A déspota - Capítulo 10




 

Beatrice estava adorando aquele dia. Conseguira convencer Catrina a levá-la para banhar no rio. Na verdade, era a primeira vez que se aventurava num lugar daqueles. Mas realmente, era tudo lindo. Para chegar ali tiveram que atravessar parte da mata, havia uma trilha que dava no paraı́so.

Olhou Catrina sentada na areia, ela não aceitara entrar junto com ela.

Naqueles dias de interminável solidão, era aquela linda loira que lhe fazia companhia. Conversavam muito, ficara sabendo inúmeras coisas sobre ela, principalmente o fato de ser declarada lésbica. O bom de tudo é que nascera uma amizade ente as jovens e nenhum incidente de cunho sensual ocorrera mais, porém como poderia ocorrer? Mesmo a moça sendo cheia de predicados, só havia uma mulher que a fizera sentir aquela sensação incontrolável de puro desejo.

Mergulhou para buscar afastar aqueles pensamentos tempestuosos. Emergiu sem fôlego.

Sorriu!

Acenou para a amiga e foi quando viu o poderoso Hades aparecer todo pomposo, parecia orgulhoso de trazer sobre si aquela fêmea que exibia ares de dona do mundo. Seu coração disparou ao vê-la tão altiva em sua roupa de montaria. Sabia que teria problemas, não queria que os outros fossem castigados por sua causa.

Nadou para a borda, iria resolver aquele problema.

Não costumava se esconder atrás de outros, sempre fora responsável o suficiente para assumir suas ações.

 

Maria Fernanda chegara à casa da fazenda e fora informada que sua prisioneira havia ido nadar, aquilo foi dito tão naturalmente que teve vontade de chicotear aquele idiota que lhe avisara do fato.

Rapidamente trocara de roupa, pegara o cavalo e agora estava ali, e o que via era o suficiente para perder o pouco de sanidade que ainda tinha. Catrina a viu, mas o olhar da déspota fora suficiente para que ela não se aproximasse.

A juı́za desmontou e foi caminhando devagar, batendo a chibata na mão de leve, então de repente seu corpo pareceu literalmente ter pegado fogo.

Até aquele momento não tinha visto a prisioneira, então seus olhos foram invadidos pela visão da perfeição. Pensou que talvez tenha sido essa imagem que os deuses viram  quando Afrodite saiu do mar. A deusa estava nua, o que não era o caso da italiana que usava um biquı́ni que mais deixava à mostra que escondia.

O seu coração acelerou as batidas.

A saudade que sentira com toda aquela ausência se mesclou a raiva por vê-la mais uma vez indo contra suas ordens.

-- Quem te deu permissão para trazer essa garota aqui? – Levantou Catrina pelo braço violentamente.

A filha de Andrello já se aproximava para ir em defesa.

-- Ela não teve culpa, eu praticamente a obriguei a me trazer. – Eva falou altiva.

Maria Fernanda odiou o fato da pirralha lhe enfrentar com todo aquele topete.

-- Não estou falando contigo! Então fique caladinha! – A fitou estreitando os olhos.

-- Mas eu estou falando contigo! – Retrucou.

A déspota chamou o guarda.

-- Leve-a para fazenda, enquanto eu escuto pacientemente as explicações dessa menina impertinente. – Soltou à loira.

-- Não aconteceu... – Catrina tentou se justificar.

-- Cala a boca! – A juı́za a interrompeu aos gritos. – Saiam daqui, os dois!

O guarda pegou pelo braço da empregada e se afastou mais de que de pressa. Agora, sozinhas, ambas se encaravam, se mediam e se desafiavam silenciosamente.

Esses meses que estiveram separados chegava a doer naquele momento. Na cabeça das duas, imagens daquele dia e da noite assustavam e ao mesmo tempo as faziam sentir aquele desejo pelo perigoso, a vontade incontrolável de sentir novamente aquela explosão de prazer que se apossara e dominara seus corpos.

-- Nunca mais revide quando eu te der uma ordem e estivermos diante de outras pessoas. – Segurou-lhe o braço.

-- E você, não grite comigo diante de ninguém, nem mesmo de mim porque não sou sua empregada e não tenho medo dos seus excessos. – Desvencilhou-se do toque.

Fernanda cerrou os dentes diante da petulância.

-- Você adora me provocar!

                Eva esboçou um sorriso de incredulidade, enquanto colocava as mãos na cintura.

-- Você quer que eu seja sincera? Eu acho que você é louca, sei lá, deve ter algum parafuso solto ou é simplesmente uma sádica, acho que você deveria procurar um psiquiatra para ele te receitar uns tarjas pretas.

-- Não me provoque! – Pronunciou por entre os dentes.

