A déspota -- Capítulo 1

                    
                   A mansão afastada da cidade era cercada por muros altos que protegia a todos dos olhares curiosos e ajudavam na segurança dos moradores.
                  Árvores frutíferas, palmeiras imperiais e um gramado bem cuidado enfeitavam a alameda que levava até os degraus do casarão todo pintado de branco.
                 Os empregados se aglomeravam na cozinha, preparavam as refeições, enquanto apostavam qual seria a nova polêmica que arrastaria ainda mais o nome daquela ilustre família para a lama. 
                 O homem andava de um lado para o outro na enorme sala de sua mansão. Não sabia mais o que fazer para resolver aquele problema.
                  Mirava a caríssima decoração. Os quadros exclusivos que enfeitavam as paredes. Mirou a fotografia da esposa, pegando-a, observava-a com saudades e dor.
               Andrello Belluti era um empresário italiano e futuro senador. Viúvo e pai de uma única filha, beirava aos seus cinquenta anos. Não era um homem que passava despercebido. As feições aristocráticas e latinas, os cabelos grisalhos lhe davam um enorme charme que sempre atraia belas mulheres.
               Viera para o Brasil quando sua mulher morreu em um trágico acidente, há dez anos. Trouxera consigo seu maior tesouro, Eva Beatrice, sua rebelde filha.
                    Caminhou até a vidraça da enorme porta e ficou a fitar os jardineiros cuidando da aparência do seu lar, mesmo já sendo noite.
                     Soltou um longo suspiro ao lembrar do único fruto da sua relação.
                 A jovem contava seus dezoito anos e seguia com seu terceiro noivado. Sempre gastava uma fortuna com esses quase casamentos e no final, a garota desistia sem nem ao menos dar uma explicação.
                 Ele não sabia onde errara na educação daquela menina. Sempre estivera ao seu lado, tentava dar todo carinho para compensar o que a mãe não mais poderia fazer. Porém aquilo  não estava dando certo e uma decisão precisava ser tomada. Em breve começaria a campanha eleitoral e não poderia permitir que os escândalos envolvendo o nome da filha sujasse sua candidatura, sem falar na sua futura esposa que não suportava mais as malcriações da menina.
                      -- Boa noite!
                  Andrello fitou o seu fiel empregado. O conhecia desde a adolescência, ele cuidava de todos os seus negócios no paı́s.
                      -- Você tem notı́cia da Eva, Pedro?
                   O subordinado seguiu até o bar e preparou uma dose de uísque e entregou para o patrão. O homem tomou de uma vez.
                     Ele sabia que necessitava daquilo para poder prosseguir com a quela conversa.
                     Estendeu o copo mais uma vez e fora prontamente atendido. Nem tinha jantado ainda, mas aquilo não era algo importante naquele momento.
                     -- Conte-me... -- Pediu. -- Fale o que tem para falar.
                    Pedro soltou um longo suspiro.
                    Sabia que o empresário não gostaria nada de saber sobre aquele fato, mas também não podia mentir.
                     -- A senhorita Beatrice estava numa feira popular. Ela e o amigo estavam numa tenda...
                     -- Fazendo o quê? – Apertou o copo. -- Diga-me de uma vez! -- Ordenou por entre os dentes.
                    O outro assentiu e logo dizia:
                  -- Estava vestida como cigana e parecia estar lendo as mãos das pessoas. 
                    O empresário jogou o delicado recipiente de cristal contra o assoalho brilhante e bem cuidado, enquanto sua voz ecoava pelos cantos da casa.
                -- Evaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
                  O grito poderia ser ouvido por todo quarteirão.
                Os empregados correram para ver do que se tratava. Como sempre, o italiano estava prestes a ter um ataque fulminante.





                  As pessoas se aglomeravam para ver do que se tratava.
                  -- Seu pai vai te matar dessa vez.
                  A jovem deu de ombros.
                A bela garota de cabelos pretos ondulados, olhos escuros e boca rosada se vestia como os povos ladinos.
