A dama selvagem - Capítulo 10
Diana conseguiu falar com o piloto e na
manhã seguinte ele estaria pousando por ali.
Desligou o rádio e permaneceu sentada
na cadeira por um bom tempo.
Uma cabana de madeira pequena que
contava apenas com o objeto para que pudessem ter comunicação com o mundo lá
fora. Ela mesma montara e sentia feliz por ainda funcionar.
Passou a mão pelos cabelos molhados,
deu um longo suspiro.
Fitou a luz de gás, com um sopro apagou-a
e permaneceu no escuro.
Tinha conseguido entrar naquela selva e
sair com vida, tinha conseguido salvar a filha do homem que destruı́ra sua paz
e logo tudo aquilo ficaria no passado.
Respirou fundo!
Mordiscou o lábio inferior e teve
novamente a impressão que o sabor de Aimê permanecia ali.
Sacudiu a cabeça incomodada.
-- Bobagens! – Resmungou.
Nada daquilo tinha algum tipo de
significado para si. Sempre fora apenas sexo como era costume ocorrer com todos
que se envolvia. Bastava transar e tudo era colocado em segundo plano e no
outro dia nem mesmo lembrava o nome de sua acompanhante.
Desde que perdera o pai e Eduardo tudo
ficara sem sentido.
Não havia relações fixas, envolvia-se,
na maioria das vezes, com mulheres casadas, pois sabia que essas não
reclamariam por atenção ou por algo a mais. Vivia buscando satisfazer o fogo
que sempre queimava dentro de si, mas parecia não haver fim, pois sempre se
sentia incompleta ao final e por isso buscava ainda mais e decerto era aquilo
que acontecia naquele momento.
Desejava a neta de Ricardo não por ela
ter algo de especial, mas por ser uma mulher acessível e pronta para ser
tomada.
Se Piatã não tivesse chegado teria ido
até o final e tinha colocado fim àquela vontade de possuı́-la, aquela loucura
de tê-la totalmente
a sua mercê.
Depois do prazer,
com certeza, ela voltaria a
ser a desprezível
filha de Otávio
e nenhum vı́nculo restaria entre
elas.
Levantou-se e seguiu até a cabana do
ı́ndio.
Caminhava devagar, a cabeça erguida,
ombros aprumados.
Seus passos eram lentos, não se ouvia o
som de sua bota tocar o chão.
A pequena vila ainda estava acordada.
Via alguns ı́ndios sentados em frente as suas casas, ouvia o som de suas falas,
o riso de algumas crianças que persistiam em ficar ali.
Diminuiu os passos.
Seu abdome ainda doı́a onde recebera o
tiro, assim que retornasse teria que procurar um médico.
Sentiu alguns pingos e ao fitar o céu
percebeu que não demoraria a cair uma tempestade.
Droga!
Esperava que não durasse muito, pois se
fosse muito forte não poderiam seguir para a cidade.
Parou diante da entrada da choupana.
As gotas que antes eram finas, agora já
engrossavam, mesmo assim Diana não parecia se importar com aquilo.
Observou o interior do lugar e teve a
impressão que era a primeira vez que o via.
Os candeeiros davam uma iluminação
parda ao local, mesmo assim era possível ver Aimê sentada no banco diante da mesa rústica.
O ı́ndio tinha colocado três cuias e
servia com sopa.
Acomodou-se ao lado da jovem.
-- Está tudo resolvido, amanhã cedo
retornamos para a cidade!
A Villa Real teve um sobressalto ao
ouvi-la.
Diana percebeu, mas nada disse.
-- Fico feliz, major, agora acredito que
não volte mais por aqui. – Piatã comentou, enquanto se sentava. – E a menina
Aimê? – Levou um pouco da comida à boca. – Um dia pretende passear por essas
bandas?
-- Não sei! – Esboçou um sorriso
simpático. – Mas sou muito grata a você e a todos e gostaria sim de reencontrá-los.
– Segurou a cuia, colocando nos lábios e tomando devagar.
A jovem sabia que eles não usavam
talheres e já se acostumara em se alimentar sem o auxı́lio deles.
Diana arqueou a sobrancelha em sarcasmo.
