Dolo ferox -- Antepenúltimo capítulo.
As lonas coloridas aos poucos eram tomadas pelas chamas.
Não havia mais sorrisos, não havias mais palhaçadas, nem coelhos saindo da cartola, punhais sendo jogados contra uma bela mulher de maiô, nem o voo do trapézio a amedrontar a todos, apenas o fogo a consumir tudo o que antes era felicidade para o público.
O detetive jazia caído no chão, enquanto tentava se levantar, mas suas tentativas eram vãs.
Sentia o calor aumentar, mirava para o alto, mas a fumaça já o sufocava.
Ouvia os tiros e não sabia se ainda estava vivo.
Fora um tolo ao se deixar levar pela conversa da Nathália, quando deu por si já estava preso e tentando de todas as formas proteger o pequeno Victor das maldades das Hanmintons. Arrependia-se de não ter falado para a Valerie que ambos tinham o mesmo pai, arrependia-se por não ter tido tempo de conversar com ela e explicar seus temores.
Filho da duquesa!
Sabia que tinha sido descartado por Isadora, viu isso em seu olhar o tempo todo. Ela desejava manipulá-lo, fazê-lo tirar a vida da arquiteta.
Tentou se apoiar nos braços. Ouvia as sirenes, ouvia o grito de alguém que tentava se livrar do fogo.
Engasgou-se, cuspindo sangue.
Olhou para cima novamente em busca das duas mulheres, mas a emanação negra já tomava conta de todos os cantos.
Braços lhe pegavam, mas ele tentava se livrar.
-- Nath e a Valentina… -- Apontava para o alto.
Os policiais não pareceram se importar naquele momento, pois se desesperavam diante das chamas que já aumentavam. Tiraram-no de lá o mais rápido possível, pois logo se ouvia uma explosão.
Leonardo olhava o fogo e buscava entre os que estavam sendo retirados Natasha e Valentina.
Os bombeiros trabalhavam incansavelmente tentando deter as chamas, mas já perdiam o controle, pois rapidamente tudo queimava.
O delegado se aproximou.
-- A duquesa não foi encontrada, mas há uma mulher totalmente carbonizada que acabou de ser retirada.
-- Onde está a Valerie e a Valentina? -- O arquiteto indagava preocupado.
-- Estão lá dentro, estão sobre a rede do trapézio, os bombeiros estão tentando se aproximar, porém o fogo já tomou conta de tudo lá dentro.
O arquiteto já corria para a entrada desesperado, mas foi detido pelos policiais.
-- Deixe-me ir até lá, preciso ajudá-las. -- Gritava, enquanto tentavam detê-lo.
Mais adiante estava Rebeka com Victor dentro de uma das viaturas da polícia.
O garotinho olhava para o fogo e vez e outra balbuciava pela mãe. A loira o abraçou forte, enquanto fazia uma prece pedindo pela vida da ruiva e da circense. Ficara surpresa quando Rick dissera que o palhaço que estava lá era a neta do conde. Como ela fora corajosa a ponto de aparecer? E fora fria o suficiente para não deixar que as emoções a fizesse se manifestar diante das barbaridades que fizeram com a Valerie.
Rick tinha sido levado em estado grave, levara vários tiro, enquanto ainda não tinham encontrado a duquesa nem a Nathália. Teriam conseguido fugir? Se assim o fosse, com certeza não deixariam a arquiteta em paz.
Segurou a mão do pequeno ruivinho beijando-a.
-- Tudo vai se resolver, meu bem, logo suas mamães vão retornar para você.
Era o que mais desejava naquele momento.
O delegado colocar o braço na face para se proteger da quentura. Olhava tudo ao redor com crescente preocupação, pois os bombeiros não conseguiam chegar mais perto.
Tentou contato com a neta do conde, mas ela não respondia.
-- Que merda, Vallares, preciso que me diga como estão as coisas aí! -- Dizia frustrado.
Aproximou-se, enquanto colocava os óculos pretos.
-- Precisam entrar, Valentina e Natasha estão lá dentro, não consigo vê-las mais, porém tenho certeza que estão sobre a rede.
O chefe da brigada de incêndio observava tudo em total tensão.
-- Pedi reforços, não daremos contas!
-- Precisam salvá-las!
-- Acredite, senhor, estamos fazendo o impossível, mas houve uma explosão e alguns dos meus homens ficaram feridos. Precisamos nos aproximar, mas se torna quase impossível ir até elas.
O delegado praguejou alto.
Fora um tolo quando decidiu esperar pelos planos da duquesa se concretizar, deveria ter invadido e contado com o elemento surpresa, entretanto a neta de Nicolay frustrara seus planos.
Agachou-se, mirando as ambulâncias socorrendo os feridos.
Os policiais tinham saído em perseguição, um carro ainda tinha conseguido escapar, esperava que eles obtivessem êxito, pois já falhara bastante para um único dia.
A rede de proteção suspensa era a única coisa que as protegiam das chamas que queimavam implacavelmente.
Valentina sentia o cheiro de gasolina nas roupas da Valerie e sabia que se o fogo se aproximasse não haveria escapatória.
Tinha tirado a blusa, rasgado e colocado na boca e na da ruiva.
Tentava observar tudo, principalmente através das fumaças, mas a visão estava horrível.
Ela fitou o cabo do trapézio. Poderia puxá-la.
Ouviu o velho palhaço tossir.
Pepi estava junto com elas, jazia preocupado diante do corpo inerte da arquiteta que tinha perdido os sentidos.
-- Precisamos sair daqui ou seremos consumidos muito em breve! -- A morena ficou de pé. -- A Natasha precisa ser atendida, uma das balas lhe atingiu, está perdendo muito sangue. -- Olhava para todos os lados.
O velho apenas assentiu tossindo, enquanto a circense observava todas as alternativas possíveis.
Sentia os pés sentirem a quentura e corria novamente até a empresária. Buscava ouvir sua respiração franca, seus batimentos, temendo que pudesse morrer.
Ouviu a voz no ponto que trazia na orelha e isso lhe encheu o coração de esperanças.
-- Vamos jogar o trapézio, precisa ser rápida, pois logo tudo vai desabar, não pode perder tempo.
A Vallares percebeu que era o chefe dos bombeiros falando. Sabia que ele estava certo,pois logo tudo seria destruído.
-- A Natasha foi atingida, está desacordada...
-- Venha com ela, amarre-a ao seu corpo...
A morena se levantou e na primeira tentativa não conseguiu agarrar o que lhe era arrematado, mas na segundo o fez.
-- Pepi, preciso que vá primeiro, deve ir com a Valerie.
-- Mas como, não posso ir e te deixar aqui! -- Protestou.
-- Pode e vai junto com a Nath. -- Agachou-se, vendo-a ferida. --Você vai sentar e levará ela em seus braços.
-- Mas como? Será impossível com ela desacordada!
Valentina agachou, acariciando a face da ruiva, realmente não seria uma tarefa fácil. Levantou a cabeça para fitá-lo.
Ele não conseguiria, não tinha prática, correriam o perigo de cair nas chamas.
-- Vá, vá e jogue para mim imediatamente. -- Dizia, enquanto arrumava o cinto no corpo.
-- Menina, não posso deixá-la aqui…
-- Estamos perdendo tempo… Vá! -- Ordenou.
Pepi não queria abandoná-la, não acreditava que houvesse muita chance para a empresária que se desmanchava em sangue.
-- Valentina, deixe de ser teimosa, venha comigo.
Os olhos negros se abriram em espanto.
-- Acha que a deixaria aqui?
O idoso se aproximou.
-- Perdão, meu bem, só estou preocupado.
-- Vá, pelo amor de Deus e faça o que estou dizendo, será a única forma de nos salvar.
-- Então vá primeiro com a moça e eu…
-- Não, faça o que mandei…
Ele sabia que não teria como protestar, conhecia a menina e sabia que ninguém a faria desistir de algo que colocasse na cabeça.
Depositou um beijo em sua testa, pegou o trapézio e foi.
A Vallares fitou a lona, depois rasgou a blusa da arquiteta, tentando estancar novamente o sangue que corria de perto da sua costela.
-- Por Deus, Natasha, precisa ter forças, precisa me ajudar, não sei como conseguirei ir contigo. -- Segurou-lhe a mão. -- Ajude-me e depois será atendida e poderá descansar de tudo isso. -- Dizia em lágrimas.
Ouviu no ponto.
-- Vamos mandar, não deve demorar, pois temos certeza que a estrutura não vai aguentar por muito tempo, o fogo está descontrolado.
-- Preciso que alguém venha até aqui, a Nath não vai conseguir sem ajuda, nem eu conseguirei. -- Pedia em desespero. -- Ela não acorda, eu não sinto a respiração dela, por favor, por favor...
Um silêncio se fez do outro lado, parecendo uma verdadeira eternidade.
Os bombeiros temiam que o trapézio não suportasse por muito tempo, mesmo assim disse por fim:
-- Certo!
Ela se levantou e não demorou para um dos homens se aproximar.
-- Vá com ela e eu irei por último… -- Já dizia. -- Ela está encharcada de gasolina, precisa tirá-la daqui.
-- Mas, moça...
-- Por favor!
O homem não pareceu gostar da ideia, mas vendo a situação da Valerie, conseguiu amarrá-la ao seu cinto de segurança e logo seguia com ela.