                 Uma corrente dourada lhe circundava a cabeça. Usava uma saia vermelha que chagava aos pés, rodada, e uma blusa verde caída nos ombros.
                -- Não estou fazendo nada de mal. – Piscou. – Venham senhoras e senhoritas! – Gritava em altos berros chamando a atenção das pessoas. – Venham a mim e revelarei vossos futuros.
             Muitos paravam para olhar a figura curiosa, os homens a miravam com desejo, as mulheres admiravam a beleza bronzeada. Arthur, seu amigo, segurava a vontade de rir.
               Conhecia a amiga desde quando eram crianças. Eva era uma dessas almas livres que gostava de fazer o que dava na cabeça. Muitas vezes, ele a repreendia, mas na maioria, acabava se rendendo ao jeito brincalhão da garota. A jovem sempre estava buscando uma forma de tirar o pai do sério, ainda mais pelo fato de detestar a futura madrasta.
              Viu quando um carro preto parou de frente para eles. Aquilo era tão normal que nem mesmo se sentiu abalado. Cruzou os braços e ficou vendo o desenrolar da cena.
               Os brutamontes se aproximaram com postura intimidadora.
                -- Bom dia, belos machões. Querem que eu leia suas mãos? – Piscou! 
                 Pedro abriu espaço entre os presentes, aproximando-se.
                 -- Seu pai deseja sua presença.
                O homem a fitava e se dividia entre sorrir ou brigar. Conhecia bem aquela menina, apesar de todo aquele jeito maluco de ser, era uma garota que tinha um bom coração.
                  -- Não posso agora, tenho clientes para atender. – Deu as costas.
                   O empregado fez um sinal e um dos rapazes saiu com ela nos ombros.
               Eva esperneava, rogava pragas e como nada daquilo funcionava, iniciou uma chuva de impropérios em sua lı́ngua de nascimento.
              Era natural encontrar a linda Beatrice bancando a cigana, na verdade sua mãe era descendente direta desses andarilhos, e essa era uma das formas mais usadas que a jovem conseguira encontrar para irritar seu pai.





                   Maria Fernanda estava em sua sala.
             Aquele dia fora terrível. Julgara um número extenso de casos, que bom que já estava chegando ao final de semana. Necessitava apenas de descanso para sua alma.
                  Maria Fernanda Lacerda era juı́za civil da pequena comarca do interior do estado. Aquela província com pouco mais de trinta mil habitantes era o seu local de atuação. Passara no concurso e agora aos vinte e cinco anos era a mais conhecida déspota de toda a região. A jovem não chamava atenção apenas por sua beleza e seus lindos olhos azuis, o que mais era marcante naquela personalidade era seu pulso firme, intolerante, responsável e arrogante.
                 Lutara muito para chegar onde estava. Não nascera em famı́lia rica, na verdade crescera em um orfanato a só aos treze anos fora adotada por um casal que não tivera filhos.
                    Estudara muito para chegar até ali e ambicionava chegar ao cargo de desembargadora.
                 Tivera uma infância sofrida. Desde que se conhecia por gente morava naquele inferno. Fora naquele lugar que aprendera a não confiar em ninguém, que percebera como o ser humano era sujo, fora lá que aprendera a nunca expor seus sentimentos. Até mesmo os pais adotivos eram tratados com uma certa reserva, mesmo sendo tão carinhosos com ela.
               Os que a conheciam sabia que aquela jovem tinha um coração de gelo. Era fria, disciplinada e ambiciosa. Não havia espaço para relacionamentos em sua rotina, só haverá um quando ainda estava na universidade e este marcara negativamente sua vida.
                    O celular começou a vibrar. Seu pai.
                   Olhou o visor e pensou se deveria atender, por fim o fez.
               Era tão estranho receber aqueles diários telefonemas. Não conseguia se acostumar com o amor.
                     -- Olá, papai! Como estão as coisas por aı́? – Indagou sem jeito.
