Dolo ferox -- Capítulo final parte 2



            O sol brilhava ainda no início da manhã. O céu claro anunciava que não haveria chuvas naquele dia. Talvez fosse primavera, verão, mas a certeza era que o inverno tinha terminado.

            Ouvia-se os sons dos pássaros, o cheiro das frutas, das folhas que enfeitavam os terrenos. A grama estava mais verde, não mais que a do vizinho, porém igual, nunca inferior ou superior.

            Valentina acelerou um pouco mais, estava ansiosa para chegar a sua casa.

            Encantava-se com a paisagem. Montes de terrar vermelhas enfeitavam o cerrado, olhava e tinha a impressão que estava a apreciar um quadro daqueles famosos pintores

            Ouviu a música que tocava no rádio do carro. Cantou a letra alto, como se aquela poesia invadisse seu íntimo.

            Sorriu ao ver as curvas de morros altos, diminuindo a marcha, pois parecia que estava ouvindo o avô lhe dar uma bronca sobre a importância de manter a estabilidade dos pneus com o chão.

            Soltou um longo suspiro.

            Passara dois dias longes, a saudade não cabia em seu peito.

            Viu o número do celular aparecer no painel do esportivo.

            Mordiscou a lateral do lábio inferior, depois atendeu.

            -- Meu anjo, posso confirmar nossa presença no jantar beneficente?

            A circense esboçou um sorriso.

            Alissa era a mulher mais atenciosa e gentil que conhecera em toda sua vida. Há alguns meses começaram a sair, frequentavam algumas boates, dançavam, compareciam a alguns eventos sociais, mas ainda não tinha conseguido se entregar a bela loira e ela se mostrava sempre compreensiva diante desse fato, mesmo que frustrada.

            Há quase um ano estava divorciada, há quase 365 dias não tinha nenhum tipo de contato com a mulher que lhe virara a cabeça, que tirara seu raciocínio e suas forças.

            Sabia que a neta desprezada da Hanminton fizera um grande estrago em seu coração, mas tudo parecia voltar a normalidade.

            Mirou o porta-luvas e essa distração a fez ter que desviar o carro de um caminhão que veio na sua direção.

            A ensurdecedora buzina a fez tremer e ecoava em seus ouvidos.

            Saiu da pista, mas fora apenas um susto.

            -- Amor, está tudo bem?

            A voz da advogada continuava a soar.

            Valentina respirou fundo, mirou a poeira que a manobra levantou.

            Estava vindo de uma cidade do interior, a estrada deserta e em péssima qualidades demonstravam a precariedade.

            Saiu do veículo, pois tinha a impressão que não conseguia respirar lá dentro. Apoiou na lataria do esportivo, respirou fundo e respondeu.

            -- Sim, pode... – Mordiscou o lábio inferior. – Não esqueça o noivado de papai... Enrolou Maria por quase um ano, mas acho que agora vai sair esse casamento.

            Ouviu o riso da outra e também riu.

            -- Agora sei a quem a filha dele puxou. – Alissa alfinetou.

            A circense arrumou os cabelos por trás da orelha, depois respondeu:

            -- Fique ainda mais bela, loira perfeita, que passarei na sua cabeça para que cheguemos lindas nesse evento.

            Depois de mais algumas trocas de palavras, encerraram a chamada.

            A morena arrumou os cabelos negros que estavam com um corte diferente.

            Voltou para o interior do veículo e viu algumas coisas caídas devido ao movimento brusco.

            Fechou o porta-luvas e viu o objeto dourado brilhar sobre o assoalho.

            Prendeu a respiração, depois pegou a peça delicada.

            O aro dourado brilhava em seus dedos longos, girou-o entre eles e não entendeu o que aquela aliança fazia ali, quem poderia tê-la colocada lá?

            Fechou os olhos por alguns minutos e se recordou da última vez que encontrara o olhar da Valerie.

           

            Alguns meses antes.

            Quando deixou o prédio naquela tarde seu coração estava acelerado desesperadamente. O detetive ia ao seu lado e lhe passava as instruções.

            -- Deve colocar o colete, não deve se aproximar, apenas deve tentar persuadir a Hanminton a soltar a irmã.

            A morena apenas fez um gesto de assentimento com a cabeça, enquanto rezava a Deus para que tudo desse certo.

            Sentiu a mão do pai segurar a sua, então os olhos negros idênticos se encararam por intermináveis segundos.

            Nícolas via o temor naquele olhar, sabia como ela parecia assustada, temia o pior e pedia aos céus que tudo acabasse bem.

            -- Tem certeza de que deseja ir? – Indagou temeroso. – Não desejo que se aproxime da Nathália novamente.

            A circense umedeceu os lábios demoradamente.

            -- Achas mesmo que eu teria como não ir? – Questionou calmamente. – Deus, papai, o senhor não tem ideia de como estou assustada, de como eu tenho a impressão que uma parte de mim está sendo tirada, arrancada... – Levou a mão ao peito. – É tão forte que me tira as forças.

            O primogênito do conde ouvia o desabafar emocionado e naquele momento comprova ainda mais o que sempre teve certeza: O amor que unia aquelas duas mulheres era tão incansável que mesmo em meio àquela tempestade ele reinava perigoso e ameaçador, pronto para explodir entre os que tentavam interferir em sua plenitude.

            Voltou seu olhar para a janela do carro, observando a calmaria e a agitação entre os que se dividiam em trabalhar, seguindo apressadamente em seus carros ou com suas pernas, enquanto crianças e idosos pareciam se divertir em uma grande praça, alguns adolescentes liam seus romances açucarados, namoravam... Talvez esse sentimento tão cantado por lord Byron fosse aquela confusão de intensidade...

            A viatura estacionou por trás do prédio, pois a sua frente já se reunia inúmeros repórteres para buscar cobrir o acontecido.

            Valentina observava o grande estacionamento, colocou o colete rapidamente e foi quando viu Leonardo vindo em sua direção, abraçou-o, sentindo a agonia do homem.

            -- Calma, tudo vai acabar bem... – Sussurrou em seu ouvido.

            O bom senhor lhe encarou os olhos negros.

            -- Eu não tenho como agradecer por ter vindo, acho que se vivesse mil anos ainda não seria suficiente.

            A trapezista lhe depositou um beijo na testa e seguiu com os policiais em cada um do seu lado, sentindo o coração aumentar as batidas ao ver o pequeno círculo que tinha sido montado. Por todos os lugares se via atiradores apostos, sabia que se Nathália ousasse cumprir suas ameaças, ela não sairia viva, mas aquilo talvez não importasse para a neta amada de Isadora, pois sua única vontade era destruir a irmã.

            O delegado se aproximou. Conhecia-o bem, fora ameaçada a ser presa da última vez que fora contra as ordens dele.

            -- Senhorita Vallares, não faça nada que possa lhe colocar em risco, pelo amor de Deus, eu imploro.

            -- Talvez se vocês tivessem agido antes, nada disso estaria acontecendo. – Falou irritada. – Todo mundo sabia que a Nathália iria atrás da irmã, mesmo assim a deixaram livre, mesmo depois de tudo o que tinha acontecido.

            O homem não retrucou, mesmo sabendo que aquilo não dependia da sua categoria, apenas o judiciário achara que poderia investigar mais.

            -- Valentina, você tem exatamente dez minutos, caso eu veja que a neta da duquesa não vai ceder, tentaremos atirar nela.

            -- Natasha pode se machucar, então não tente isso, por favor.

            O delegado não respondeu, apenas deu ordens para que os policiais seguissem protegendo-a.

            A trapezista via os homens a sua frente, aproximavam-se lentamente, conseguia ouvir a voz da Valerie tentando dissuadir a irmã do intuito, ouvia também o ódio se concretizando nas palavras da Hanminton.

            Agora conseguia ver a cena, mesmo que nenhuma das duas conseguisse lhe ver.

            Nathália estava encostada ao veículo, usava a ruiva como escudo a sua frente e tinha o cano da arma na têmpora da arquiteta.

            Observou a duas irmãs por intermináveis segundos, sabendo naquele momento que nunca amara a querida da Isadora. Mesmo que a de cabelos negros e olhos suaves tivessem todos aqueles gestos educados, aquela forma de dama da sociedade, sempre sentira que havia algo que não se completava. Diferente daquela arrogante de olhos conflitantes e cabelos afogueados.

            Ouviu a voz do delegado falando com a ameaçante mulher e logo ficava cara a cara com as diferentes fêmeas.

            Mirou demoradamente a ex-esposa, conseguia ver em seu semblante a reprovação por ter ido até ali, também via algo mais, algo que chegava a lhe fazer ansiar por se aproximar, por toma-la em seus braços e nunca mais se separar.

            Lembrou a assinatura que colocara no papel naquele dia e a ligação de Alissa dizendo que a arquiteta também tinha assinado sem pronunciar uma única palavra, sem fazer um único protesto, simplesmente fazendo-o como se fosse a coisa mais natural a ser feita.

            Meneou a cabeça para se livrar daqueles pensamentos.

 

 

            Dias atuais...

            Valentina tinha em sua mente todas aquelas lembranças, tentava apaga-las como tudo que se referia à ruiva.

            Apertou forte o aro na palma da mão, fazendo-o com tanta força que sentiu as unhas bem feitas afundarem em sua pele.

