A fera ferida -- Capítulo 15

               A fisioterapeuta seguiu ao encontro de Henrique no estacionamento do hospital. Desde que voltara de ilha, não tivera muito contato com o namorado, o rapaz esteve viajando durante quinze dias, participando de um congresso. Só o reencontrara três dias atrás, porém não se sentia bem na companhia do mesmo. Os beijos que ele insistia em lhe dar eram inconvenientes, sem falar que a jovem precisava usar de jogo de cintura para se livrar das investidas sexuais do médico. Estava disposta a terminar aquele relacionamento. Naquele momento, se sentia suja por ter estado nos braços da empresária quando tinha um compromisso com outro. O jovem não merecia aquele comportamento baixo de sua parte, por isso terminaria o namoro naquele mesmo dia. Lógico que isso não significava que ela pretendia continuar participando do jogo da Terzak, Elizabeth não iria dominá-la com aquela brincadeira. Sabia que não significava nada para aquela mulher, era apenas um capricho para aquela arrogante, mas ela iria mostrar-lhe que não estava a fim de ser usada nos seus desvarios de safadezas.
               Henrique abriu a porta do carro para a namorada e acomodou-se em frente ao volante.
               -- O que Elizabeth Terzak fazia em sua sala? – A encarou desconfiado.
               -- Veio para uma consulta. – Tentou parecer o mais natural possıv́  el.
              -- Deixe-me ver se eu entendi. Você saiu expulsa daquela ilha, não recebeu um único centavo e essa mulher agora aparece e requisita os seus serviços. – Ironizou.
        -- Ela simplesmente apareceu lá, o que você queria que eu fizesse? Não esqueça que trabalhamos em um hospital particular e não acredito que o dono gostaria de saber que deixamos de prestar assistência a uma das mulheres mais ricas do paı́s.
                Henrique deu de ombros e ligou o carro.
                -- Gostaria que me levasse para casa.
               -- Por quê? – O rapaz perguntou confuso. – Faz dias que não temos um momento só de nós dois. – Estendeu a mão para afagar a sua. – Estou com saudades.
                 A fisioterapeuta manteve-se quieta por alguns segundos. Ponderava sobre como deveria encerrar aquele relacionamento.
                 -- Henri, eu não quero continuar com nossa relação. – Falou diretamente.
                 O médico parou o carro no acostamento, parecia surpreso.
               -- Mas qual o motivo disso? Eu já disse que estou disposto a aceitar a Anny e que quando me casar contigo serei um ótimo pai para ela.
                 -- Não é por isso. – Relutou. – Só acho que não devemos continuar. 
                  O rapaz soltou o cinto e segurou nas mãos da namorada.
               -- Não me deixe, por favor! Eu te amo demais. – Beijou-lhe. – Precisarei viajar novamente, estou participando de um projeto e ele requer meu tempo. Esses dias que ficaremos separados fará você entender que estou mudado e pronto para termos nossa famı́lia, junto com sua sobrinha.
                 --Mas...
                 -- Por favor, amor. – Implorou com lágrimas nos olhos.
              Júlia não queria magoá-lo, apesar de todos os problemas, eles tiveram momentos bons, foram felizes um dia. Poderiam tentar novamente?
                 -- Ok! – Por fim, rendeu-se.
               O médico a abraçou fortemente, feliz. Enquanto a jovem não sabia por qual caminha deveria seguir. Sentia-se totalmente perdida.