A circense tentava ver tudo entre as labaredas que queimavam rápido. Uma pedaço da lona em chamas caiu sobre a rede, já a sentia esquentar e logo não aguentaria, mas aquilo não importava, pois apenas desejava que Natasha sobrevivesse a tudo aquilo.
Deus, como puderam feri-la tanto?
O que se passara com todos?
Rick teria conseguido escapar? E a Isadora e a Nathália? Esperava que pagassem caro por tudo o que fizeram.
Começou a tossir descontroladamente, buscando de toda forma respirar. Seus olhos ardiam e logo desmaiava sobre a rede.
Nícolas seguia pelo corredor do hospital.
Sua inocência fora provada e agora seguia ao encontro da filha. Sabia que ela tivera algumas queimaduras, mas nada tão sério, felizmente. Ela fora a última a ser resgatada em meio ao caos de fogo que consumira tudo. Não sabia como agradecer ao bombeiro que contrariara todas as normas e retornara até ela, salvando-a de todo aquele inferno.
Fitou os seguranças que foram contratados para proteger os que ali estavam.
Isadora estava presa, saíra intacta de um tiroteio e um incêndio, porém não havia informações sobre o paradeiro de Nathália. Chegaram a cogitar que o corpo carbonizado que fora encontrado se tratava da jovem Hanminton, mas ainda não havia certeza, pois estavam tendo dificuldades em identificar a vítima pelo estado destrutivo.
Aproximou-se do corredor e lá estava o conde. Ele estava com Victor em seu colo. Todos os dias seguia até lá com a criança para que o pequeno estivesse com uma das mães.
Sorriu para o garotinho, agachando-se diante dele.
-- E como está esse ruivinho tão fofo?
O herdeiro da Valerie não exibiu o sorriso costumeiro que deixava as bochechas ainda mais coradas, ao contrário disso, escondeu o rosto no pescoço do bisavô.
Nicolay soltou um longo suspiro.
-- Quer ficar com a Valentina, mas tivemos que sair, pois os médicos precisaram trocar as bandagens das mãos.
Os olhos negros do Vallares entristeceram.
-- Falei com o neurologista, a Natasha não apresenta melhoras, está em coma induzido e pelo que ouvi, ficará assim durante longos dias. -- Disse com pesar. -- Meu Deus, eu daria tudo para ficar no lugar dela, assim a minha filha não sofreria tanto. -- Levantou-se. -- Sinto-me culpado, culpado por tê-la prendido naquele quarto, por ter confiado nas malditas Hanmintons, parece que todas as desgraças vieram da minha atitude infantil.
O conde sabia como o primogênito estava desolado. Via em seu semblante o desespero, mas agora não se podia mais mudar os fatos, agora só poderiam torcer para que as coisas conseguissem se resolver.
Sentiu as pequenas mãozinhas lhe apertar.
Amava tanto aquele garoto, tanto quanto amava a neta e faria tudo para protegê-lo e livrá-lo de tudo de ruim que pudesse cercá-lo. Devia isso a Valerie, devia todas as desculpas do mundo para uma mulher que fora maculada dia após dia. Infelizmente sua filha também fora cúmplice de toda aquela barbárie e quando percebera seu amor já era tarde.
Ainda lembrava de todas as palavras cruéis que viu no diário que estava com Isadora.
Não reconhecia a Verônica em todas aquelas maldades, não a reconhecia naqueles planos terríveis para se livrar da esposa.
Meu Deus, Natasha sempre fora a vítima de todos!
Como ela sobrevivera a todos os planos?
Levantou a cabeça e viu Helena e Leonardo se aproximarem, pareciam ainda mais abalados diante do acontecido. Entendia a dor deles, sentia-a também, pois os que mais amavam sofreria diante daquele terrível episódio.
Levantou-se com cuidado, entregando a criança a esposa do arquiteto. Depositou um beijo na face do garotinho e depois caminhou até a porta do quarto onde a neta estava.
Não se aproximou imediatamente, permaneceu encostado à porta, segurando-a à bengala.
O quarto branco parecia tão frio. Mirou a poltrona que usara para dormir durante aquela semana, viu a cama onde Valentina estava. Viu as bandagens que cobria ambas as mãos, os arranhões na face, a perna esquerda ainda estava imobilizada. Ainda se horrorizava e se orgulhava de como falaram como sua menina fora corajosa, salvando a todos e deixando para o fim o seu próprio resgate.
Aproximou-se, parando ao lado da cama. Depositou um beijo em sua testa.
-- Eu continuo a repetir que você é a melhor dos Vallares… -- Sussurrava em seu ouvido -- É a mais forte, a mais corajosa, a mais digna… Sei que não será fácil seguir em frente, mas deve fazê-lo, meu amor, não pode perder a esperança, não deve perder a fé… Eu estarei sempre ao seu lado…
Puxou a cadeira, sentando-se ali, apenas observando sua garotinha. Estava tão distraído que não percebeu quando Nícolas se aproximou.
-- Como ela vai suportar se a Natasha não sobreviver...
O conde encarou o filho.
-- Precisamos apoiá-la, ficarmos ao lado dela… -- Tocou a bandagem. -- Sua filha é muito forte… Já te disse como ela foi corajosa ao entrar naquilo circo vestida de palhacinha… -- Exibiu um sorriso triste. -- Acho que temos o maior tesouro, mesmo que não mereçamos…
O mais jovem assentiu.
-- Estive na delegacia… Ouvi todas as barbaridades que a Isadora narrava… Ela falava orgulhosamente que tinha conseguido dar fim a vida da neta… Gritava em regozijo seus planos terríveis, sua crueldade… Ela não é um ser humano… -- Passou a mão pelos cabelos finos. -- Ela dizia que mataria o Victor… -- Lagrimou. -- Quando penso que eu fiz parte disso tudo…
-- Você, nem eu imaginaríamos que uma senhora tão cordata,caridosa e religiosa poderia ser o próprio demônio…
-- O pior é que não sabemos o que aconteceu com a Nathália, o corpo carbonizado ainda não foi identificado… Precisamos redobrar a segurança, não confio de forma nenhuma.
-- Logo ela terá o mesmo castigo que a avó!
Nícolas seguiu até a janela que estava com as cortinas fechadas. Sentia-se frustrado por não conseguir fazer nada para diminuir a dor da filha.
-- A Natasha não pode morrer, Valentina não suportaria… -- Bateu com o punho fechado contra a parede.
O conde entendia o desespero do primogênito. Sabia como ficaram destruídos com a morte de Verônica, como tudo perdera o sentido até a chegada da neta.
Levantou-se, aproximando-se do herdeiro, tocou o ombro dele.
-- Precisamos ter fé, precisamos acreditar que tudo vai acabar bem… Seria muita injustiça do universo com todos…
-- Logo ela vai acordar e será preciso que tenhamos calmas para falar ou não o faremos. -- Nícolas comentava pensativo.
-- Claro que não, sei que ela será forte e isso vai ser muito bom para a Valerie, sei que a ama e o amor pode fazer milagres.
O conde voltou se aproximar da cama e viu os olhos negros se abrindo. Havia tantas lágrimas neles, tanta dor, tanta agonia…
Tocou-lhe a face e não demorou para que ela adormecesse novamente, tendo o choro estampado em sua face…
Rebeka caminhava pelo cemitério.
Havia gramas por todas as partes.
Sentou-se diante do túmulo onde havia o nome de Rick. Passou a mão pela mármore fria.
Às vezes as pessoas se perdiam no que era certo e no que desejavam e isso poderia ser desastroso quando se percebia a gravidade do que se estava a fazer.
-- No fim você percebeu, meu amigo…
Sentiu uma lágrima saudosa lhe escapar.
-- Agora de onde estiver vai precisar ajudar a Valerie a sobreviver como fez tantas vezes… A história dela não pode acabar assim…
Soltou um longo suspiro de tristeza. Não acreditava que tudo aquilo aconteceu de forma tão terrível. Quando fechava os olhos revivia toda a dor da Natasha. Sua coragem, sua arrogância. Ela não merecia acabar assim, não depois de tudo o que passara
Duas semanas depois Valentina recebia alta. Não havia necessidade de ela continuar no hospital, pois seu estado não requeria mais cuidados.
O pai estava em seu quarto, ajudando-a para retornar à casa da família. Nícolas a olhava e via a dor em seus olhos negros, sabia o que ela estava sofrendo, porém nem sabia o que falar para confortá-la, nem mesmo tivera a coragem de lhe pedir perdão depois de tudo o que aconteceu.
Entregou-lhe as muletas, pois era necessário devido a perna que ainda estava imobilizada.
-- O Victor está entusiasmado com o retorno da mãe, ficou com Helena e meu pai.
A circense assentiu.
-- Eu só preciso fazer algo, espere-me aqui. -- Pediu.
O Vallares observava a jovem deixar o quarto e imaginou o que ela iria até a esposa.
Valentina seguia pelos corredores. Fazia-o lentamente, devido à bota que usava para cuidar da perna.
Seguiu pela área de terapia intensiva. Todos a conheciam ali, pois sempre fazia aquele mesmo caminho.
Segurou na maçaneta fria e entrou.
Natasha…
Ela parecia estar dormindo. Fitou os objetos ligados ao corpo, enquanto os aparelhos monitoravam cada uma das reações do seu organismo.
Aproximou-se.