                  -- Sempre aquela mesma correria, filha. – O homem deu uma pausa. – O senhor Belluti continua enfrentando os mesmos problemas com a filha e sempre sobra para mim. 
                     Fernanda respirou fundo!
                 Não suportava ouvir aquelas coisas sobre a famı́lia para quem Pedro trabalhava há muito tempo. A herdeira dos milhões do italiano era o ser mais mimado e desajuizado que tivera o desprazer de conhecer. A viu apenas uma vez, quando fora praticamente arrastada para uma festa de noivado que depois de dois dias tinha chegado ao fim. Não sabia como o senhor Andrello suportava aquilo. Se fosse sua filha saberia muito bem como fazê-la aprender bons modos.
                   -- Não entendo porque continua trabalhando para ele. Não precisa disso, eu posso lhe dar esse dinheiro.
                  A jovem lutara muito e podia-se dizer que atualmente contava com uma boa condição financeira.
                    -- Você sabe que não é apenas um trabalho, eu sou mais que um empregado para eles, Fê.
                    -- Ok, papai! Não vou insistir nesse assunto. -- Falou impaciente.
                    Pedro sorriu.
                  Adorava quando Fernanda o chamava de papai, ela não fazia frequentemente, ela era tão taciturna sua menina.
                    -- Sua mãe está com saudades.
                    -- Ligarei para ela depois.
                   A conversa seguiu por mais alguns minutos, até que se despediram.
                   Maria Fernanda pegou o porta retrato com a foto dos pais adotivos. Acariciou a moldura, logo em seguida retornou para seu trabalho.




                     -- Você não é cigana, Eva! – Andrello gritava.
                     Fazia mais de meia hora que o senhor Belluti dava bronca na filha.
                 A jovem nem parecia prestar atenção em uma única palavra que saia da boca do homem.                        Estavam na biblioteca enorme.
             Beatrice estava sentada em uma das poltronas, com as pernas encolhidas e mexendo no celular. O empresário falava e falava, enquanto a outra nem ao menos parecia se importar com tudo aquilo.
                   Descontrolado, o homem pegou o aparelho das mãos da garota e o jogou contra a parede.
                   Os olhos negros se arregalaram em espanto, mas retornou á sua postura de indiferença.
                  -- Violência não resolve nada! Violência não resolve nada! Violência não resolve nada! – Iniciou o mantra.
                    Belluti parou diante dela, com os braços cruzados.
                -- Vou cancelar todos os seus cartões de créditos! – Apontou o dedo indicador para ela. -- Não recebera um único centavo mais, agora você vai viver como uma verdadeira cigana. 
                    A garota pulou do sofá.
                    -- Papis, o senhor não pode fazer isso comigo.
                 O homem nem a olhou e seguiu para fora do recinto cuspindo fogo pela boca.
                     O que faria agora?
                  Não poderia ficar sem sua mesada, como colocaria gasolina ou sairia para a balada...
                  Não, não, precisaria de um empréstimo e sabia bem com quem deveria falar.
                A aspirante a cigana tinha um relacionamento com o filho de um conde italiano. O rapaz era presidente de uma corporação de redes de carros esportivos. Nem precisava dizer que ele tinha dinheiro para realizar o maior mimo da amada.
                   Sorriu travessa, enquanto agachava para recolher o aparelho móvel, desejando que ele ainda estivesse a funcionar.






                   Na semana seguinte...
                -- Eva, seu pai já cortou todos os seus cartões e até proibiu o seu noivo de te ajudar, mas parece que você não aprende. 
                   A jovem acelerou ainda mais o carro.
                Não conseguira a ajuda do namorado. Ele se enfurecera quando Andrello contara sobre a prática de quiromancia que a herdeira do milionário estava se dedicando.
               -- Lutho é um idiota! Como alguém pode obedecer às ordens do senhor Belluti?—Bateu no volante.