-- Bem, eu não sei o que vossa excelência deseja? – Arrumou os cabelos molhados. – Mandou a Catrina e o policial embora e agora está ai, me encarando como se quisesse me bater com esse chicote.

-- Já pedi para parar de me provocar. – Bateu a chibata na própria bota.

-- E o que você vai fazer se eu não obedecer? Vai me matar e jogar meu corpo no rio? Seria uma boa explicação para dar ao meu pai. – Debochou.

-- Não me dê ideias, pois não me responsabilizo por meus atos. – Sentou na pedra e começou a tirar o calçado.

A italiana ficou olhando-a e sentia que estava passando mal, deveria ser o sol, mas quando viu a odiosa mulher começar a se despir e ficar apenas de calcinha e sutiã, parada em sua frente, pensou que deveria ter problema de asmas porque o ar não chegava aos seus pulmões.

-- Bem, agora eu vou dar um mergulho, quem sabe assim eu não esfrio minha cabeça e esqueço meu desejo de bater em ti.

Eva observou-a com cuidado. Ainda sentia o gosto dela, fora assombrada por aquelas cenas durantes seus sonhos noturnos, ainda lembrava de cada toque, mesmo depois de tanto tempo.

Mordiscou a lateral do lábio inferior demoradamente.

-- Eu quero ir embora! – Desviou o olhar daquela sereia.   

-- Bem, você pode sair correndo, mas eu não vim sozinha, tem dois policiais prontos para te arrastar pelos cabelos se assim for preciso. – Ameaçou.

A jovem olhou para todos os lugares em busca de uma confirmação para aquilo que estava ouvindo, mas não tinha certeza que aquilo que a outra falava era verdade ou apenas um blefe.

-- Eu só quero voltar para a fazenda.

-- Para ficar com a Catrina? – Gargalhou. – Aquela loira está precisando receber uma boa lição urgentemente.

Maria Fernanda chegou bem perto dela e sussurrou.

-- Sabias que eu a tornei minha amante só para que ela não caı́sse mais nos seus encantos? Mas acho que não foi suficiente.

 A cigana mirou os olhos azuis, via brilhar neles a vontade de feri-la, empurrou-a.

-- Isso é mentira!

A juíza gargalhou.

-- Lembra aquela noite que eu te peguei aos beijos com ela? – Mordeu o lábio inferior. – Pois é, fui atrás da safada e a comi bem gostoso, desde aquele dia a proclamei minha vadia particular. – Disse entre a raiva e o desespero.

A juı́za se arrependeu do que tinha acabado de falar ao ver a expressão de tristeza e decepção estampado naquele rosto lindo, porém sentia tanta fúria por imaginar que estava havendo algum tipo de relacionamento entre elas, que seu único desejo era poder ferir aquela rebelde mulher.

Tentou tocar-lhe a face, mas a garota a repeliu.

 

-- Nunca mais encoste a mim! Tenho nojo de ti. – Falou com lágrimas nos olhos. – Naquele dia... – Apontou o dedo em riste para ela. – Naquele dia você se deitou com ela e achando pouco ainda me seduziu com a promessa de que me libertaria.

-- Eu não te seduzi... você quem fez isso comigo naquele dia. – Se aproximou tentando tocá-la. – Eu não queria que aquilo tivesse acontecido, mas não resisti.

-- Você é uma safada! – Falou entre os dentes. – Libertina!

Maria Fernanda a agarrou, porém Beatrice conseguiu se soltar dos braços da déspota, pegando o chicote que a juı́za batia no cavalo e desferindo um golpe que pegou em cheio no rosto da excelentı́ssima tirana.

A italiana viu quando ela levou a mão onde tinha sido golpeada e percebeu a expressão de dor naquele rosto tão lindo e cruel. A pele branca exibia uma marca que chegava a ser penoso para quem via.

-- Eu não quis fazer...

-- Chega! – Respirou fundo. – Você quis e fez, eu odeio hipocrisia, então admita que tivera vontade de fazer algo assim. –Segurou-a firme pelo braço. – Essa é a terceira vez que me atacas, da próxima vez não serei tão boa, posso fazer algo que não vais gostar mesmo. – Empurrou-a para longe de si.

A cigana a viu vestir a roupa, parece ter desistido do banho.

Maria Fernanda tinha se controlado demais para não bater naquela garota. Nem sabe como ficara quieta depois de sentir a pancada que ainda lhe queimava. Nunca ninguém lhe batera para não receber um revide. Apanhara muito na vida miserável que tivera e jurara para si que nunca mais permitiria que alguém a ferisse novamente, porém havia algo na filha do Belluti que parecia enfeitiçá-la, se sentia presa aquela mulher rebelde e voluntariosa.

-- Vista-se, vamos embora daqui. – Falou pegando o cavalo.