                  Depois de tanto tempo afastada, Elizabeth Terzak retorna a sua empresa.
                Todos os funcionários se encontravam no enorme térreo para dá as boas-vindas a presidente da companhia. A jovem nem perdeu muito seu tempo, passou direto por todos, sem ao menos dar um simples bom dia.
                 Fez sinal para que seu fiel assistente, Rafael, a seguisse até sua sala.
              Tudo continuava do mesmo jeito. Nem parecia que ficara ausente durante tanto tempo. Seu escritório ocupava toda a cobertura. As paredes eram todas de vidros fumê, havia uma enorme mesa de reuniões ao centro e sua própria mesa, onde um computador de última geração esperava pelos comandos de sua dona. Ao fim da sala, havia uma porta que dava para uma suı́te. Aquele lugar fora criado devido as necessidades da empresária não ter que se deslocar para o próprio apartamento e poder descansar ali mesmo.
            Assim que o assistente entrou, acionou o controle, fechando o escritório. Sentou-se.
           Rafael tinha a mesma idade que ela. O conhecera na universidade e desde lá estavam juntos, não podia dizer que era um amigo, porém era o mais perto de um que já tinha tido.
             -- Não imagina como estou feliz por seu retorno. – O rapaz sentou-se. – Quando seu pai nos informou da sua volta ficamos muito alegres.
             -- Imagino que só você, né? Não acredito que esse monte de gente se importe comigo, contanto que seus salários continuem sendo pagos.
                 O rapaz apenas assentiu tristemente. Conhecia bem aquela poderosa mulher, sabia que ela não se importava com os sentimentos dos outros, visava apenas os negócios. Era arrogante ao extremo, mas ele gostava dela. Sabia que aquela personalidade problemática fora construı́da pelas facilidades que a vida lhe deu. Nunca haverá limites, mesmo quando era apenas uma menina, fora acostumada a ter todos prontos para satisfazer suas vontades.
                  -- E qual é sua primeira ordem, Terzak? 
                  Elizabeth sorriu.
                  -- Quero que você consiga algumas prostitutas de luxo. 
                  O rapaz engasgou.
                  A empresária encheu o copo com água e lhe entregou.
                  -- Mas para quê? – O assistente indagou, já recuperado.
                  -- Para uma experiência que estou montando. – Ironizou.
                Rafael não sabia nem o que pensar daquilo. Elizabeth sempre esteve envolvidas nas maiores loucuras, orgias para ela era normal, mas nunca com mulheres. Aliás, no tempo da universidade ela até se mostrava muito preconceituosa.
                  -- Quantas? E você tem alguma preferência?
                  -- Precisam ser bonitas e experientes, quero que sejam lésbicas.
                  -- Para quando você deseja isso?
               -- Amanhã! Quero que arrume um lugar discreto e nem preciso dizer que ninguém pode saber disso.
                   -- Certo! – O rapaz anotava tudo. – Mais alguma coisa?
                   -- Não! – Ligou o computador. – Qualquer coisa te chamo.
                    O jovem levantou-se.
                    O que poderia aquela mulher está tramando?
                Lembrou-se de Marco. Nunca simpatizara com o noivo da empresária. Ele não parecia ser uma pessoa boa. Vivia às custas do dinheiro de Elizabeth, se aproveitando do status dos Terzaks para se dar bem em todas as situações. No dia do fatı́dico acidente, Rafael estava presente na festa, percebera que a chefe não parecia muito feliz, enquanto o homem se entupia de álcool e até mesmo drogas. Ficara surpreso quando disseram que no dia do acidente era a milionária que estava dirigindo, ela não costumava fazer isso. Sempre andava com motorista ou o namorado dirigia.
               Seguiu para cumprir as ordens que lhe foram dadas, não queria ter que irritar a empresária em seu retorno.


                 Júlia se arrumava para seguir para o hospital.
              Anny estava diante da TV, concentrada vendo desenhos animados. Jane veio com uma bandeja de café da manhã.
                 -- Você não vai sair sem comer novamente, vai? – A babá indagou.
                -- Não tenho tempo! Tenho que me apressar para não chegar atrasada. – Pegou os óculos na bolsa.
                -- Hun!



                Elizabeth chegou ao hospital no mesmo horário do dia anterior.
              Apesar de sua presença naquele lugar fosse mais para provocar a doutora, também não podia negar que sentia saudades da jovem. Aquela mulher tinha o poder de fazê-la sentir coisas que nunca pensou existir.
               -- Já pode entrar, senhorita. – A secretária avisou.
               A empresária levantou-se, apoiada na bengala e entrou na sala.
               -- Boa noite, senhorita Terzak!
                A paciente fitou a loira que a encarava com um sorriso simpático.
            Não era a morena de olhos azuis que estava a sua espera. Mas sim uma bela mulher de cabelos dourados e olhar sexy.
                 --Onde está a doutora Wasten? – Perguntou confusa.
               -- Júlia está com muitos pacientes e infelizmente não poderá assumir seu caso, ela já me passou todas as informações pertinentes e tenho certeza que farei um maravilhoso trabalho.
             A milionária apenas assentiu. Não era o momento para se irritar. Tiraria vantagem daquela situação.


