A tutora -- Capítulo 8


                  Amanda despertou com um som baixinho do celular, parecia algo tão distante. Sentia-se exausta e tinha a impressão que tinha retornado ao tempo que precisava acordar cedinho para frequentar as aulas na universidade.
                   O toque insistente do aparelho móvel lhe fez ficar novamente atenta.
                O quarto estava mergulhado na penumbra, mas as luzes do amanhecer já invadiam o espaço.
                Tentou mexer-se, mas braços e pernas a mantinham presa. Lentamente abriu os olhos de deparou-se com uma cabeleira ruiva já conhecida e um rosto angelical dormindo tranquilamente em seu peito.
                  As batidas do coração aceleraram. Que loucura tinha feito!
               Nesse momento, as coisas começaram a esclarecer na sua cabeça. Lembrou o momento que viu Alice entrando no salão, da raiva e do desejo que sentira por vê-la ao lado do namorado e ainda por cima tão perfeitamente linda. Recordou da ingestão descontrolada de champanhe, do momento que não suportou mais vê a pupila nos braços de outro, da hora que arrastou-a da festa, levando-a para seu apartamento.
                Deus, aquilo não poderia ter acontecido!
             A tutora levantou-se lentamente, a última coisa que desejava naquele momento era encarar a outra.
             Seguiu para o closet e quase praguejou ao lembrar que todas as roupas que mantinha lá tinham sido doadas. Não costumava usar mais aquele lugar, fazia bastante na adolescência, nos momentos que se encontravam com a amante, mas isso já fazia muito tempo que não acontecia.
                  Seguiu até a sala e viu com desgosto o vestido de Alice todo rasgado.
                  Passou a mão pelos cabelos, arrumando-os.
                  Se os pais estivessem vivos teriam o maior desgosto da vida ao saber que algo daquele tipo tinha se passado.
                Observou as próprias roupas e sem se importar em colocar as peças íntimas, vestiu-se, pegou as chaves do carro sobre o sofá e deixou rapidamente o apartamento.
                Já no carro, pegou o aparelho celular e viu as infinitas chamadas que não foram capazes de se fazerem ouvidas durante a noite.
                Soltou um longo suspiro.
               Não tinha explicação para o que tinha ocorrido. Não se reconhecia, nunca agira de forma tão passional, nos seus vinte e três anos de vida sempre fora uma pessoa controlada, antes daquele momento só ocorrera um único deslize na sua vida, mas nem esse se comparava ao que acontecera na noite anterior.
                  Bateu fortemente no volante do conversível.
                  “Droga!”
                   O que faria agora?
                   Era a tutora da Albuquerque, a garota tinha apenas dezesseis anos.
                  Tentando manter a calma, discou o número de Ricardo que atendou prontamente.
              -- Pelo amor de Deus, Amanda, você foi sequestrada? Desde ontem estamos desesperados atrás de ti. Até a polícia foi envolvida no caso.
                A jovem mordiscou a lateral do lábio inferior demoradamente, depois respondeu:
                -- Estou bem. Só tive um pequeno problema.
             -- Pois, saiba que agora tens vários deles. Seu noivo está louco te procurando e sua pupila decidiu seguir os mesmos passos que os seus, sumiu!
               Alguns segundos se passaram, até ouvir-se novamente a voz da empresária.
             -- Alice está bem. – Fez uma pausa. – Preciso que a pegue na minha cobertura e a leve para casa.
              Uma incômoda pausa se fez no outro lado até a voz desconfiada do advogado soar:
              -- Mas, então, vocês estavam juntas?
              -- Ricardo, faça apenas o que estou mandando. – Finalizou a chamada.



             Alice abriu os olhos, virando-se para o lado em busca da empresária. Mas percebeu que estava sozinha. Chamou-a, mas não recebera resposta alguma.
                 Enrolou-se no lençol em busca da tutora, mas não a encontrou em nenhum lugar.
                 Viu o vestido caro todo destruído.
                  Suspirou, enquanto imaginava onde poderia estar a tutora.
               Ouviu o som da companhia! Seria Amanda? Mas, como? Ela deveria ter a chave, porém poderia ter esquecido. Sorriu e se seguiu para abrir a porta. Seu sorriso sumiu.
                O advogado observou a menina parada, enrolada num cobertor. Alice corou imediatamente.
                O senhor pigarreou.
                 --Bom dia, criança! A sua tutora pediu-me para te levar de volta à mansão.
                 -- Onde ela está?
                 -- Tinha uns problemas para resolver, por isso pediu-me para buscar-te.
             A pupila caminhou para o quarto, sentia-se mal por não ter sio esperada pela outra. O que poderia ter acontecido para ter lhe deixado sozinha?
                 -- Vou sentar aqui e esperar que fique prontas. 
                 A pupila virou-se, encarando-o.
                 -- Não tenho roupas.
                  Ricardo teve uma pequena crise de tosse.
                 --Mas, mas você veio para cá despida?
                  -- Não! – Voltou a caminhar. – Sua patroa rasgou. 
                  A tosse leve, aumentou bruscamente.