A maioria dos hematomas já tinham sumido, apenas um corte no lábio inferior persistia.
Tocou-lhe a face.
-- Valerie… Acho que já está na hora de despertar… Nosso filho e eu precisamos de você. -- Mordiscou a lateral do lábio inferior demoradamente. -- Acho que ainda preciso da sua arrogância. -- Tocou-lhe as madeixas que agora brilhavam em seu vermelho intenso. -- Te amo tanto que não sei se consigo ficar sem ti... Mesmo que seja para brigar...
-- Acho que já deve estar cansada de dormir… -- Beijou-lhe a face demoradamente.
Uma semana depois…
Helena estava no jardim da mansão do conde junto com Nicolay e Victor. A criança se divertia em sua pequena piscina, enquanto jogava os brinquedos pelo gramado. Parecia saudável e feliz, mesmo que sempre quando era levado para visitar a Valerie no hospital, chorasse para ficar junto com a mãe que ainda dormia induzidamente.
A empregada se aproximou e gentilmente serviu o chá.
Estavam sob uma macieira e o vento vespertino arejava ainda mais o espaço
-- O Leonardo foi à delegacia, está acompanhando de perto as investigações, agora que sabemos que Nathália conseguiu fugir, precisamos encontrá-la antes que faça ainda mais barbaridades, também passou no hospital, todo dia ele vai vê-la.
O aristocrata assentiu afirmativamente com a cabeça.
-- Não podemos baixar a guarda nesse momento, precisamos nos mantermos alertas, pois por um bombear nosso, quase aconteceu uma tragédia maior. -- Dizia pensativo. -- Espero que a Natasha reaja, minha neta está sofrendo muito com essa situação, logo ela será despertada e precisamos rezar para que volte desse longo sono.
Helena limpou uma lágrima.
-- Eu sei que ela vai reagir, tenho fé, é forte, já passou por coisas piores, agora temos apenas que esperar e rezarmos a Deus.
A voz de Victor se fez ouvir. Ele chamava mainha Nath com seu dizer infantil.
Os mais velhos sorriram, pois a pequena ladainha se entendia como se fosse uma música.
Valentina acabava de se arrumar quando ouviu batidas na porta. Não demorou para Nícolas adentrar o espaço. Ficaram se olhando durante alguns segundos. A circense ainda se sentia magoada pela forma que fora tratada, ainda se sentia ferida e era como se tudo de ruim tivesse acontecido depois que ele a trancara naquele mesmo quarto, ameaçando a vida da mulher a quem amava.
-- Levarei você ao hospital. -- Ele disse receoso. -- Sei que minha presença não é a mais agradável, mas juro que só desejo apoiá-la nesse momento.
A morena mordiscou a lateral do lábio inferior demoradamente até que falou:
-- Eu não acho que esse seja o momento para conversarmos sobre tudo o que passou, apenas digo que ainda me sinto ferida, decepcionada por tudo o que houve.
-- Eu entendo, juro que entendo e tentarei apenas ficar ao seu lado sem cobrar nada. Só me deixe apoiá-la.
A jovem se aproximou e logo estava sendo abraçada pelo empresário.
Apesar de tudo, sentiu-se segura e aliviada ao sentir as carícias em seus cabelos, ainda mais naqueles dias tão difíceis.
Os médicos observavam a bela paciente com atenção. Acreditavam que logo ela despertaria e torciam por isso. A empresária tinha sido bastante machucada, sofrera inúmeras fraturas internas e o coma induzido fora a única forma de mantê-la estável.
-- Agora vai depender de você! -- A médica disse, enquanto lhe tocava a mão. -- Se conseguiu resistir tão bem, acho que a sua família merece a felicidade de vê-la acordar. -- Mirou a enfermeira. -- Monitore todas as reações dela, precisamos ficar atentos a uma possível recaída. -- Pegou o prontuário. -- De início ainda haverá calmante, não sabemos como estará sua cabeça depois do acontecido.
-- Está bem, doutora!
-- Vou deixar que a Valentina entre, vamos ver se nossa paciente reage a isso.
Todos sorriram.
A equipe médica que atendera as duas mulheres ficaram sabendo de todo o drama vivido por ela pelas notícias dos jornais. Não demorara para que todas as atrocidades da duquesa de Hanminton ser de conhecimento de todo o público. A Valerie se tornou um verdadeiro símbolo de força por ter resistido a todas as barbaridades que se passou. As cenas de dentro do circo tinham sido gravadas por um circuito de segurança e chocaram bastante pela forma fria e maldosa que Isadora agira.
Valentina espera do lado de fora ainda. Tinha o filho nos braços. Poderia ter entrado antes, mas houve uma reação da esposa e os médicos precisaram fazer novos exames. Ansiava por vê-la.
Sentou-se com o pequeno de frente para si. Observou as mãozinhas gorduchas tocar sua face, então beijou-as.
-- Está ansioso para ver sua mamãe?
Viu os dentinhos minúsculos se abrirem em um sorriso.
-- Ah, sim, temos que contar a Valerie sobre você ter mordido a vovó Helena, não deve fazer isso.
O herdeiro da ruiva fez beicinho e depois caiu na gargalhada, mesmo diante olhar estreitado da trapezista.
-- Espero que tudo termine bem, semana que vem já é seu aniversário e queremos que sua mainha esteja conosco.
Victor se expressava em sua fala infantil e incompreensível.
A porta se abriu e lá estava a médica que vinha atendendo a arquiteta desde que chegou.
A Vallares já se levantava, mas a profissional da saúde se acomodou ao lado dela. Inicialmente brincou com o garotinho, depois observou a expressão ansiosa da neta do conde.
-- Calma, Valentina, sei que deve estar nervosa, ainda mais porque não permiti que entrasse ontem pela manhã, mas deve entender que tudo é pelo bem da Natasha.
-- Sim, eu entendo, apenas fiquei preocupada.
A mulher sorriu com empatia.
-- Os olhos verdes da Valerie se abriram algumas vezes durante o dia e os lábios que ainda estão machucados chamaram por uma palhacinha, seria você? -- Questionou com um arquear de sobrancelha.
A expressão de felicidade no olhar da circense era contagiante.
-- Posso vê-la?
A médica assentiu com um gesto afirmativo de cabeça.
-- Pode, entretanto não sei se ela vai despertar enquanto estiver com ela.
-- Posso ficar hoje aqui?
-- Bem, ela já está em um quarto especial, não acho que vai ter problemas, apenas desconfortável. -- Levantou-se. -- Pode ir lá ver a sua esposa!
A Vallares nem esperou um novo comando, levantou-se com o filho no quarto e viu a enfermeira arrumar o soro.
Victor logo se inquietou, ansiando por ir para os braços da mãe.
-- Calma, meu amor, precisa manter a tranquilidade. -- Aproximou-se do leito.
Leonardo chegou à mansão do conde já noite. Desde o acidente estavam hospedados lá, pois não queriam ficar longe da Valentina nem do Victor naqueles momentos que buscavam forças para superar tudo o que se passou.
Encontrou todos na sala, Victor dormia no colo do Nicolay.
-- Passei no hospital e pude ver a Nath, mas estava dormindo, não vejo a hora de vê-la com toda aquela energia. -- O arquiteto disse com os olhos a brilhar.
-- Valentina acabou de sair, vai ficar lá com ela, esteve lá mais cedo com o filho, porém a Valerie não tinha despertado. -- O Vallares falou. -- Sinceramente, acho que a Natasha é o ser humano de mais força que já conheci, eu juro que vendo o vídeo com todas as barbaridades que Isadora fez, não imaginei que ela sobreviveria.
Leonardo se acomodou ao lado da esposa, segurando-lhe a mão e trocando olhares.
-- Sim, não foi uma coisa fácil, mas Deus não permitiria que as coisas fossem diferentes, ela merece ser feliz depois de tudo o que viveu.
-- Sim… -- O conde disse pensativo, enquanto acariciava os cabelos ruivos do bisneto. -- Acho que teremos uma família grande…
Todos riram diante do comentário, tranquilos por saber que o pior já tinha passado.
Valentina observava a esposa a dormir. Olhava-a e ansiava por vê-la despertar, por poder ouvir a voz rouca e o sorriso orgulhoso de quem dominava todas as situações.
Um mês de todo o acontecido tinha se passado, um mês do terror que a arquiteta fora submetida de forma tão cruel e desumana.
Puxou a poltrona e permaneceu lá, ansiando para vê-la acordar, para ouvir a voz baixa e firme.
Natasha tinha a impressão que lhe faltava o ar, seus pulmões de repente estavam cheios de fumaças. O fogo queimava, ardia. Tentou respirar, mas não havia oxigênio, apenas a sensação sufocante.
Abriu os olhos!
Observou o lugar, tentou puxar o braço, mas sentiu uma furada. Voltou a observar o lugar.
Onde estava a duquesa e a Nathália?
Ainda sentia o corpo dolorido das surras. Gemeu, enquanto a respiração ficava ainda mais acelerada.
Valentina tinha cochilado e despertou com os sons. Levantou-se e acendeu uma das luzes.
Perplexa, encontrou a arquiteta sentada na cama e já tentava se livrar dos medicamentos.
Rapidamente foi até ela, detendo-a, segurou-lhe as mãos.
-- Calma, meu amor, calma, você está segura agora!
Os olhos tão verdes estavam arregalados, assustados, temerosos. Pareciam não enxergar.
