A déspota -- Capítulo 3
Beatrice não sabia o que era pior. Fica na presença daquela mulher que respirava irritação ou com aquele policial com cara de tarado.
Fora necessário colocar
uma segunda blusa, pois ainda fora acusada de exposição do corpo. Precisara
morder a língua para não responder novamente. Só não o fez porque temera ficar
sem a comida e estava faminta para arriscar algo tão trágico.
Naquele momento ela
estava sentada num banco, com as mãos algemadas e observando o céu.
Fora praticamente jogada
para fora dos aposentos da tal juíza.
Suspirou alto.
Ouvia os sons dos
animais noturnos.
Bem, pelo menos naquilo tudo tinha
uma coisa boa! – Pensava.
O
infinito espaço azul estava coberto de muitas e brilhantes estrelas. Aquilo a
fez recordar de quando sua mãe era viva e a levara para passar o final de
semana num acampamento.
Lá foram revividas as tradições
ciganas e até mesmo fora lá que arrumou o primeiro noivo.
Sorriu!
Seu pai detestava tudo
que tivesse a ver com a cultura dos povos do antigo oriente. A famı́lia Belluti
era muito soberba, às vezes nem entendia como permitiram o casamento do filho
com Daira. Talvez, pelo fato dos Luceros também contarem com uma riqueza bem
considerável.
Respirou fundo!
Sentia falta da mãe,
ela era uma pessoa tão alegre e carinhosa. Não que Andrello não fosse,
porém eram bem diferentes.
Sentiu-se
triste ao recordar dele.
Estava cada vez mais
convencida de que seu pai estava por trás de tudo aquilo. Fora a forma que
encontrara para mantê-la afastada dos holofotes e da noiva idiota que tinha
arranjado. Mas não estava disposta a se dar por vencida, cedo ou tarde fugiria
daquele lugar, aı́ sim iria procurar os avós maternos e queria ver como o
italiano iria se explicar diante deles. Quanto ao noivo, esse sim iria conhecer
ainda mais sua fúria, afinal, se ele não tivesse se negado a ajuda-la nada
daquilo teria ocorrido. Poderia estar naquele momento na sua cama, mexendo no smartphone de última geração,
marcando para ir a uma balada com os amigos e dançar até o sol nascer.
Dançar!
Adorava sentir o corpo
seguir o ritmo, mesmo que tivesse que imaginar a música.
Fitou a imensidão
mergulhada na escuridão, viu os vagalumes brilharem, parecia que as
constelações tinham descido.
-- Está pensando em que, boneca? – O homem falou bem
perto da orelha dela. Eva afastou-se.
-- Ei, você nunca foi
apresentado a um creme dental e a uma escova de dentes?
O homem ficou
constrangido com o comentário. Levou a mão perto da boca e soprou.
-- Ah, foi apenas a
cebola que comi na salada. – Justificou-se. – Mas, vamos mudar de assunto. –
Passou a mão pelos cabelos sedosos. – Eu não gostei de você ter fugido,
estávamos nos dando tão bem.
A filha de Andrello
relanceou os olhos.
-- Eu não fugi, corri
para vomitar mesmo!
O segurança ouviu passos
e retomou ao seu posto rapidamente.
A jovem aspirante à
cigana nem exibiu reação, na verdade se aproximou do guarda como se estivesse
em um papo entusiasmado. Precisou segurar o riso, pois o homem empalideceu.
-- Boa noite,
meritı́ssima! – O falso policial se adiantou, livrando-se do contato.
A Belluti encostou-se à
árvore e ficou a ignorar a mulher.
Maria Fernanda observava
com os olhos estreitados o que se passava ali. Via o ar arrogante da herdeiro
do empresário e não tinha lhe passado despercebido a intimidade que ela parecia
dispensar ao empregado que fazia a sua vigia.
Será que ela tinha um
gosto tão péssimo? Torceu os lábios em desagrado.
-- Leve a garota para o
meu quarto. Por hoje ela dormirá lá. – Ordenou friamente.
Eva ainda pensou em
protestar, mas preferiu ficar quieta. Se falasse alguma coisa, era bem capaz
daquela louca fazê-la dormir no meio do mato.
Observou a juı́za com
atenção.
Aquele ser era tão
estranho. Parecia um general. Sua expressão era dura, nem conseguia a imaginar
sorrindo. Parecia que nada a agradava, estava sempre com aquele ar taciturno e
carrancudo.