-- Acho melhor você não se iludir, meu
bom amigo, a mimadinha nunca mais aparecerá por aqui... Não acredito que ela
abriria mão de todo luxo que tem para vir ver qualquer um de vocês.
Aimê ficou em silêncio durante alguns
segundos, porém acabou colocando a cuia de lado e respondeu sem levantar a
cabeça.
-- Você não me conhece para falar em meu
nome!
A morena observou o perfil delicado, a
pele de porcelana... Mirou a camiseta branca que a garota usava e notou a
ausência do sutiã.
Naquele momento sua boca encheu de
água, desejando prová-los mais uma vez.
Sabia bem como eles eram, sabia como
eles cabiam em suas mãos e como eram macios... Gostaria de colocar a cabeça
entre eles e senti-los.
A Calligari percebeu os mamilos se
mostrarem através do tecido e não pôde esconder o sorriso quando a neta de
Ricardo cruzou os braços sobre o busto.
-- Conheço-a melhor do que imagina,
afinal, somos casadas! – Provocou-a.
Aimê sentia o rosto em brasas... Sentia
aquele olhar perturbador sobre seu corpo de forma despudorada.
-- Casamento esse que não tem a mı́nima
importância para mim. – Afastou a cuia. – E digo mais, jamais em minha vida eu
me envolveria com alguém como você... Um ser humano insensível e que não se
importa com os outros.
Piatã prendeu a respiração, enquanto
encarava a bela morena.
Ninguém costumava falar daquele jeito
com a filha de Alexander, ninguém em sã consciência se dirigia a major
daquela forma. Aquela mulher de cabelos negros era muito orgulhosa e arrogante
para aceitar esse tipo de tratamento.
Fitou Aimê e ficou surpreso com a
explosão da garota, claro que era algo esperado, mesmo a menina aparentando
ter aquela áurea tão doce, tão meiga, a Calligari sabia como tirar alguém
do sério e usava isso perfeitamente bem.
A explosão não veio, mas era possível
ver nos olhos negros a chama queimar e aquilo era algo perigoso.
A Villa Real se levantou.
-- Piatã, estou um pouco cansada e
gostaria muito de me recolher se não for incômodo. – Pediu de forma delicada.
-- Claro que não é, menina! – Foi até
ela, tomando-lhe a mão. – Você dormirá na esteira e Diana ficará com a
rede.
Tomou-a pela mão e fê-la se acomodar
no pequeno espaço, deu-lhe um cobertor de saco.
-- Cubra-se, pois temos muitos intrusos
que costumam picar peles branquinhas como a sua.
Aimê assentiu.
Não havia dúvidas que aqueles animais
minúsculos e barulhentos era a pior parte de estarem tão longe da cidade.
-- Durma bem!
-- Obrigada!
Quando o ı́ndio retornou a mesa, a morena
não estava mais.
Seguiu para fora e a viu debaixo de um
pé de caju.
A chuva aumentou, mas a princesa não
pareceu se importar com esse detalhe.
O velho pegou uma capa, vestindo e
levando outra nos braços, seguiu até ela.
Diana tinha o delicioso fruto nas mãos,
levando-o até a boca, chupando-o.
-- Deveria dormir também! – Colocou a
proteção sobre a ı́ndia. – Não deveria ficar na chuva, pode ficar doente. –
Tocou-lhe o ombro. – Vamos deitar e descansar a mente.
A calligari o fitou.
-- Não conseguiria fazê-lo agora,
ainda mais quando minha vontade é torcer o belo pescoço da filha de Otávio. –
Esmurrou a árvore e voltou-se para o amigo. – Eu vou adorar ver a cara de
orgulho dessa maldita mimadinha quando toda a verdade sobre seu pai for
divulgada em todas as mı́dias. Quero ver como ela vai conseguir viver com as
pessoas apontando e cochichando quando ela chegar a qualquer lugar.
Piatã fez um gesto de assentimento e
falou com sua forma paciente.
-- É uma vingança muito cruel, princesa,
ainda mais quando falamos de alguém que não merece passar por isso.
Diana esboçou um sorriso debochado.
-- Eu não merecia e passei por tudo
isso e ainda passo!
Piatã lhe tocou o ombro.
-- Você gosta dela e isso é o que mais
te irrita!