            Há quanto tempo não pensava nela? Até mesmo proibira que alguém mencionasse o nome da arquiteta em sua presença, nada da vida dela sabia naqueles meses todos, apenas vivia como se ela nunca tivesse existido em seu caminho, mesmo que houvesse o Victor...

            O filho tinha contato com a ruiva, Helena sempre o levava até sua casa para que fizessem chamadas de vídeos.

            A Valerie se oferecera ao pai para administrar o novo empreendimento no oriente e lá estava há bastante tempo. Vivia como se nada tive acontecido, então esse fora o caminho que a morena também buscara.

            Abriu a mão e viu a aliança.

            De repente lembranças do dia do casamento invadiram sua mente...

            -- Não... Você não faz mais parte de mim...

            Decidida, jogou fora a joia. Recolocou o cinto, fechou a porta e saiu cantando pneus, deixando para trás a poeira.

 

 

 

            A aeronave pousava. Foram quase vinte horas de voo, atravessando oceanos, passando por turbulências e só agora sentia os pneus da aeronave parar definitivamente.

            Natasha mirou a tela do computador portátil, lia com atenção a documentação que entregaria ao Vallares.

            Dez meses e tudo tinha sido estruturado. Fora um grande desafio. Trabalhara incansáveis dias, sem nem se preocupar com descanso. Acordava bem cedo e dormia pela madrugada, mas o sacrifício fora bem recompensado.

            Olhou pela pequena janela e viu as luzes artificiais que já se acendiam, pois a noite já começava.

            Estava de volta, mas não sabia se ficaria por muito tempo, talvez aquele não fosse o lugar certo para continuar a vida.

            Soltou um longo suspiro.

            -- Você não dorme?

            A voz de Rebeka lhe tirou dos seus pensamentos. Mirou a loira.

            -- E isso é importante para ser colocado em sua agenda?

            -- Você come pouca, quase não dorme, se exercita, toca seu piano, não transa mais... Acho que virou um robô.

            Um sorriso se desenhou na boca rosada da empresária.

            -- Apenas estou sempre muito ocupada.

            -- Ocupada a ponto de abrir mão do sexo? Está pensando em virar freira?

            Os olhos verdes miraram uma bela morena que passara toda a viagem flertando consigo, depois voltou a encarar a acompanhante.

            -- Está falando isso porque não te levei para a cama? – Provocou-a.

            Rebeka meneou a cabeça.

            -- Não nego que quando descobri que estava livre e tinha ido para uma terra estranha tão sozinha, imaginei que poderíamos nos entender, mas percebi no seu coração não há lugar para mim, então desencanei... Claro que ainda anseio por uma noite de sexo selvagem contigo, mas...

            A ruiva deu de ombros.

            A loira era sua assistente e acabara se tornando uma grande amiga, mesmo que gostasse de se meter bastante em sua vida ou tentar lhe arrumar amantes.

            Voltou a atenção para a tela do notebook.

            Sabia que a mulher sentada ao seu lado gostava de exagerar, mas decidira tirar aquele tempo para si, apenas aproveitando sua companhia. Cansara dos relacionamentos fracassados e por isso optou por se manter longe desses perigos.

            Ouviu a voz do comandante da aeronave e já podiam desembarcar. Esperou pacientemente que todos os passageiros o fizessem, não tinha pressa, na verdade o único desejo que acalentava era poder reencontrar o filho que passara todos aqueles meses vendo apenas por uma tela.

            Mordiscou a lateral do lábio inferior demoradamente.

            Talvez muitos a julgassem por ter deixado a criança, mas sabia que aquilo fora o melhor a ser feito naquela época, tinha certeza que ele estava sendo muito amado por todos, porém agora pensava em recuperar o tempo perdido, esse era seu maior interesse.

            -- Irá se apresentar no teatro?

            A voz da loira lhe tirara dos seus pensamentos mais uma vez.

            Natasha também aproveitara todo o período longe para se dedicar a sua paixão pela música e algo que começara apenas como uma simples distração a tornara muito conhecida e apreciada pelas pessoas.

            -- Sim, irei! – Disse com um sorriso grande.

            -- Quando se fala em música você se transforma. – Segurou-lhe a mão. – E essa aliança? Nunca vai tirá-la? Já te disse que ela é um charme ainda maior, pois suas fãs parecem interessadas pelo proibido.

            -- Achei que eram só meus olhos verdes e cabelos de fogo que faziam esse estrago... – Desdenhou.

            -- Enquanto elas não conhecem seus talentos sexuais, isso serve bastante.

            A Valerie sorriu e fitou o aro dourado que sempre usava em seu anelar esquerdo. Nunca desejou se desfazer dele, ao contrário, era uma espécie de amuleto.

            -- Nem irão conhecer.

            Rebeka soltou um longo suspiro.

            -- Pensei que suas sessões de terapia tinham funcionado. – Acomodou-se de lado para mirá-la melhor. – Bem, eu acho que você melhorou muito, ainda mais na questão de cobranças... Só acho que a arrogância e o sarcasmo continuam... Faz parte da sua essência. – Beijou-lhe os lábios em um toque breve. – Acho que você precisa voltar a viver.

            -- Não acredita que estou bem apenas porque não faço sexo?

            -- Na verdade, eu acredito que está bem, apenas acho que necessita de seguir em frente e se entregar as aventuras.

            -- Eu passei a minha vida toda me entregando a essas aventuras... Comecei bem cedo a me especializar nessa arte, continuo sendo uma mulher completa, apenas nesse momento não desejo, mas ansiar por isso, acredite, farei e no melhor estilo que existe.

            -- Delícia... Espero que seja comigo.

            A ruiva ignorou as provocações, guardou o computador portátil e logo pegava a mochila e começa a deixar a aeronave.

 

 

 

            Valentina gostava de música clássica. Talvez o avô lhe tenha colocado aquele gosto tão peculiar em se enamorar por aquela forma que parecia invadir seu cérebro e relaxar sua alma.

            Sentiu a mão de Alissa encostar a sua, fitou os olhos azuis demoradamente e mesmo na penumbra conseguia ver toda a sua adoração.

            Não estava arrependia por ter aceitado a tentativa da relação, sentia-se bem ao lado da loira. Gostava das saídas, dos lugares que frequentavam e o melhor de tudo aquilo era o amor que ela tinha pelo Victor, sempre queria leva-los consigo e buscava programas que o incluía.

            -- Acho lindo essa sua expressão de concentração, parece que está fora do seu corpo. – Tocou-lhe a face, acariciando-a. – Para a noite ser ainda mais perfeita bastava que passasse a noite no meu apartamento.

            Valentina arqueou a sobrancelha esquerda, depois umedeceu os lábios.

            -- Não quero forçar nada, mas morro de desejo por ti... – A advogada continuava. – Sonho com esse momento...

            A trapezista permaneceu em silêncio.

            Há quase cinco meses estavam juntas, mas ainda não se sentira totalmente pronta para entregar seu corpo, não sabia o que se passava, mas parecia que havia algo que travava esse passo tão longo e tinha impressão que suas pernas estavam curtas.

            Sentiu os lábios quentes sobre os seus e correspondeu com paixão a investida, mas o interlúdio não demorou.

            -- Esperarei o tempo que for necessário, prometo que farei, mesmo que queime por sua pessoa.

            A circense esboçou um sorriso.

            -- Obrigada, meu amor.

           

            O conde observava o casal e ficava a pensar se ter aceitado que Natasha se encarregasse dos negócios tão longe não fora um tiro no pé entre as duas mulheres. Presenciara a forma que a neta se fechara para tudo que se referia à ruiva, sendo até mesmo proibido mencionar o nome da Valerie em sua presença. Agora ela tinha iniciado a relação com a jovem advogada e pareciam felizes, estavam sempre juntas, saiam para dançar, divertiam-se e ele pensava como isso seria triste para a arquiteta, mesmo que ela tivesse entregado as armas e decidido dar aquela luta por perdida.

            Mirou o relógio.

            Não demoraria para a ópera terminar e estava se sentindo um pouco cansado e ansioso para que um novo dia logo chagasse, pois o bisneto viria da casa dos avós, estava ansiosa para brincar com o ruivinho e ver suas traquinagens.

 

 

 

            Helena estava nos aposentos do neto.

            Ele dormia tranquilamente depois de ter ficado brincando com Leonardo depois do jantar.

            Há uma semana ele estava consigo e passara tão rápido que logo ele retornaria para os braços da Valentina. Sabia como a trapezista amava a criança e como era uma mãe dedicada e amorosa. Via os olhos negros brilharem de felicidade quando estava com o garotinho, da mesma forma que o garotinho vibrava ao lado da mãe.

            Parou na porta, observando-o no berço.

            Parecia tão em paz, tão anjo...

            Foi até ele e depositou um beijo em sua face rosada.

            -- Acho que ele tem a melhor avó do mundo...

            A senhora Antonini levou a mão ao peito e ao olhar em direção da voz viu a empresária.

            Observou-a por longos segundos, depois viu-a abrir os braços e seguiu até eles, chorava em emoção.

            -- Calma, eu já estou aqui! – Acariciou-lhe os cabelos.

            A idosa fungou em seu pescoço, depois fitou-a:

            -- Eu deveria lhe bater por ter nos abandonado por toda essa eternidade e nunca ter vindo nos ver.