-- Já passou… Já passou… -- Sussurrou, enquanto lhe ajeitava os cabelos. -- Tudo já passou, estamos seguras agora.
A Valerie olhava para a neta do conde, parecia perdida em suas palavras, parecia não compreender o que estava sendo dito.
A circense viu os espasmos do corpo feminino e logo as lágrimas caiam silenciosa pela face bonita da ruiva.
Aproximou-se mais, abraçando-a.
Nunca em sua vida a viu tão frágil e tão ferida.
Os soluços se sucediam em curtos intervalos. A morena lhe sussurrava palavras doces, confortando-a. Podia imaginar como fora traumático tudo o que se passou, ainda mais pela violência física e psicológica que fora obrigada a passar.
-- Tudo está bem… -- Murmurava. -- O Victor está seguro e você também…
Novamente os olhos verdes a fitaram chorosos.
Ela abriu a boca para falar, mas parecia não ter forças para isso. Voltou a deitar-se e aos poucos adormecia, mas os lábios ainda se moveram em um som quase inaudível.
“ Palhacinha.”
A Vallares esboçou um sorriso e ficou ali, já estava amanhecendo, então não conseguiria mais descansar.
Foram momentos terríveis, dolorosos e sabia que a marcariam bastante.
Já era quase dez horas quando a médica apareceu para checar as funções vitais da paciente.
Valentina permanecia de pé, tinha os braços cruzados e olhava tudo com atenção. Já tinha relatado o que tinha se passado de madrugada.
-- É normal o que aconteceu, Valentina, Natasha passou por momentos terríveis e ainda não está totalmente desperta, é como se continuasse a viver tudo aquilo. Os calmantes foram suspensos, precisamos ver como vai reagir.
A morena assentiu.
-- Não fique tensa, logo tudo vai ficar bem. -- A médica sorriu, enquanto continuava a analisar a paciente. -- Bom, ela vai acordar logo e vai ficar feliz em te ver aqui.
A circense assentiu, enquanto via todos sairem e continuou lá, na mesma posição, mirando a empresária e ansiando para que tudo aquilo passasse de uma vez.
O conde estava no escritório, falava com o detetive da polícia, não descansaria enquanto Nathália estivesse presa, detida para que não continuasse a ameaçar a vida de mais ninguém.
Fitou a foto da filha.
Pegou o porta-retrato dourado e ficou a alisar a imagem da bela mulher que sorria.
Era linda, tão cheia de vivacidade, gentil… Como pôde agir de forma tão cruel?
Ouviu batidas e logo o filho aparecia.
-- Pensei que já tinha ido buscar a Valentina. -- Nicolay falou.
-- Não, ela ligou pedindo que lhe levassem mudas de roupas, acho que vai ficar lá hoje. -- Sentou-se. -- Contou-me que a Valerie tinha despertado pela madrugada, parecia em pânico e logo voltou a dormir.
O patriarca voltou a fita a imagem da filha e só depois falou:
-- Acho que devemos desculpas a Natasha… -- Falou com um suspiro longo. -- Fizemos parte das pessoas que tentaram destruí-la e acho que sua filha não tivesse aparecido, continuaríamos alinhados às maldades da duquesa.
Nícolas pareceu inquieto, enquanto cruzava as pernas.
-- Sim, eu sei, eu mesmo sou ainda o pior, sei que agi totalmente errado… -- Pegou o porta-retrato. -- Acho que o maior castigo da Verônica foi ter percebido que era tarde quando se apaixonara pela esposa… Li o diário que fora encontrado nas coisas de Isadora, vi cada frase, vi a dor que ela estava sentindo quando se deu conta de que amava a arquiteta.
-- Estranho como as coisas aconteceram…
-- Sim, papai, parece aquelas histórias clichês… Só desejo que haja um final feliz…
Natasha abriu os olhos lentamente. Daquela vez fora mais fácil. A claridade do quarto lhe incomodou um pouco, mas logo se acostumava. Via tudo com atenção. As paredes pintadas de brancos, os soros ligados às suas veias. Observou a poltrona e lá estava a circense concentrada em um livro de capa colorida. Então não fora mais um dos devaneios, ela estava ali mesmo, ainda sentia o abraço que recebera.
O que tinha acontecido?
Não demorou para o olhar perscrutador focar em si. Viu-a se aproximar com o sorriso mais lindo que já tinha visto em todo o universo. Ainda se recordava dele, era ela vestida de palhaço.
-- Como está se sentindo?
A voz baixa e doce lhe tirou dos seus pensamentos.
A arquiteta umedeceu os lábios demoradamente, sentia-os ressecados. Gemeu ao sentir uma dor no inferior.
-- Calma, tiveram que dá alguns pontos. -- Valentina mirava os olhos verdes.
-- Quanto tempo estou aqui? -- A empresária indagou em voz fraca. -- O que houve com todos?
A circense a deteve pelos ombros, pois ela já tentava se levantar.
-- Não deve fazer esforços ainda, passou praticamente um mês em um coma induzido, agora que está voltando à vida.
A empresária se mostrava ainda mais confusa.
-- O Rick? Quero vê-lo, quero ver o Victor!
A Vallares sabia que aquele não era o momento para falar sobre isso, então precisou omitir alguns acontecimentos.
-- Quando você estiver bem… Agora vai ficar quietinha para se recuperar logo.
Os olhos verdes se estreitaram.
-- Chame o médico, não quero mais ficar aqui.
-- Vai ficar o tempo que for necessário. -- Voltou a detê-la.
-- Não pode me obrigar! -- Deitou-se novamente exasperada, sentindo a cabeça girar.
-- Sou sua esposa e posso decidir sobre isso. -- Mostrou-lhe a aliança no dedo.
A Valerie a fitou demoradamente e mais uma vez buscou lembranças dela em seu cérebro, mas não havia nada.
-- Você foi uma irresponsável em ter ido até o circo… -- Meneava a cabeça negativamente. -- depois vou falar com o conde sobre seu comportamento irresponsável.
A trapezista a viu fechar os olhos e dormir. Permaneceu lá parada, pensando que logo toda a verdade teria que ser dita e isso seria bastante difícil para a ruiva.
Na manhã seguinte que a ruiva despertou novamente e não parecia mais fraca, estava mais forte, até já começava a se alimentar.
Valentina a observava tomar o suco e com pesar ouvia ela falar a médica que continuava sem se recorda de alguns acontecimentos, sabia que estava inclusa neles.
Sem ser notada, deixou o quarto e já seguia pelo corredor quando encontrou Rebeka sentada na recepção.
Aproximou-se e ambas trocaram sorrisos amigáveis. A Vallares agradecera bastante pela loira ter salvo seu filho.
-- E como ela está?
-- Bem… -- Disse com um sorriso. -- Ontem despertou e hoje já começa a se recordar de tudo o que passou.
A loira se mostrou apreensiva.
-- Perguntou do Rick?
A morena fez um gesto de assentimento com a cabeça.
-- Vou ter que falar a verdade… Não posso mentir…
A loira lhe tocou o braço.
-- A Valerie é muito forte e vai superar… -- Soltou um longo suspiro. -- Eu irei viajar durante alguns dias, preciso relaxar, descansar de todo esse estresse, sei que serei chamada para depor contra a duquesa e o farei com todo prazer, mas antes necessito de um tempo para mim.
A neta do conde cruzou os braços sobre os seios, enquanto parecia ponderar.
-- Entre, vá vê-la, sei que deseja isso.
Rebeka exibiu um sorriso complacente.
-- Sim, eu morro de vontade de vê-la, você sabe disso e sabe que estou apaixonada por ela… -- Cerrou os dentes. -- mas eu sei que você a ama…
-- Bem, ela continua não se recordando de mim… Você tem a chance de conquistá-la.
-- Mesmo que ela não se recorde, está na cara que se de apaixonou novamente… E não pense que não estou louca para correr atrás dela não viu… Nunca fiz sexo de forma tão intensa… Sua esposa é muito gostosa...
-- Prefiro não saber dos seus detalhes! -- Cortou-a aborrecida.
Rebeka sorriu estendendo a mão em cumprimento.Valentina hesitou, mas aceitou.
-- Cuide da Natasha, meu bem, porque quando eu voltar, não vou poupar esforços para tê-la para mim.
A Vallares a viu se afastar e permaneceu lá parada. Tentava controlar o ciúmes, pois sabia que aquele não era o momento para isso.
-- Senhorita!
Ela se virou e viu a enfermeira.
-- Sim?
-- A senhora Valerie pediu para chamá-la.
Valentina assentiu com um sorriso e logo retornava ao quarto. Encontrou a ruiva sentada na cama. Os olhos verdes pareciam misteriosos.
-- E então? Falou para a doutora que já deseja ir embora? -- Indagou com um arquear de sobrancelha.
-- Ela disse que essa parte está resolvendo com a minha esposa… -- Estendeu a mão para a jovem. -- Vem aqui…
A trapezista se aproximou, colocando os dedos sobre os dela, sentindo-os, fitando-os até levantar a cabeça e encará-la.
-- Você se arriscou muito, palhacinha… -- respirou fundo -- eu morreria se algo tivesse acontecido contigo, se aquelas loucas tivessem tocado em ti eu nunca me perdoaria…
-- Eu estou bem e você também…
A ruiva fez um gesto afirmativo com a cabeça.
