A fera ferida -- Capítulo 19

                          






                        Júlia estava em seu consultório.
                        Examinava alguns casos que lhe foram passados e agradecia por isso, pois dessa forma conseguia se distrair das preocupações.
                       Observou o porta-retratos onde havia sua foto ao lado da filha. Sim, sua filha, pois fora ela quem cuidara desde o momento saíra do ventre da mãe.
                      Ficou a alisar a moldura, observando como Anny herdara os traços da sua família, como parecia consigo.
                          Não se arrependia do preço tão caro que decidiu pagar para mantê-la ao seu lado, pois sabia que aquilo era o que deveria ser feito, pois não acreditava de forma alguma que a família do pai da menina realmente se interessasse por ela, se fosse assim, ao invés de ter mandado um advogado lhe fazer ameaças, tentaria se aproximar da neta.
                         Levantou-se, espreguiçando-se, seguiu até o jaleco, precisava buscar o outro, pois aquele não estava em tão bom estado. Ao buscar nos bolsos, encontrou um cartão com o nome da mulher que vivia a destruir sua paz.
                            Rafael lhe entregara na empresa, falou que ela poderia precisar em algum momento.
                            Ah, sim, temia que necessitasse da bela filha de Alex, pois sabia como era alto o preço que ela cobrava por seus favores. Ainda havia marcas em sua pele das carícias que recebera...
                           Soltou um suspiro sofrido.
                     Há três dias não via Elizabeth. Desde o que acontecera no dia que assinara o documento, a empresária não a procurara mais. Aquilo era um alívio para o seu coração, um descanso para sua alma. Quando fechava os olhos relembrava todos os momentos que tivera ao lado da empresária e isso era suficiente para lhe encher de raiva, de dor e vergonha. Seu corpo reagia a um miserável desejo, estava condenada a reagir ao toque vulgar, as carı́cias sujas que a paciente lhe dedicava.
                          Meneou a cabeça como se isso pudesse lhe livrar dos agoniantes pensamentos.
                          Seguiu até a bolsa em busca de algo para comer, mas nada encontrou.
                          Fitou o relógio que descansava em seu pulso.
                     Como estava sem pacientes, decidiu ir fazer um lanche. Já estava quase na hora de sair, mas como não tinha almoçado, era preferível comer algo para agradar ao estômago.
                        Deixou a sala e seguia pelos corredores do bonito prédio. Algumas pessoas paravam para cumprimentá-la.
                            Entrou na lanchonete e buscou um lugar reservado, mas havia muita gente por lá, então sentou-se e foi quando sentiu aquele cheiro familiar. Ele ainda estava impregnado em sua pele.
                       Levantou a cabeça e deparou-se com Liz sentada, acompanhada de sua nova “doutora”. Os olhos verdes a fitaram intensamente.
                          



                            A empresária fitava o copo de suco que estava a sua frente, enquanto ouvia um dos médicos conversar com Mariana. Apenas o cumprimentou, conhecia-o bem, pois seu padrinho era o dono de todo aquele empreendimento e em alguns encontros sociais antes do fatídico acidente, era comum se encontrar com eles.
                           Nem sabia o motivo por ter ido até ali, não estava nem um pouco sociável e sua acompanhante fazia o possível para lhe entreter com uma conversa fútil. Engraçado, aquele era o tipo de diálogo que costumava ter com os outros, mas que agora se tornava tão desinteressante.
                             Esboçou um sorriso para o comentário que o médico fez, mas nem sabia o que ele tinha dito.
                        Esses dias não estavam sendo tão fáceis como gostaria. A mãe do ex-noivo continuava a lhe perturbar com cobranças desnecessárias, pois uma boa quantia em dinheiro estava sendo lhe repassada como o combinado.
                           Viu quando algumas pessoas comentaram algo na mesa ao lado e ao fitar a porta viu a razão de ter ido até ali adentrar o espaço com um sorriso radiante a cumprimentar os conhecidos simpaticamente.
                          Mexeu-se inquieta na cadeira e não demorou para o olhar da jovem se cruzar com o seu.
