A tutora -- Capítulo 4
A tutora partiu para o seu próprio quarto. Estava em chamas. Mas sabia que não era só raiva.
Observou os aposentos bem arrumados, enquanto tentava controlar a euforia.
Poderia ter espancado tranquilamente a pirralha de cabelos ruivos, o difícil seria conseguir parar.
Poderia se livrar dela, jogá-la novamente em um colégio de freira, obrigá-la a ficar lá dentro nem que fosse preciso o uso de algemas para conseguir esse intuito.
Seguiu até a janela do quarto, abrindo-a como se não conseguisse respirar.
Fitou os jardineiros cuidando das rosas, as preferidas da sua mãe, depois viu quando Maria seguia até ele gentilmente com uma xícara de café.
Bateu com os punhos fechados e logo se afastou, pois a cena a fazia recordar o que tinha se passado durante a sua ausência.
Cerrou os dentes demoradamente e teve a impressão que os olhos verdes a olhavam.
Garota ridícula!
Ah, sim, armou toda aquele episódio para ligar para o namoradinho!
Relanceou os olhos irritada e ao respirar fundo sentiu o aroma do corpo da adolescente impregnado ao seu.
Praguejou alto!
Caminhava com passos longos até o banheiro.
O lugar era grande e elegante. Havia uma hidromassagem na cor preta, enquanto os ladrilhos que decoravam o lugar também traziam o branco. Os espelhos cercavam toda área e havia várias armários embutidos e também um box onde havia duchas espalhas por várias partes para massagear o corpo.
Voltou a se recordar da protegida do seu pai.
Recordava-se de Arthur sempre a falar dela, depois Ricardo, sempre pensara que se tratasse de uma menininha, não de uma jovem com corpo tão sensual. Não foi difícil notar isso diante dos trajes que a tutelada usava.
Soltou um longo suspiro.
Entrou no chuveiro com roupa. Queria apagar aquela sensação que se apossou de si. Ela conhecia bem aquilo, mas nunca sentira tão forte. Sua pele parecia pegar fogo.
A água fria lhe chicoteava, mas ela não parecia se importar com isso.
Os olhos tão azuis estavam abertos, pareciam pasmos.
Não era segredo para ninguém a adolescência conturbada da herdeira dos Dervelux. Vivia entre romances com homens e mulheres. Nunca se importara com o gênero, o importante sempre fora sentir prazer. Estampava sempre as revistas com suas badalações, seus casos, mas perto de completar seus vinte anos tudo aquilo mudou. Algo terrível transformou a jovem apaixonada em um ser humano frio e arrogante. Depois desse dia, uma nova Amanda nasceu e a esta não cabia sentimentos, nem desejos, sobrou apenas uma mulher com o coração de gelo.
Lembrou do noivo. Da relação que tinham e de como ele reclamava da falta de intimidades.
Claro que vez ou outra ela cedia à paixão masculina, pois era amante do prazer, apenas fechava os olhos e se permitia ser tocada.
Encostou-se ao vidro e ficou lá parada, pensando que não deveria de forma alguma permitir esse tipo de pensamentos, não colocaria tudo a perder em sua vida toda toda programada.
No dia seguinte, Alice fora acompanhada até o colégio para fazer as provas finais. Não tivera como falar com ninguém, fora-lhe reservada uma sala isolada para realizar os exames. Os seguranças, não desgrudavam um só momento da jovem.
Mexeu-se desconfortável na cadeira.
Mirou a forma intolerante de ser encarada. Lembrava bem deles do dia que invadiram o apartamento com a traste da Dervelux.
Lembrou-se dela e ainda tinha as costas doloridas por ela ter pressionado contra a parede.
Quem era aquela mulher? Como um ser humano poderia agir com toda aquela frieza e crueldade?
Voltou a prestar atenção na prova e logo terminava.
A irmã se aproximou com um sorriso e ela entregou. Esperava não ter que retornar naquele lugar nunca mais.
Fora jogada ali sem que fosse lhe perguntado se era da sua vontade. Deixara sua escola, seus amigos, seu namorado, sendo proibida de sair de sair até nos finais de semana.
Deixou a sala e ao seu lado andava os dois seguranças.
-- Se eu for fazer xixi vocês irão juntos?
Estavam no corredor, prontos para irem embora.
-- Só estamos aqui para garantir sua guarda, senhorita, e se percebermos que correrá perigo indo ao banheiro, com certeza iremos acompanha-la.
-- Era o que me faltava. -- Falou com as mãos na cintura. -- Eu jamais permitiria que fizessem isso.
Ouviram o telefone tocar e um dos homens atendeu a ligação.
Alice sabia que ele estava falando com a talzinha, então nem se importou e saiu caminhando, ouvindo os passos deles acompanhando-a.
A Dervelux estava sentada diante da bancada.
Examinava com cuidado cada detalhe, prestando atenção nos cálculos que foram feitos para ver se estavam precisos.
Ouviu a porta abrir e ao se virar viu o advogado entrando, não se importou, voltando a prestar atenção ao desenho.
-- Amanda, recebi a notícia de que sua pupila já terminou as provas e está indo para casa. – Ricardo desligou o telefone e encarou a arquiteta.
A empresária não respondeu, continuando o trabalho, mesmo se sentindo desconfortável quando ouviu falar de Alice.
-- E o que eu tenho a ver com isso? -- Indagou sem o fitar.
-- Pensei que você gostaria de saber, afinal, faz mais de uma semana que ela não foge. Acho que já se acostumou com sua presença.