-- E os outros? meu filho está bem?
-- Está sim, está ótimo e com saudades de ti, trouxe-o várias vezes para te ver, chorava quando tinha que ir embora.
Os dentes alvo da ruiva se abriram em um sorriso.
-- Quero vê-lo, abraçá-lo forte… E o Rick? Preciso falar com ele, desejo esclarecer tudo, se realmente ela é filho do meu pai, sinto-me feliz por ter um irmão… Entendo a forma que ele agiu e sei que se não tivesse sido o arrependimento dele, tudo poderia ter acabado pior… Peça para ele vim me ver, se tiver com o celular, ligue…
Valentina observava o entusiasmo da empresária e ficava a pensar como contaria a verdade. Não poderia esconder, Natasha não merecia.
-- Ele foi maravilhoso… Ele quem me fez voar no trapézio e te tirar de lá… -- Disse com lágrimas nos olhos. -- Ainda ouço as palavras dele me sussurrando ao ouvido… Apesar de tudo o que se passou, sei que ele te amava muito…
Os olhos verdes se enchiam de lágrimas.
-- Onde está o Rick, Vallares? -- Exigiu. -- Diga de uma vez!
-- Ele fora baleada inúmeras vezes e não resistiu…
Antes que terminasse, precisou agir rápido para segurar a empresária que buscava deixar a cama, abraçou-a forte, lutando para que ela não se machucasse. Ouvia o choro baixo aos poucos tomar lugar, os soluços sendo sufocados em seu corpo, sentia os espasmos do corpo da esposa e buscava consolá-la.
Dois dias depois Natasha deixava o hospital.
Leonardo e Valentina a observavam-na parada diante do túmulo do detetive. Desde que ficara sabendo de tudo e das lágrimas iniciais em total desespero, ela se manteve calada, nem mesmo aceitara que a esposa ficasse no quarto com ela. Isolando-se em seu lugar, pensativa.
Agora fazia mais de trinta minutos que ela estava lá, que observava a lápide do amigo.
-- Ela não falou nada. -- A jovem comentou. -- Só fica em silêncio.
Observou os seguranças que faziam sua vigia.
-- Eu entendo a dor dela e agradeço a Deus por Isadora está presa, pois eu não duvidaria que a Natasha tivesse coragem de matá-la.
-- Deus nos livre disso!
-- Espero que a Nathália seja logo presa e vá pagar junto com a duquesa por tudo de ruim que fez.
A circense assentiu, enquanto arrumava os cabelos por trás da orelha.
A ruiva se voltou para os dois. A face estava rosada, decerto tinha chorado, mas os óculos pretos ocultavam os olhos. Toda a roupa era escura. Sobretudo até os joelhos, estava amarrado na cintura. Os cabelos vermelhos estavam presos e a franja caia sobre a tez.
Com passos seguros ela se aproximou, pouco se percebia que ela ainda mancava. Parou diante deles. Sua expressão tinha assumido a inflexibilidade de outrora, não havia resquícios de sentimentos, apenas frieza.
-- Acho que está mais do que na hora da Vallares se manter dentro dos muros da mansão do conde… -- Disse de forma dura. -- Acho que já chega de arriscar sua vida por aí, já notou que as Hanmintons não estão para brincadeira.
A circense pensou em retrucar, mas percebia que o tom provocador parecia querer alguém para brigar, para descontar sua frustração.
-- Quero a maldita da Nathália na cadeia ou eu mesma a matarei. -- Seguiu para o interior do veículo.
Leonardo e Valentina trocaram olhares e também entraram.
A morena estava atrás, enquanto a arquiteta seguia no banco da frente com o empresário.
A trapezista prestava atenção nas ruas movimentadas, queria se distrair, talvez chegar logo a sua casa e ficar com o filho. Natasha ainda não tinha visto a criança, proibiu que o levasse ao hospital.
Soltou um longo suspiro e quando olhou para frente viu o olhar perscrutador a lhe mirar pelo retrovisor.
Continuou a fitá-la até se sentir invadida e desviar o olhar.
Alguns segundos se passaram até o carro estacionar diante dos portões da casa do conde. Depois de perceberem de quem se tratava, a entrada foi permitida.
-- Entre, Vallares, e se mantenha aí dentro, não quero saber de você andando por aí enquanto a Nathália não estiver presa.
Os olhos negros se estreitaram em fúria.
Sim, ela entendia que a esposa tinha passado por momentos horríveis, entendia que tinha perdido um grande amigo e que fora traumático o que houve, mas não aceitaria aquele tipo de comportamento, não era uma criança, nem tampouco uma irresponsável para ser tratada daquele jeito.
-- Não vai ver seu filho? -- A trapezista questionou.
A ruiva nada respondeu, permanecendo no mesmo lugar, enquanto Leonardo deixava o carro.
-- O quê? Vai ficar calada?
A arquiteta inclinou a cabeça para trás com uma total inflexibilidade no olhar. Parecia distante, incisiva, insensível.
-- Você vai ficar aqui com ele, além dos seguranças que seu avô contratou, mandarei outros, não deixarei espaço para que a minha irmã se aproxime de vocês.
-- Ah, sim, imagino que você vai enfrentar a sua irmanzinha novamente, coitada, acha que é uma super heroína! -- Falou irritada, enquanto deixava o veículo.
A ruiva também saiu, detendo-a pelo braço, pressionando-a contra a lataria do sedam.
-- Você é uma garota tola, uma menina inconsequente que age sem pensar, poderia ter morrido naquele maldito circo incendiado.
-- Ah, claro, você teria a pele intacta não é? -- Tentou empurrá-la,mas foi pressionada ainda mais. -- Me deixa, estou cansada de você!
-- Somos casadas e vai agir como tal!
-- Ah, me poupe! -- Relanceou os olhos em irritação. -- Pelo menos entra e veja ‘SEU’ filho, o coitado passou todo esse tempo indo ao hospital te ver, menos esses dois dias que a mãe dele despertou e não permitiu.
Os olhos verdes da empresária se estreitaram ameaçadoramente, enquanto cerrava os dentes em fúria, porém uma voz infantil lhe chamou atenção. Levantando a cabeça viu o garotinho de cabelos tão vermelhos quanto os seus.
Ele usava um pequenino short que chegava até os joelhos roliços, uma camisa de botões na frente e uma sandália de um desenho animado. Victor segurava a mão de Helena, enquanto chamava pelas mães.
A Valerie se afastou da circense e se aproximou do garotinho.
Deus, como temera perdê-lo naquele dia! Como se sentira frustrada, incapaz diante das barbaridades daquelas pessoas.
Lentamente se aproximou e viu como o sorriso de poucos dentes se abriram, tentando se livrar das mãos de Helena.
Chegou mais perto, viu o sorriso em lágrimas da esposa de Leonardo. Depositou um beijo em seu face, depois agachou diante do garotinho e sentiu os braços minúsculos lhe abraçar o pescoço. Sentiu-o tão feliz, tão seu.
Afastou-se para fitá-lo e ouvia a voz infantil a falar coisas que nem sabia do que se tratava. Apenas o mamãe Nath ficou claro.
Levantou-se com ele nos braços e fitou Helena que a abraçou-a.
Sentia as lágrimas da mulher lhe molhar o pescoço. Talvez fosse aquele problema. Acostumara-se a ser sozinha naquele mundo tão grande que agora lhe preocupava saber que se importava com cada uma daquelas pessoas e temia perdê-las como aconteceu com Rick.
A Vallares observava tudo, mas não se aproximou de imediato. Estava chateada com toda aquela situação. Desde que contara a verdade sobre o detetive desejou confortar a ruiva, consolá-la, mas foi rechaçada de forma cruel. Entendia a dor dela, mas não compreendia o motivo de tanta arrogância.
Subiu as escadas e passou por todos, queria seu quarto, sua cama, deitar e tentar esquecer de tudo aquilo
Nicolay observava Valentina seguir para o quarto. Parecia preocupada. Teria se passado algo?
Observou a porta se abrir e viu a Valerie com o filho nos braços. Sorriu para a empresária. Sentia-se tranquilo por ela ter se recuperado, viu o desespero da neta e sabia que se ela tivesse morrido teria sido terrível.
-- Seja bem vinda, Natasha! -- O conde disse com simpatia. -- Acho que todos ansiamos por vê-la bem, por vê-la retornar.
-- Obrigada, senhor!
A empresária pareceu um pouco sem graça com o entusiasmo do aristocrata.
-- Esse garotinho aqui estava com muita saudades de ti, já amolou os dentes em você?
Victor escondeu a cabeça no pescoço da mãe.
-- Pois é, filha, ele anda mordendo bastante.
Natasha sorriu diante das histórias que todos contavam sobre as traquinagens do pequeno.
-- Em uma semana ele vai fazer um ano, temos que comemorar. -- Helena falou. -- Esse meninão tem muita coisa para agradecer... Vai ter bolo, doces, tudo que ele gosta.
-- Com certeza que sim! -- A ruiva observava a sala.
Leonardo veio do escritório.
-- Pronto, podemos ir para a cobertura.
-- Não vai ficar aqui com a Valentina? -- Nicolay indagou. -- com seu filho?
-- Não acho que seja uma boa ideia, temo pela segurança deles, acho que ficarão mais seguros aqui com o senhor. -- entregou Victor para Helena. -- espero que controle sua neta, não deve deixá-la agir com irresponsabilidade.
