A tutora -- capítulo 18


                      Alice ouviu o barulho da porta sendo fechada violentamente. Encostou-se à parede e ficou lá parada com os olhos muito verdes abertos. Parecia assustada. Sentia as pernas trêmulas, o coração batendo acelerado como se tivesse acabado de correr uma maratona.
                        Ainda chegou a pensar que a empresária iria até ali, ainda imaginou que ela entraria furiosa no quarto exigindo uma explicação.
                         Lentamente seguiu até o leito, sentando-se. Levou a mão à testa como se estivesse a medir a temperatura do corpo.
                      Por um triz não acabou na cama com Amanda. Seu corpo ainda sentia espasmos, não tinha ideia de onde tinha tirado forças para resistir a esposa. Foi uma tortura sentir aquele corpo vibrando e não se entregar, porém sabia que se o tivesse feito, no dia seguinte estaria arrependida. Já tinha decorado aquela parte da história, fora assombrada durante muitos anos por isso. Não queria se sentir usada novamente, já que a outra só queria sexo, fora isso que lhe deu. Ela não tinha do que reclamar.
                        Por que depois de todos aqueles anos ainda a queria?
                        Quando sentira os lábios exigentes lhe tomarem foi como se tudo voltasse à época na qual era uma adolescente. Como se ainda fosse a garotinha deslumbrada por aqueles olhos azuis tão intensos.
                       Não, não podia continuar tão apaixonada quanto antes.
                    Sentiu lágrimas lhe molhar o rosto, não queria ferir a tutora, desejava com todas as forças de sua alma poder amá-la livremente, não ter que viver naquela terrível guerra.
                      -- Meu Deus!
                     Deitou-se na cama, encolheu-se, ficando em posição fetal.
                  Quantas vezes sonhara em ter Amanda na sua vida, desejara milhões de vezes que aquele casamento não fosse uma mentira.
                     Lembrava do fatı́dico dia do enlace.
                   A arquiteta a tratara de forma fria, nem mesmo lhe beijara ou a abraçara. Se comportara o tempo todo como se estivesse em um evento de negócios.
                   No final da cerimônia, a tutora mandara o advogado levá-la ao aeroporto, nem um adeus lhe fora dirigido, nem um simples olhar.
                      Fora nesse momento que percebera que não significava nada na vida da empresária.



                        Amanda chegara em casa e seguiu direto para o quarto, sentia-se péssima.
                    Como poderá ser tão humilhada em sua vida? Ela estava lhe dando o troco por todas as vezes que agira identicamente. Nunca imaginara tal comportamento da pupila, jamais pensara algo tão baixo da esposa.
                       Usada! Fora miseravelmente usada e descartada.
                   Chorou como há muito tempo não fazia. Chorou pelas vezes que fez o mesmo com a pupila, chorou por não conseguir acreditar num futuro entre elas, chorou por amá-la loucamente.
                       -- Maldição! Eu a amo...
                   A constatação era dolorosa, o medo invadia todas as células do seu corpo. Desde o começo sempre fora uma batalha perdida e perdera.
                    Aquelas palavras ditas em voz alta foram uma forma de libertação de sua dor. As lágrimas lavaram sua alma.





                    A segunda-feira chegara nublada, o domingo fora todo de chuvas.
                    Na portaria do grande prédio, os empregados observavam a bela mulher sair do carro. Não tinha ido dirigindo como era costume seu, o motorista a levara, então perceberam o motivo ao ver a atadura na mão direita.
                     Ela passou por eles com um cumprimento baixo de bom dia. A empresária fazia-o, seu pai quando a levava lá, fazia-o se dirigir com cortesia a todos, mesmo que não houvesse muita gentileza naquele gesto.
                     A Dervelux caminhava pelos corredores e observava a expressão de todos que pareciam sempre curiosos diante da arquiteta.
                        Seguiu para sua sala e sua secretária a acompanhou para lhe passar a agenda do dia. Viu o olhar da mulher mirando as ataduras que usava, mas não se importou em explicar.
                     -- Só isso? – A arquiteta indagou de forma impaciente.
                 -- Tem outra coisa. – Relutou. – A sua – Pigarreou. – Sua esposa está na empresa e o senhor Ricardo a levou para conhecer as instalações.
                      Os olhos azuis escureceram em frações de segundos, a expressão endurecendo ainda mais.
                    Aprumou-se na cadeira.
                  -- E o que eu tenho a ver com isso? – Fuzilou-a com um olhar mortal. 
                  A mulher pareceu ficar sem jeito, enquanto apertava a prancheta junto aos seios.
                 -- Preciso me reunir com o conselho ainda essa semana, veja um dia e avise-os, tenho coisas para acertar com eles.
                   A secretária apenas assentiu, pediu licença e retirou-se.
                  A empresa ficou a tamborilar os dedos na madeira da mesa, depois ligou o computador. Observou a mão que fora ferida, enquanto quebrara uma das garrafas de vinho.
                     Soltou um longo suspiro.