Observou-a se afastar
por entre a escuridão.
Aonde estaria indo uma
hora daquelas?
Não estava vestida para
dormir, mas sim usava roupa de montaria que colava sensualmente as suas lindas
curvas. Calça na cor preta e blusa de mangas longas branca e botões dourados.
Os óculos pousavam sobre o nariz afilado. Os cabelos estavam soltos.
Se ela não fosse tão
irritada poderia até dizer que era bonitinha.
Ouviu o
som da voz odiosa do guarda.
-- Essa mulher está
precisando arrumar um homem para domá-la. – Disse de forma machista.
-- Ela não tem namorado
ou marido? – Indagou a jovem curiosa.
O policial a fez levantar,
empurrando-a para dentro.
-- Quem danados se
aventuraria a ficar com uma onça dessas. Nunca vi uma fêmea desse tipo, parece
que nem mesmo tem sangue nas veias.
Chegaram a porta do quarto.
-- Bem, boa noite! – Ela
se antecipou, porém o vigilante não se afastou.
-- Eu daria tudo para
passar a noite te vendo dançar, ciganinha.
Eva estendeu os braços mesmo algemados para
mantê-lo afastado.
-- Acho melhor você ir,
se a juı́za aparecer ela manda te castrar.
Ele praguejou alto.
-- Você está certa,
mas teremos outras oportunidades. – Sorriu piscando de forma pervertida!
A herdeira
de Andrello sentiu o estômago revirar diante daquela insinuação. Teve ânsia de
vômito só em imaginar algum tipo de proximidade com um tipo daqueles.
Fitou o
quarto com crescente desânimo, mas acabou seguindo até o leito e deitando.
Os
lençóis eram cheirosos, um perfume delicado até, algo que contrastava com a
personalidade da dona. Bem, pelo menos não havia ratos nem nada do tipo, só um
demônio de olhos azuis.
Maria Fernanda adorava
montar.
Trouxera o seu cavalo, Hades, consigo da capital. O
garanhão árabe, preto, custara um bom dinheiro, mas não se arrependia. Ele
era seu fiel companheiro.
Acelerou o trote e
sentiu o vento frio da noite lhe despentear os cabelos. Parou quando já
estavam num enorme monte. Dali, poderia ver a cidade iluminada bem abaixo.
Parou por um momento,
pensando em como tudo tinha mudado em sua vida, mas que mesmo assim continuava
sentindo aquele vazio dentro de si. Talvez, fosse aquela insatisfação o motivo
de toda aquela ambição pelo poder, tinha muitas contas para acertar e o faria
em breve. Passaram doze anos e ainda sentia a dor de cada chicotada, cada
humilhação e violência infligida a uma garotinha. Lembrava como se o tempo
tivesse congelado de ver a mãe ser morta brutalmente em sua frente, tudo isso
porque se envolvera com um filhinho de papai mimado. Mas em breve chegaria ao
topo do poder, bastava aturar por nove meses a tal da Belluti, depois disso
iria em busca dos culpados por tanta dor em sua alma.
Afagou a
crina do animal, sentia-o agitado, talvez por senti-la assim também.
Permaneceu
lá, apenas quieta, tentava de todas as formas focar sua concentração naquela
missão que se mostrava tão complicada.
Eva observava cada canto
daquele quarto em busca de algo que servisse para escapar. Mas aquilo era uma
tentativa vã, primeiro porque estava algemada, segundo porque era noite e não
tinha ideia de para que lado deveria fugir e temia ser surpreendida por um
animal desses de hábitos duvidosos e por último estava morta de sono.
Por aquela momento
descansaria, no outro dia tramaria um plano para se livrar dessa enrascada.
Apagou as luzes e deitou na enorme e confortável cama. Será que a outra
voltaria para a casa?
Pensou nas palavras
ditas pelo policial, bem, realmente aquela mulher não tinha um gênio muito
atrativo, mas ninguém poderia negar que era muito bonita, bastava que alguém
a adoçasse um pouco.
Sorriu!
E fora com esse
pensamento que deixou-se levar por aquela sensação de paz e conforto.
A juı́za retornou um
pouco tarde e teve a desagradável surpresa de encontrar a prisioneira dormindo
e roncando no seu maravilhoso leito.
Sacudiu-a.
A jovem abriu os olhos
com dificuldade, acostumando-se com a penumbra.
-- O que foi? – Fitou a
outra confusa. – Já é hora do café, quero panquecas e chocolate quente... –
Dizia sonolenta.