                     Elizabeth não conseguira trabalhar direito. Não conseguia se concentrar em nada. Desde a última vez que estivera com a doutora, decidira manter uma certa distância. Estava dando o tempo para si mesma. Queria manter a cabeça no lugar, equilibrar a mente, pois sentia uma enorme confusão nos próprios sentimentos. Ora a odiava por saber que ela fora amante do seu noivo, ora a queria para si, porém não daquele jeito frio, queria que aquele sorriso que ela direcionara para os desconhecidos também fosse direcionado a si.
                      -- E então, podemos jantar?
                  Naquele momento percebeu que Mariana falava com ela. Mas estava tão distraı́da olhando para a mãe de Anny que nem ouvira nada que lhe fora falado.
                    A loira observou que a atenção da outra estava dirigida a doutora Wasten.
                 -- Fiquei sabendo que a Júlia vai ser demitida. – Torceu o nariz. – Eu a acho muito jovem para trabalhar num hospital de renome como esse. Mal tem a graduação. Precisa de bagagem para se estar aqui.
                    A Terzak não gostou daquele comentário. Bebeu um pouco do suco e só depois falou:
                 -- Pois, independentemente da idade dela ou de não ter uma especialização, eu a acho uma ótima profissional, melhor que muitas, e não merece que a tirem daqui. – Defendeu-a firmemente.
                   Mariana ficou assustada, percebeu que seu comentário não agradara a paciente.
                -- Pelo que fiquei sabendo o motivo real é o fato dela ter terminado o namoro como o doutor Henrique. Ele é muito amigo do diretor do hospital e isso vai pesar negativamente para ela.
                     Elizabeth parecia pensativa com aquela informação nova, então o doutorzinho decidiu perseguir a ex por ter sido dispensado.
                     -- Você tem certeza que ela vai ser demitida?
                     -- Sim! Já vi até o papel. – Confirmou.




                 Júlia terminou de comer sua empada, mesmo tendo perdido o apetite. Sentia-se incomodada com o olhar insistente de Elizabeth, sem falar que até Mariana o fez em algum momento, como se estivessem a falar sobre ela.
                          Ridículas!
                         Seria a filha de Alex tão sem moral a ponto de comentar sobre o acordo que tinham?
                         Deus, seria uma vergonha grande se todos ficassem sabendo.
                         Não se recordava de ter como cláusula naquele abominável documento algo que se referisse à discrição daquela horrenda negociação.
                         Tomou toda água da garrafa de uma vez, depois fez um gesto para o garçom trazer a conta, pagou e levantou-se para ir embora sem a menos olhar para as duas mulheres.
                         Voltaria ao escritório, releria alguns diagnósticos e depois seguiria para a segurança da sua casa.
                      Estava arrumando uns papéis para deixar em ordem para o dia seguinte. Pegou o celular e viu que havia várias ligações do ex-namorado. Terminara o relacionamento com o médico na noite passada, não poderia continuar com aquele relacionamento, primeiro tinha o caso com a Elizabeth e segundo não ficaria com um homem que não aceitava sua filha e tampouco lhe apoiava.
                       Ouviu batidas na porta.
                       -- Entre! – Falou se levantando e abotoando o jaleco.
                       Mirou Elizabeth que esboçava um sorriso cheio de sarcasmo para si.
                       -- Olá, doutora Wasten!
                      Sentiu o coração disparar, mesmo que esse não fosse seu desejo. Cruzou os braços sobre os seios.
                       -- O que você quer? – Indagou irritada.
                  -- Nossa, depois de todos esses dias é assim que você me trata. – Sentou confortavelmente diante dela. – Imaginei que seria recebida com mais entusiasmo, tipo: Olá, meu amor, como foi seus dias sem minha presença? – Ironizou cruzando as pernas.
                 A fisioterapeuta teve ganas de jogar um jarro que estava sobre a mesa naquela metida, quem sabe assim não arrancaria aquele sorriso debochado dela.
                     -- Elizabeth, eu estou muito ocupada, tenho pacientes para atender.
                 -- Eita, seu nariz vai crescer, viu? Sua secretária acabou de dizer que não tem mais ninguém para hoje.
                  -- Pois é, e por esse motivo estou indo embora. – Tirou o jaleco e começou a arrumar as coisas na bolsa.
                -- Vou lhe dar uma carona até em casa. – Levantou-se. – Soube que seu carro está na oficina, então vou quebrar esse galho para você. – Sorriu inocentemente.
                     Aquela mulher era irritante ao extremo, mas linda demais -- Pensava a mãe de Anny.