-- Isso é algo um pouco difícil…
A Valerie olhou para a escada.
-- Quero apenas resolver algo com ela e retorno.
Os demais ficaram trocando olhares. Helena e o conde não entendiam o que se passava.
Valentina tinha deixado o banheiro. Estava usando um roupão branco. Tomara um banho rápido, agora precisava de um analgésico e dormir.
A porta dos aposentos foi aberta, sabia que ela era sem nem olhar, a falta de educação era marca da arrogante mulher.
Cruzou os braços em posição defensiva, enquanto lhe encarava.
-- Pois não?
Natasha a observava com cuidado e sentia aquela fraqueza única.
-- Estou indo para a cobertura, Victor ficará contigo, há algum problema quanto a isso?
-- Por que haveria problema?
A ruiva deu alguns passos se aproximando dela.
-- Já falei com seu avô para te manter vigiada, não vai fazer nenhuma loucura, meus seguranças não permitirão.
-- Você não manda em mim, Valerie!
A empresária a segurou pelo braço.
-- Não seja tola, nem me faça te amarrar dentro desse quarto.
A circense desvencilhou do toque.
-- Quem você pensa ser para falar assim comigo? Acha mesmo que tem esse direito?
-- Sua esposa!
Valentina riu de forma amarga.
-- Acho que quando tudo isso acabar só vai nos restar o divórcio.
-- Isso não vem ao caso agora, apenas faça o que estou mandando para o bem de todos.
-- Ok! -- Seguiu até a porta, abrindo-a. -- Agora já pode sair.
Natasha se sentou na cama e cruzou as pernas.
-- Você não entende, ainda não entendeu o risco que correu...É uma criança tola que não percebe que eu jamais me perdoaria se algo tivesse te acontecido.
-- E você não entende que eu não conseguiria me manter inerte, enquanto você era torturada e meu filho corria perigo… -- Fecho a porta. -- Acha que eu teria como me manter afastada diante disso? Ficaria a rezar? -- Soltou um longo suspiro. -- Natasha, você é arrogante demais para entender os meus motivos.
A ruiva a fitava com cuidado, depois foi até ela, segurando-a pelos ombros delicadamente.
-- Eu só desejo te proteger e ao nosso filho.
Os olhos negros fitaram os verdes por intermináveis segundos.
-- Fique aqui com a gente… -- Pediu.
O olhar sugestivo que a empresária deu para cama fez a morena corar.
-- Acho que não será uma boa ideia...Faça o que estou pedindo, pelo menos até o perigo passar.
-- Certo! -- Afastou-se. -- Você sempre decide!
A empresária permaneceu no mesmo lugar, enquanto a via deixar os aposentos.
A duquesa fora levada para a sala de visitas.
O espaço era grande, havia outras mulheres recebendo seus advogados e até alguns parentes.
A aristocrata torceu o nariz em puro desdém.
Pouco mais de um mês não tinha lhe tirado a soberba, ainda mais por partilhar um quarto especial na prisão, pelo menos até o julgamento seria assim.
Estava sentada na cadeira, enquanto pensava que logo entraria por aquela porta seu advogado, mas para sua surpresa, lá estava Natasha.
Os olhar de Isadora demonstrava todo o ódio por vê-la bem.
Levantou-se!
-- Boa tarde, vovó! -- A ruiva puxou uma cadeira, sentando-se. -- Gostei da roupa, o cinza lhe cai bem. -- Falou com um sorriso de canto. -- Imagino que tudo isso deve ser bem comparado a mansão Hanminton, o lar da duquesa!
-- Maldita seja!
Os guardas a seguraram, pois mesmo algemada, ela tentou atacar a neta que continuava impassível a lhe encarar.
-- Acho desnecessário esse tipo de comportamento, não esqueça que a senhora faz parte da classe de nobres. -- Provocou-a.
-- O meu maior arrependimento é não ter ordenado que te fuzilassem… Seria o meu maior prazer ter te visto sangrar sem vida naquele maldito circo.
-- Eu sei, vovó, mas a senhora queria ver meu sofrimento… eu entendo, também sou assim, prefiro prolongar a situação, porém foi um erro, afinal, eu já tinha escapado inúmeras vezes das suas emboscadas…
-- Espero que a Nathália termine o serviço, livre o mundo do seu sangue maldito.
A ruiva revirou os olhos, tamborilava as unhas bem feitas sobre a madeira.
-- A sua neta logo vai te fazer companhia!
-- Por quê? -- Os olhos tão verdes se abriram. -- Ela é inocente, tudo foi feito por mim, eu a obriguei.
-- Seu discurso não me convence e não vai convencer ninguém!
Isadora sorriu perigosamente.
-- Está com medo que a Nathália te roube a trapezista? Você sabe que será questão de tempo para a neta do conde perceber o tipo de pessoa que você é… Acho que deveria ter deixado a Verônica viva, assim eu teria visto como ela se decepcionaria contigo.
-- Você é uma doente! -- Levantou-se. -- Mas vai ficar muito tempo aqui dentro para ver se consegue se curar.
A Valerie já se afastava quando a voz cruel falou:
-- E o seu amiguinho detetive… Uma pena você não ter visto o corpo dele toda cheio de furos.
Natasha se voltou para ela com o olhar estreitado.
-- Era seu filho!
-- Sim, eu tentei matá-lo da mesma forma que fiz contigo quando nasceu, mas o maldito Valerie o levou… Ele tinha sangue tão podre quanto seu… Deve ter ido para o inferno ficar ao lado do pai e prostituta da Elizabeth.
A arquiteta olhava para aquela mulher que sempre fizera parte da alta sociedade e não acreditava que em algum momento chegara a pensar que teriam uma boa relação. Como fora tola!
-- Vai morrer aqui, Isadora, aproveite!
A duquesa a viu deixar a sala e desejou ir até ela, matá-la, destruí-la, odiava-a mais que qualquer coisa e rezaria ao demônio para que a amaldiçoasse dia após dia.
Nathália andava de um lado para o outro em meio à escuridão do convento abandonado.
Estava no mesmo quarto onde nascera. Seguiu até a janela de pedra e fitou a correnteza que se chocava com montes lá embaixo.
Tudo poderia ter sido diferente se a duquesa naquela noite tivesse se livrado da sua irmã. Nada daquilo estaria acontecendo. Com certeza teria tido uma vida em paz e gloriosa se a Valerie não tivesse existido.
Conseguira fugir em meio ao fogo, mas corria grande risco de ser descoberta. Agora estava sozinha. Ainda havia sangue na faca que usara para matar o comparsa que seguira consigo.
Deitou-se na cama de tijolo.
Precisava de uma saída.
Claro que Isadora admitiria todos os crimes, precisava apenas que o advogado conseguisse convencer ao juiz.
Não iria terminar a vida em uma prisão suja, jamais!
Seu destino estava ligado ao da Valentina. Sim, ficariam juntas, ansiava por isso, não parava de pensar nesse momento, a hora que teria a sua família ao lado da neta do conde.
Sorriu!
A circense estava apenas confusa, logo perceberia que amava a si e não a maldita selvagem da Natasha.
-- Logo retornarei, meu amor, ficaremos juntas!
Uma semana depois…
Valentina participava ativamente das arrumações para a comemoração do aniversário do filho. Mesmo que a data já tivesse passado, não haveria problemas, já que todos se reuniam naquele dia.
Escolhera a fazenda isolada que fora presenteada pelo avô para usar como cenário.
Observava as mesas serem montadas no gramado da frente da casa e um picadeiro ser montado.
Sorriu.
Viu o frei se aproximar e o abraçou.
-- Estou tão feliz com o seu retorno e todos na vila estão animados e agradecidos pelo convite para a festa do pequeno Valerie.
-- Eu que me sinto honrada com a presença de todos. -- Agachou-se para falar com o garotinho. -- E como você está? Anda estudando?
O menino respondeu animado.
-- Bastante… Agora tudo parece diferente, temos lugar para brincar, escola…
A morena o abraçou.
-- Pois quero que aproveite e seja um bom garoto!
O conde se aproximava junto com Nícolas, Mariana e Pepi. A secretária e namorada do empresário trazia Victor nos braços.
-- Deixe-me apresentá-lo minha família, frei! -- A circense disse com felicidade nos olhos.
Os empregados corriam para montar o pequeno circo. Aquele fora o modelo para comemorar o primeiro ano do garoto.
Natasha se debruçava sobre as teclas do piano. Tocava-o como se fosse a única opção para fazê-lo.
A música parecia surgir dos seus dedos como se fosse uma mágica, uma distração para seus medos, suas angústias.
Sentia-se frustrada por ainda não ter conseguido achar pista do paradeiro da irmã. Não conseguia descansar, não enquanto não soubesse que o filho e Valentina estariam verdadeiramente seguros.
Parou a melodia no meio, enquanto ficava a fitar os inúmeros porta-retratos colocados sobre a bancada por Helena. Pegou um deles e ficou a observar a garotinho de cabelos vermelhos ao lado da mulher de olhos tão negros.
Passara todos aqueles dias tentando não pensar nela, ocupando-se em sair com outras, em ser vista sempre em companhias femininas, mas nenhuma delas conseguia suprir o vazio que havia em seu peito.
Tocou a moldura com dedos vacilantes.