Ela se desvencilhou do toque.
A palidez tomou conta do rosto bonito.
Os olhos ficaram maiores, como se algo impossível
estivesse sendo dito.
-- Você está louco! – Acusou-o. –
Jamais teria algum tipo de sentimento por essa garota, uma maldita cega que não
passa de uma inútil.
Piatã viu o brilho dos olhos azuis a
poucos metros de distância.
Condoeu-se por aquela menina que não
cometera nenhum pecado, mas carregava os do pai em seus ombros delicados.
Sabia que ela tinha ouvido e se condoı́a
por isso. A jovem não merecia sentir o desprezo naquela voz arrogante.
Viu quando a herdeira de Ricardo retornou
para o interior da choupana.
A morena não notara a presença da
garota.
-- A menina Aimê não merece alguém
tão cruel como você e por isso espero de todo meu coração que esse
sentimento que você rejeita tanto te faça mudar ou simplesmente, deixe-a com a
famı́lia não retorne nunca mais.
O ı́ndio se afastou antes que a
Calligari tivesse tempo de esbravejar de novo.
A filha de Alexander permaneceu calada,
quieta...
Ficou durante horas na chuva... Parecia
um fantasma ali parado, a cabeça baixa... remoı́a as dores de outrora, afinal,
era aquela sede de vingança que a manteve viva... E agora ela tinha um alvo
concreto para destruir...
Depois de longas horas, Diana retornou
para choupana.
Retirou a capa, observou Aimê dormindo
encolhida em um canto.
Estava escuro, mas sentia o cheiro
dela...
Piatã ocupava uma rede do lado oposto.
A morena rapidamente retirou toda a
roupa molhada e não se dirigiu para o lugar onde deveria dormir, ao
contrário, deitou-se na esteira estreita, colando o corpo nu ao da bela jovem.
Aimê não estava dormindo e ao sentir o
contato já se voltava para empurrá-la, mas a Calligari a abraçava forte.
-- Eu só quero dormir... – Sussurrou em
seu ouvido. – Pare de se debater ou vai acordar o Piatã.
-- Recordo-me muito bem que não era
comigo que deveria dormir e sim na rede. – Retrucou baixo, enquanto lutava para
se livrar dos braços que a prendia pela cintura.
-- Mas eu quero dormir contigo... Então
fique quieta! – Falou firme.
Por alguns segundos a Villa Real fez o
que ela tinha dito, permanecendo quieta, ponderava que se não era melhor se
manter estática e fingir que aquela mulher não estava ali, porém a presença
dela ultrapassava o fı́sico, era como se usurpasse sua própria alma.
Por que Diana Calligari a afetava tanto?
Ainda estava triste com as palavras que
ouvira, ainda se sentia ferida, mas mesmo assim algo maior parecia empurrá-la
direto em direção a ela... Tinha a impressão que estava à beira de um
precipı́cio.
-- Eu gosto do seu cheiro...
A voz rouca e baixa a tirou de suas divagações,
porém nada respondeu.
-- Tira a roupa... Está frio, quero me
aquecer em ti...
Aimê sentiu as mãos seguindo por baixo
de sua camiseta e as deteve.
-- Chega, Diana!
A Calligari mordiscou o lábio inferior,
enquanto a puxava mais para si.
-- Eu fico excitada quando me chama... –
Mordiscou a pontinha da orelha dela. – Como sabia que eu estava olhando para os
seus seios na mesa? Eles se excitaram... O que imaginou, melhor, recordou de
quando os toquei com a minha boca?
Aimê cerrou os dentes para não gemer.
Começava novamente aquelas sensações em
sua carne.
-- Mimadina... Diga-me, tem coisa mais
maravilhosa de que um orgasmo bem gostoso... – Agora os lábios passeavam pelo
pescoço dela. – Você gosta que te chupem... Que passem a lı́ngua...Sou boa
nessas funções...
-- Chega! – A jovem se virou para ela. –
Não desejo ouvir suas coisas... Na verdade, não me interessa o que sente, o
que pensa... O que sabe ou não fazer.
Estava escuro, mas Diana sabia como
aqueles olhos azuis a fitavam naquele momento. Aprendera a conhecê-los bem.