                 -- Achei que você já tinha melhorado, o que faz aqui hein? Sabia que o diretor não gosta que os funcionários recebam visitas. – Disse com as mãos nos quadris.
                   -- Você acha que eu perco meu tempo com diretores de hospitais? – Retrucou arrogante. – O dono disso aqui é amigo pessoal do meu pai, na verdade, sou praticamente da famı́lia.
                   -- Ah não me diga! – Falou demonstrando nenhum interesse.
                   Guardou o material, deixando a sala.
                  Elizabeth sorriu e seguiu atrás dela. Via a outra praticamente rebolar a sua frente, enquanto seguia para o elevador. Não teceu nenhum comentário, pois havia pessoas presentes, mesmo assim, vez e outra via o olhar raivoso ser dirigido a sua pessoa. 
                   Pararam em frente ao edifı́cio e o carro estacionou.
               Júlia queria esbravejar, gritar impropérios, mas como sabia que não seria um comportamento adequado, decidiu entrar no veículo. O motorista que abria a porta lhe sorriu e ela tentou retribuir, mas o que saiu foi mais uma careta.
               Não deveria ter aceitado aquela carona, mas preferia não criar escândalos, pois poderia se prejudicar dentro do hospital. Sabia que não era vista com bons olhos pelo diretor, fora contratada quando praticamente tinha recebido o diploma, enquanto os demais ralaram muito para entrar naquele renomado hospital. Bem, que ela tinha méritos, fora indicada por uma influente famı́lia cujo filho fora cuidado impecavelmente por ela.
                   O carro começou a se movimentar e a mãe de Anny decidiu tentar se concentrar nas imagens que via pela janela.
                   Havia trânsito naquele horário, mas do outro lado era possível ver pessoas passeando pelo calçadão, alguns corriam e o cheiro de maresia a fez lembrar do tempo que passou na ilha. Não havia dúvidas que era um verdadeiro paraíso, um lugar perfeito para ficar e pensar na vida.
                   Virou a cabeça e encontrou o olhar perscrutador a lhe fitar o perfil, sentiu-se incomodada.
                   -- Quero ir para minha casa.—Frisou.
                A paciente não gostou do tom arrogante usado pela jovem, aproximou-se mais dela e tocou-lhe a coxa.
                  -- Isso depende da minha vontade.
                -- Oh, Elizabeth, por favor, amanhã é o aniversário da minha filha e estou ajeitando umas coisas para fazer uma pequena comemoração para ela. Deixe seus pensamentos sujos para outro momento. – Deteve-lhe a mão antes que lhe tocassem os seios.
                   A empresária afastou-se.
               Ouvir a menção à filha de Marco lhe doeu. Era difı́cil se manter afastada, tinha criado um afeto por aquela criança que nem mesmo conseguia entender. Desde que saberá sobre a paternidade da pequena, preferira mantê-la neutra em toda aquela história e direcionar toda sua raiva para a mãe dela.
                   -- Ok! – Simplesmente disse. – Mas estou com saudades e quero ficar contigo novamente.
                   -- Pode ser outro dia que não hoje, nem amanhã. Só preciso que segure um pouco da sua pouca vergonha.
                 -- Hum, mas isso não impede de termos um aquecimento. – Puxou para si, fazendo-a sentar em seu colo.—Eu já disse que você é a mulher mais linda que eu já conheci e o melhor, é só minha. Eu sempre fui muito boa em fazer negócios. – Provocou.
                  -- Só sua?
                  A herdeira de Alex lhe desceu as alças da camiseta branca, expondo o sutiã da mesma cor.
                  A limusine seguia pelas ruas, enquanto a bela Terzak subia o vidro para que tivessem privacidade.
              Júlia ainda ia protestar, mas teve sua boca capturada por um intenso beijo. Aquela lı́ngua explorando todo aquele espaço, numa caminhada lenta e ousada. Correspondeu com a mesma intensidade, pois não havia como não o fazer. Sentiu as mãos da empresária sob a blusa, soltando-lhe o sutiã. Os dedos de Elizabeth iniciaram uma massagem em seus mamilos, fazendo-a gemer.
            A empresária baixou a cabeça e capturou os seios na boca. Chupou-os, mamando-os com vigor. Baixou as mãos e tentou abrir-lhe a calça.