               Uma hora depois, o carro do advogado adentrava os grandes portões da mansão Dervelux. Tinha demorado um pouco, pois fora preciso providenciar vestimentas para a menina.


               Amanda estava no escritório da sua casa, sentada, observava com interesse a decoração do lugar. Tinham infinitos livros, obras de artes. Tudo muito interessante! Deveria começar a valorizar os clássicos e arrumar tempo para ler, coisa que só fazia quando estava voando, pois a fazia se distrair da tensão de estar dentro de um avião.
               -- Você está me ouvindo, Amanda? – Um Felipe descontrolado gritou.
            -- Até em Marte dá para ouvir seus gritos. Então, baixe o tom de voz ou te deixo falando sozinho.
               O homem a olhava e ficava a pensar que espécie de iceberg era aquele, pois tinha certeza que a noiva não era um ser de carne e osso, tinha quase certeza que sangue não corria em suas veias.
              -- Não entendo por que não acabo com esse relacionamento nesse mesmo instante. – O rapaz sentou-se na poltrona vencido.
              -- Porque você sabe que isso não seria bom para os negócios.
              -- Você só pensa nisso? – Ele a encarou. -- Não há nada mais que poder para a herdeira de Arthur Dervelux.
               Impaciente, a jovem levantou-se.
           -- Não me venha com sentimentalismo, agora. Você  sempre soube qual era o verdadeiro motivo para estarmos juntos.
               -- Sim, eu sei. – Levantou-se. – Falei para a imprensa que você teve um mal-estar e por esse motivo teve que se ausentar da festa.
                -- Perfeito!
               Sem mais, o noivo deixou o recinto.
                A empresária soltou um longo suspiro de impaciência.
               Não entendia as reclamações de Felipe. Sempre soube que a relação entre eles era muito mais negócio que qualquer outra coisa. Não fora ela, tampouco ele quem escolhera, foram os pais assim que ambos nasceram.
                  Ouviu batidas na porta, mandou que entrasse. 
                  Ricardo tinha chegado!
                 -- Trouxe a sua encomenda. – Encarou-a.
                 Amanda sentou, abriu o notebook e começou a digitar algo, parecia querer ignorar o outro.
                 -- Tive que comprar r.o.u.p.a.s para ela. – Enfatizou cada palavra. 
                 A arquiteta sentiu o rosto tingir-se de vermelho.
                  -- Ela estava enrolada num lençol.
                  -- Ok! Tenho coisas para fazer, não tenho tempo para jogar conversa fora.
                  Ricardo ainda pensou em falar algo, mas sabia que seria inútil, então se despediu e foi embora.
               A arquiteta fechou o computador portátil. Não tinha concentração para fazer nada, só pensava na pupila. Queria vê- la, mas não tinha coragem, sabia que ultrapassara todas as barreiras, sabia que cometera um erro terrível.
                     Novamente a porta fora aberta.
                     Mas se a montanha não vai ao Maomé, Maomé...
                     -- Amanda!
                     A tutora teve um susto ao notar a presença da jovem. Pensou em evitá-la o máximo possível, mas parecia que a outra tinha outros planos.
                    Fitou os olhos verdes que brilhavam em verdadeiro fogo. Observou-a de cima a baixo e mais uma vez a quis, ansiou por repetir tudo o que se passara na madrugada.
                    Ela estava ainda mais linda, usava um pequeno short e uma camiseta colada ao corpo.
                  -- O que você quer? – Pegou uma folha e começou a ver uns desenhos.
               Alice teve vontade de abraçá-la e beijá-la, mas a recepção fria a tinha lhe dissuadido do intuito.
                Observou-a, parecia concentrada, os cabelos estavam soltos, usava óculos de leitura o que lhe dava um ar mais sério, usava uma blusa social preta de mangas longas, alguns botões estavam abertos e dava para ver o colo alvo.
                   A pupila chegou mais perto e odiou que houvesse aquela mesa entre elas.
                   -- O que houve?
                -- Não houve nada, estou ocupada. – Falou, sem ao menos fitá-la.
                    A garota deu a volta e parou em frente a outra.
             -- Você vai me dizer agora o que aconteceu? Por que me deixou sozinha no apartamento? Queria ter acordado ao seu lado.
               Amanda levantou-se bruscamente e afastou-se, temia que aquela proximidade lhe fizesse perder a cabeça novamente.
                -- Não tinha motivos para ficar lá. – Completou de costas para ela. – Agora saia e me deixe trabalhar.
              A pupila sentiu os olhos encherem de lágrimas, mas não iria se permitir chorar. E também não seria tratada como uma idiota.
               -- Não sairei daqui até que você me dê uma explicação. – Puxou-lhe pelo braço, obrigando-a a encará-la. 
                  Amanda desvencilhou-se, furiosa.
                  -- Não toque em mim. – Vociferou.
                 -- Não tocar em você? – A encarou. – Ontem, eu não só te toquei com as minhas mãos, mas te toquei com a boca.
                   -- Ora, como ousa falar isso? – Corou! – Não tem vergonha na sua cara?
              -- Olha, eu não quero brigar contigo, mas eu não estou entendendo a sua atitude para comigo. – Alice chegou mais perto e tentou beijá-la.
                 -- Já disse para não me tocar. – Deu-lhe as costas novamente. – E quanto ao que aconteceu ontem, considere como a lição que disse que te daria se ousasse me desafiar novamente.
                Alice sentiu como se mil facas lhe ferissem a carne. Então tudo que se passara fora apenas uma vingança? Fora punida da pior forma possível. Como alguém poderia agir de tal forma?
               -- Você está dizendo que tudo que tivemos foi apenas uma forma de me castigar? – Indagou perplexa.
              Amanda sentiu a tristeza traduzida nas palavras e por muito pouco não voltou atrás. Sabia que não podia continuar alimentando esses sentimentos, seria melhor lidar com a raiva do que com a paixão que estava surgindo dentro si. Cortaria esse mal pela raiz.
                Virou-se e encarou.
               -- Sim. Quero ver como voltará para o seu namoradinho depois de tudo o que houve. – Riu, debochada. – Seria capaz de continuar o seu namorico depois de ter traı́do o seu querido John?
               -- Você  é  o ser mais desprezível que já  conheci. – Balançou a cabeça. – Eu sinto nojo por ter ficado contigo, por ter lhe tocado. Tenho ânsia de vômito ao lembrar do que aconteceu.
                 -- Ah, poupe-me das suas leseiras. Tenho certeza que você adorou tudo o que aconteceu e se eu quisesse, o que eu não quero, você faria tudo novamente.
                   Furiosa, Alice voou para cima dela.