-- Você é muito corajosa por me
enfrentar, afinal, quem te garante que eu não posso te deixar em algum lugar
ou até mesmo te venda... Afinal, os bordeis do oriente pagariam bem por ti. —
Provocou-a.
Ouvia a respiração acelerada da filha
de Otávio.
-- Leve-me então se é essa sua
vontade, pois eu preferiria ter meu corpo usado por um monte de bandidos do que
tê-lo tocado por uma selvagem como você!
Diana estreitou os olhos de forma
ameaçadora.
-- Vamos ver, garota estúpida! – Levantou-se
irritada com a rejeição.
Aimê ainda sentia o coração pulsar
acelerado, pois chegara a imaginar que daquela vez a Calligari usaria ainda
mais de violência, sentiu-se aliviada ao perceber que ela se afastava.
Na manhã seguinte, era muito cedo
quando Diana já esperava o jatinho pousar.
O monomotor teve problemas e foi
substituı́do de última hora.
A Calligari se sentia dolorida, pois
além de ter dormido na rede, ainda ficara mexendo sem conseguir adormecer por
um longo tempo.
O sol conseguira brilhar naquela manhã
e isso era algo maravilhoso.
Pegou a mochila e levou para a aeronave
e depois foi buscar Aimê, a menina se despedia do ı́ndio.
-- Cuide-se e um dia venha me visitar. –
O bom homem dizia, enquanto lhe dava um abraço. – Menina precisará ter mais
paciência do que já tem. – Beijou--lhe a testa. – Os espı́ritos da floresta
ficarão de olho.
A Villa Real esboçou um sorriso e logo
se afastou.
Aprendera a gostar daquelas pessoas e
especialmente daquele ser humano que demonstrava tanto carinho e cuidado com
sua pessoa.
A Calligari abraçou o amigo e recebeu um
beijo na face.
Piatã fitou as lentes escuras que ela
usava e desejou ver os lindos olhos para saber o que se passava em seu ı́ntimo.
Sabia que ela estava agitada, sentia a
irritação, mas também sentia outras sensações.
-- Vamos! – Diana tomou-lhe a mão.
Aimê sentiu um frenesi ao ter os dedos
envolvidos por outros longos e fortes.
Caminharam juntas e a herdeira de
Ricardo tinha a impressão que a distância era muito grande, pois parecia
nunca chegar e em alguns momentos ela desejara se livrar daquele contato, ainda
mais quando recordava das palavras duras que ouvira daqueles lábios de
serpente.
Seguiam de forma lenta, lado a lado.
Chegaram à aeronave e mais uma vez
Diana a ajudou a subir, acomodando-a na poltrona.
Fitou os olhos azuis e percebeu algo diferente
neles. Seria desprezo?
Praguejou, assustando a menina, enquanto
afivelava o cinto.
Inesperadamente sentou de fronte para
ela, coisa que não acontecia, pois gostava de seguir ao lado do piloto.
Observava-a-a com atenção.
A Villa Real sabia que a morena estava
ali. Havia algo com aquela mulher, algo com aquele olhar forte e penetrante que
a perseguia.
Ouviu o som dos motores.
Logo estaria livre de tudo aquilo, mas
ainda não encontrara as respostas que fora buscar. Ainda havia muita coisa
para ser esclarecida, havia muitas perguntas que desejava esclarecer.
Seu pai fora assassinado de forma cruel
e os bandidos nunca foram presos.
Tentaria não se arriscar novamente,
não desejava cair em uma nova armadilha.
Sentiu a aeronave sair do chão.
Foram dias difı́ceis que viveu e tinha
muita sorte por ter sobrevivido e mesmo que não desejasse admitir, tinha muito
que agradecer a Calligari, pois mesmo com todas as grosserias, ela a resgatara
e a levava com segurança para os avós.
Mas qual seria o preço que custaria
aquilo? Com certeza não faria tudo por ser um ser altruísta...
Diana se mexeu na poltrona, estava
ansiosa.
Observou pela janela como estavam
distante da terra, tudo era tão minúsculo e logo sumiam.
Observava o verde...
Engraçado... Quando chegara ali para
resgatar aquela menina não havia tantas bagagens em seu ı́ntimo.
Fitou sua acompanhante, coisa que tentou
evitar fazer, mas agora sucumbiu ao anseio novamente.