A Lacerda a sacudiu
novamente, até os olhos negros lhe fitarem com mais clareza.
-- Quem te deu
permissão para dormir na minha cama?
A Belluti olhava tudo ao
redor.
-- Oxe, mas não foi
você que mandou o outro me trazer para cá?
Eva a observou pegar
algumas cobertas e colocar no chão, sobre o carpete.
-- Eu jamais vou dividir
meu espaço contigo. – Segurou-a, tirando-a do móvel. – Fique grata por poder
dormir aqui e não ao relento.
Beatrice respirou fundo.
Não estava com energia
para brigar uma hora daquelas. Apenas deitou onde a outra tinha ordenado.
Porém, isso não a impediu de sentir crescer ainda mais dentro de si uma
enorme raiva. Se seu pai estava sabendo daquilo tudo, só podia pensar que
ficara louco.
Viu quando a outra
seguiu em direção ao banheiro. Ouviu a água sendo ligada.
Fechou os olhos
fortemente para poder voltar a dormir, porém alguma coisa a incomodava.
Alguns minutos depois,
sentiu a presença da juı́za no quarto. Pensou que ela deitaria, mas sentiu a
presença dela perto de si.
Mirou os pés descalços
e foi subindo, passando pelas coxas e parando naquele rosto duro, iluminado
pelas sombras que entrava pela janela.
-- Vou te dar um
conselho. – Iniciou implacável. – Não fique usando seu poder de sedução com
o policial, pois se ele decidir te atacar eu não farei nada para impedi-lo.
-- Bem, talvez eu goste
disso, sou mulher e adoro sexo, aliás, amo uma boa transa. Você deveria se
aventurar, acho que seu mau humor é fruto de não ter sido bem comida
ultimamente. —Provocou.
Mais uma vez a juı́za
descansou o pé sobre a jovem.
-- Não brinque comigo,
não sou uma vadia como você.
Eva gargalhou debochada,
mas teve que parar, pois a outra a estava praticamente esmagando suas costelas.
Maria Fernanda parou apenas quando viu a outra gemer.
Afastou-se e deitou na
cama.
Aquela menina tinha o
dom de lhe tirar do sério. A provocava demais, odiava aquele jeito rebelde e
mimado, aquele descaramento e deboche presentes naquele olhar. Estava cada vez
mais convencida que não seria fácil a convivência das duas, mas faria o impossível
para levar aquele plano até o fim.
-- Buona notte!
A déspota nem se dignou
a responder.
Andrello estava
descansando nos braços da noiva.
Ele tinha um
relacionamento com a filha de um poderoso empresário brasileiro. A mulher já
tivera um marido, porém ele morrera em um acidente.
-- Não irei jantar em
sua casa, não suporto a sua filha e nem ela a mim. – A mulher reclamava
acariciando o peito do amado.
-- A Eva está viajando,
Helena, não tem porque se preocupar. – Segurou-lhe a mão, beijando-a. –
Preciso que você organize o jantar do partido em minha casa.
-- Para onde a rebelde
foi? – Indagou surpresa.
O homem teve um excesso
de tosse.
-- Foi para a Espanha,
quis visitar os avós.
A mulher apenas deu de
ombros.
O empresário ficou
pensando como Beatrice estaria naquele momento. Não queria ter tomado aquela
atitude tão drástica, mas não sabia qual caminho seguir para controlar a
jovem. Sentiu um aperto no peito.
Amava a filha com todo o
coração, porém não podia permitir que ela agisse de qualquer jeito. Daria um
tempo, se percebesse que a menina estava disposta a mudar, a traria de volta.
Maria Fernanda não
conseguia conciliar o sono. Além de ter um cheiro estranho em sua cama,
também havia o ressonar alto da prisioneira. Virava para um lado e para o
outro, estava quase perdendo a paciência quando percebeu que a garota tentava
levantar. Algo difı́cil, já que ela estava com as mãos atadas pelas algemas.
Depois de muito lutar, a jovem estava de pé e caminhava de um lado para o
outro. Estava a ponto de manda-la deitar, quando percebeu que ela continuava
dormindo. Seria sonâmbula?
Viu-a se encostar à
porta e permanecer por algum tempo ali, então caminhou lentamente, parando em
frente ao leito. Sem mais, deitou-se ao seu lado, aninhando-se em seu peito. A
juı́za ainda pensou em acordá-la, porém pelo que sabia sobre sonâmbulos,
eles não podiam ser despertados, pois poderia ter algum problema depois.
