, depois pegou o quadro com a foto da neta.

-- Aimê! – Tocou a imagem, observando os traços delicados. – Espero que um dia possa nos perdoar...

 

 

 

 

 

 

Quando a Calligari retornou ao quarto encontrou a Villa Real sentada na poltrona.

Aproximou-se, mas não a tocou.

Observava-a.

-- Fico feliz que tenha ficado, minha esposa! – Ironizou o vocativo.

-- Não sou sua esposa! – Retrucou calmamente. – Não tenho preconceitos, porém não me relaciono com mulheres e ainda mais com alguém como você.

Diana sentou diante do cavalete, pegou um lápis e começou a desenhar.

Fazia-o sem pressa e seu olhar parecia concentrado nas linhas que criavam.

-- De acordo com a minha tribo somos casadas... – Continuou o que fazia, falando de forma distraidamente. – Os Tahalunara não aceitam que se neguem a fazer algo, na verdade, eu como uma princesa posso fazer o que quiser...

-- Não estamos na sua tribo, vivemos em uma civilização...

Diana voltou a fitá-la.

-- Tira a roupa e se deite aı́ nessa poltrona, quero desenhar você, quero ter um quadro seu no meu quarto...

Os olhos azuis se voltaram para ela, eram tão intensos, brilhantes...

Diana parecia interessada, curiosa.

Seguiu até a garota, agachou-se para fitá-la melhor.

-- Como ficou cega? Recordo de ter te encontrado uma vez, era uma criança ainda, porém você enxergava.

Aimê ainda pensou em não responder, mas não desejava mais discutir, estava cansada, exausta das explosões que sempre ocorria entre ambas.

Enquanto estavam na selva ainda conseguira tentar ignorar as grosserias, mas de repente parecia que havia muitas coisas que a feria.

-- Eu sofri um acidente...

-- Não tem chances e voltar a recuperar a visão? – Mirava com atenção.

-- Por que te interessa isso?

A Calligari se levantou e voltou para o trabalho.

-- Não me interesso, estava apenas querendo ter uma conversa com a minha esposa.

-- Não precisa se preocupar com isso, a cega inútil não vai atrapalhar sua vida mais.

Diana respirou fundo!

Ouviram batidas na porta.

-- Dona Antônia pediu para avisar que o jantar está pronto.

-- Comeremos aqui no quarto! – Diana falou. – Avise a titia que estamos cansadas e não desceremos hoje.

A Villa Real sentia o olhar sobre si enquanto ela falava, sentia a provocação, o desafio, mas não daria o gosto àquela mulher de uma nova discussão.

-- Então devo trazer a comida para o quarto?

-- Isso e não demore, pois a minha mulher está faminta.

A empregada saiu rapidamente, enquanto Diana exibia um misterioso sorriso.

-- Gostaria de tomar um banho, preciso de roupas. – Levantou-se.

A Calligari foi até ela, segurando-a pelo braço.

-- Pode dormir sem roupa... Eu não me importo.

Seguiram até o banheiro.

-- Deseja relaxar na hidro ou o chuveiro?

-- Prefiro chuveiro!

-- Sim, eu também prefiro que use a hidro na minha companhia, ela é grande suficiente para nós duas... Você por cima, lógico.

Aimê nada disse, enquanto se desvencilhava do toque e começava a se livrar das roupas.

Diana ligou a água, mas continuou lá, observando-a.

A jovem neta de Ricardo sabia que ela estava ali lhe observando, mesmo assim começou a se despir até ficar totalmente nua.

Sentia aquele calafrio percorrer suas costas, sentia o desejo dela em sua carne...

A água serviu como um amenizador para os demônios alheios.

A Calligari não pareceu interessada em se afastar, ao contrário, encostou-se ao box, cruzando os braços sobre os seios, deliciando-se com a visão que se desenrolava a sua frente.

Sentiu aquelas conhecidas pontadas abaixo do abdome.

Umedeceu o lábio inferior...

Sua mente não parecia estar raciocinando mais naquele momento.

Estava tão excitada que teve a impressão que se não satisfizesse aquela loucura o quanto antes acabaria por morrer.

Livrou-se do roupão e seguiu para o banho.

Aimê sentiu o corpo da pintora colar as suas costas.

-- Por que veio? Por que não saiu quando me trouxe?

A Calligari não respondeu, apenas ligou o registro soltando as duchas que caiam não só em cima, mas também nas laterais.

Diana a empurrou contra a cerâmica, agora unindo os corpos frontalmente.