             A Wasten tinha acabado de tomar banho e estava deitada na sala com a filha. Jane tinha ido para faculdade, mas as deixaram com uma enorme tigela de pipocas. Não estava com muito tempo para curtir a pequena, então tirou aquela noite para chegar cedo a casa e agora, estavam ali, vendo uma perfeita animação.
                Ouviu a campainha.
                -- Espera, princesa, vou ver quem veio incomodar nossa farra. – Piscou para a garota.
                 -- Boa noite, doutora!
         A fisioterapeuta sentiu o corpo arrepiar diante daquela visão parada na soleira do seu apartamento.
                -- Como descobriu meu endereço?
          -- A outra doutora me deu. – Sorriu. – Ela é mais simpática do que você. Acho que saí ganhando na troca. – Provocou.
               -- Que bom! Fico muito feliz.
               Tentou fechar a porta, mas a outra a deteve.
               -- Não vai me convidar para entrar? – Fez cara de inocente.
               -- Estou muito ocupada e ...
               -- Tia, Liz.
             A voz da Anny foi ouvida de longe. A pequena veio numa corrida disparada e se jogou nos braços da empresária.
               -- Oh, minha linda. – Elizabeth agachou-se com muito esforço para poder abraçar a menina.
           Júlia preferiria não presenciar aquela cena. Sempre que via as duas juntas seu coração apertava. Aquele era o único momento que conseguia visualizar um verdadeiro ser humano estampado naquela face de anjo caı́do da paciente.
           -- “ Vamos atistir tú mido, tia”. – Convidou a garotinha. – “ Tem picoca” . – Declarou entusiasmada.
                 -- Filha, a senhorita Terzak é uma mulher muito ocupada... – Júlia começava a dizer.
                  -- Só se for agora, lindona.
                A fisioterapeuta ficou falando sozinha enquanto as duas seguiam para dentro de mãos dadas. Quando voltou para sala, a traidora da filha estava deitadinha nas pernas de Elizabeth e falava alegremente toda a história do filme, ambas nem notaram sua presença.
             Fazia tempo que a empresária não se sentia tão bem. Raramente, parava para ver longa-metragem e ainda mais com uma companhia tão perfeita quanto a daquela linda criança. Se sentia tão bem quando estava com Anny, ela era tão doce e inocente.
                 Horas depois, a Wasten percebeu que a filha tinha adormecido, pegou-a dos braços da paciente e a levou para o quarto. Beijou a pequena e seguiu para a sala. Rezava para todos os santos para que a Terzak já tivesse ido embora, mas parece que aquele não era o seu dia. A mulher continuava sentada confortavelmente e comendo pipoca.
                  Deus, como um demônio podia ser tão bonito?
                  -- Anny já dormiu, é tarde, já é hora de descansar.
              A filha de Alex deu de ombros e continuou prestando atenção à televisão. Ela estava se divertindo muito em ver a impaciência presente no rosto da anfitriã. Sem falar que ela estava linda usando short e camiseta.
                 -- Senta aqui! – Bateu no lugar ao seu lado. – É melhor que ficar aı́, batendo o pé no chão e comendo unhas.
                 -- Não vou sentar em lugar nenhum e já está na hora de ir embora. – Cruzou os braços. -- Saia! -- Disse por entre os dentes.
               -- Mas ainda não são nem dez horas. – Falou inocentemente. – E o filme está tão legal e ainda tem muito “picoca”. – Imitou a Anny na última palavra.
                Júlia não conteve o sorriso. Aquela mulher era terrível, como poderia ser tão contraditória.
                 -- O que você veio fazer aqui? – Sentou na outra poltrona.
                 -- Vim ver você e tive o privilégio de encontrar a princesa da sua filha. – Falou sincera.
                 -- Não entendo como, mas Anny gosta muito de ti.
               -- E eu dela. Tenho um carinho enorme pela pequenina. Ela tem um jeito tão meigo, tão doce.
              A fisioterapeuta buscava o sarcasmo naquelas palavras, mas pela primeira vez não o encontrou. Elizabeth levantou-se e foi ao encontro de Júlia.
                   -- Por que não quer ser mais minha doutora? – Posou a mão na coxa da mulher.
                   -- Eu nunca fui sua. – Retirou a mão da empresária.
                 -- Uma pena! Mas sua substituta é muito sexy, acho que ela gosta do babado. – Provocou sorrindo.
                 -- Eu achava que você tinha me dito uma vez que não era lésbica.—Disse incomodada com o comentário.
             -- Mas, eu não sou! – Debochou. – Só com você que me permito isso. – Sussurrou-lhe ao ouvido.
              -- Pois saiba que isso não vai acontecer mais. – Fitou intensamente aqueles olhos verdes. – Não vou me prestar ao seu joguinho de envergonhoso. – Levantou-se. – Agora, saia da minha casa.
              A empresária cruzou as pernas confortavelmente. Parecia não ter nenhuma pressa. 
                 Como uma mulher podia ser tão linda? – Pensava Julia.
               -- Meu pai me disse que você não quis receber o pagamento por seus serviços. Por quê?
              -- Porque não quero nada da sua famı́lia, na verdade eu quero esquecer os dias que passei naquela ilha. – Respondeu irritada.
            -- Pelo que posso ver aqui você não é rica. – Examinou o minúsculo apartamento com desdém. 
                  A fisioterapeuta parou em frente a mulher. Fuzilando-a com o olhar.
                  -- Prefiro não ter um centavo a ter que receber alguma coisa vindo de você.
               -- Mas você fez um trabalho tão gostoso. – Piscou safada. – Realmente, está tarde. – Apoiou-se na bengala para levantar-se.
               A Wasten abriu a porta.
             A empresária estava quase saindo, mas antes lhe segurou pelo pescoço e a trouxe para si, pegando-a desprevenida em um beijo apaixonado.
            Júlia espalmou as mãos no peito da jovem, evitando um contato mais ı́ntimo, porém fora surpreendida por um abraço apertado, cheio de desejo.
             Daquela vez o contato tinha algo mais, não conseguia identificar o que, mas era mais humano.
                 -- Durma bem, anjo lindo. – Interrompeu o contato. 
                  A mãe de Anny ficou boquiaberta diante do tom carinhoso.
              Observou-a indo embora e sentiu vontade de chama-la de volta. Como resistir a tanto charme, ainda mais com toda aquela fofura?
Encostou-se na porta, fechando os olhos.