              -- Por que você não volta para a universidade? Termine seu curso de psicologia e case, tenha filhos e poupe seu amado pai de um ataque cardı́aco. 
                  Beatrice sorriu das palavras do amigo.
               Ela jamais voltaria para a faculdade e casar, bem, isso era algo que não atraia sua atenção. Gostava de ter aquela vida, de fazer o que dava na cabeça, porém precisava de dinheiro
                 A moça estacionou o carro e ambos desceram.
                 Estavam numa cidade do interior. Havia uma enorme feira ali.
               Arthur observou a amiga começar o show. Ligaram o som e ela começou a dançar como uma verdadeira andarilha. Começou a se aglomerar ao redor delas. Admirando a bela mulher que desfilava para todos.
                Beatrice fizera curso de teatro e para ela era muito fácil assumir aquele papel. Naquele dia precisava caprichar mais, pois necessitava com urgência de grana, seu carro estava praticamente sem gasolina, sem falar que tinha algumas contas para pagar. Pensara em pedir um empréstimo ao amigo, mas o rapaz também tinha tido a mesada cortada, então ambos estavam na miséria.
                 -- Aproximem-se, venham ver o que o futuro revela para vocês!
               Aos poucos as pessoas fora se dispersando, exibiam um semblante assustado, fazendo uma abertura e então surgiu em sua frente dois policiais e uma bela mulher. 
                 Eva fitou a jovem vestida formalmente.
             Usava uma blusa branca, social de mangas até o punho, saia de cintura alta, preta, que chegavam até os joelhos. Uma meia calça da cor da pele e um sapato de salto alto completava o traje. Mirou os belos olhos azuis, ornamentados por óculos finos e elegantes e os cabelos pretos preso num coque, enquanto franjas a deixavam ainda mais bonita.
                  Talvez ela tivesse muito dinheiro e pudesse lhe dar uma boa gorjeta.
                   Começo a encenação.
                 -- Olá, minha bela dama! Deixe-me ler sua mão, sinto que hoje você encontrara o amor da sua vida! – Sorriu. 
                   Maria Fernanda estreitou os olhos diante do atrevimento da moça.
                   Odiava todo tipo de charlatões.
               Aquele tipo de pessoa se divertia dando falsas esperanças aos coitados que chegavam a acreditar até em duendes.
                    Há dias havia uma investigação para enquadrar aqueles delinquentes e talvez fosse seu dia de sorte.
                   Voltava do fórum acompanhada dos policiais quando viu a multidão ao redor daquele jovem vestida de forma engraçada.
                   Arrumou os óculos com gesto delicado.
                   -- Eu não sei o que me reserva o destino e também não me interessa, pois eu mesma faço o meu. – Retrucou arrogante. – Agora o seu está bem claro. – Segurou-lhe a mão, olhando as linhas que a enfeitavam – Acho que sei o que reserva o seu. -- Fitou os dois guardas. -- Prendam essa farsante. 
                   Arthur observava tudo a distância e nem mesmo pode fazer nada, pois sabia que seu pai lhe mataria se fosse envolvido em algo assim.
                     Viu a expressão de Eva mudar drasticamente
                  -- Ora, como ousa falar assim comigo! – Beatrice tentou se soltar, mas as pulseiras já enfeitavam seu pulso. – Vocês não sabem quem eu sou! – Gritava. -- Quem pensa ser? Uma cadela que anda com policiais? -- Esbravejava. 
                   As pessoas que acompanhavam tudo com curiosidade sabiam que aquilo não acabaria bem.
                     -- Melhor ficar caladinha, ciganinha de quinta categoria! -- Falou bem perto dela.
                     Os olhos negros se estreitaram diante dos azuis intensos.
                     -- Vai se arrepender, cachorra de rua!
                     Maria Fernanda exibiu um perigosos sorriso.
                     -- Desacato é crime... -- Piscou. -- Levem-na!