                    Alice encontrava-se na sala de Ricardo.
                  -- Então, decidiu retornar ao lar.
                  -- Bem, é o único lugar que conheço.
                    Ambos estavam sentados, o mais velho em sua cadeira e a pupila de frente para ele. Tinha visitado todo os andares, apresentando-a sua empresa. 
                   -- E como estão as coisas? – O advogado tomou um pouco do seu café.
                   -- Tudo está bem, hoje começo a trabalhar aqui, então tudo não poderia estar melhor.
               -- Anhan! – Deixou a xı́cara sobre a mesa e a encarou. – E como está sua relação com a Amanda? 
                   A jovem cruzou os braços, parecia incomodada pelo ritmo da conversa.
                    -- Não há uma relação entre nós.
                    -- Vocês são casadas. – Comentou como para si mesmo.
             -- Em pouco tempo o casamento não existirá mais. Em menos de um mês, estaremos novamente sem laços para prender-nos.
                 -- Há laços que não são facilmente dissolvidos, independentemente de haver um divórcio, acredito que o que une vocês não será fácil de ser rompido.
                    Alice, pela primeira vez o encarou.
                    -- Nada prende a Amanda a mim. —Falou convicta.
                    -- Mas você continua presa a ela?
                    --Não! – Desviou o olhar.
                    O advogado levantou-se e aproximou-se, segurando-lhe as mãos.
               -- Não permita que seu puro coração se perca pelo caminho. Você é uma jovem maravilhosa, seus pais teriam muito orgulho de ti. Então, continue sendo luz, quem sabe assim, não possa iluminar as trevas.
                    A pupila levantou-se e abraçou o bom senhor.
                As palavras ditas por ele foram um bálsamo para as feridas de sua alma. Era aquilo que buscara nesse final de semana e agora encontrara.




                A arquiteta estava em sua sala, já era quase hora do almoço, porém havia alguns projetos para serem examinados.
                 Estava distraı́da vendo alguns deles e nem percebera que alguém entrara no escritório.
                  Ouviu o som de passos e virou-se.
                   Alice!
             Continuou observando os desenhos, não queria encará-la, tê-la em sua sala era um verdadeiro castigo, sem falar na vontade de partir para cima dela pelo que lhe fizera da última vez que se viram.
                -- O fato de você ser dona de cinquenta por cento da empresa não lhe dá o direito de entrar em minha sala na hora que desejar.
                   A jovem aproximou-se e ficou a olhar os papéis espalhados sobre a grande mesa. Mirava os óculos dourados que enfeitava a face bonita. Mirou a mão machucada, o perfil arrogante.
                    -- A sua secretária não estava para anunciar-me.
               Amanda sentiu aquele perfume floral invadir o ambiente. Tentou afastar-se, mas mãos delicadas segurou-lhe o braço.
                    Fitaram-se demoradamente e a empresária se manifestou:
                  -- Solte-me! – Disse irritada.
               Alice estremeceu ao constatar tanta raiva naquele rosto tão lindo, os olhos pareciam soltar faı́scas.
                -- Você é tão linda. – A pupila passou as costas da mão por aquela pele, contornando o nariz firma, a boca bem-feita e o furinho que dava um charme aquele queixo. -- O que houve com sua mão?
             Amanda desvencilhou-se daquele toque e afastou-se. Sentia-se vulnerável com aquela aproximação.
                      -- O que você quer? -- Indagou com as mãos na cintura. -- Não tenho tempo nem paciência para ti.
                      A pupila viu-a em total defensiva e até entendia, mesmo não gostando, soltou um longo suspiro.
                 Passara todo o final de semana se culpando pela forma que agira, sabia que aquilo não tinha sido certo, independente de qualquer coisa.
                    -- Desculpar-me por ter te machucado, por ter me portado de forma desprezável contigo. – Aproximou-se ainda mais.
                    Os olhos azuis se estreitaram de forma ameaçadora. A Dervelux se afastou mais:
                     -- Não quero te ouvir. Saia daqui. – Abriu a porta.
                  -- Sim, eu sairei. – Ficou de frente para ela. – Talvez, eu seja uma idiota, uma boba, mas estou cansada de viver desse jeito. Sinto que vou acabar sufocando se não falar.
               -- Já disse que não quero ouvir nada que venha dessa sua boca. – Tentou afastar-se, mas a pupila a segurou pelo ombro.
                -- Mas você vai ouvir o que está engasgado dentro de mim há tanto tempo. – Encarou aqueles olhos azuis. – Desde a primeira vez que te vi, senti uma raiva crescendo dentro de mim, raiva pelo seu jeito arrogante de agir, de me maltratar, de me usar, então um belo dia acordo e percebo que aquela raiva que eu pensei que existia tinha se transformado em algo muito mais poderoso, num sentimento que nem o mais forte guerreiro conseguiria vencer. Então fugi, ora como eu fugi, passei toda minha vida fugindo, porém estou cansada e não pense que estou falando isso porque desejo comover-te ou fazer-te mudar, estou aqui dizendo que estou completamente apaixonada por você como uma forma de me libertar disso, preciso mostrar ao meu coração que esse amor que está aqui dentro. – Apontou para o peito. – Não pode sobreviver, não tem como dá certo porque a mulher que eu amo só se preocupa com o poder, com o dinheiro e o resto pode ir para o inferno. – Soltou-a. – Tenha uma ótima tarde.
               Amanda observou a pupila deixar o escritório e não teve como reagir a isso. Não acreditava no que tinha ouvido, ela confessara que a amava.
                Não, isso só podia ser um sonho.
             Saiu desesperada da sala em busca de Alice, precisava dela, não a deixaria escapar, porque também estava apaixonada pela esposa. A amava e precisava fazê-la saber disso.








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