                A Wasten inclinou a cabeça para trás, cerrando os dentes, perdendo-se nas carícias ousadas, as acabou detendo-o.
                -- Chega! – Empurrou-a, voltando para o seu canto. 
                 Ambos se encararam, enquanto a doutora arrumava a roupa.
                -- O que houve? – A empresária assustou-se com a forma brusca.
                -- Não vou permitir que me trate assim. – Respondeu ao terminar de se ajeitar. -- Não vou mesmo.
                  -- Assim como? – Arqueou a sobrancelha desafiadoramente. – Não esqueça que você não tem escolha, faço o que quiser e sua vontade não conta nada. – Completou arrogante, tentando esconder a mágoa.
                   -- Você acha que vai me usar sempre que tiver vontade? – A Wasten a enfrentou.
                   -- Sim! – Concluiu triunfante a outra. -- Temos um contrato que deixa isso bem claro.
                 Entreolharam-se por longos segundos. Julia exibia raiva e Elizabeth um terrível sarcasmo. O som do celular da empresária interrompeu a batalha.
                    A Terzak mirou a imagem que aparecia na tela do aparelho e decidiu atendê-lo, pois seria uma forma de se distrair da sua fúria.
                  -- Olá, Mariana! – Sorriu, fitando a fisioterapeuta. – Estou a caminho do seu apartamento. – Deu uma pausa. – Estou indo comprar um ótimo vinho para deixar nossa noite mais gostosa. – Piscou safada.
                 Continuou por alguns minutos, em seguida desligou o aparelho móvel.
                 -- Hoje, você está dispensada. Tenho algo melhor para fazer.
                 Júlia teve uma vontade insana de atacá-la e acabar com aquele sorriso estampado na face daquela mulher. Nunca tivera o desprazer de conhecer alguém tão enervante e debochada.
               -- Você é o ser mais detestável que existe. Quem dera meu caminho nunca tivesse se cruzado com o seu. Eu nunca odiei ninguém, mas eu te odeio com todas as forças do meu coração.
                     Elizabeth chegou bem perto dela, fitando aqueles olhos azuis.
                   -- E quem disse que eu me importo? Não quero seu amor, só quero sexo contigo e isso eu tenho a hora que eu quiser. —Alfinetou. – Menos agora, pois tenho coisa melhor para comer hoje.
                  A Jovem Terzak mal teve tempo de saborear a vitória, sentiu a face queimar. Ainda pensou em reagir, mas não tinha coragem de marcar aquele rosto tão lindo. Passou a mão e voltou para seu lugar no carro.
                     Júlia tremia de raiva, segurando-se para não desabar em um pranto desesperado.
                     Seguiram em silêncio até o destino.
                  O carro parou em frente ao seu prédio, o motorista abriu a porta para ela descer. A jovem o fez sem ao menos olhar para trás. Sabia que mais uma vez tinha ido longe demais, temia que aquela bofetada trouxesse consequências para sua filha. Teria que tentar ser menos impulsiva, ou a filha de Alex faria coisa pior poderia lhe fazer coisa pior.




                  A empresária deu as coordenadas ao motorista e em poucos minutos estacionava diante de uma enorme mansão. Nem mesmo sabia o motivo de ter ido até ali, afinal, Júlia passara dos limites novamente ao esbofeteá-la, então por que apelaria por ela diante do padrinho?
                 Inclinou a cabeça para trás, enquanto massageava as têmporas
                 -- Tudo bem, senhorita?
                 A voz do motorista invadiu o ambiente.
                 Ela apenas assentiu afirmativamente, enquanto deixava o veículo.
                 Mirou os degraus que levava até a mansão branca, era assim que era chamada. Na verdade lembrava um palácio toda cercada por jardins e árvores. Há quanto tempo não vinha ali?
                 Seguiu até a entrada da enorme porta que logo se abriu e o antigo mordomo a cumprimentou com um gesto formal de cabeça.
                 -- O senhor Campbel a espera no escritório. 
                 -- Ok!
              Seguiu pelo corredor que conhecia tão bem. Observando as preciosas obras de artes que havia expostas pelo caminho. Fitou um quadro onde tinha um homem jovem e uma bela mulher. Os padrinho viveram um intenso amor, mas não tiveram filhos, então eles sempre a viram como uma filha, infelizmente a madrinha morreu na época que ela estava isolada na ilha, então ela não comparecera ao velório.