            A ruiva sorriu, enquanto lhe beijava a face.

            -- Não precisa disso, estou de volta e não pretendo partir tão cedo.

            Helena voltou a abraça-la, fazendo-o tão forte que Natasha imaginou que seria esmagada.

            -- Calma, assim quebra meus osso.

            A esposa do arquiteto gargalhou, depois lhe segurou a mão, trazendo-a até o berço.

            -- Ele te chamou muito, dois dias que não fala com a gente, estávamos preocupados e ele com saudades.

            Os olhos verdes lagrimaram ao observar a criança que dormia em seu ressonar delicado.

            Estendeu os braços, pegando-o com cuidado, abraçando-o, mesmo diante dos protestos que logo cessavam e ele parecia perceber que estava nos braços da mãe.

            A Valerie sentiu as mãos pequenas lhe apertar e não conteve as lágrimas ao tê-lo em seus braços, senti-lo depois de tanto tempo longe, vendo-o apenas por chamadas de vídeos.

            Em sua agenda sempre tinha a semana reservada para esses encontros virtuais.

            -- Dessa vez eu não vou deixar mais você. – Beijou-lhe os cabelos cheirosos. – Dessa vez vamos ficar juntos.

            Os olhos tão idênticos aos seus se abriram preguiçosamente e quando viu de quem se tratava, começou a chama-la como costumava fazer.

            -- Agora vai ser difícil ele dormir novamente. – Helena falou.

            Natasha não pareceu se importar. Seguiu até a poltrona, sentou-se com ele nos braços.

            -- Por que não disse que estava vindo? – Helena ocupou a outra cadeira. – Ficamos preocupados, pois não tínhamos notícias. Deve ter feito uma longa viagem, acho melhor descansar.

            A empresária não respondeu de imediato, pois se divertia com o pequeno sonolento que sentada em posição de montado, olhava-a e passava as mãos por seu rosto, parecia contemplar a mãe que passou tanto tempo ausente, depois de um tempo ele deitou a cabeça contra o peito dela e permaneceu lá, agarrado a ela.

            -- Estive tão ocupada que não consegui dar notícia e como e já estava para retornar preferi fazê-lo só quando estivesse em território nacional.

            -- Viu o Leonardo?

            -- Sim, estava com ele, cheguei há algum tempo e fiquei matando a saudades daquele velho bonzinho.

            -- Ele acompanhou seu show pela internet, em todos os status dele te colocou orgulhosamente.

            A ruiva esboçou um sorriso.

            Nunca teve a intenção de se tornar uma musicista, mas desde suas apresentações, parecia que a fama tinha chegado de forma exagerada. Rebeka quem tomava conta dessa parte e fora através dela em uma postagem em um site que tudo começara. Enquanto a Valerie só buscara se isolar em seu talento, conseguira ser aplaudida por uma multidão.

            -- Eu sei, ele não deixou de me elogiar... – Fitou a mulher. – Acho que vocês são os pais babões que nunca tive.

            Helena limpou uma lágrima.

            Ainda não acreditava que a arquiteta estava ali. Fora totalmente contra a sua viagem. Protestara para que não seguisse para tão longe, apelara colocando em seus argumentos o nome da neta do conde, mas a empresária não fora dissuadida e partiu.

            -- Não desejo que vá mais embora, fique, aqui é o seu lugar... Sua vida está aqui... Seu filho... – Fechou a boca quando pensava em falar o nome da Valentina.

            Sabia que não deveria falar sobre a Vallares, porém desejou tanto fazê-lo, contar-lhe sobre ela, pedir para que a ruiva lutasse pelo amor da mulher que amara e tinha certeza que ainda amava.

            Lembrou quando soube da relação que a circense tinha começado com a advogada. Confessava que tinha ficado chateada, até ficara um pouco afastada, mas depois entendeu o lado da morena, sabia que depois que tudo acontecera, não se passou uma semana e Natasha já fora embora para terras distantes, não se importara, nem mesmo lutara, assinara o divórcio e seguiu como nada importasse.

            -- Vou arrumar seu quarto! – Levantou-se. – Não vai para um hotel.

            A neta de Isadora fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            A cobertura tinha sido dada no processo de divórcio para a neta de Nicolay.

            Viu a esposa de Leonardo deixar os aposentos e permaneceu lá com o filho, ouviu-o falar o seu nome, depois o da Valentina saiu pelos lábios sonolentos.

            Automaticamente a ruiva mirou a aliança que trazia em seu anelar.

            Engoliu em seco.

            Sabia que a trapezista tinha namorada, Rebeka lhe contara, fizera-o de forma a cobrar uma reação da  empresária que nunca veio, afinal, o que poderia fazer depois de tudo o que passaram?

            Continuaria mantendo distância, deveria continuar afastada.

 

 

 

            Valentina se despediu do avô nas escadas, seguindo para os próprios aposentos.

            Adentrou e se jogou sobre o leito. Estava um pouco cansada, pois passara todo o dia trabalhando e tivera que comparecer ao jantar beneficente.

            Acendeu a luminária, deixando resto do quarto mergulhado na penumbra, depois caminhou até o espelho, observando-se e vendo como estava sexy com aquele vestido vermelho colado as formas do seu corpo.

            Lentamente, despiu-o, ficando apenas de lingerie.

            Caminhou até o banheiro, as luzes acenderam e logo ela se via no reflexo. Mirou os próprios lábios, os seios redondos que pouco se escondiam pelo acessório de seda. Despiu-se totalmente, mas não seguiu para o box de imediato, na verdade olhou para a banheira e viu que alguém tinha deixado pronta para si.

            Sorriu!

            No outro dia não precisava acordar tão cedo. Buscaria o filho com Helena, passaria o dia com ele e pela noite teria a festa de noivado do pai.

            Com um suspiro de prazer, adentrou o espaço de águas perfumadas.

            Pegou o celular que estava sobre a banqueta, ligando-o. Adorava ouvir músicas.

            Inclinou a cabeça para trás, fechou os olhos e ficou lá, curtindo o momento.

            Lembrou-se da namorada e da forma atenciosa. Tinham jantado antes de encontrar o avô. Ficava maravilhada com a forma paciente de Alissa. Sabia que não era normal um relacionamento entre mulheres adultas sem sexo, entendia e tentava ao máximo tentar ultrapassar essa barreira que parecia ter sido colocada em sua cabeça, parecia que perdera o desejo sexual.

            Aquele pensamento era um absurdo!

            Claro que não, apenas ainda estava perdida, esse quase um ano não fora suficiente para se livrar de certas lembranças.

            Cerrou os dentes fortemente.

            Desejava a namorada e estava disposta a dar aquele passo. Queria-a e tinha certeza que também era querida, então não havia motivos para continuar colocando barreiras imaginárias entre elas.

            Sorriu, enquanto mordiscava o lábio inferior demoradamente. Poderia pensar em preparar um jantar e aproveitaria esse momento para que ambas tivessem aquele momento.

            Pegou o celular e viu a mensagem que ela lhe enviara.

            Sorriu.

            Ligou para a loira e logo ouvia a voz calorosa a falar:

            -- Pensei que princesas dormiam cedo.

            -- Acho que a outra princesa esqueceu de me trazer antes da meia noite, então já virei uma gata borralheira.

            Alissa gargalhou.

            -- E o que está fazendo?

            A morena soprou uma bolha de sabão.

            -- Se você adivinhar vai ganhar muito mais que beijos no nosso próximo encontro...

            -- Ah não, assim é golpe baixo... Tenho quantas chances?

            Valentina mexeu o pé, desligou a chamada e logo retomava, mas agora em vídeo.

            A loira estava deitada sobre a cama, mas ao vê-la, levantou-se imediatamente.

            -- Nossa... – Disse maravilhada.

            -- Como eu sabia que não adivinharia, decidi te mostrar... Eu seria muito cruel se te desafiasse dessa forma.

            -- Você está sendo muito cruel ao me mostrar essa imagem digna de um quadro da dama selvagem.

            Agora foi a vez da morena rir do comentário.

            -- Amanhã você pode vim para cá? Estou pensando em passar o dia com o Victor brincando na piscina.

            -- Mas, amor, amanhã vai ter o noivado do seu pai, quero me arrumar para ficar linda para você.

            A morena assentiu.

            -- Bem, se é assim não haverá problemas, ao contrário, vou estar muito ansiosa para que chegue logo o momento de te encontrar.

            Falaram por mais algum tempo e logo se despediam.

            Valentina ficou olhando o aparelho telefônico e pensando como o relacionamento que tinha com a loira era tranquilo, agradável... Calmo...

            Bem, logo esperava que o dia amanhecesse e chegasse o momento de ter o filho para si. Gostava do amor que Helena e Leonardo nutriam, sabia que eles amavam a criança. Havia sido feito um acordo de deixa-lo passar uma semana com eles em revezamento, já que a mãe estava longe e não podia fazer aquilo.

            Soltou um suspiro de exasperação ao ter novamente a lembrança da ruiva em sua mente.

 

 

            Alguns meses antes...

            Ainda ouvia os tiros reverberando quando fora jogada no chão por um dos policiais.

            Seu coração estava tão acelerado que temeu enfartar.

