A tutora -- Capítulo 2
Alice sentiu a cabeça rodar, fechou os olhos e os abriu de forma lenta, até se acostumar com o ambiente. Não estava mais no apartamento do seu namorado e só agora começava a se recordar do que havia acontecido. Aquela mulher tinha aparecido lá e lhe levado à força. A reconhecera pela voz, antes já tinha ouvido. No dia que sua tutela lhe fora entregue. Mas nunca a tinha visto pessoalmente. Mas agora já sabia que aquele ser mesquinho também tinha um rosto...
-- Eu não vou cuidar de pirralha nenhuma. Não aceito esse termo da herança. Que a levem para o diabo que a carreguem, não a quero aqui.
Foram essas as palavras que ouvira naquele dia e sempre tivera pesadelos com cada termo usado por ela.
Sua voz fria lhe ferira intensamente.
Observou o lugar bem arrumado, tendo a decoração toda em branco com marfim.
Estendeu os braços tateando o leito. Não sabia o que buscava, mas parecia procurar algo.
Onde estava o namorado? O que tinha acontecido?
Desesperada, levantou-se da cama e correu para a porta, tentou abrir, porém estava fechada.
Amanda estava na biblioteca da sua mansão. Chegara às duas da madrugada. Tinha decidido sair para dançar, curtir um pouco. Estava por demais estressada com o problema da menina. Porém agora o estresse estava voltando. Até no tártaro dava para ouvir os gritos da garota. Infelizmente o efeito do sonífero já tinha passado.
Voltou a abrir o livro, tentando se concentrar no texto do Marquês de Sade, mas as palavras pareciam dançar a sua frente.
-- Mas que droga! – Seguiu para o quarto da garota, antes que todo bairro fosse despertado pelos berros ensurdecedores daquela ninfeta.
Subia as escadas e logo colocava as mãos na lateral da cabeça, cobrindo os ouvidos para se proteger dos gritos.
De quem diabos tinha sido a ideia de levar aquele incômodo para sua casa, para seu santuário de paz? Claro, só podia ter sido do Ricardo. Se não fosse pela amizade que o unia a sua família, já o teria demitido. Era um incompetente quando tinha que resolver problemas referentes a sua tutelada. Nem mesmo conseguira anular aquela cláusula do testamento dos pais. Um absurdo, isso sim!
A jovem assustou-se quando a porta se abriu. Estava novamente cara a cara com aquela que não lhe tinha nenhum apresso, que a via como um peso. E não sabia o que se passava em seu íntimo, mas parecia que a própria alma era afetada por aquela figura. Aqueles olhos, antes claros, agora pareciam um céu em dias de tempestade. Frios!
-- Ora, a bela adormecida resolveu acordar. – Adentrou o espaço. – Não lembro se na história a princesinha era tão escandalosa e irritante. — Sorriu, sarcástica. -- Quem fez essa versão escrota de um clássico tão lindo? -- Arqueou a sobrancelha esquerda em provocação. -- Agora entendo o motivo das vilãs odiarem as protagonistas nos contos de fadas.
Alice a fitava, observava-a com atenção e se perguntava como uma mulher tão bonita podia ser tão ruim.
Observou a roupão de seda prateada amarrada a cintura fina. Viu os cabelos presos em um rabo de cavalo deixar alguns fios soltos emoldurar a face. Mirou os lábios entreabertos.
Suspirou irritada diante do olhar carregado de deboche.
-- O que você fez com o Jhon? -- Questionou altiva.
Amanda não respondeu, seguiu pelo quarto e parou em frente ao espelho, pegou uma escova e começou a pentear suas longas madeixas. Fazia com cuidado, como se tivesse todo o tempo do mundo para executar aquela tarefa.
Observou a jovem ruiva parar as suas costas. Tinham praticamente a mesma altura. Viu as sardas perto do nariz, observou o pé dela bater impaciente no assoalho.
-- Onde está o meu namorado?
A filha de Arthur voltou a esboçar o sorriso debochado.
-- O príncipe encantado? Deve ter acordado uma hora dessas.
Alice perdeu a paciência e a virou para si,segurando-a firme pelo braço.
Os olhos azuis da Dervelux trazia não apenas surpresa, mas também um fúria controlada que dava para se ver.
-- Você não é ninguém para invadir a casa das pessoas e sair fazendo o que deseja. Não vou me submeter ao seu julgo. Exijo que me deixe ir embora daqui, que me deixe viver em paz.
-- Se quisesse viver em paz teria ficado rezando com as freiras lá no convento. -- Retrucou calmamente.
-- Não sou noviça, não tinha o direito de me trancar naquele lugar. -- A jovem esbravejou. -- Eu tinha a minha casa, minha vida, então você não tinha direito de tirá-los de mim.
Amanda viu o os olhos verdes se estreitarem de forma ameaçadora e precisou se conter para não gargalhar. Fora pega de surpresa com a explosão da outra. Não imaginou que ela teria a coragem de enfrentá-la.
Mirou seus olhos verdes, duas esmeraldas! Estavam cheios de raiva e com isso ela sabia lidar muito bem.
-- Eu sou Amanda Dervelux, a tutora de Alice Albuquerque, ou seja, você.
-- Você não é ninguém para mim.
A empresária desvencilhou-se do toque da outra, sua paciência já tinha esgotado. Não deixaria uma pirralha lhe tratar daquele jeito.
-- Olha garota, você não vai sair daqui. Não dará um único passo que não seja de minha vontade, então se acostume e deixe de bancar a idiota e fique bem quietinha porque se continuares enchendo minha paciência, te mando trancafiar numa masmorra daquelas dos castelos da idade média.
-- Só quero poder viver minha vida.
-- E você o fará, mas só quando completar vinte e um anos. – Amanda seguiu para a porta, mas virou-se. – A partir de agora você estará sob minha total responsabilidade, não dará um passo sem que eu lhe permita, até mesmo a sua menor necessidade passará por mim. Vamos ver se aprende que não deve brincar com a bruxa má da história.
Sem mais palavras, Amanda saiu, trancando novamente a porta e deixando uma jovem desolada naqueles aposentos luxuosos.
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