                 Bateu na porta e logo entrou.
                  Um homem alto e de cabelos todo branco a encarava com um sorriso radiante. 
               -- Liz, minha querida, fico tão feliz em vê-la bem. – O homem a abraçou. – Deixe-me vê-la. – Afastou um pouco. – Está idêntica à sua mãe.
                 Ela sorriu e sentou-se no enorme sofá.
             -- Eu fico muito feliz em vê-lo, padrinho. Não pude vir aqui porque ando me readaptando a cidade.
              -- Não tem problema, Alex andou jantando comigo esses dias e conversamos muito sobre você. – Juntou-se a ela no móvel. – Mas me diga, o que a traz aqui?
                -- Fiquei sabendo hoje sobre a demissão de uma funcionária do hospital, não sei se já lhe foi passado?
                   -- Ah, sim! Uma moça que falta demasiadamente e parece não ser uma boa profissional.
                  -- Isso é mentira. – Defendeu. – Julia Wasten é a melhor profissional que já conheci, foi ela quem cuidou de mim na ilha e posso lhe garantir que se não tivesse sido a paciência dela, eu não estaria aqui.
                    -- Tem certeza? -- Questionou incrédulo.-- Não sabia que fora ela a fisioterapeuta que assumira seu caso.
                   -- Sim! -- Falou pensativa. -- Sabe que não costumo interceder por ninguém, mas acho que isso é uma injustiça.
                      O homem pareceu estranhar aquele comportamento da Terzak, mas nada comentou.
                       -- E o que você quer que eu faça? – indagou simpático.
                       -- Que impeça que isso aconteça.
                    O senhor Campbel ficou instigado. Conhecia Elizabeth desde quando estava na barriga da mãe e em todo esse tempo nunca a viu defender ninguém e muito menos alguém que não tinha a mesma classe social que ela.
                       -- Ok! Seu pedido será acatado com todo carinho.
                    -- Obrigada, padrinho. – Abraçou o idoso. – Ah, não quero que ninguém fique sabendo sobre essa nossa conversa. – O encarou.
                      -- Serei um túmulo, minha jovem.
                      Ambos riram das últimas palavras usadas pelo senhor.
                    A empresária tinha um carinho muito grande pelo padrinho, ele fora como um verdadeiro pai. Sempre estivera ao seu lado nos bons e maus momentos. Nas reuniões da escola, nas festinhas de aniversário, até quando sofrera o acidente que vitimou o noivo.




               Júlia estava deitada vendo TV em sua cama. Ficará com a filha até ela dormir. A menina estava muito entusiasmada para o dia seguinte. Pena que não poderia faltar ao trabalho para ficar com ela, porém aproveitaria esse tempo à noite. Amanhã, no horário do almoço sairia para comprar a bicicleta. Imaginava como a garotinha iria ficar feliz ao receber o presente que tanto desejava.
                      Ouviu o celular tocando, viu no visor que era o ex-namorado. Pensou em não atender, mas isso seria criancice. 
                      -- O que você quer agora, Henrique? Já disse que não temos mais nada para conversar.
                   -- Não estou ligando para isso, apenas liguei para te avisar que a partir de amanhã você não irá mais trabalhar no Hospital central.
                      A fisioterapeuta assustou-se com a informação. Sentou-se.
                     -- Quem te disse isso? – Indagou apreensiva.
                   -- O próprio diretor. Eu mesmo pedi a ele e como somos grandes amigos, fui prontamente atendido.
                   -- Você é um canalha!
                   -- Você quem escolheu assim, princesa...
                  Antes que ele terminasse de falar, desligou o aparelho.
                   Não estava acreditando que poderá namorar alguém tão egoı́sta como aquele médico. Como pôde usar sua influência para vingar-se? O que faria agora sem emprego? Não, aquilo não podia estar acontecendo.




                   Já era dia...
                   Elizabeth despertou assustada.
                 Sua cabeça doı́a demasiadamente. 
                 Sentou-se na cama, enquanto pressionava as têmporas em agonia.
               Flashes vinham o tempo todo a sua mente. Havia a imagem de uma mulher, era uma linda jovem de olhos azuis e cabelos pretos, pensou que fosse Julia, mas não. Era alguém parecida com ela.           