                A juı́za já estava cansada daqueles enganadores que enfestavam aquela cidade. Sempre havia aqueles que diziam saber o futuro e na verdade só buscavam se aproveitar da boa-fé dos outros.
                   Arthur precisou segurar o riso diante das pragas que a amiga rogava para a bela mulher que ordenara sua prisão.
                 Seu sorriso rapidinho broxou ao lembrar do tamanho da confusão que Beatrice tinha se envolvido agora. Dessa vez, o senhor Belluti a mataria, com toda certeza.



                     O italiano estava na reunião do partido quando seu telefone começou a tocar. Ao ver de quem se tratava ignorou, continuando seu discurso.
                      Suas palavras eram ouvidas com atenção. O empresário usava de eloquência em seu discurso.
                      O telefone vibrou novamente.
                      Sabia que ela era e não desejava de forma nenhuma falar com a Eva, pois ainda esta em total descontrole desde a última vez que esteve com ela.
                       Observou os olhares de todos voltados para si, então pediu licença e foi atender.
                       -- Estou ocupad...
                       Antes que terminasse a frase a garota desandou a falar, ainda mais rápido que de costume.
               Ouvia a voz da filha, ela estava desesperada e dizia que fora presa, quando estava inocentemente apreciando a feira de uma cidade do interior. Lógico que ele sabia que aquilo era mais uma mentira. Conhecia bem aquela praga para saber que ela era uma verdadeira perdição.
                       Andrello desligou o aparelho, pediu licença e seguiu ao encontro de Pedro.
                       -- O que houve?
                 O homem perguntou assim que viu a expressão carregada do empresário. Em pouco minutos o homem explicou o que tinha se passado com a jovem. 
                        Pedro ficou boquiaberto.
                      -- Calma, cara, até parece que aquele castigo é sua e não minha filha.
                  -- Ela não é minha, mas não tenho dúvidas de que a mulher que mandou prendê-la é a Maria Fernanda Lacerda.
                 O empresário fitou o amigo. Então, depois de muito tempo uma luz iluminou sua mente. Já tinha um plano para manter Beatrice afastada de escândalos até as eleições.
                     Sorriu!
                     -- Preciso que reserve o jatinho, quero falar com sua filha hoje mesmo!





                      A juı́za recebeu o delegado em sua sala.
                     -- Bom dia, meritı́ssima!
                     Ela tirou os óculos e apontou a cadeira para que o homem de meia idade sentasse.
                     -- O que deseja, senhor?
                O homem raspou a garganta, antes de começar. Todos naquele lugar temiam aquela mulher, as pessoas dali sabiam que não podiam brincar com ela. Desde que chegara, há seis meses, ninguém nunca a viu sorrir ou participar da vida social do lugar. Eles só a encontravam vestida com aquelas roupas formais e aquele ar de superioridade irritante.
                   -- Eu queria saber qual o propósito de prender a cigana?
             -- Propósito? – O fitou furiosa. – Por culpa de todos vocês que a sociedade está um verdadeiro lixo. Não entende que pessoas como aquela são um verdadeiro risco? Sem falar que ela me desacatou, xingou-me diante de todos.
                 -- Bem, é só uma menina. – Disse sem jeito. -- Não acredito que seja uma ameaça, apenas estava divertindo a todos na feira.
                  -- Divertindo? – Arregalou os olhos azuis. – Não vi nenhum divertimento naquela atitude e para piorar ela usou de palavras de baixo calão com a minha pessoa. —Voltou a pôr os óculos. – Agora, saia, tenho um monte de processos para examinar.
                   O homem ainda pensou em falar algo, mas como ninguém ainda tinha ido ao socorro da garota, o melhor era esperar, já que a jovem gritava que era filha de um homem muito importante. Talvez dessa vez a juíza arrumasse problemas sérios.
                    -- Tenha um ótimo dia! -- O delegado disse se afastando.
                    Maria Fernanda ficou a observar a porta se fechar, depois soltou um longo suspiro.
                    -- Incompetentes!