O advogado a provocou. Tinha idade para ser pai daquela jovem, a admirava muito como profissional. O que não conseguia entender é como uma menina que antes era tão meiga, se tornara esse ser duro.
Chegou mais perto e ficou olhando o projeto desenvolvido por ela e pelo noivo.
Ele já sabia do episódio de telefone. Maria lhe ligara ontem para contar o ocorrido. Se tivesse sido outra pessoa a cometer esse ato, decerto já estaria terrivelmente com problemas, porém com a sua babá a jovem não faria nada. A amava como a uma mãe.
-- Você não tem nada para fazer? – A jovem o encarou, irritada. -- Acho que deveria arrumar um trabalho para defender aqueles infratores na porta da cadeia, assim se ocuparia.
Ricardo tentou segurar o riso, pois sabia que ela ficaria ainda mais brava.
-- Sim. – O senhor chegou mais perto para observar as plantas que eram foco de atenção da jovem. – Sua sogra me ligou. Quer que eu a ajude com os preparativos da sua festa de noivado. – Fez uma careta. – Amanda, eu não tenho saco para me meter nessas coisas, não há ninguém para você envolver nisso?
-- Não precisa se envolver nos preparativos. Só na questão do lugar que é muito importante e a cobertura da imprensa, o resto deixe com ela.
-- Não deveria ser a noiva a se envolver com isso? – Indagou com a sobrancelha arqueada.
-- Por favor, deixe-me em paz. Não tenho nenhuma vontade de perder meu tempo com isso.
-- Já que não deseja, poderia colocar outra pessoa para se envolver, mulheres adoram casamentos -- Falou pensativo. -- Alice poderia participar.
Os olhos azuis se estreitaram em ameaça silenciosa.
O advogado balançou a cabeça e saiu da sala.
Era um caso perdido.
Alice estava em seu quarto, havia se passado três dias do ocorrido com o telefone. Não tinha se encontrado mais com Amanda. Mas sempre via quando ela saia de manhã no seu carro esporte. Mas a noite nunca a via chegar. Maria deixara escapar que havia um noivo, decerto ela ficava com ele até tarde da noite. Não sabia o porquê, mas essa ideia lhe era incômoda. Talvez porque não conseguisse imaginar aquele ser agindo carinhosamente com alguém, ainda mais de forma apaixonada.
Esboçou um sorriso debochado.
A Dervelux não deveria nem saber o que significava gentileza.
Deitou na cama e pegou o romance que estava lendo.
Fora um presente de Jhon.
Sentia saudades dele, da sua forma doce de lhe tratar, dos seus beijos.
Viu a dedicatória na capa e pensou que poderiam ter fugido, mas jamais imaginou que a tutora a encontraria ou iria até lá.
Fechou os olhos e a viu com sua arrogância adentrar o pequeno espaço exigindo que cedesse as sua vontades.
Ridícula!
Precisava pensar em alternativas para fugir, não ficaria trancafiada naquele quarto, não seria uma prisioneira de Amanda, não mesmo!
A arquiteta chegou cedo a casa naquele dia. Era domingo.
Teve que inventar uma indisposição para se livrar do almoço na casa dos sogros, porém não teve como se livrar do noivo. Felipe fez questão de acompanha-la em casa e agora estava sentado, confortavelmente no sofá, enquanto Amanda mexia no celular.
-- Mamãe ficou triste por você não ter aceitado almoçar com ela. -- Falou acariciando-lhe os cabelos.
-- Eu já disse que não estou me sentindo bem. -- Disse sem fitá-lo.
Felipe se aproximou de onde ela estava sentada e começou a beijar-lhe o pescoço. A jovem permanecia estática. Não esboçava nenhuma reação.
-- Às vezes eu penso que namoro uma estátua. -- Disse frustrado diante da indiferença dela.
-- Vai começar com isso novamente? – Levantou-se exasperada.
-- Nossa relação é apenas mais um negócio para ti.
-- Se você não se importa, eu vou subir para o quarto. Pode ficar aí, peça algo para beber, relaxe, quiser nadar, a piscina está limpinha.
-- Eu já estou indo embora. Espero que melhores.
Sem mais palavras, o jovem deixou o recinto.
A Dervelux observou a porta ser fechada e permaneceu lá, apenas observando.
Maria observou o semblante da sua menina, parecia cansada.
Sabia que ela estava chateada desde o dia do episódio do telefone, sabia disso porque estava sendo ignorada e a herdeira de Arthur só fazia isso quando não queria discutir com ela.
Os olhos azuis se voltaram para si.
-- Não a esperava tão cedo em casa.
-- Não aviso mais a hora que vou chegar para poder ver as coisas erradas que você anda fazendo. – Já seguia para a escada.
-- Por favor, menina, me desculpe por aquilo.
-- não quero mais falar sobre isso.
-- Certo. – A mulher hesitou. – Alice pediu para te avisar que precisa falar com você.
Aquilo pareceu deixar a arquiteta mais irritada.
-- O quê? Era o que me faltava. E o que que essa fedelha quer comigo?
-- Bem, isso eu não sei. Há três dias ela pediu para te dar o recado. Mas raramente te vejo.— A senhora preferiu seguir para a cozinha, antes de mais uma explosão de humor caótico.
Amanda subiu as escadas e foi direto para o quarto da pupila. Passou todos esses dias evitando vê-la, porém o recado que lhe fora dado, deixou-a curiosa e exasperada, pois não tinha nenhuma obrigação de aceitar falar com aquela pirralha.
Parou diante da porta e como de costume, entrou sem bater e teve uma surpresa.
Alice estava nua. Totalmente despida. Tinha acabado de tomar banho e secava os cabelos com a toalha.
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