-- Eu vim de biquı́ni para cá, não trouxe outra vestimenta. – Respondeu altiva.

A filha de Pedro a olhou de forma desdenhosa.

-- Ok! – Disse balançando a cabeça e montando em Hades. – Vamos. – Estendeu a mão.

-- Eu não irei nesse cavalo contigo. – Levantou a cabeça encarando-a. – Não quero nunca mais chegar perto do seu corpo. Eu sinto asco de ti.

-- Ah! – Respirou fundo. – Você vai a pé, mas antes eu te amarro e saio te arrastando por entre esses espinhos.

-- Prefiro ser arrastada por dentro dessa mata a ter que ficar perto de você.

Maria Fernanda já tinha perdido toda a paciência, a menina poderia até ter razão, mas ninguém tinha permissão para falar daquele jeito com a poderosa juı́za, todos a temiam e o fato daquela pirralha lhe desafiar era motivo suficiente para a tirana perder todo o bom senso.

Fora de si, desmontou.

Eva permaneceu a encarando de queixo erguido.

-- Monta no Hades, agora! – Mandou pausadamente.

-- Não!

A juı́za a agarrou firme pelo braço, mesmo diante das tentativas frustradas de se soltar, a déspota não a soltou, arrastou-a praticamente até uns coqueiros e a prendeu com o próprio corpo contra a árvore, mantendo-lhe a mãos presas, pois a outra já tentava lhe arranhar.

-- Chega! – Gritou. – Fica quieta antes que eu te machuque.

-- Me machucar? – Sorriu amarga. – Você sabe muito bem como fazer isso, na verdade, eu tenho certeza que você adora me ferir.

-- Não fui eu que bati na tua cara ainda pouco com um chicote.

-- Acredite, eu preferia ter recebido uma dessa que te dei a me sentir usada como se fosse uma prostituta.

-- Naquela noite eu não tive a intenção de te levar para a cama, mas não consegui resistir. Você é uma tentação o tempo todo, por isso tive que ir embora da fazenda. – Falou em tom de desespero.

-- Não diga! – Debochou! – Aı́, você decidiu ir para os braços da Catrina para tentar me esquecer, hahaha, me poupe do seu joguinho sujo.

-- Olha, vamos embora daqui, antes que eu cometa uma loucura. – Soltou-a, passando a mão pelos cabelos. – Por favor, Eva, não me provoque, vamos comigo, prometo que farei o possível para não tocar em ti.

-- Irei andando então, prefiro isso.

-- Por quê? – Questionou fitando-a – Porque seu corpo morre de desejo por mim? Tenho certeza que mesmo com toda essa raiva que você tem, queima de vontade de ser tocada por mim novamente.

-- Triste ilusão a sua, excelentı́ssima juı́za! – Arqueou a sobrancelha em zombaria.

-- Ok! – Assentiu.

Maria Fernanda caminhou até o outro lado e voltou com um segurança.

Então a filha de Andrello percebeu que ela não estivera blefando, realmente fora até lá com um dos capangas.

Cruzou os braços em desafio.

-- Leve-a para fazenda! – A juíza ordenou já montando no cavalo. – Se ela se negar, leve só os pedaços dentro de um saco.

Eva a observou se afastar em um trote apressado. Sentiu um aperto no peito. Não entendia o motivo, mas era como se algo de ruim fosse suceder. Não que realmente tivesse o dom da clarividência, nem mesmo sabia ler mãos, porém naquele momento era como se algo lhe dissesse para correr atrás daquela mulher geniosa.

-- Vamos embora! – Tentou apressar o guarda.

-- Ei, você não me dá ordens, mocinha! – O homem parou para acender um cigarro.

-- Sabia que você não vai demorar muito para morrer? – Falou com as mãos nos quadris.

-- Ora, deixe de me rogar pragas, sua cigana amaldiçoada! – Apagou o objeto com a bota. – Deveria fazer isso com a meritı́ssima, assim, a gente se livrava dela de uma vez por todas.– Pronunciou aquelas palavras irritado.

-- Deve ser horrível saber que uma mulher tem muito mais poder do que você nunca sonhou em ter. – Desdenhou. – Mas vamos ser sinceros, ela é mil vezes melhor de que você, seu idiota.

O segurança ainda levantou a mão, porém o barulho de tiro foi ouvido ao longe.

Rapidamente, ele segurou a garota pelo braço e saiu arrastando-a.

A juı́za estava chegando a casa quando ouviu o estalido, então sua cabeça parece perder todo o foco. Seu corpo não reagia aos seus comandos.

Hades levantou as patas dianteiras, assustado, e sua amazona deslizou desfalecida, caindo em um baque pesado. O animal relinchou ao ver sua dona em meio a uma poça de sangue.


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