-- Valentina Vallares… -- Pronunciou o nome baixinho.
O que se passava consigo diante daquela mulher? Tinha a impressão que nada mais existia quando se aproximava da trapezista.
Fechou os olhos e se recordou de Verônica.
Nunca amara a filha do conde, apenas ansiara por uma família, por uma raiz, por algo que lhe fizesse sentido.
Riu amarga.
Talvez se não tivesse surgido na vida da jovem ela ainda estivesse viva, mas como? Tudo fora tramado, armado para que o casamento acontecesse.
Ouviu passos e ao se virar viu Helena.
-- Estamos indo para heliponto,vamos seguir até a fazenda, será a comemoração do aniversário do seu filho amanhã.
A ruiva voltou a prestar atenção ao piano, mas a mulher não foi embora, aproximou-se parando ao seu lado.
-- Já parou para pensar que todas as vezes que se livrou da morte foi por ter um propósito maior em sua vida? -- Tocou-lhe a face, fazendo-a lhe encarar. -- Entendo seu medo, mas não entendo a sua covardia.
A ruiva umedeceu os lábios demoradamente.
-- Você passou todos esses dias sem se aproximar, escondeu-se no interior dessas paredes… em festas...
-- Estou protegendo o meu filho…
-- E a Valentina… -- Pegou a moldura que estava sobre seu colo. -- Não lembra dela, mas a ama… Sua fraqueza é a palhacinha de circo e sempre será, mesmo com todas as amnésias que turvar suas lembranças. -- Esboçou um sorriso. -- Acho que está perdendo seu tempo em viver a fugir, ama-a e isso não vai mudar… -- Beijou-lhe a testa. -- Você sabe o caminho, conhece-o muito bem, então saberá o momento de seguir.
Natasha nada disse, apenas viu a mulher que sempre lhe tratara como filha se afastar.
Soltou um longo e frustrado suspiro retornando para sua música.
Todos davam gargalhada diante das palhaçadas de Pepi. Victor vestia-se como um mini palhacinho nos braços da mãe que imitava o traje do pequeno, só não pintara a face, mas usava o nariz vermelho.
As crianças pareciam hipnotizadas enquanto viam o número de mágica. Já era quase noite e logo as luzes artificiais iluminariam o lugar.
Os garçons serviam a todos, Victor tinha um algodão doce nas mãos e já estava com as mãos sujar de chocolate.
O bebê ruivo pareceu encantada ao ver sair da cartola do mágico os pombos que voaram para longe.
-- Então você é uma palhacinha mesmo…
A morena virou a cabeça ao ouvir a voz baixa bem perto do seu ouvido e quase desfaleceu ao ver os olhos verdes a lhe encarar com zombaria.
Victor se jogou nos braços da ruiva dando gritinhos de felicidades.
-- Vamos chegar mais perto e ver o quanto o mágico é charlatão.
A Vallares nem conseguiu falar nada, apenas observou a bela mulher se afastar com o filho por entre os presentes.
Não acreditava que ela tinha ido, mesmo que aquele fosse seu desejo mais íntimo, mesmo que fingisse para todos que não tinha qualquer interesse na presença da arquiteta, ansiava para que ela não perdesse aquele momento da criança que a amava tanto.
Mirou os próprios pés, usava um enorme sapato de palhaço.
Ouviu passos e ao se virar encontrou o pai ao seu lado a lhe fitar em preocupação.
-- Tudo bem, filha? -- O homem indagou a lhe perscrutar.
Os olhos negros da jovem voltaram para a ruiva que agora conversava com o conde e o frei, enquanto Victor parecia muito feliz em seus braços.
Deus, por que aquela mulher tinha que ser linda em sua calça jeans coladas às pernas torneadas, na sua camiseta que destacava os ombros magros e na sua jaqueta de couro tão vermelha quanto seus cabelos.
Cerrou os dentes com raiva.
Os olhos verdes se voltaram para si com um quê de zombaria, então a circense fitou o pai que a olha com curiosidade.
-- Estou com um pouco de calor com essa roupa. -- Disse com um sorriso forçado.
Nícolas riu.
-- Está linda, mesmo com esse nariz de palhaço. -- Abraçou-a. -- Estaria linda de todos os jeitos. -- Falou mirando-a.
Valentina assentiu, enquanto voltava a prestar atenção às apresentações que se sucediam um após a outra alegrando a todos.
As brincadeiras começavam e todas as crianças se reuniam para participar.
Natasha não desgrudou da criança, acompanhando com curiosidade a felicidade dele em brincar com as outras convidados, mesmo sendo elas maiores, todos queriam se divertir junto ao pequeno ruivo.
Levou-o ao pula-pula, enquanto deixava-o brincar, pegou um algodão doce, comendo a guloseima, rindo do bebê que pouco conseguia se manter de pé, mas que mesmo assim não desistia.
-- Acha que o Victor puxará os seus passos, Valerie?
A voz de Nícolas lhe chamou atenção.
Desde que tudo acontecera ainda não tinha tido nenhum contato com o homem que lhe olhava com curiosidade. O empresário que fora responsável por persegui-la de forma demasiada durante muito tempo.
-- Acredito que ele será tão bom quanto sua filha… -- Disse calmamente. -- Até a teimosia.
-- Acho que nós conhecemos essa marca na personalidade da Valentina, já sentimos na pele.
Natasha buscou a morena por entre os presentes e a viu bem à vontade em participar de um número com Pepi.
Palhacinha!
-- Sim, Nícolas, não é fácil lidar com uma personalidade tão forte sem perder a calma.
O homem lhe estendeu a mão. A ruiva apenas a olhou por alguns segundos até apertá-la.
-- Sei que a escolha dela foi feita e não acredito que poderia ter sido melhor, então se acostume em fazer parte dos Vallares.
A comemoração seguiu até tarde, a criança já dormia nos braços de Helena que a levara para o quarto.
Os convidados aos poucos iam deixando a fazenda e logo não havia mais ninguém.
Valentina ficara arrumando algumas coisas, guardando alguns apetrechos no grande estábulo.
Sabia que poderia ter ido para sua cama, tirado a maquiagem, trocados as roupas de saltimbancos, mas não desejava ir, pois temia que seu orgulho não fosse suficiente e seguisse até os aposentos da Valerie para tomar satisfação do seu comportamento durantes aqueles dias que nem mesmo chegara ir até o filho. Ainda se recordava das manchetes de jornais que estampava a empresária sempre ao lado de uma mulher diferente, ostentando seu charme e poder na alta sociedade.
Idiota!
Mesmo que desejasse que ela estivesse na comemoração do primeiro ano do Victor, também desejava que ela ficasse a anos-luzes de distância de si.
Natasha tinha tomado um longo banho.
Ficara durante algumas horas com Leonardo, Mariana, Nicolay e Nícolas na sala, beberam algumas doses de cachaça produzida na fazenda.
Sentia-se bêbada, mas não suficiente ainda para dormir.
Seguiu até o espelho e notou que a face estava corada.
Vestiu o roupão de seda sobre a camisola, depois prendeu os cabelos na nuca. Não tivera coragem de cortá-los ainda, então a franja caia por sua tez.
Caminhou até a janela e ficou lá observando o pátio vazio.
Recordou-se de quanto esteve ali, quando fora enganada, uma freira…
Um sorriso se desenhou em seus lábios ao se recordar de como ficara desesperada ao sentir o desejo queimar seu corpo pela dona daquelas terras.
Soltou um longo suspiro!
Estaria ela em seu quarto?
Só a viu durante o aniversário e mesmo que tivessem ficado lado a lado quando tiveram que tirar as fotos das lembranças, não trocaram uma única palavra, mas vez e outra se deparava com o olhar acusador em sua direção.
Mordiscou o lábio inferior demoradamente.
Observou a cama arrumada e pensou que o melhor a se fazer era deitar nela e dormir, afinal, bebera mais que suficiente para isso.
Contrariando o bom senso deixou os aposentos.
Valentina já terminava o que fazia quando ouviu passos, nem precisava se virar para saber quem adentrava o barracão. O cheiro da ruiva parecia tão arrogante quanto ela ao lhe invadir os sentidos.
Não imaginou encontrá-la novamente naquela noite e arrumara como desculpas ter que arrumar algumas coisas para não participar da reunião com os outros, pois sabia que ela estaria presente.
Aprumou-se e já passava pela empresária quando foi segurada pelo cotovelo.
-- Está saindo só porque eu cheguei? -- A ruiva indagou com um arquear de sobrancelha. -- Não tem motivos para isso, palhacinha.
A morena sentiu o hálito etílico mesclado ao sabor do menta.
O barracão só contava com uma luz parda, mas a lua reinava cheia e sua iluminação fazia o lugar brilhar sob sua haste.
-- Acredite, Valerie, não me importo se você está ou não, apenas terminei o que estava a fazer e por isso vou embora, preciso de um banho e da minha cama...
Natasha exibiu aquele sorriso que deixava a circense fora de si, mas ela tentava ao máximo não cair na provocação.
-- Posso te fazer companhia...
-- Grata por sua gentileza, mas referiria a de um demônio a sua.
A ruiva gargalhou diante do olhar irado da outra.
-- Onde está a sua aliança? -- Questionou ao mirar os dedos longos da neta do conde. -- Diferente de ti, a minha não sai do meu anelar esquerdo. -- Mostrou-lhe.