              Elizabeth entrou no carro e pediu ao motorista para apenas dirigir. Não tinha vontade de voltar para o apartamento e nem mesmo queria ir à mansão Terzak. Engraçado, sentiu um desejo enorme de permanecer na casa da doutora. Se sentira num verdadeiro lar, coisa que nunca chegara a conhecer, mas se tivesse que descrevê-lo, diria que a casa de Júlia se adequava perfeitamente.
                Fechou os olhos e respirou fundo.
             Até aquele momento não sabia o porquê de ter voltado. Nada naquele lugar lhe interessava, a não ser a fisioterapeuta e para piorar sua filhinha. Parecia até mentira, mas queria estar perto. Uma pena que aquilo não fosse possível. Estava decidida a manter distância, a partir daquele dia não atentaria mais a jovem. Estava assustada com os sentimentos que pareciam crescer em seu interior, temerosa por não saber lidar com eles.


               No dia seguinte...
           -- Está tudo pronto, Terzak, para sua festa com as meninas. – Rafael foi logo dizendo assim que entrou. Elizabeth digitava algo no computador.
              Ela apenas meneou a cabeça afirmativamente.
              -- Vai ser na suı́te do hotel Imperial.
              -- Ok!
              Ele continuou de pé. Estava relutante em dar a próxima informação.
              -- O que houve? Por que está aı́ me olhando?—A mulher indagou o encarando.
              -- A mãe de Marco está aı́ e deseja te ver.
              O assistente observou o semblante de indiferença da empresária mudar instantaneamente para dor. Aqueles lindo olhos parecia perdidos em algum lugar, tristes e vazios.
              -- Mande-a entrar.
              O rapaz apenas assentiu e seguiu para cumprir as ordens.
              Alguns segundos depois, Elizabeth viu a pomposa senhora adentrar o ambiente.
            -- Vejo que já se recuperou. – Falou com desprezo, fitando a jovem que permanecia sentada. –Uma pena meu filho não ter tido essa mesma chance.
              -- Como vai Vitória? O que lhe traz aqui? – Perguntou sem rodeios.
         A mulher tirou um envelope de dentro da bolsa e praticamente jogou sobre a mesa da empresária.
              -- Está aı́ a única coisa que encontrei entre as coisas do meu filho. Essa é a mulher que teve um filho com ele. Você já sabe o que tem que fazer, deve isso a minha famı́lia, ao Marco.
                A jovem apenas assentiu pegando a embalagem.
                -- Eu o farei! – Concordou firmemente.
              -- Ok! – Caminhou até a porta, mas deteve-se. – Estou hospedada em um hotel muito caro, espero que eu não precise me preocupar com dinheiro.
              -- Deixe o número de sua conta e o nome do hotel com minha secretária que arcarei com todas as despesas. – Impacientou-se.
                 A mulher sorriu e foi embora.
            Elizabeth observou o grande envelope que tinha nas mãos. Estava curiosa para saber quem fora a mulher que teve um filho com o próprio noivo. Ela tomara conhecimento desse relacionamento, porém não lembrava de ter visto a amante de Marco. Jogara todas as fichas contra a jovem, até mesmo dará muito dinheiro para o filho de Vitória se livrar da garota. De acordo com ele, ela pedia uma boa quantia para deixá-los em paz, mas não recordava sobre ter uma criança envolvida em tudo aquilo. Na verdade, boa parte da memória tinha sido apagada depois do fatı́dico acidente, então não sabia com precisão até onde iria a própria ignorância sobre o caso.
             A única coisa que precisava agora era achar a mulher e o filho do herdeiro dos Dilon e livrar-se de ambos. Assim, poderia viver em paz, livrando-se da pressão dos pais do homem que tanto amara em sua vida e vingando-se da mulher que se intrometera em seu caminho.
                 Abriu o invólucro e puxou a foto.
              Não podia ser. Seus olhos deveriam estar enganados. A mulher da imagem era nada mais, nada menos do que a Doutora Júlia Wasten.

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