            Não imaginara que a preferida de Isadora faria a ação, mas ao mirar os olhos verdes pôde ver a loucura presente neles, estava insana.

            -- Solte-me! – Exigiu ao policial.

            O homem ainda a deteve por mais alguns segundos, parecia esperar para ver que tudo tinha sido controlado.

            A morena ouvia o burburinho, ouvia os gritos de Nathália e não conseguiu esperar mais, conseguindo se livrar do peso sobre si, mas não teve forças para se levantar. Buscava entre todos alguém conhecido do seu coração, alguém que parecia fazer parte da sua alma.

            Já se desesperava quando viu quem tanto procurava.

              Então viu-a vindo em sua direção, observou a mãe ser estendida, mirou os olhos verdes, os lábios entreabertos.

            Natasha ajudou-a a levantar, fitaram-se por alguns segundos, mas não falaram uma única palavra, apenas se olharam.

            Os olhos verdes vieram em sua direção como um imã. Era essa a impressão que tinha. Viu-a com lágrimas nos olhos aceitou o abraço e naquele momento fora como se o sangue voltasse a correr em suas veias. Apertou-a forte. Desejando saber se tudo aquilo era real e ela estava mesmo ali.

            Natasha ouvia o pranto desesperada, sentia as unhas cravando em sua pele em meio ao desespero.

            Sussurrou em seu ouvido:

            -- Acabou, meu bem, tudo acabou, agora poderemos seguir nossas vidas em paz.

            Os olhos negros se voltaram para a empresária, viu os lábios rosados se aproximarem beijando suas lágrimas.        

            -- Não se machucou?

            A Valerie lhe acariciou a face com o polegar.

            -- Não, minha vida, não me machuquei... – Abraçou-a novamente, apertando-a forte. – Deus, como tive medo quando te vi, temi por sua vida.

            -- E eu pela sua...

            Permaneceram ali por intermináveis segundos, presas naquele sentimento superior que unia-as.

 

 

            Dias atuais...

            A morena bateu com força a mão contra a base da banheira e gemeu alto ao sentir a dor.

            Xingou baixinho, enquanto saia de dentro da hidro.

            Pegou um roupão, vestindo-o.

            Por que de repente aquelas lembranças retornavam a sua vida?

            Aquela fora a última vez que viu a ruiva, depois de tudo, ela fora embora para o Oriente e nunca mais se falaram.

            Ficara sabendo pelo avô, pois ela nem mesmo se dignara a se despedir do próprio filho.

            Cerrou os dentes fortemente ao ver a mão inchar diante da pancada.

 

 

 

            No dia seguinte os empregados da mansão Vallares estavam muito ocupados. Todos os preparativos estavam sendo feitos para o grande evento que aconteceria. O noivado do primogênito do conde era um dos assuntos mais comentados pela alta sociedade, ainda mais porque ele era um aristocrata que selava seu desejo de se unir com uma simples secretária.

            Valentina despertou tarde, pois dormira quase de madrugada, pois precisara ir ao hospital e a mão agora estava imobilizada.

            Abriu os olhos e viu o avô parado com os braços cruzados, olhava-a com atenção.

            -- Bom dia, vovô! – Cumprimento com um sorriso, espreguiçando-se.

            -- Por que não nos acordou para que fôssemos contigo ao médico? – Indagou sério. – Saiu de madrugada de casa machucada.

            A morena soltou um longo suspiro ao observar a mão. Tivera tanta dor que fora necessário recorrer ao especialista.

            -- Estava muito tarde e a Alissa veio e me levou, não estava sozinha. – Disse em justificativa.

            Nicolay fez um gesto de assentimento com a cabeça. Ficara irritado quando soubera o que aconteceu, mas sabia que seria inútil começar uma discussão, pois a neta tinha uma personalidade bastante forte e iria argumentar até convencer ao aristocrata que estava certa.

            -- Fique descansando, assim estará disposta no hora da festa.

            A circense meneou a cabeça negativamente.

            -- Claro que não! – Jogou os lençóis. – Vou aproveitar o dia com o Victor, estou morrendo de saudades, acho que ele já deve tá chegando.

            O conde negou com a cabeça.

            -- Helena me ligou e pediu para trazê-lo apenas pela noite, quando viessem para a festa.

            Era possível ver a decepção nos olhos negros.

            -- Mas por quê?

            -- Eu apenas disse que sim, filha, afinal, há semanas que ele passa mais tempo com a gente, então achei que seria injusto que não permitíssemos.

            Realmente o conde estava certo, muitas acontecia dos dias ao lado do filho se prolongar e mesmo assim nunca tivera problemas com os Antoninis.

            Soltou um longo suspiro voltando a deitar.

            -- Já que é assim, ficarei por aqui mesmo.

 

 

 

            Natasha nadava da piscina, enquanto o filho estava nos braços de Leonardo e Helena.

            O garotinho já tinha tomado muito banho e mesmo sob seus protestos fora tirado da água.

            A arquiteta atravessava todas as extremidades em seu nado.

            Gostava daquele exercício, sentia-se bem, relaxava seu corpo em demasia.

            O sol estava ótimo, mas não demoraria para que eles se escondesse. A ruiva passara todo o dia aproveitando os momentos com o filho. Assistiram a filmes, comeram pipocas, brincaram e depois foram aproveitar para tomar um banho e brincar.

            Ouviu os choros e se aproximou da borda.

            -- Dê-me ele! – Pediu estendendo as mãos.

            Mesmo contra vontade, Helena o fez, entregando-o.

            Viu-a colocar sentadinho na boia em forma de cavalinho. Sentia-se tão feliz que não a apressou, mesmo sabendo que logo teriam que ir para a mansão Vallares para o noivado de Nícolas. Ainda não conseguira convencer a filha de coração de ir com eles, mas sabia que conseguiria se insistisse um pouco mais.

            Leonardo lhe dirigiu um olhar de advertência, mas a mulher ignorou.

            -- Filha, o seu vestido já está pronto, mandei para a tinturaria, ele vai ficar perfeito em ti.

            A ruiva olhou através das lentes escuras a boa senhora. Sabia que ela não desistiria facilmente de carrega-la para aquele evento, mesmo que a empresária não tivesse com um pingo de vontade de comparecer. Recebera o convite quando ainda estava no Oriente e usara como desculpa não está no país no dia do noivado, porém retornou antes sem nem ter lembrado a data.

            -- Você não acha que ela deva ir, amor? – Indagou ao marido. – Afinal, você é a mãe do Victor, Niícolas o avô...

            O empresário apenas fez um gesto de afirmação com a cabeça.

            A Valerie deu de ombros e voltou a sua atenção para o filho que batia as perninhas contra água e espirrava água em todos.

            Mordiscou a lateral do lábio inferior demoradamente, fazia-o de forma pensativa. Não desejava reencontrar a circense e tampouco vê-la ao lado da namorada, nem gostava de pensar nessa cena, porém não poderia passar a vida a se esconder como fizera, enquanto passara todos aqueles meses fora. Deveria enfrentar seus temores, pois cedo ou tarde teria que lidar com a Valentina, mesmo que fosse apenas em relação aos negócios. A sociedade que tinha com os Vallares estava cada vez mais concreta e já tinha uma grande quantidade de ações do novo empreendimento.

            Mirou os olhos verdes do filho e seu sorriso enquanto brincava com a água.

            Retirou os óculos, colocando-o na cabeça.

            -- Está bem, Helena, irei, mas não demorarei, ficarei trinta minutos no máximo, depois retorno

            O sorriso enorme da esposa de Antonini não tinha como esconder a felicidade por ter conseguido o que tanto queria.

 

 

 

 

            Valetina estava diante do espelho.

            Olhava com atenção o vestido branco colado as suas formas bem feitas. Aquele modelo fora escolhido duas semanas atrás e agora via com satisfação que tinha ficado perfeito, parecia uma segunda pele. Alças finas sustentavam o decote profundo, eles se ajustava as formas da cintura, ao quadril arredondado, tendo o cumprimento até os joelhos.

            Observou o cordão de ouro que ganhara do pai no dia do aniversário. Tinha seu nome cravejado em diamantes. Colocou-os, depois os brincos.

            A maquiagem fora retocada com todo cuidado. Os cabelos negros e longos tinham sido trançados perfeitamente e caíam na lateral do ombro esquerdo. Alguns fios emoldurava o perfil delicado.

            Podia dizer que estava linda.

            Ouviu batidas na porta e lá estava o pai com aquele olhar maravilhado.

            -- Você vai ser a mulher mais linda da festa. – Falou aproximando-se.

            A morena o abraçou.

            -- Estou tão feliz pelo senhor ter decidido dar esse passo. – Ela disse, mirando-o. – Tenho certeza que será muito feliz ao lado da Mariana, ela te ama muito.

            -- Eu também a amo, na verdade, nunca pensei que voltaria a me apaixonar depois da sua mãe...

            -- Tenho certeza que a minha mãe aprovaria sua escolha.

            Abraçaram-se novamente.

            A relação entre eles tinha conseguido se ajeitar depois dos problemas que enfrentaram e agora tinham uma grande cumplicidade.

            -- A Alissa já chegou, vi-a, está lindíssima também... E o Pepi também decidiu aceitar o nosso convite e está na mesa ao lado do meu pai, só subi aqui para te acompanhar. – Estendeu a mão. – Aceita me acompanhar nessa aventura difícil, bela dama.