Os olhos azuis estavam fechados e os
lábios rosados entreabertos, deixando à mostra os dentes alvos.
Mirou o pescoço esguio e sentiu o cheiro
delicado lhe perseguir, a boca ainda tinha o sabor dos dela...
Naquele dia ela usava o sutiã.
Precisava de roupas melhores!
Mordiscou o lábio inferior.
O que estava acontecendo consigo?
Nunca em sua vida se sentira tão
perturbada por alguém, jamais tivera aquela sensação de medo, de temor... De
paixão avassaladora...
Cruzou as pernas inquieta.
Fechou os olhos.
Precisava dormir, precisava descansar,
há quanto tempo não tinha um sono tranquilo?
Na verdade nos últimos dez anos isso
não aconteceu.
Quase três horas depois a aeronave
pousava na pista particular.
Aimê sentiu-a tocando o chão e isso a
despertou.
Abriu os olhos e tentou ver o que se passava
através de sua audição.
Não demorou muito para sentir um
movimento na poltrona que ficava diante da sua.
Ela estava ali, conseguia sentir aquele
magnetismo.
-- Chegamos?
A voz doce questionou.
Diana observou pela janela e viu que já
estavam em seu destino.
Desafivelou o cinto, levantando-se,
espreguiçou-se.
Descansara um pouco, não tanto quanto
precisava, mas pelo menos não se sentia tão destruı́da como antes.
-- Sim! – Antes que ela soltasse a
jovem, a garota se antecipou evitando o contato.
Afastou-se e esperou.
O piloto veio até ela pegando a
mochila.
-- O carro está aı́ fora e o motorista
também.
-- Dispense o motorista, eu mesma
dirijo! – Ordenou. – Vamos! – Tomou a mão da Villa Real.
Aimê nada disse enquanto se deixava
conduzir.
A morena desceu as escadas lentamente,
tomando cuidado para que sua acompanhante não despencasse dos degraus.
A Villa Real estranhou aquele cuidado.
O sol estava alto e o cheiro de maresia
invadia as narinas.
-- Onde estamos? – Aimê indagou quando
entrou no carro.
Diana não respondeu logo, apenas quando
ligou o automóvel é que falou:
-- Não sente o cheiro? – Fitou-a de
soslaio.
Aimê pareceu um pouco confusa.
-- Sinto o aroma do mar...
A morena esboçou um sorriso ao fitar os
olhos azuis.
-- Isso! – Acelerou mais. – Estamos no
litoral.
Ela pareceu ainda mais surpresa.
-- Mas como? Pensei que ı́amos direto
para a casa dos meus avós ou até mesmo que você ligaria para ele vir me
buscar.
Mais uma vez a Calligari nada disse,
apenas apreciando a paisagem.
Seguiam pela orla, o calçadão estava
cheio de turistas, alguns correndo, outros apenas caminhando. Alguns de mãos
dadas, outros lado a lado.
Pareciam despreocupados, livres das
agonias da existência humana.
Pegou uma rua lateral e logo estacionou
diante de um hotel de fronte para o mar.
Aquele belo lugar fazia parte da sua
herança.
Um prédio de cinco andares, luxuoso e bem
frequentado pelos turistas.
Deu a volta, estacionando.
Desceu do carro e abriu a porta para
ela.
-- Venha comigo! – Estendeu a mão.
A Villa Real não pareceu muito interessada
em seguir as instruções.
-- Por que estamos aqui? Pensei...
-- Aimê! – Segurou-lhe a mão. – Deixe
de questionar e venha comigo ou entro e te deixo aqui.
Aimê ainda hesitou, mas acabou fazendo
o que ela disse.
Seguiram de mãos dadas até a
recepção.
Algumas pessoas se voltaram para
fitá-las, não apenas por ser belas, mas talvez por parecerem tão ı́ntimas e
mesmo que alguns torcessem o nariz, não poderiam negar que formavam um bonito
casal.
Diana era alta, magra, exibia aquele ar
cheio de arrogância e seus cabelos negros lhe davam uma beleza selvagem.
Sua face era sempre cheia de sarcasmo e
arrogância...