               Elas se encontraram e Marco tinha aparecido, ele estava transtornado e gritava com a garota.
Tentou lembrar o que ele falara, mas seu cérebro mergulhou numa escuridão profundo, seus olhos fecharam-se. 
              Alguns minutos depois, Rafael encontrou a jovem desmaiada. Imediatamente chamou o socorro e seguiu com a Terzak para o hospital.



               Júlia chegara cedo ao trabalho, não tinha paciente para parte da manhã, mas a tarde estava cheia. Achou estranho não ter recebido nenhum “ convite” do departamento pessoal. Será que Henrique tinha blefado?
              Decidiu ir à cafeteria beber um pouco de café, quando se deparou com o assistente de Elizabeth no corredor. O rapaz parecia aflito.
                   -- Tudo bem, Rafael? -- Questionou preocupada. 
                   O rapaz virou-se e viu Júlia.
                   -- Olá, doutora. -- Cumprimentou-a com um simpático sorriso.
                   -- Aconteceu alguma coisa? Você parece agitado. Se eu puder ajudar.
                   -- A Elizabeth teve um desmaio e não tenho notícias até agora. 
                   Como? Ela não podia estar ouvindo algo assim? Observou um grupo de enfermeiros que passavam entre eles e teve que se conter.
                 -- Mas o que houve? – Indagou assustada.
                -- Eu não sei, a encontrei desmaiada e chamei a ambulância e eles nos trouxeram para cá. –  O rapaz cobriu o rosto com as mãos e sentou-se em uma das cadeiras.
                -- Onde ela está?
                -- Foi levada para lá. – Apontou para o fim do corredor.
                A doutora caminhou até onde o jovem apontou. Ali era a ala especializada em neurologia.
            Teve a sorte de ao entrar encontrar uma enfermeira que conhecia, ela era sempre muito simpática.
                 -- Lucy, a senhorita Terzak ainda está sendo atendida?
                 -- Sim, Ju. Alguns médicos estão na sala com ela.
                 -- Mas...mas o que aconteceu?
                  -- Você a conhece? São amigas? – A mulher indagou curiosa.
                  -- Eu fui fisioterapeuta dela.
               -- Ah! Bem o caso dela é  um pouco complicado. Há  alguns anos ela sofreu um terrível acidente, ficou muito tempo em coma. Fora feita uma cirurgia em sua cabeça. Depois que recuperou-se, ela não conseguia lembrar de muitas coisas e de acordo com os médicos, ela provavelmente vem tendo flashes e isso causou uma forte dor de cabeça, levando a um desmaio.
                  -- Mas é grave?
              -- Vai depender de ela reagir rapidamente. Agora preciso levar esses prontuários. 
                  Júlia apenas assentiu. Sentou-se e fechou os olhos.
             Sentiu lágrimas lhe molhando rosto, deixou-as correr livremente. Não entendia porque essa dor tão grande no peito, esse medo de perder algo que não era seu.
                   Viu quando os médicos saiam do quarto e tentou esconder as lágrimas.
                  -- Como está a paciente? – Indagou ao neurologista.
                 -- Ela já despertou. Estamos esperando os exames ficarem prontos. – O médico lhe tocou o braço em gesto de simpatia. – Agora preciso ir.
               Ela esperou que eles fossem embora e ficou parada ali. Estava em dúvida, mas decidiu seguir o coração.
               A empresária estava deitada. Ainda sentia dor na cabeça. Não lembrava bem do que tinha acontecido, apenas recordava do incômodo que precedera o demaio.
                 Ouviu batidas na porta e lá estava a doutora mais linda de todo o mundo.
                 -- Como você está? – A mãe de Anny perguntou da porta.
               -- Estou quase morrendo. – Fez drama. – Pode chegar pertinho. Talvez seja essa a última vez que você vai me ver.
                     Júlia tentou evitar um sorriso, mas não conseguiu. 
                 Aproximou-se.
            -- Que exagero! Daqui a pouco vai sair daqui e continuar infernizando a vida dos outros. – Brincou.
               A Terzak não segurou o riso diante das palavras. Por que tê-la ali era algo que a deixava tão bem? Por que a presença daquela mulher lhe dava aquele ânimo? Queria-a tanto ao seu lado, ansiava tanto pela jovem que chegava a se sentir patética, pois não se recordava de ter ficado tão entregue a alguém como se sentia diante da fisioterapeuta.