            -- Com certeza, nobre cavalheiro de armadura brilhante!

            Ambos riram e deixaram os aposentos.

 

 

 

 

            A orquestra tocava e todos os convidados pareciam apreciar a boa comida e a bebida que era servida.

            O grande jardim fora usado para receber a todos. Havia mesas espalhadas por toda área, garçons servindo a todos.

            Luzes iluminavam o local.

            Um lugar fora montado para que as pessoas pudessem dançar.

            Valentina estava nos braços da namorada, ouvia ela lhe sussurrar o quanto a achava bela e como todos pareciam lhe invejar naquela noite.

            -- Você é uma boba! – A morena dizia. – Espera um pouco que vou pegar outra taça de champanhe.

            -- Não demora ou vou morrer de saudades.

            A Vallares jogou-lhe um beijo e seguiu. Em alguns momentos teve que parar, pois sempre havia alguém para lhe cumprimentar, porém isso não a chateava, estava acostumada com esse tipo de rotina.

            Caminhava sorridente entre todos, pensando como estava feliz naquela noite e só esperava ansiosa a chegada do filho para completar seu contentamento.

            O pai em breve casaria e tinha certeza de que seria muito feliz ao lado de Mariana. Sabia que ela o amava bastante, pois aguentava o gênio forte, mesmo que soubesse que no fundo o grande Nícolas era um homem totalmente apaixonado.

            Afastou-se por entre os convidados e viu alguém conhecido a lhe encarar com ar de zombaria.

            Não acreditava que aquela mulher fora convidada para aquele evento.

            Rebeka!

            Aproximou-se pisando duro.

            -- Não sabia que estava no país! – Foi logo dizendo sem nem mesmo cumprimentar a outra. – Nem sabia que fora convidada...

            A loira esboçou um sorriso, enquanto bebia lentamente e depois cumprimentava algumas pessoas com um gesto de cabeça, pura simpatia.

            -- Sim, estou desde ontem e como tinha recebido o convite para a festa, decidi aparecer, socializar.

            A morena cerrou os dentes.

            Das poucas coisas que sabia sobre Natasha Valerie, uma das mais desagradáveis era saber que a loira estava lá com ela, era sua assistente, amante com certeza.

            -- Então aproveite!

            Já se afastava quando a outra a deteve pelo braço.

            -- Não me toque! – Falou por entre os dentes, desvencilhando-se. – Não ouse encostar em mim!

            -- Calma! – A loira levantou a mão em redenção. – O que houve com a sua mãozinha? Está treinando box?

            Valentina parecia contar até dez para não responder de forma agressiva.

            -- Você não cansa de ser desagradável?

            -- E você não cansa de fazer esse papel de jovenzinha perfeita, neta do conde, mulher controlada e com um relacionamento perfeitinho? Você é entediante.

            -- Ah, tá, e você acha que me importa a sua opinião? Na verdade nem sei o motivo da sua presença, mas exijo que fique longe de mim ou mandarei um dos seguranças te arrastar daqui por seu cabelo cheio de água oxigenada.

            Tentou se afastar novamente, mas a loira voltou a detê-la.

            -- Quase um ano e continua sendo a menina sem sal de sempre.

            A circense cerrou os dentes com tanta força que sentiu o maxilar reclamar.

            -- O que sou o deixo de ser não é da sua conta! – Livrou-se do toque. – Mantenha-se longe de mim.

            -- Ah, sim, vai retornar para a sua namoradinha, duas bonequinhas de bolo. – Bebeu um pouco do conteúdo da taça. – Finge que a ama também? Me fala aqui uma coisa: quando transam lembra da forma que a Valerie fazia?

            Valentina fechou a mão e foi por um triz que não meteu a mão na cara da outra.

            -- Quase um ano e você não mudou nada... Continua com esse orgulho exacerbado. – Rebeka acusou-a. – Quanto tempo ainda vai passar para que deixe de lado essa chatice da aristocracia e aja como uma simples mortal.

            -- Está louca!

            -- Sim, eu estou, ainda mais quando vejo que você desperdiçou todas as chances de felicidades ao lado da mulher que te amava... Certo que ela não tinha uma das melhores personalidades, porém isso fazia parte do pacote.

            -- E por que não ficou lá com ela? – Questionou com a sobrancelha esquerda arqueada. – Acredite, vocês formam um par perfeito, poderia ter morrido lá para o Oriente que não teriam feito falta. – Disse em irritação.

            A loira esboçou um sorriso grande.

            -- Calma, condessinha, acho que deve se comportar com a polidez própria da sua elite e ir até ali – apontou para frente com a cabeça – receber os convidados que acabaram de chegar.

            Valentina se virou para ver de quem ela falava e quase perdeu o equilíbrio ao ver Leonardo, Helena e Natasha com Victor nos braços.

            Mirou-a, mas a outra não pareceu lhe ver.

            Estreitou os olhos de forma ameaçadora a observar a figura da arquiteta entre os que estavam sendo recebidos com verdadeira honraria.

            Natasha Valerie!

            O que estava acontecendo?

            Fitou Rebeka e viu o sorriso debochado, depois voltou a mirar a neta de Isadora que sorria ao falar com todos.

            Estava linda com um vestido verde que parecia fazer parte do corpo feminino. Viu os cabelos ruivos ainda mais brilhantes, não estava mais usando a franja. Pareciam maiores, estavam ondulados nas pontas.

            -- O que ela está fazendo aqui? – Indagou para a loira. – Pensei que estivessem se divertindo do Oriente.

            -- Chegamos ontem à noite, condessa! – Soprou-lhe um beijo. – Já que não irá fazer as honras da casa, eu farei.

            A morena viu a oferecida seguir até a ruiva.

            Viu quando o pai se aproximou junto com Mariana dos chegados e pareceu bastante feliz por vê-los.

            A circense ficou ainda mais algum tempo ali, observando a arquiteta, depois pegou as taças do garçom e seguiu e direção onde estava a namorada. Sentia algo martelar em seu cérebro, enquanto um peso em seu estômago quase lhe tirava o fôlego.

            Encontrou-a conversando com algumas pessoas.

            -- O que se passou? – Alissa questionou aceitando a taça. – Estava falando com o diretor de um grande banco, meu amor, acho que meu escritório vai aumentar as filiais.

            -- Que coisa boa. – Disse com um sorriso forçado.

            -- Sim, ele me falou sobre as taxas de juros...

            A trapezista ouvia a outra falar entusiasmada do trabalho e tentava se concentrar em tudo o que era dito, mesmo que seus pensamento estivessem distante, presos em um par de olhos verdes que pareciam retornar como uma espécie de praga em sua vida.

            Odiara tanto quando descobrira que Rebeka tinha seguido para longe ao lado da Valerie, chegaram a pensar que o relacionamento de ambas poderiam ter alguma chance depois de tudo o que se passara, mas logo fora informada da partida e percebera como mais uma vez fora tola e estivera a ponto de voltar a repetir a mesma história em sua vida.

            -- O que você acha? – Alissa questionava. – Acha que poderia fazer isso?

            A morena esboçou um sorriso e fez um gesto de assentimento, mesmo não sabendo do que a outra estava falando naquele momento.

            -- Por que não continuamos a dançar? – Indagou ansiosa.

            -- Espera só um pouco, amor, irei pedir o contato do diretor do banco, não posso perder essa oportunidade.

            A circense assentiu e logo estava sozinha na pista de dança.

 

 

 

 

            -- Sentem-se com a gente! – O conde convidava.

            -- Na verdade, não me demorarei, apenas dei uma passada aqui já que estava no país, quis cumprimentar os noivos. – Natasha falou.

            Nícolas estava com o neto nos braços.

            -- E você não imagina como fico feliz com a chegada e não aceito que vá tão cedo, sente aí e beba um pouco, temos muito para conversar.

            A ruiva acabou soltando um longo suspiro, depois se acomodou tendo Rebeka ao seu lado.

            -- E por que não avisaram da chegada? – Nicolay indagou.

            -- Na verdade, hoje eu entraria em contato, mas como Helena me convenceu a aparecer aqui, acho que não será necessária a ligação.

            A conversa ficava mais animada. Muitas perguntas eram feitas e a ruiva respondia pacientemente a todas, mesmo que desejasse deixar a festa, sabia que ser de grande indelicadeza, ainda mais porque todos lhe tratavam sempre muito bem, então não quis ser deselegante.

            -- Está ainda mais bela! – O velho aristocrata falava. – Vi você tocando seu piano, não imaginava que era tão talentosa.

            -- Poderia tocar algo pra gente! – Mariana falou, enquanto brincava com o ruivinho. – Eu ficaria muito feliz... E acho que todos também... Pelo que vi, todos começam a conhece-la por mais esse detalhe.

            -- Sim! – Rebeka falava. – A Natasha tem muitos fãs já, apresentara no teatro na próxima semana e tem outros convites.

            -- Nossa! – Nícolas falou. – Então seu talento não é só para os negócios? Porque mostrei ao meu pai o último relatório que recebi, acredite, os lucros me surpreenderam em cem por cento.

            Victor deu os braços para ir para o colo da mãe, a ruiva tomou-se em seus braços.