                 A jovem detestava aquele tipo de gente que achava que podia levar a vida na brincadeira. Se pudesse, trancafiaria a todos, mesmo sabendo que aquela não era sua função.







                  Eva estava numa cela estreita.
                O bom é que não tinha ninguém no mesmo espaço que ela. Olhou enojada para aquele lugar. Era tudo tão sujo. Viu um barulho estranho e deparou-se com um rato. Ela tinha verdadeiro pânico de roedores.
                 Subiu na minúscula cama de colchão encardido.
                 Começou a gritar desesperada, chamando a atenção do guarda.
                 -- O que está acontecendo, moça? -- Um policial questionou se aproximando.
                 -- Tem um monstro aqui! – Segurou nas barras. – Por favor, tire-o daqui, tire-me daqui.
                 -- Oh moça, além de cigana você também é doida é? 
                  Beatrice o fitou cheia de raiva.
                 -- Farabutto!
                O homem nunca ouvira aquela palavra, mas pelo jeito que a garota falou e a forma que ela lhe olhava, com certeza não era nada bom. Será que estava lhe jogando alguma espécie de praga?
                 Saiu rapidinho de lá, não queria ter mais azar na vida.
           Beatrice sentou com as pernas sobre o leito. Ficaria ali até seu pai vir lhe resgatar. Nunca imaginara que terminaria naquele lugar. Nem mesmo fizera nada de ruim, estava apenas usando seu dom para dar felicidade a toda aquela gente.
                Lembrou dos olhos frios daquela mulher. Não entendeu o porquê de todo aquele humor, mas percebeu que ela era uma autoridade por ali. Ela era é uma déspota, isso sim. Porém quando ela ficasse sabendo quem era Eva Belluti, rapidinho colocaria o rabinho entre as pernas.
                 -- Ragazza maledetta! – Praguejou.




               Pedro acompanhava Andrello ao fórum, sua filha estava lá. Era quase hora do almoço. Nem tivera tempo de ligar para jovem e avisar da visita.
              Não sabia o que passava pela mente do empresário. Mas o que lhe intrigava era que ele não se abalara nem um pouco com o fato de Beatrice está presa. Nem mesmo mandara um advogado para representar a garota. O que teria na cabeça? Por que esse desejo de falar com Fernanda?
              Conhecia muito bem sua garota. Ela sempre fora uma jovem retraı́da. Quieta e de grande frieza. No inı́cio se preocupara com aquela personalidade, quando criança, até a levara ao psicólogo, mas com o tempo foi percebendo que não tinha como mudar aquele jeito de ser dela. Os únicos que ainda arrancavam o pouco de carinho da juı́za eram os pais adotivos.
               A secretária mandou que os homens entrassem. Andrello pediu para Pedro esperar, depois ele entraria.
                  -- Buonasera, donna.
                  A mulher estendeu a mão e o senhor Belluti a beijou.
                  -- Onde está meu pai? -- Indagou preocupada.
                  Quando a secretária falara sobre a visita ficara a imaginar mil coisas, ainda mais por ter aquele empresário ali.
                   -- Daqui a pouco você poderá falar com ele. Antes, precisamos conversar. -- Disse sorridente.
                   A jovem indicou a cadeira para que ele sentasse. Ele o fez apenas depois dela.
                   -- E então o que o senhor deseja? – Indagou desconfiada.
-- Buono, estou aqui para lhe fazer uma proposta. – Cruzou as pernas.— Soube pelo seu pai de sua ambição em tornar-se desembargadora e acredite, nesse paı́s para se chegar a um cargo tão alto é necessário muito esforço, porém acho que você merece muito mais que isso... Um ministério, algo do tipo se encaixaria mais em seu perfil.
                   Maria Fernanda prestava atenção em cada palavra daquele homem. Todos sabiam de sua ambição, do seu desejo de chegar longe em sua carreira.
                    -- Prossiga!