Colocou a coxa em meio às pernas dela...

Estava quente... Pulsante...

-- Deveria ter medo de mim... – Sussurrou em seu ouvido. – Mas você se despe, mesmo sabendo que estou presente... – Mordiscou o lábio inferior, a face estava transfigurada pela paixão. – Acha que posso aguentar por muito tempo?

Os quadris da major seguiam um ritmo lento, esfrega-se nela... Roçava o sexo ao dela...

-- Se tivesse modos teria saı́do, mas você não os têm... – Espalmou as mãos contra os ombros, tentando em vão  afastá-la.

A morena levou a mão até o pescoço esguio, depois desceu até os seios...

-- Você não tem medo de mim! – Encarou-a.

-- Eu tenho... – Os olhos azuis se voltaram para ela. – Mas você também tem medo de mim...

A filha de Alexander pareceu surpresa com o que ouvia.

Observou a delicadeza do rosto... Com o polegar desenhou o lábio inferior dela.

-- Sim, Aimê, eu tenho medo de não me controlar e apertar bem forte seu pescoço quando me provoca, quando me enfrenta...

-- Torça, então, se isso te fizer sentir melhor, Diana...

Os olhos negros se estreitaram cheios de desejos.

-- Quando fala meu nome parece que está gemendo...—Acariciou os ombros estreitos, descendo até a borda dos seios. – Quando goza deve usar essa mesma tonalidade. – Passou a lı́ngua pelos biquinhos que já se mostravam excitados.

A Villa Real sentiu a face corar.

Mesmo que não desejasse sentir... Sentia...

Mesmo que odiasse a forma como ela agia, ainda sentia o corpo em brasas.

A Calligari levantou a cabeça e colou os lábios nos dela...

Contornou o inferior com a lı́ngua, depois fez o mesmo com o superior.

Os olhos negros permaneciam abertos, observando as reações do rosto bonito, fascinada com o azul intenso.

As bocas se uniram em urgência, em total desespero, total angustia.

Aimê apoiou as mãos nos ombros da morena, sentindo-o em seu tato. Seu cheiro era delicioso, sua forma, sua pele...

O beijo foi se aprofundando...

Molhado...

A neta do general parecia inexperiente quando Diana lhe cedeu a lı́ngua, mesmo assim, capturou-a, chupando a pontinha, depois devorando-a toda... Adorando estar no controle dela, adorando a intensidade e o eco das respirações aceleradas... Prendia entre os dentes, depois voltava a degusta-la...

Diana apertou-lhe as nádegas, trazendo-a mais para si... Depois usou uma das mãos para acaricia-la nas coxas e não demorou muito para tocar o sexo.

Esperou, enquanto permanecia estática, mas logo os dedos ganhavam vida...

Estava escorregadia...

Tocava-a com calma...

Regozijou-se ao senti-la tão excitada... Ficou ainda mais desejosa de tomá-la para si.

Usou o indicador para se familiarizar... Para sentir o quão ela também a queria...

Passava de cima para baixo...

Ouviu-a gemer contra seus lábios...

Ela era tão suave...

O ronronar era manhoso... Dolorido... Excitante...

A boca dela contra a sua era um suplı́cio delicioso...

Suas carı́cias começaram a se posicionar sobre a entrada... Fazia movimentos circulares... Ora lentos, ora com mais pressão... Pressionava-os e depois aliviava...

Aimê afastou um pouco mais as pernas...

Sabia que não tinha mais controle de suas ações...

Seu corpo estava em puro fogo...

Inconscientemente mexia o quadril no mesmo ritmo ditado por ela... E em algum momento essa dança tinha passos mais avançados... Frenéticos...

Sentiu quando Diana buscava ir mais fundo... Então pareceu despertar, detendo-lhe a mão.

Como podia estar tão entregue àquela mulher depois de tudo o que passou?

Tivera que suportar a Calligari com a amante naquele mesmo dia e simplesmente se entregava a ela como se nada tivesse acontecido?

O que se passava consigo quando aquela princesa ı́ndia a tocava?

Ainda sentia a eletricidade passando por todo seu corpo... Seus sexo implorava pelas carı́cias...

Diana parecia confusa e tentou retornar ao que fazia, mas a neta do general não permitiu.

-- Por favor não faça isso... Saia... Deixe-me sozinha...—Disse arfando.

A voz doce e melodiosa pareceu funcionar como uma espécie de calmante naquele momento.

A Calligari passou a mão nos cabelos lisos, depois vestiu o roupão, em seguida deixou o banheiro.


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