Já a Villa Real, mesmo tendo uma boa
estatura, exibia aquela fragilidade que a deixava ainda mais agradável, mais
humana.
-- Um quarto! – A voz rouca falou para a
recepcionista.
Uma loira por volta de uns trinta anos
pareceu bastante interessada nos olhos negros que a encaravam.
Sorriu de forma provocante.
-- Casal?
-- Sim, querida, um quarto de casal. –
Piscou. – Preciso também de roupas e lingeries.
-- Certo, Diana, já sabe chegar sozinha?
– Entregou-lhe a chave.
-- Com certeza, meu bem!
Seguiu com a Villa Real até o elevador.
-- Ainda não entendo o motivo de
estarmos aqui. – Comentava aborrecida. – Desejo falar com meus avós e seguir
para junto deles
o mais rápido
possível. – Ficou
em silêncio por
alguns segundos, mas
depois voltou a
falar. -- Tenho a
impressão de que é bem conhecida aqui... – A última frase foi dita em tom de
irritação.
A Calligari nada disse e logo chegaram
ao andar.
Seguiram até o quarto.
O espaço era grande.
Havia enormes poltronas, uma varanda que
deva de frente para o mar.
A decoração era toda em cinza e branco.
-- Não acredito que estamos na
civilização! – Seguiu até a varanda. – Preciso de uma hidro. – Voltou para o
quarto se livrando das roupas.
Aimê tateou, sentando na poltrona.
-- Vem comigo?
-- Não, quero ir para a minha casa! –
Cruzou os braços sobre os seios. – Quero falar com meus avós!
-- Não seja boba, mimadinha, precisamos
de um banho, de roupas limpas, depois retornamos. – Parou diante dela,
fitando-a. – Imagino que esteja com medo que a cena de ontem se repita... –
Exibiu um sorriso debochado. – Por que não terminamos o que estávamos fazendo
lá? Não estamos mais no mato, eu já voltei a ser uma dama! – Provocou-a.
-- Não seja ridı́cula! – Levantou-se
com o rosto corado. – Jamais me envolveria contigo! – Levantou o queixo de
forma desafiadora. – Se voltar a tocar em mim, eu te denunciarei e honestamente
não acredito que só porque estamos na cidade você deixou de ser um animal
selvagem!
Diana a segurou firmemente pelos ombros.
-- Somos casadas, meu bem, não esqueça
disso, então essa selvagem tem alguns direitos...
Aimê se afastou com um safanão,
desequilibrando-se, mas conseguiu se recuperar rápido, não indo ao chão.
-- Esse casamento é uma palhaçada! –
Apontou o indicador em riste. – Não pense que aquelas palavras estranhas que
foram pronunciadas ou aquelas esquisitices que fizeram tem algum valor para
mim...
-- Está desrespeitando a minha cultura!
– Disse pausadamente.
-- Não, estou desrespeitando um
casamento forçado que foi inventado por sua tribo para castigar você que
desonrou o seu povo, porque você foi a primeira a desrespeitar sua tribo!
Os olhos negros se estreitaram de forma
ameaçadora, mas a entrada da recepcionista interrompeu sua fú ria.
-- Aqui está, Diana... – As sacolas
ficaram suspensas no ar.
A Calligari não pareceu se importar em
estar totalmente despida diante da loira.
Fitou-a!
Aquela mulher era uma amante bem requisitada
e sempre muito prestativa.
Sabia bem o que deveria fazer.
-- Venha pra banheira comigo, Veridiana!
– O semblante moreno exibiu charme. – Desejo sentir prazer até meu corpo
perder todas as forças, afinal, foram dias terríveis... A companhia nada
agradável...
Os olhos azuis da Villa Real se abriram
em espanto.
-- Estou em horário de serviço,
Diana... – A loira falou com voz lânguida.
-- Está liberada das suas funções nas
próximas horas!
Aimê ouviu os passos de ambas e depois
o barulho da porta fechando.
Ainda estava pasma com o desenrolar da
situação, ainda sentia a pele tremer de raiva, de indignação pela total falta
de respeito que Diana demonstrava.
Cambaleando conseguiu chegar à varanda.
Apertou forte o parapeito, tentou se
distrair com o barulho do mar, tentou pensar que logo retornaria para casa,
voltaria para o seu mundo e nunca mais cruzaria o caminho daquela mulher...