                    -- Eu tenho uma proposta para lhe fazer.
                   A juíza retirou os óculos, enquanto limpava as lentes.
                   O que aquele homem queria com ela?
                   Poucas vezes tivera contato com o patrão do pai e agora ele aparecia até ali e lhe fazia uma proposta como aquela, mas o que o empresário poderia querer em troca?
                   -- Diga!
                  O italiano meneou a cabeça com um sorriso a lhe brincar nos cantos dos lábios.
               -- Eu quero que você mantenha a minha filha presa até que passem as eleições, ou seja, preciso que a Eva suma durante nove meses. – Sorriu orgulhoso. – Quero ser senador e com ela livre isso vai ser impossível!
                     Os olhos azuis se estreitaram em confusão.
               -- Com todo respeito, senhor Andrello, mas isso que o senhor está propondo é inadmissível. Eu não posso simplesmente deter alguém por tanto tempo sem ter uma acusação contundente. – Levantou-se. -- Sem falar que esse tipo de função não é minha.
                   O aspirante a político tamborilou os dedos sobre o tampo da mesa, depois pegou o quadro onde tinha a foto do velho amigo e da esposa.
                   -- Buono, você já a deteve. – Sorriu.
                 Fernanda não lembrava bem das feições da tal da Eva, na verdade a viu de longe no dia da festa e por esse motivo não tinha ideia de quem ele estava falando.
                   -- Quem? – Indagou confusa.
                    O senhor Belluti torceu a boca.
                   -- A cigana que pratica a quiromancia.
                   A jovem arqueou a sobrancelha, parecia não acreditar no que ouvia.
               -- Aquela louca que estava na praça é sua filha? – Perguntou incrédula. 
                  O homem pigarreou, afrouxando o nó da gravata.
                  -- Sim! Veja não será difı́cil mantê-la detida. Eu mesmo me certificarei de ajustar tudo com as pessoas certas para que não tenha problemas.
                A juı́za era uma mulher muito ambiciosa. Sabia que o italiano estava certo, para chegar aonde ela desejava necessitava de ajuda. Mas não sabia se aquela era uma boa ideia. Sempre fora íntegra no seu trabalho, nunca agira de forma inescrupulosa.
                -- Veja, você estará fazendo um bem, quem sabe assim essa menina toma jeito. – Andrello passou a mão na cabeça. – Eu já tentei várias coisas, mas a Eva parece que é a perdição da minha vida. Até pensei em casá-la, mas ela já vai em três noivados e sempre desiste. Juro que não sei mais o que fazer.
                 A juíza ponderava, mas nada respondia.
                 -- Maria Fernanda, você só precisa assinar a sentença e sumir com ela.
                  A filha de Pedro arrumou os cabelos.
                -- Se eu manter sua filha afastada durante todo esse tempo, o senhor me ajudará com o que prometeu? – Mostrou interesse.
                  -- Nem tenha dúvidas disso, bambina!
               Era um trato perigoso, poderia estar arriscando seu futuro profissional, porém essa a oportunidade que há muito estava esperando. Maria Fernanda estendeu a mão para o italiano que a apertou prontamente.
              -- Pois bem, senhor, a partir de hoje sua filha ficará em cárcere e quando o senhor se tornar senador, eu a liberarei.
                 Pela primeira vez durante todos aqueles dias, o senhor Belluti sorriu. Tinha certeza que dessa vez a filha teria cabresto.



               Eva passara a noite na delegacia. Seu pai nem aparecera por lá e para desgraçar sua vida, tinha gasto o único telefonema que tinha direito com Andrello. Nem chegara a dormir, temendo ser comida por aquele rato que aparecera por ali.
                 Já estava entrando em desespero quando um dos policiais veio busca-la.
                -- Para onde está me levando? -- Ela questionou altiva. -- Quero um defensor público, exijo um agora mesmo.
                  O rapaz apenas deu de ombros.