            -- Acho que ele está com sono... – Comentou. – Ele não dormiu pela tarde, ficou brincando comigo e depois tivemos que vim para festa.

            -- Imagino que deseje ficar com ele por mais alguns dias... – Nicolay falou segurando a diminuta mão da criança. – Ficarei com muita saudades desse traquina, mas entendo que queira aproveitar um pouco de tempo com ele.

            -- Sim, gostaria de falar com a Valentina sobre isso, entendo que o prazo já terminou, mas desejo passar mais alguns dias com o meu filho.

            -- Tenho certeza que ela não colocará empecilhos... – Nícolas falou.

            -- Então, eu fico muito grata por isso.

            -- Sim, filho. – O conde dizia pensativo. – Mas seria bom que a própria Valentina falasse isso.

            Alguns olhares foram trocados na mesa.

            Claro que tirando a ruiva, todos sabiam que o velho senhor desejava que as duas mulheres se encontrassem, talvez imaginasse que aquilo fosse uma coisa boa para acontecer.

            A Valerie pareceu desconfortável, então pegou a taça e bebeu um pouco do líquido borbulhante.

            Claro que não desejava ficar cara a cara com a jovem circense. Não se sentia pronta para isso. Desde que chegara naquele lugar tentava evitar olhar para as direções, temendo assim vê-la ao lado da tal namorada.

            Umedeceu os lábios demoradamente, enquanto se movia de forma desconfortável na cadeira.

            -- Você está bem?

            Fitou a loira que a mirava com atenção.

            -- Sim, estou, apenas ainda um pouco cansada.

            -- Muito longa a viagem... – Mariana falou.

            -- Sim, e também a questão do fuso, tudo isso deixa a gente um pouco fora de órbita.

            O papo transcorria e nada da morena aparecer por lá, nem mesmo para ver o filho.

 

 

 

            Valentina estava sentada do outro lado do jardim. Estava ao lado da namorada e a via conversar sobre negócios com os banqueiros de forma entusiasmada. Não houve mais dança, apenas números e mais números. Não que aquilo não fosse algo interessante, até já estava acostumada, pois Alissa era bastante centrada nos negócios, porém naquele momento outras coisas lhe enchiam a cabeça.

            Sabia que não poderia passar o resto da noite escondida, tinha que ir até o pai, queria ver o filho, desejava abraça-lo, estava com saudades.

            Decidida, levantou-se.

            -- Volto logo!

            A loira nem mesmo ouviu de tão distraída que estava com a conversa. Mesmo assim a morena não se preocupou, seguiu em direção a mesa onde estava o conde. Sentia o coração acelerada a cada passo que dava, parecia que havia um peso em seus ombros.

            Viu o avô junto com o pai e Mariana, outros convidados também estavam lá, mas não havia sinal da presença da ruiva.

            Soltou a respiração lentamente, de certa forma estava aliviada e frustrada ao mesmo tempo. Teria realmente visto-a ali ou tudo fora apenas uma ilusão da sua cabeça cansada.

            Sentou-se.

            -- Onde esteve? – O conde questionou. – Pedi que Mariana fosse até você e ela não te encontrou.

            A morena mirou a madrasta demoradamente e só depois respondeu:

            -- Estava com Alissa, praticamente em uma reunião de negócios com alguns banqueiros. – Disse de forma despojada, enquanto bebia um pouco. – Sabe como são essas pessoas que respiram poder... Fiquei lá até agora, então decidi dar uma passada aqui para ver se tudo estava bem.

            -- Deveria ter ficado aqui, afinal, essa é a nossa mesa oficial. Muitas pessoas vieram e você não as recepcionou comigo.

            -- Ah, meu pai, Valentina é jovem, não iria ficar só parada aqui o tempo todo. – Nícolas interviu.

            -- Mesmo assim! – Tomou a mão da neta de forma carinhosa. – Nem mesmo viu o Victor.

            A circense fingiu surpresa.

            -- E onde ele está?

            -- Já foi, estava cansado e ... e a Natasha esteve aqui com Helena e Leonardo. – O conde falou e prestou atenção a reação da neta.

            -- Ah sim, não sabia que ela tinha voltado, mas e o meu filho onde está?

            Mariana, Nícolas e o conde trocaram olhares significativos.

            -- Como a Valerie passou muito tempo longe, achei justo que ela ficasse com o Victor por mais alguns dias, foi por essa razão que mandei te procurarem, pois a Natasha desejava te informar sobre isso.

            A morena pegou um uva e levou à boca, só depois falou.

            -- Bem, ela quem se manteve longe, então não teria motivos para permitir que ela prolongasse a estadia do meu filho, que esperasse a semana referente a isso, quem ficou quase um ano fora, não iria morrer por mais quinze dias.

            Todos assentiram, mas nada falaram.

            Então já tinha ido, pensava a trapezista. Sentia-se melhor em parte, mas muito chateada pelo fato do filho ter retornado quando o prazo já tinha terminado.

 

 

 

            Natasha trocou de roupa, vestiu a camisola, depois o roupão de seda e seguiu até a varanda.

            Apoiou-se na estrutura metálica e ficou a observar a noite. O céu estava estrelado, parecia ainda mais brilhantes.

            O vento frio lhe emaranhava os cabelos.

            Permaneceu ali olhando para o nada, tendo seus pensamentos invadidos por inúmeras questões. Como estaria Isadora e Nathália na prisão? Ambas foram condenadas a mais de cinquenta anos, morreriam lá, principalmente a avó. A duquesa quase enlouqueceu quando soube que a odiada neta tinha lhe doado o sangue. Agira de forma tão terrível que quase tentou se matar.

            Meneou a cabeça tentando espantar aquelas informações dolorosas.

            Armou a rede, acendeu a luz, pegou um livro e deitou.

            Ganhara aquela brochura da Rebeka. Lá retratava as arquiteturas antigas e suas histórias. Gostara bastante, mas ainda não terminara. Abriu na página que tinha parado e ficou a ler com atenção, mesmo que sua concentração não estivesse totalmente ali, na verdade estava a pensar na neta do conde desde que entrara na mansão Vallares. Não a viu em um único momento e em parte se sentia grata por isso, mesmo sabendo que cedo ou tarde seus caminhos se cruzariam.

            Umedeceu o lábio inferior demoradamente.

            Com certeza ela não deveria ter gostado por ter trazido o garoto de volta, conhecia bem a herdeira do conde para acreditar que não aceitara de bom grado.

            Respirou fundo.

            Nícolas desejava que a ruiva participasse da reunião com todos os acionistas, afinal, ela teria que expor tudo o que se passara no oriente, teria que mostrar os resultados, os balancetes, tudo precisava ser apresentado e ela não poderia se negar a fazê-lo e não se negaria.

            Passara quase um ano. O casamentos e todos os laços que ligavam as duas mulheres já tinham sido desfeitos, poderiam agora simplesmente agir como adultas e levarem a vida de forma amigável, não que pudessem ter uma amizade, estaria esperando muito se quisesse algo assim, ainda mais porque no fundo do seu coração, em uma parte que preferia manter escondida havia um amor forte lutando para se livrar das correntes que o mantinha detido.

            Rebeka talvez estivesse certa e já tivesse chegado o momento de se entregar a novas aventuras, relacionar-se com outras pessoas, afinal, a própria Valentina o fez, tocou para frente seus sonhos e com certeza deveria estar feliz ao lado de outra, sendo amada...Tocada...

            Jogou o livro longe só em imaginar algo assim.

            Praguejou baixinho.

            Como podia se sentia ainda tão frágil diante de um fato que se mostrava o mais natural a acontecer?

            Cobriu o rosto com as mãos.

            Não, isso não iria prejudicar a sua vida novamente. Passara quase um ano longe do filho por seu descontrole, por sua insegurança, agora que recuperara a frieza, seria ela que voltaria a usar. A mesma que lhe ajudara a não sofrer com o desprezo da avó, a mesma que usara quando seu casamento com Verônica se tornara um grande inferno... A mesma que usara quando assinara o divórcio que fora pedido pela Vallares...

 

 

 

 

            Valentina, naquela noite, estava disposta a se entregar a namorada, até mesmo tinha feitos planos de ir para o apartamento dela, entretanto no final da festa, Alissa já disse que teria que, pois no outro dia teria que acordar muito cedo para a reunião que marcara com o presidente do banco.

            A morena assentiu, vendo-a partir.

            Na verdade quase todos já tinham seguido, agora os empregados já começavam a arrumar as coisas.

            Mirou a taça que ainda estava cheia. Quase não tinha comido nada, mas bebera muito daquele líquido do copo de cristal.

            Soltou um longo suspiro.

            Fechou os olhos... e lá estava a ruiva com seu sorriso grande, com seus cabelos vermelhos, seu nariz arrebitado, seus traços de arrogância...

            Cerrou os dentes, enquanto voltava a beber mais um pouco.

            Por que ela precisara retornar logo agora que tudo em sua vida estava se resolvendo?

            Tinha uma namorada maravilhosa, seu trabalho era perfeito, tinha o filho ao seu lado... Nada poderia acontecer para que ficasse mais perfeito, porém agora...

            Não!

            Aquilo era apenas uma loucura da sua cabeça. Não havia mais sentimentos por aquela mulher, tudo morrera, ficara em um passado triste e nada lhe afetaria.