                -- Deve se cuidar mais, sabe que ainda não está totalmente recuperada.
                Ouvia-a dizendo.
                A filha de Alex ajustou a cama para não ficar deitada.
                -- O que acha que faço que pode resultar nesses problemas?
                -- Não tenho a menor ideia, mas o que quer que seja, seria bom que parasse.
                -- Sexo pode, doutora?
               A Wasten corou na hora, enquanto mordiscava a lateral do lábio inferior. Elizabeth parecia hipnotizada diante do movimento.
                -- Hum! Posso te pedir algo? -- A doente indagou.
                 Júlia assentiu, pois a poderosa empresária não usava a máscara de arrogância, naquele momento mostrava uma fragilidade nunca exibida antes.
                   Estava tão pálida.
                    -- Peça!
                    -- Me dá um beijo?
                  A fisioterapeuta aproximou-se e tocou-lhe lentamente os lábios. Sentindo o sabor daquela boca, explorando cada cantinho dela. Não havia urgência naquela carı́cia. Fora sublime, recheado de sentimentos. Esqueceram as mágoas, as humilhações e se uniram numa trégua necessária para ambas.
                   -- Agora eu já posso morrer. – sorriu jocosamente, dizendo contra os lábios rosados.
                   Júlia achou engraçado a expressão que estava estampada naquele rosto .
                 Elizabeth recordou as lembranças que tiveram antes de passar mal. Havia uma confusão em sua mente, sabia que havia uma mulher em seus flashes, parecia com a doutora, mas tinha algo que não era dela. Talvez o olhar, a fisioterapeuta tinha um olhar determinado e ao mesmo tempo doce, enquanto a outra tinha um semblante assustado, temeroso.
                   -- Você tem uma irmã gêmea? – Indagou.
               A Wasten a fitou surpresa pela pergunta. Será que ela tinha percebido que existira outra mulher parecida consigo. Isso era algo perigoso, seria a melhor arma para lhe tirar a filha. Pensou em terminar logo com aquele mal- entendido, mas temia as consequências daquele ato, poderia significar perder Anny.
                   -- Não que eu saiba. – Tentou disfarçar a surpresa.
                   -- Então você mentiu quando disse que não sabia que eu era noiva de Marco. – Acusou-a.
                   -- Por que você está dizendo isso? – Perguntou confusa. 
                  -- Porque eu tive a lembrança de ter encontrado com alguém muito parecido contigo no dia em que sofri o acidente. Eu cheguei a duvidar porque o olhar era diferente, mas se não há uma irmã. – Balançou a cabeça decepcionada. – Você já me conhecia. Como pôde? Chegou na minha ilha e esteve comigo na cama, isso é surreal. -- Passou a mão pelos cabelos.
                  -- Elizabeth, por favor, não se altere. – Pediu preocupada. – Isso não vai te fazer bem.
                 -- E o que vai me fazer bem? Suas mentiras? Suas enganações?
                  Júlia apenas assentiu e saiu do quarto.
               Caminhava triste. Pela primeira vez viu uma enorme dor naquelas lindas esmeraldas. Por que ela sofria tanto? Ela mesma sofria ainda mais.
                  Não poderia arriscar a guarda da filha, pois aquela seria uma arma a mais para que a herdeira do magnata usasse contra si, seria perigoso, não confiava, ainda mais sabendo que a irmã tivera um caso com um homem comprometido.
                      Voltou para sua sala e agradeceu por não ter encontrado Rafael, não queria encará-lo também depois daquela discussão.




                Anny estava imensamente feliz, mesmo só estando presente a Jane, uma amiga dela da faculdade e a jovem tia. Havia um lindo bolo de chocolate, salgadinhos, sucos, docinhos um monte de balões. A decoração estava simples, porém linda.
                Cantaram parabéns e a criança estava para soprar as velinhas, quando a campanhia tocou. A menina correu para abrir, enquanto Júlia tinha ido buscar os presentes.
                Quando a porta foi aberta, Elizabeth baixou a cabeça e deparou-se com aquele pedacinho de gente lhe sorrindo docemente.
                   A garotinha usava uma macacão rosa, uma camisa de ursinos no mesmo tom, os cabelos estavam presos em maria chiquinhas em cada lado da cabeça.