Cerrou os dentes.
Odiava-a!
Odiava-a como nunca pensou que odiaria
alguém em toda sua vida...
Estreitou os olhos em uma tentativa vã
de coibir o pranto.
Fechou-os e quando os abriu, deu vazão
às lágrimas.
Como aquela mulher podia agir daquele
jeito?
Fora aquilo mesmo que ouviu?
A calligari sentia os beijos em seu
pescoço e era como se apenas seu corpo estivesse ali, como se sua pele estivesse
totalmente insensível às carı́cias e isso não tinha nada a ver com a perı́cia
da amante, pois há muito tempo conhecia
a bela loira e era uma das poucas mulheres que a deixava totalmente fora de si.
Segurou os cabelos, puxando-o forte para
trás, deixando à mostra o pescoço esguio, beijando-a com paixão.
Abriu a blusa com tanta urgência que
alguns botões se soltaram do terninho.
Encontrou os lábios rosados e logo se
entregavam aos prazeres do corpo, mas em seu cérebro havia lindos olhos
azuis... Um olhar macio, uma voz doce que mesmo irritada lhe dava arrepios.
A Villa Real seguia pelo corredor,
buscando sair daquele lugar.
Tateava e se sentia cada vez mais
perdida, porém preferia ficar ali fora a chegar a ouvir os gemidos de paixão
que as amantes com certeza dariam.
Limpou os olhos com as costas da mão.
-- Você está bem, senhorita? – Um
rapaz, funcionário do hotel, se aproximou. – Precisa de ajuda?
Inicialmente ela se assustou, mas depois
sentiu que aquela seria sua salvação.
-- Sim, por favor, ajude-me a fazer uma
ligação. – Pediu esperançosa.
O homem a observava com curiosidade.
Sabia que ela era a acompanhante da dona, viu-as chegarem há algum tempo.
-- Sim, claro. – Segurou-lhe a mão. –
Venha comigo até a recepção.
Caminharam juntos até o térreo.
O rapaz deu a volta no balcão.
-- Diga-me o número! – Pediu de forma
solı́cita.
Aimê não titubeou ao falar cada um dos
dı́gitos.
Esperou pacientemente enquanto chamava e
suas esperanças diminuı́am.
-- Ligue de novo, por favor! – Pediu.
O jovem fez o que foi dito, porém mais
uma vez ninguém atendeu a chamada.
Aimê pareceu chateada.
-- Por que não senta e espera um pouco,
logo tentaremos novamente.
A Villa Real assentiu, enquanto
permanecia apoiada no balcão.
Assim que conseguisse falar com o avô pediria
para que viesse buscá-la, se possível o mais rápido que pudesse e se ele não
pudesse tomaria um táxi para ir para longe da Calligari.
Diana saiu do banheiro e não encontrou
Aimê. Procurou-a por todos os lugares e não viu sinais da moça.
Vestiu o roupão e saiu à procura da
jovem.
Onde ela poderia ter ido?
Desceu as escadas de dois em dois
degraus e ao chegar à recepção, sentiu o coração se aliviar.
Ela estava lá e estava com o telefone
no ouvido.
Foi até ela, retirando o aparelho da sua
mão, tomando-a pelo braço.
O rapaz que a ajudara ficou curioso com
a cena.
-- O que está fazendo aqui? – Diana
sussurrou em seu ouvido.
A Villa Real teve um sobressalto, mas
logo se afastou da pintora.
-- Não me toque!
Havia algumas pessoas por ali e pareceram
interessadas na discussão.
A Calligari não pareceu se importar com
aquilo, mesmo sabendo que era uma mulher conhecida e não demoraria àquele
fato ir parar na mı́dia.
-- Vamos para o quarto! – Ordenou por
entre os dentes. – Não te dei permissão para sair!
-- Não vou a lugar nenhum contigo,
ainda mais para aquele quarto sujo... Imundo... Tenho nojo... – Dizia sem
fôlego.
– E fique sabendo que não preciso da
sua permissão para nada! Você não é minha dona e não tem direitos sobre
mim!
A filha de Alexander percebeu os olhos
azuis faiscarem.