                Ricardo ouviu os gritos, não tinha deixado ainda a mansão. Tinha aceitado tomar um chá que a Maria ofereceu. Correu em direção ao escritório e encontrou Amanda tentando se livrar das investidas violentas de Alice. Ágil, segurou a pupila.
                  -- Me solta. – A menina gritou, tentando se soltar das mãos do advogado. -- Eu matá-la!
                   -- Calma, criança!
                   -- Tire-a daqui, Ricardo. – Amanda ordenou, tentando se afastar, temendo ser arranhada novamente. -- Vou colocá-la uma camisa de forças. Está louca!
                    -- Vamos, Alice, acalme-se, querida!
                 -- A sua patroa não passa de uma cachorra, doutor. – Gritou. – Uma vagabunda que não tem respeito pelos sentimentos alheios.
                  -- Tire ela daqui ou vou perder a minha paciência. 
                     Alice parou de espernear e fitou-a.
                    -- Eu te odeio, Amanda Dervelux.
                    A menina soltou-se dos braços do advogado e saiu do escritório.
                O homem observou o semblante da patroa e percebeu que as últimas palavras da pupila a tinham ferido. Não sabia o que estava acontecendo ali, porém poderia jurar que o que tivesse acontecido tinha mexido muito com a fria mulher.
                     Preferiu não falar nada, saiu deixando-a sozinha.
                A tutora sentou-se na poltrona, sentiu lágrimas rolando pelo rosto. Há quanto tempo não sentia essa dor, sentia como se algo dentro si tivesse quebrado. Como se nada mais fizesse sentido na sua vida.
                  “Por quê? ”
                   Lembrou-se do que ocorrera há mais de cinco anos.
              Estava na faculdade quando se apaixonara loucamente por uma das colegas do curso. Tinham um relacionamento perfeito. Estava muito louca por Lara. Fazia todas as vontades da jovem, porém a relação era mantida em segredo. Até que um dia, ela decidiu contar para os pais, decerto que eles estranharam, afinal, a filha já tinha tido vários namorados, apesar disso, resolveram apoiá-la e fizeram questão de conhecer a namorada da filha. Lara, todavia, sempre inventava uma desculpa e nunca ia ao encontro. Até que um dia, saiu para jantar com os pais e lá encontrou a namorada. Ela, na verdade, era a esposa do dono de uma construtora que sempre fora concorrente da empresa dos Dervelux. Lara a usará para conseguir informações confidenciais, e a arquiteta caı́ra direitinho na armadilha. Por pouco sua famı́lia não decretou falência. Quando confrontada por Amanda, Lara disse que só quis usá-la para poder fazer com que marido conseguisse ocupar o lugar que era do pai da jovem, disse ainda que nunca sentira nada pela garota e tinha nojo de lembrar das coisas que ambas fizeram.
              A empresa do marido de Lara foi a primeira que Amanda arruinou quando assumiu os negócios da famı́lia!

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A antagonista - Capítulo 25

A antagonista- Capítulo 22

A antagonista - Capítulo 21