                    Fitou os olhinhos claros e sorriu.
                    A filha de Marco lhe abraçou as pernas, até a empresária abaixar-se e pegá-la nos braços.
              Pensara muito, antes de decidir ir vê-la. Temia sentir mágoa ao mirar aquele inocente olhar, porém, agora sabia que seria impossível sentir algo assim por aquele anjo. Sentiu uma enorme alegria lhe invadir o peito. Uma sensação de paz ao sentir aquelas minú sculas mãozinhas lhe apertando.
               -- Eu fiquei sabendo que hoje tem uma princesa completando mil anos. – Brincou.
               -- Não, thia. Tês anos. – Falou mostrando os dedinhos.
                -- Hun! Então me avisaram errado...


              Júlia estava vindo com a enorme caixa quando viu a visita que tinha chegado. Ela estava com a filha nos braços e pareciam animadas. Não imaginou que ela chegaria a vir. Não, depois de tudo.
                Os olhares se encontraram e a doutora precisou segurar o suspiro ao ver como sua terrível paciente estava linda. Usava calça jeans desbotada, camiseta e jaqueta de couro marrom. Os cabelos longos estavam presos em um rabo de cavalo.
                  -- Boa noite, Wasten!
                  Ouviu-a cumprimentar e só naquele momento que percebeu que estava com cara de boba.
                -- Boa! – Responde sem entusiasmo ao ver que havia uma espécie de interrogação naquele olhar.
                 -- Tem chotolate, thia.
                 -- Percebi! – Segurou as mãos lambuzadas.
              Liz entrou com a garotinha nos braços, cumprimentou os presentes e caminhou com a criança até as guloseimas. Alguns segundos depois o motorista apareceu na porta com inúmeras caixas.
                 -- O que é tudo isso? – A fisioterapeuta questionou surpresa.
                -- Eu não sabia o que comprar de presente para Anny, então comprei um pouco a mais para ver se acertava. – Falou naturalmente.
             -- Não! Nós não vamos aceitar tudo isso. – Protestou a mulher diante de todos aqueles embrulhos.
                 -- Então, você joga no lixo, porque não vou levar de volta. – Comeu o pedaço de bolo que a criança arrancara.
                   -- Anny, tem que cortar. – Julia a repreendeu. 
                   A menina fez cara de choro.
                  -- Ah, mas assim é mais gostoso. – A empresária tentou animar a criança.
                    A fisioterapeuta acabou sorrindo das duas lambuzadas.
              A noite transcorreu muito bem. A pequena se divertira muito e adorou todos os presentes que recebera. Elizabeth participou de todas as brincadeiras a pedido de Anny, parecia que aquela arrogância tinha desaparecido e uma outra mulher tinha assumido o seu lugar. Vez ou outra os olhares de ambas se encontravam, mas a filha de Alex parecia desejar ignorá-la.
                  Antes das dez, a menina já estava cochilando nos braços da empresária. Júlia tentou pegá-la para levar ao quarto, mas Elizabeth fez questão de fazer isso, enquanto a outra a acompanhava.
                 -- Obrigada, por ter vindo, Anny ficou muito feliz. – Falou assim que saı́ram do quarto da garota.
                   -- Talvez, você não acredite, mas eu gosto muito dela.
                 -- Eu sei. Quando você está com ela é o único momento que te vejo sendo verdadeira.                            Ambas estavam paradas em frente a porta do quarto da menina. Entreolhavam-se, a fisioterapeuta foi a primeira a desviar o olhar. Se sentia incomodada com a inspeção que aqueles olhos verdes faziam nos seus.
                     -- Preciso arrumar a bagunça que está na sala. A Jane foi levar a amiga em casa e estou sozinha. – Disfarçou o embaraço.
                     -- Eu tenho que ir. Preciso resolver algumas coisas.
                      -- Não deve se cansar muito, não esqueça do que aconteceu hoje.
                      -- Eu não esqueço.
                  Júlia observou Elizabeth indo embora. Entendeu o que ela quis dizer com a última frase. Mas não podia fazer nada quanto isso, enquanto pudesse esconderia a verdade sobre a maternidade de Anny. Não arriscaria perde-la, não confiava na empresária, mesmo estando apaixonada por ela.





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