Diana a tomou pelo braço gentilmente,
enquanto sorria para o público que parecia cada vez maior.
-- Chega de bobagem! – Falou baixo. –
Venha comigo antes que eu te arraste por seus lindos e sedosos cabelos. – Disse
em seu ouvido.
-- Vá lá com a sua amante e me deixe
paz! – Afastando-se quase tropeçou no móvel.
A morena respirou fundo e rapidamente a
pegou mais uma vez pelo braço, praticamente arrastando-a pelo hall.
Dessa vez nem os olhares interessados
lhe dissuadiu do intuito.
A major não estava acostumada a ser
ignorada em suas ordens.
A Villa Real esbravejou durante o
percurso, esbravejava ao sentir o elevador subir, mas só ao chegar à frente
do quarto é que a garota levou a mão da perseguidora à boca, mordendo-a
forte.
Diana abriu a porta e a empurrou para
dentro, esfregando onde a garota havia atacado, vendo a marca dos dentes
afiados.
-- Agora virou uma cadela também!
-- E você uma puta desavergonhada!
A morena ainda levantou a mão para
espancá-la, mas acabou reconsiderando.
Arrumou o cabelo por trás da orelha,
respirou fundo mais uma vez.
Desconhecia a jovem que estava ali.
Parecia que a filha de Otávio estava
dominada por forças do mal.
-- Não me desafie, mimadinha! – Tentava
manter a calma. – Já lhe disse que não me importo com o fato de você ser
cega, se voltar a me ferir eu não medirei as consequências e te espanco até
que caia desmaiada.
-- Não tenho medo das suas ameaças e
mesmo que pense que sou uma cega inútil, sei me defender muito bem! – Levantou
a cabeça em desafio.
A Calligari pareceu desconsertada com as
palavras.
Ela ouvira a conversa com Piatã!?
Diana respirou fundo, sentando na enorme
poltrona.
Fitou a Villa Real e via a expressão
carregada estampada em seu rosto doce.
Os olhos azuis estavam tão escurecidos
que pareciam negros naquele momento.
Passou a mãos palas madeixas escuras, suspirando.
-- Aimê, tome um banho e vista uma
roupa limpa! – Falou dessa vez mais calma.
-- Não irei tomar banho coisa nenhuma!
– Apontou o dedo em riste. – Ainda mais naquele banheiro sujo... Onde você...
– Mordiscou o lábio inferior. – Leve-me para a minha casa!
-- Eu a levarei quando estiver vestida,
alimentada e com aparência de gente. – Disse pacientemente. – Agora faça o que
mandei!
-- Eu já disse que não irei usar o
banheiro que você ficou com aquela mulher!
Diana se levantou e foi até ela.
A boca bonita se abria em um sorriso
atrevido e provocante.
-- Não me diga que está com ciúmes? –
Aproximou-se mais. – Confesso que preferia ter transado contigo... – Estendeu a
mão, tocando-lhe a trança grossa. – Era seu corpo que eu desejei colado ao
meu, minha esposa!
A herdeira de Ricardo corou de
indignação, afastando-se do toque, mas tropeçou e só não caiu porque a
morena foi rápida, segurando-a, prendendo-a em seu abraço.
-- Solte-me! – Gritou, tentando arranhar
a Calligari.
-- Se eu não tivesse te segurado, você
teria quebrado esse rosto bonitinho na quina do centro.
-- Eu preferiria morrer a ser tocada por
você! – Esbravejou.
Diana mirou os lábios tão próximos
aos seus, mas não os tomou para si, apenas soltou-a.
-- Vamos para outro quarto para que tome
um banho, está fedendo a onça!
-- Não irei contigo!
-- Ok, mandarei um empregado do hotel te
acompanhar e te ajudar em tudo.
Aimê ouviu os passos se afastar e só
depois voltou a respirar normalmente.
Por que aquela mulher era um ser tão insensível
e odiosa?
Jamais em sua vida fora tão
provocada... Não se recordava de ter perdido a cabeça e agido de forma tão
violenta com nenhum ser humano... Mas Diana não era qualquer ser, ela era
diferente...
Estendendo a mão encontrou o sofá,
sentou-se...
Precisava se afastar o mais rápido possível,
só assim retomaria a paz em sua alma.
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