            Ouviu passos e sorriu ao ver Pepi.

            -- Pensei que já tinha se recolhido para dormir. – Disse, enquanto batia na cadeira para que ele sentasse. – Me faça um pouco de companhia, pois o sono ainda não chegou.

            Ele assentiu e fê-lo. Inicialmente apenas a observava, parecia interessado em decifrar o que se passava naqueles olhos tão negros.

            -- E como está o circo? – A morena indagou. – Imagino que o trabalho duplicou agora que é o dono e quer continuar sendo palhaço também.

            Pepi riu.

            -- Você me conhece, sabe que minha vida é aquilo lá, sinto-me bem vestindo aquelas roupas coloridas e arrancando gargalhadas de todos.

            Valentina estendeu a mão e tomou a dele na sua.

            -- Eu já agradeci por tudo que fez em minha vida?

            -- Sim, meu bem, sempre o fez, acho que todos os dias quando acordava falava isso.

            A neta do conde umedeceu os lábios demoradamente.

            -- Eu não sei o que teria sido de mim sem você, acho que teria me perdido na vida como tantas crianças o fazem quando ficam sozinhas...

            -- Não pense no que poderia ter acontecido, afinal, não aconteceu, estaria perdendo apenas energia com isso.

            Ela assentiu.

            O palhaço estava certo. O que adianta pensar em algo que não aconteceu, apenas frustrações.

            Bebeu mais um pouco do líquido.

            -- E quando será a inauguração? Estarei lá e levarei o Victor, ele adora circo e como o aniversário dele está chegando, poderemos mesclar tudo.

            -- O ruivinho estava lindo hoje e parecia muito feliz com a dona Valerie, ele estava agarrado a ela.

            Valentina prendeu a respiração ao ouvir o nome da arquiteta. Viu os olhos perscrutadores do homem lhe examinar com cuidado, mas apenas desviou o olhar, mirando um ponto imaginário.

            Os empregados pareciam empenhados em arrumar tudo e deixar o jardim pronto para ser usado novamente.

            Alguns segundos se passaram e logo ela voltava a mirar o palhaço.

            -- Ela não deveria ter retornado!

            Pepi a conhecia e sabia que por trás daquela postura de que nada a atingia havia uma guerra acontecendo em seu interior.

            -- Quanto tempo ela deveria ficar longe para que você conseguisse enfrenta-la sem perder as forças? Se foi quase um ano e eu vejo que tudo parece que se passou ontem.

            O maxilar da morena enrijeceu com a pressão que ela fazia nos dentes.

            -- Não há nada na Valerie que mexa comigo, apenas acho que ela poderia ter ficado o resto da vida no Oriente, afinal, ninguém estava sentindo falta dela aqui.

            Pepi lhe tomou as mãos e ficou observando-as, depois a encarou.

            -- Então não há motivos para que fique desse jeito... Vocês têm um filho juntas e vai ser quase inviável que em algum momento acabem se encontrando.

            -- Acha que tenho medo de me encontrar com ela? – Indagou irritada, levantando-se. – Eu tenho uma namorada e estou apaixonada pela Alissa e o que mais desejo é estar sempre ao lado dela... Tenho alguém que não me trata como se eu fosse uma criança irresponsável, nem usa a arrogância e comigo o tempo todo... Alguém que gosta de dividir comigo seus medos, seus planos, suas dores... O que mais eu iria querer?

            Pepi fez um gesto afirmativo com a cabeça.

            -- Sim, meu bem, você está certa, não há mais nada para desejar, apenas isso lhe basta. – Levantou-se também. – Acho que devemos dormir. – Aproximou-se, beijando-lhe a testa. – E você é a minha convidada de honra da inauguração do circo na cidade... O seu trailer está lá, faço questão de mantê-lo intacto para me recordar de quando era apenas uma palhacinha.

            A morena o abraçou forte, depois de alguns segundos seguiram para o interior da mansão.

            Valentina seguiu para seus aposentos.

            Observou o quarto mergulhado na penumbra e não acendeu nenhuma das luzes. Apenas se livrou dos sapatos, do vestido, deixando-o caído pelo chão e logo seguia até o banheiro.

            O banho foi rápido, porém lavou os cabelos, depois vestiu o roupão e seguiu para o leito, deitando-se, puxou o lençol até o queixo, cobrindo-se.

            Não deixaria que Natasha bagunçasse sua vida mais uma vez, não permitiria que as estruturas que construíra ao seu redor fossem destruídas por aqueles olhos verdes cheios de friezas.

 

 

 

 

            O domingo fora um dia bem tranquilo.

            A ruiva despertou cedo e saiu para correr, depois retornou para a casa e ficou com o filho.

            Tocara piano com o pequeno sentado em seu colo. Ele observava com curiosidade, enquanto a mãe tirava os sons das teclas e vez e outra ele tentava fazer o mesmo. A empresária ajudava-o e o garotinho gargalhava quando conseguia.

            A Valerie se sentia tão bem com a presença do filho que não desejava de forma algum deixa-lo novamente, apenas queria aproveitar o tempo ao lado do pequeno.

            Helena estava parada na soleira e observava a felicidade dos dois seres que tinha um amor infinito.

            Sentiu-se frustrada pelo encontro que não acontecera entre Natasha e Valentina. Sabia que ambas se evitariam, mas logo o destino as deixariam cara a cara e queria saber qual seria a reação de ambas, afinal, tinha certeza de que o amor tão intenso que sentia não resistiria a ficar preso por muito tempo.

            Pegou o celular e gravou o momento de mãe e filho, colocando-o no status das redes sociais.

 

 

 

 

            Na manhã de Terça-feira tudo estava sendo organizado na sala de reuniões. A diretoria estaria toda presente e os acionistas.

            O conde chegou ao prédio acompanhado da neta e do filho. Sempre participava nesses momentos, mesmo que tenha repassado todo o seu poder para a Valentina que era a presidente da companhia.

            A morena seguiu para sua sala, enquanto o avô e o pai já seguiram para o lugar onde aconteceria a reunião.

            -- Bom dia, senhorita! – A secretária lhe trouxe as correspondências. – A senhorita Alissa ligou cedo, ainda está viajando e provável que chegue apenas no fim de semana.

            Valentina assentiu, já estava sabendo disso.

            -- Tudo está pronto? – Questionou girando na cadeira. – Preciso apresentar todo o balanço anual da minha gestão.

            -- Sim, tudo está ponto, os dados estão em seu computador pessoal, basta a senha que conseguira acessar. Ainda tem trinta minutos antes do começo, então pode dar uma olhada.

            A circense assentiu mais uma vez.

            -- O coquetel também está pontual? Não há nada para se ajustar?

            A secretária riu. Conhecia a neta do conde e tinha um grande prazer em trabalhar ao lado dela. Sempre muito responsável e preocupado com as coisas. Tudo precisava estar em ordem, nada fora do lugar, mesmo assim era bastante flexível com todos.

            -- Bem, então estarei dando uma olhada aqui, enquanto a você, já pode seguir até a sala de reunião. – Falou com um sorriso.

            A assistente pediu licença e deixou o lugar, enquanto a morena ligava o computador.

            Aquele seria um dia muito importante. Trabalhara bastante para não decepcionar a família e com os conhecimentos do avô e o curso que estava ainda a fazer, sabia que tinha se saído bem.

            Soltou um longo suspiro, esperando que os arquivos fossem abertos.

            Toda a diretoria estaria presente naquela manhã se sabia que alguns deles ainda tinham certas ressalvas por sua gestão, outros apenas a respeitavam pelo fato de ser neta do conde, então era questão de honra mostrar a todos o quanto se dedicara e que merecia ocupar aquele cargo.

            Girou novamente na cadeira.

            Mudara-se para aquela sala há dois meses. Não quisera ocupa-la de início, mas Nicolay não aceitou as negativas, dizia que aquele era o lugar digno para a presidente da companhia.

           

 

 

            Natasha chegou à empresa Vallares.

            Parecia tudo um pouco mudado. Fora informada pela recepcionista que o conde se encontrava em sua sala.

            Parou na escrivaninha que deveria estar a secretária, mas tudo estava vazio.

            Suspirou em frustração.

            Já tirava o celular do bolso para discar para Nícolas quando uma jovem se aproximou, parecia fazer parte da limpeza.

            -- Deseja algo? – A mulher indagou curiosa.

            -- Na verdade a recepcionista me disse para vim até aqui, pois encontraria o conde, entretanto não ninguém aqui para me anunciar.

            -- Senhorita Valeria!

            A ruiva viu outra secretária que conhecia se aproximar.

            -- Algum problema?

            -- Na verdade só preciso que alguém me anuncie para falar com o presidente, a recepcionista disse que eu poderia subir, que ela estava me esperando.

            -- Bem, não acho que necessite disso, pode entrar, a porta está aberta.

            A empresária assentiu.

            Seguiu até a porta, bateu e em seguida entrou.

 

 

            A morena digitava algumas observações no documento quando viu a porta abrir, achou que era a secretária novamente, mas ao levantar a cabeça se deparou com olhos verdes a lhe encarar.

            Cerrou os dentes, enquanto observava a mulher parada a sua frente.

            Quase um ano e Natasha superava a beleza de antes.