                 -- E seu pai milionário não pode pagar para que tenha um? -- Estendeu-lhe as algemas. -- Não me aborreça, temos que ir, se tentar alguma coisa vai ser pior.
                  Eva cerrou os dentes com força, mas acabou cedendo e logo estava com as pulseiras em seus delicados pulsos. 
                     Seguiu algemada até  a viatura.
                    Alguns minutos depois pararam diante do fórum.
               A juı́za estava vestida a caráter. Sua toga impecável e seu martelo estavam prontos para preceder uma pequena farsa.
                   Andrello Belluti tinha montado rudo de forma perfeita e ainda garantirá que a filha jamais denunciaria a todos por tudo aquilo.
                    Viu a jovem ser levada até lá pelo policial.
                    Havia um defensor público e um promotor, tudo bem arranjado pelo pai da mocinha.
               Beatrice reassumiu sua postura de cigana e entrou cheia de orgulho no recinto. Levantou a cabeça e encarou a todos. Os olhares das duas mulheres se cruzaram.
                 Maria Fernanda detestava aquele tipinho. Mimada e cheia de vontades. Quando esteve na universidade conhecera muitas assim, era bom poder ensinar uma lição para aquela garotinha que achava que podia brincar com a crença das pessoas.
                 -- Bem, senhores, esta que está a sua frente é Eva Beatrice Belluti de Lucero. Essa meliante vem usando da boa-fé de inúmeras pessoas para conseguir tirar-lhe dinheiro...
                         -- É mentira! – Gritou a garota.
                  -- Mantenha-se em silêncio ou será levada para fora e não presenciará seu próprio julgamento. 
                    A jovem apertou o punho com tanta força que sentiu as unhas lhe furarem a palma da mão.
                  -- Como dizia, uma farsante que engana a todos, sem falar que sua bolsa continha uma quantia significativa de entorpecentes, decerto também comercializava. 
                  De onde aquela mulher tirara todas aquelas mentiras? Por que ela estava inventando algo tão baixo?
              Mais uma vez a Beatrice protestou e não só isso, iniciou uma verdadeira chuva de xingamentos, o que fora ainda pior para sua situação. Em pouco tempo, o veredicto fora dito.
                    A jovem passaria nove meses em prisão domiciliar e executaria trabalhos domésticos. Não teria permissão para sair, ao menos que tivesse autorização da juı́za. Eva ouvia tudo sem saber nem ao menos o que fazer. Aquilo só podia ser uma brincadeira, algum tipo de pegadinha da TV.
                 Todos saı́ram da sala. Só a Maria Fernanda permaneceu juntamente com a ré. A déspota levantou-se e caminhou arrogantemente até Eva.
                     Percebeu que os olhos da jovem ficaram ainda mais escuros.
                  -- Bem, cigana, deseja que eu leia sua mão para lhe dizer o que seu destino lhe reserva? – Ironizou.
                    A herdeira de Belluti cuspiu-lhe na face.
                    -- Fotarsi!
                   Fernanda limpou a saliva da bochecha, enquanto a olhava com atenção. Não conhecia a lı́ngua italiana, mas tinha a impressão que aquilo não era nenhum elogio.
                  -- Você prestara serviços para mim. Ficará em minha propriedade e vai ter que aprender um pouco de humildade ou teremos muitos problemas.
                     -- Meu pai vai acabar com sua carreira, juizinha de merda!
                 -- Levando em conta que o senhor Andrello Belluti concordou com todas as decisões tomadas aqui, sinto que você não terá ninguém para recorrer. – Arqueou a sobrancelha! -- Que pena! -- Debochou.
                       Fez um gesto para o guarda se aproximar.
                        -- Levem-na para o sı́tio e mande os seguranças que foram designados para mantê-la vigiada.
                 Fora preciso três policiais para segurar Beatrice que avançara violentamente para cima da outra.
                      Não seria uma convivência fácil, Fernanda sabia. Mas valeria a pena, já que no final de tudo aquilo conseguiria realizar o seu maior desejo.

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