Tentou afastá-la,
porém a folgada chegou-se ainda mais.
Suspirou impaciente,
fechando os olhos. No dia seguinte arrumaria o outro quarto, pois não estava
disposta a dividir a cama com ninguém.
Eva estava se segurando
ao máximo para não rir. Sabia que aquela ideia não falharia, lógico que
não iria passar a noite dormindo no chão.
Inspirou fundo, que
cheiro gostoso se depreendia do corpo da chatinha. Aconchegou-se mais a ela,
ouviu-a praguejar baixinho, mas o bom é que não a jogou pela janela.
As luzes do amanhecer
já penetravam nos aposentos.
A déspota despertou.
Afastou a jovem que se pegava a si. Beatrice resmungou, prendendo a Lacerda com
as pernas.
-- Ora, me solte! –
Fernanda a afastou abruptamente.
A garota abriu os olhos
e exibiu um enorme sorriso.
-- Buongiorno!
A juı́za a mirou
ameaçadoramente.
-- Saia já da minha
cama.
Eva fez cara de
paisagem, fingindo como se não estivesse entendendo o que estava acontecendo.
-- Mas o que eu estou
fazendo aqui? – Levantou. – Ah, já sei, você não conseguiu resistir ao meu
enorme charme e me colocou deitadinha ao seu lado.
Maria Fernanda estreitou os olhos de forma
ameaçadora.
-- Eu não quero
conversa contigo! Vou tomar banho e não quero te ver aqui quando eu voltar.
-- Também preciso de um
banho, na verdade, eu preciso de roupas íntimas. Não gostei muito de ficar sem
calcinha. – Piscou. – É incômodo demais.
-- Cala a boca, você
parece um papagaio tagarelando.
A jovem gargalhou mesmo
diante do olhar grave da outra. A viu entrar no banheiro cuspindo fogo pelas
ventas.
A juı́za arrumou-se
rapidamente e seguiu para a cidade.
Como em um único dia
aquela pirralha tinha acabado com o sossego da sua vida. Nem mesmo sua casa,
seu quarto era mais o seu lugar de descanso.
Tinha a impressão que o
preço que pagaria por sua ambição estava sendo alto demais, mas naquele mesmo
dia pensaria em como manter aquela garota na linha. Algo que a fizesse cansar o
suficiente para que não lhe sobrasse energia para lhe irritar.
A
italiana estava sentada no lado de fora da casa. Seus braços doı́am devido as
algemas, outro policial estava lhe vigiando naquele dia. Um mal-encarado e nem
ao menos falava.
Que
tédio, meu Deus! – Sua mente gritava.
--
Meus pulsos estão doendo! – Reclamou.
O
guarda nem perdeu tempo fitando-a.
Eva
levantou-se, parando de frente para ele, lhe estendendo os braços.
--
Por favor, não estou nem sentindo a minha circulação. – Choramingou. – Veja,
se me soltar posso dizer algo que eu vi só em olhar para ti. – Começou a
encenação. – Talvez, você não saiba, mas eu consigo saber o futuro das
pessoas e eu preciso muito te avisar sobre algo que pode acontecer a qualquer
momento na sua vida. – A cigana continuou ao perceber que o outro mostrava
interesse por suas palavras.
Maria
Fernanda estava em sua sala quando a secretária avisou da presença do
delegado. Era quase meio dia.
O
homem parecia desconfiado.
--
Qual é o problema, delegado?
--
Bem, eu queria saber por quanto tempo terei que ceder meus policiais para
vigiar sua prisioneira?
--
Eu só precisei de um hoje, mas logo ele retornará.
--
Mesmo assim...
--
Bem, levando em conta que eu sou a maior autoridade por aqui. – Levantou. – Eu
não tenho que dar satisfação a você e nem a ninguém.
--
Bem, é que temos poucos policiais e hoje tive que mandar um dos melhores, pois
a senhora reclamou dos seguranças. – Justificou-se.
--
Fico feliz por isso! Aquela garota é muito astuta.
--
Nem se preocupe, o tenente André é um dos melhores da região...
A conversa
foi interrompida por um toque insistente do celular do delegado. Ele pediu
licença e atendeu. A juı́za viu uma palidez tomar conta do rosto do homem,
temeu que o mesmo desmaiasse.
Desligou
o aparelho e fitou de forma assustada a outra.
-- A
cigana fugiu!
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