            Não tinha mudado nada no estilo de roupa. A calça no estilo social era colada totalmente às pernas torneadas, camiseta e jaqueta de couro na cor dos cabelos. O ar de poder que a cercava parecia a ponto de sufoca-la, temeu por isso.

            Prendeu a respiração.

            Os olhos verdes estavam tão escurecidos como antes. Os lábios rosados estavam entreabertos.

            Voltou a atenção para o computador, depois a fitou tentando agir com naturalidade.

            -- Deseja algo?

            A ruiva se aproximou.

            Não pensou que veria a circense naquele dia. Na verdade até mesmo falara com o conde que preferiria não participar da reunião com a diretoria, pois achava que não seria um bom momento, até mesmo inventara a desculpa de ter que ir até a própria construtora para resolver alguns problemas, então apenas passaria ali, deixaria os documentos e eles marcariam em outro momento, mas agora isso parecia até sem lógica, levando em conta que estava diante da trapezista.

            Fitou-a demoradamente, mirou os olhos negros protegidos por óculos elegantes e conseguiu sentir o ar glacial.

            Seria possível alguém ficar ainda mais linda?

            Parecia mais mulher, mais senhora de si, mais dona da situação, não tinha mais aquele ar meio que infantil de antes.

            Viu o arquear de sobrancelha esquerda em gesto de impaciência.

            Cruzou os braços sobre os seios, pois sentiu um frio passar pelo tecido da camiseta.

            -- Na verdade, me disseram que o conde estaria aqui e então como não encontrei a secretária, acabei por entrar.

            A circense voltou a atenção para a tela do computador, mesmo que não estivesse conseguir nem mesmo ler uma única palavra.

            -- Meu avô se encontra na sala de reuniões, essa sala é minha e da próxima vez que precisar entrar, se não houver autorização minha, atenha-se a ficar fora. – Disse sem fita-la.

            A arquiteta ainda pensou em retrucar, mas não seria interessante. Então simplesmente meneou a cabeça afirmativamente.

            -- Peço desculpas, senhorita, tenha um bom dia!

            Valentina não respondeu, ouvia a voz baixa e se recordava de como aquele tom era destrutivo para suas forças.

 Só voltou a levantar a cabeça quando ouviu o som da porta sendo fechada.

            Retirou os óculos, limpando-o como se aquilo fosse a coisa mais natural a se fazer, enquanto tinha a impressão que seu coração batia de forma acelerada, temia que em algum momento ele parasse de uma vez.

            Cerrou os dentes, enquanto tentava dominar as sensações do corpo.

            Mirou o telefone, então discou o número da namorada, porém depois de várias tentativas, percebeu que ela não atenderia, devia estar ocupada, então desistiu.

            Tentou restar atenção aos arquivos que teria que apresentar, mas teve a impressão que sua cabeça perdera todos os objetivos que apresentaria.

 

 

 

 

            Natasha seguiu até a sala de reunião e fora praticamente aclamada por todos que estavam lá.

            Os diretores pareciam satisfeitos com todo o trabalho feito pela ruiva na filial oriental e se mostravam ansiosos para que a empresária narrasse todas as melhorias. O relatório tinha sido enviado um dia antes para todos, contendo todas as informações.

            -- Poderia aproveitar que já está aqui para apresentar toda a planilha. – O chefe do conselho falou. – Estávamos aqui falando sobre sua pessoa, mas só temos elogios para lhe fazer, acredite o lucro que tivemos superou todas as perspectivas que tínhamos.

            -- Tivemos uma boa acolhida e provável que não demorará muito para que passamos a concorrer abertamente com outros impérios consolidados há tempos por lá.

            -- Isso realmente é incrível, Natasha! – Nícolas dizia. – Estive em contato com lá em videoconferência e tudo parece seguir as mil maravilhas, mesmo com seu retorno.

            Antes que a Valerie respondesse, Valentina entrou acompanhada da secretária e mais uma vez sentiu o olhar frio cair sobre si. Desprezo puro.

            Viu o conde levantar para que a neta ocupasse a cadeira próxima a sua, na verdade estavam lado a lado.

            Pensou em levantar, porém seria deselegante, ainda mais sendo acionista dos empreendimentos Vallares.

            Viu-a abrir o computador portátil.

            Sentiu o cheiro delicioso do perfume que ela usava, o aroma dos cabelos negros que pareciam invadir suas narinas.

            -- Bem, todos sabem que a minha amada neta assumiu a presidência por tempo indeterminado e hoje veremos todas melhorias que foram feitas, acreditem, não é porque a Valentina é o meu xodó, mas garanto a vocês que ela alcançou feitos extraordinário, comparados até com o da própria Valerie e acredito que a união entre ambas nos trará ainda mais progressos.

            Natasha sentiu o desprezo na expressão feminina diante da possibilidade.

            Não imaginara em parte que receberia tanta frieza, afinal, fizera o que ela pedira, fora para longe, afastara-se para que não fosse atrás dela na primeira oportunidade, então chegara a pensar que sua presença fosse pelo menos suportável, mas bastava olhar para a herdeira de Nícolas e todos conseguiam ver seu total desagrado.

            Suspirou e isso chamou a atenção da circense que lhe mirou por alguns segundos, depois ela se levantou e seguiu até a frente.

            Valentina fez um gesto para a secretária e logo começava a apresentação. Sua segurança com as palavras era algo bastante admirável, ainda mais quando tentava a todo custo evitar olhar para a arquiteta que parecia bastante interessada em tudo o que dizia.

            Todos pareceram bastante envolvidos durante mais de uma hora de apresentação. Era possível ver no olhar dos acionistas a satisfação pelo trabalho bem feito e ao final a jovem fora agraciada por aplausos.

            -- Acredito que a Valerie junto com a sua neta farão uma grande mudança na forma de fazer negócios e desejamos imensamente que essa união seja duradoura.

            -- Disso não haverá dúvidas! – O conde dizia. – Agora mesmo as duas se reunirão para trocar todas as informações necessárias, afinal, Natasha agora deve lidar com a presidente da companhia, serão as duas que acertarão todos os pormenores. – Fez um gesto com a mão. – Aos outros, sigam comigo para o nosso coquetel, depois as duas se juntarão ao nosso comitê.


Comentários

  1. Por favor volte logo. Obriga por mais um capítulo.

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  2. Boa noite... Geh parabéns sempre brilhante na escrita...fiquei na dúvida...acabou ou terá uma segunda temporada.....

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    1. Não acabou, meu bem, estou dividindo o último capítulo em partes e essa foi a segunda, ainda tem mais pra acontecer.

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    2. Top demais.....volte logo....ja com saudades antecipadas....tu és uma das minhas autoras prediletas e amoooo tuas estórias...parabéns....

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  3. Será que só eu achei essa Alissa sem sal, sem graça e sem química🤔? Kkkkkkkk A Valentina pode até se envolver com outra pessoa, mas o coração vai bater sempre pela Valerie, não adianta se enganar, fingir que é feliz ou tentar fugir.
    Olha isso mano: " -- Peço desculpas, senhorita, tenha um bom dia!" quem te viu, quem te vê hein em dona Natasha pavio curto kkkkkkkkk
    Tô achando que a palhacinha irá se surpreender com essa nova Natasha, ou melhor, talvez o sofrimento a tenha feito agir sempre na defensiva, e agora veremos uma Valerie mais leve, só acho.
    Fiquei triste com o divórcio, mas entendi, e como estou apostando todas as minhas fichas, que elas irão terminar juntas, teremos um casamento lindo... Olha Geh, estou levando a quarentena a sério viu, por favor! kkkkk
    Ah, não esquece do Natal, nunca te pedi nada 🥰.

    Bjssss.

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    1. Kkkkkkkkk pq não dá uma chance para o novo romance? Vai que Valentina agora consegue ser feliz ao lado de uma mulher equilibrada kkkkkk
      Bem, vamos torcer para que a Natasha consiga consiga superar essa rejeição e partir para seduzir a morena.
      Um beijo...
      Pensarei com carinho...

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  4. Valentina deixa da tuas coisas,pois bem sabe que você não vai conseguir se livrar desse sentimento, a Natacha não vai sair de você nunca.
    A Natacha está certíssima em ficar longe,afinal a Valentina queria isso,mesmo da boca para fora,mas pediu por isso.
    Estou amando esse capítulos finais,todos os pontos estão sendo esclarecidos,pois você é uma autora espetacular.
    Beijos e volta logo viu.

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    1. Pois é,a gente sabe que foi isso que ela pediu o tempo todo, agora não tem motivos para essa raiva toda, vamos esperar e ver o que acontece...
      Um beijo.

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  5. Olá autora! Que alegria encontrar seu Blog me sentia órfã perdida quando ñ mais a encontrei no outro site! Quanto à esse magnífico enredo receba minha reverência! Essa linda história nos mostra o quanto os desencontros e mal entendidos além do orgulho nos faz sofrer tanto! Acompanho fielmente cada suspiro das nossas Valerie e Valentina torcendo que o amor vença todas as barreiras❤. Obrigada!

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    1. Fico muito feliz por ter me encontrado e mais feliz por saber que está gostando da história que está em seus momentos finais....
      Um beijo e seja muito bem vinda.

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  6. Como consigo a história completa? Consegui ler somente até a parte que a Natasha descobriu quem era, após perder a memória..

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