-- Ah, sim, isso deve atrair aquelas putas que você desfila junto toda noite.
O sorriso da odiada de Isadora ficou maior.
-- Anda acompanhando a minha vida é?
Valentina se desvencilhou do toque, enquanto se afastava, sentia seus passos abafados pelo feno.
-- Olha, Valerie, você fez questão de manter distância de mim durante todos esses dias, então eu desejo que continue a fazer o mesmo e suma da minha vida.
-- Não dá pra te levar a sério vestida de palhaça… Cadê o narizinho? Azul com bolinhas brancas...
A morena soltou um longo suspiro de impaciência.
-- Ah, me poupe dos seus sarcasmos.
Natasha cruzou os braços sobre os seios.
-- Pensei que a minha presença te deixaria menos arisca… -- Aproximou-se. -- Ainda me recordo de você me prender aqui duas vezes…
-- Pena que os cavalos não te deram um coice, assim tua cabeça dura tinha sido partida.
A ruiva riu alto, deu as costas e foi até as portas do barracão. Por um momento a morena pensou que ela iria embora, mas a empresária apenas fechou-as, retornando até a esposa.
-- Prefiro que os seguranças não me vejam apanhando de você. -- Disse com um riso de provocação.
-- Nem me darei o trabalho, você não deixaria de ser cínica nem se eu te amarrasse num poste e te chicoteasse.
A arquiteta estendeu a mão, mas foi rechaçada violentamente.
-- Não me toque!
-- Você é sexy mesmo vestida de palhaça!
Valentina mirou os olhos verdes.
-- Está bêbada! -- Disse com desdém. -- Acho melhor ir para a casa, entrar em seu quarto, tomar um banho e deitar na sua cama.
-- Prefiro me deitar na sua…
-- Em seus sonhos, Valerie.
A herdeira dos Vallares tentou passar por ela novamente, mas a ruiva tentou lhe segurar, a outra tentou se livrar do toque e ambas acabaram caindo sobre o feno, tendo a empresária sobre a trapezista. Rapidamente lhe segurou os pulsos sobre a cabeça, pois fora arranhada na face.
-- Não precisa disso…
-- Eu te odeio, te odeio, Natasha, te odeio, meu Deus, como te odeio! -- Gritava, buscando a liberdade.
-- Odeia, palhacinha… -- Colou os lábios em sua orelha. -- Sabe que saia com aquelas mulheres como um forma de te proteger, não posso permitir que minha irmã imagine o tanto que gosto de ti e como você é minha maior fraqueza…
A morena tentava se livrar dos braços que a prendiam, mas logo ficava cada vez mais subjugada entre as pernas da bela mulher.
-- A mim não interessa essas suas explicações idiotas, por mim pode voltar para o braço das suas amantes.
-- Ciumenta!
Valentina sentiu o hálito se aproximar do seu e desviou os lábios.
-- Cachorra!
Natasha se levantou trôpega, mantendo as mãos no alto em sinal de rendição.
-- Vamos conversar sem brigar -- dizia -- não te quero sem aliança, então trate de usar ou eu vou colocar cola em seu dedo e por o aro dourado com meu nome, ou mando te marcar a ferro com o símbolo da Valerie.
A morena suspirou exasperada.
-- Abusiva!
-- Abusiva e abusada! -- Tirou o roupão. -- Agora tira essa roupa de palhaça que eu quero transar contigo.
Os olhos negros se estreitaram.
-- Só pode tá louca se acha que vou permitir que me toque. -- Apoiou-se no cotovelo. -- Está enganada, selvagenzinha de cidade grande.
-- Ah, por favor, deixa de charme, nós sabemos que você é louca pra dar pra mim e eu confesso que adoro dar pra você… -- Disse safada.
-- Descarada! -- Falou corada.
-- Vamos conversar…
Valentina se levantou.
-- Não tenho nada para falar contigo, agora sou eu que vou te ignorar.
-- Vamos conversar ou a gente transa, você escolhe! -- Disse com os braços cruzados.
A neta do conde se aproximou, ficando bem perto dela.
-- Transar? -- Arquear a sobrancelha esquerda em ironia. -- Faça sozinha, use seus dedos, pois não me prestarei a seu jogo.
-- Como você deve fazer sempre né pensando que sou eu a te comer.
O tapa na face não foi tão forte quanto das outras vezes ou ela já tinha se acostumado a ser esbofeteada pela circense.
Natasha esboçou um sorriso de canto e logo partia para cima dela de novo, Valentina tropeçou quando se afastava de costas e caiu novamente sobre o feno. Já levantava as mãos para se livrar da arquiteta, mas não demorou para ter as roupas de palhaço rasgadas, ficando apenas de lingerie vermelha.
A ruiva estava montada em sua cintura, prendendo-a.
-- Vamos fazer da forma civilizada, vamos para seu quarto, deitamos na sua caminha e a gente faz amor como um casal normal…
Valentina se inclinou de novo batendo na outra face dela.
-- Não quero nada contigo!
-- Está vendo que você quem dificult…
A Vallares a esbofeteou novamente.
A empresária respirou fundo, enquanto se acomodava melhor sobre a esposa e foi nesse momento que a morena percebeu que ela não usava calcinha.
-- Se você colaborar só vamos conversar… -- Sorriu ao perceber as bochechas rosadas da circense. -- Seja boazinha e me ouça.
Valentina sentia o sexo quente e molhado sobre seu abdome e ela se mexia de propósito, sabia disso.
-- Diga logo o que quer e me deixe ir embora.
-- Você precisa me entender… não está sendo fácil para mim essa situação, tampouco me afastei por querer, tenho medo de que algo te aconteça e ao meu filho…
A morena mirava a face vermelha de tanto apanhar e tentava não pensar em como a outra se esfregava em si.
-- Certo, se era só isso que queria conversar, está tudo bem!
Ela tentou tirá-la de cima de si, mas foi detida.
-- Eu ainda não terminei de conversar…
A Vallares a viu se inclinar e os seios de mamilos rosados quase saltaram do decote.
-- Então termine. -- Ordenou impaciente.
-- Eu não dormi com aquelas mulheres, Leonardo sabe disso, eu só aparecia com elas nos eventos… Claro que elas queriam, mas eu não tinha nenhuma vontade… Sei que parece mentira, afinal, elas eram lindas, mas não quis… -- Soltou um suspiro. -- Queria você!
Mirou os olhos verdes, a expressão de cinismo. O corpo bonito...
Tentava ao máximo não pensar em como seu corpo já reagia. Precisava sair dali o mais rápido possível.
-- Bem, se já terminou, eu desejo levantar e ir para o meu quarto, estou cansada e quero tomar um banho…
Parou ao ver a ruiva se livrar da camisola pela cabeça ficando totalmente despida.
A neta do conde mirou a marca de biquíni, o abdômen liso, os seios redondos e empinados.
-- Agora é a hora de eu dar pra você…
A morena sentia a perna tremer e tentava não fitar o corpo tentador.
-- Está louca! -- Disse encarando-a. -- Está doida!
Natasha abriu o fecho frontal do sutiã que ela usava.
-- Nem toquei e eles já estão me querendo… -- Baixou a cabeça e passou a língua neles.
-- Já disse que não irei transar com uma mulher que não se recorda de mim. -- Empurrou-lhe a cabeça.
A arquiteta riu alto e foi nesse momento que a neta do conde se aproveitou para empurrá-la.
A ruiva gargalhava, enquanto uma Valentina seminua saia correndo do barracão.
A empresária não levantou, ficou lá olhando para a lua que aparecia entre as frestas.
-- Palhacinha... -- Sussurrou. -- Eu me recordo do navio... de quando confessei que não era a Nathália e você mesmo assim se entregou pra mim no escritório… Era virgem… -- Mordeu o lábio inferior em puro desejo. -- Ainda me recordo dos seus gemidos doloridos, porém ansiosos para que eu continuasse a prodigiosa forma de te deflorar… Acho que essa noite vai deliciosamente longa...
Devia aparecer alguém na vida da Valentina... Pra Natasha sentir como dói...
ResponderExcluirFaz a Valentina sofrer demais...
Cansada dela ser sempre a que está no comando. Tá na hora da Val mostrar que também sabe jogar esse jogo.
No último capítulo podíamos ter a Valentina no controle né? Adoro a Valerie, mas a Valentina só sofre e e tratada como objeto!!!! Que dia sai o último capítulo?????
ResponderExcluirUal !! Respira Rsrsrs....maravilhoso, porém já é hora da Nath recuperar a memória neh ! Bjosss
ResponderExcluirOlá autora,tudo bem com você?
ResponderExcluirValentina tem que dá o troco,conhecer uma bela mulher e fazer a Valerie morrer de ciúmes,pois só ela que sofre por causa da Natacha. Isso doi,mesmo ela confessando que não ficou com aquelas mulheres,foi maravilhoso a circense não ter cedido às investidas da arquiteta.
Pelo um momento achei que a ruiva não iria para a festa do filho,mas ela aparece com seu cinismo para provocar Valentina,mas dessa vez ficou na vontade.
Beijos
Qdo teremos novo capítulo...tô ansiosa...😍😍🌹
ResponderExcluirPrecisamos de uma amiguinha para Valentina, a Nath tem que sofrer um pouquinho.
ResponderExcluirParabéns! Amando sua escrita como sempre!😍😍😍😍