Dolo ferox -- Capítulo 39

                  O dia amanhecia. Os primeiros raios de sol invadiam o ambiente através das frestas abertas da cobertura.
                         Os animais pareciam curiosos ao fitar a mulher deitada sobre o feno, talvez as roupas de freira fosse tão chamativa quanto um pano vermelho. O mugido da vaca parecia substituir o cantar do galo.
                       Natasha se mexeu, enquanto colocava os pulsos amarrados sobre os olhos, protegendo-se da claridade que lhe feria a visão.
                        Pelo menos a forragem fora confortável para seu corpo. Seria pior se tivesse ficado na chuva que caíra na noite anterior. Ainda sentia-se trêmula, pois o hábito ainda estava úmido.
                         Sentou-se com um pouco de esforço devido a estar presa.
                         Observava tudo com atenção.
                         O lugar era feito todo de madeira e pelo que via algumas melhorias foram feitas no lugar.
                         Sentiu uma vontade enorme de ir ao banheiro e sua barriga já doía de tanto prender o xixi.
                            Cascos batendo no chão lhe distraíram. 
                         Os animais a olhavam com desconfiança. Reconheceu o garanhão do dia da cachoeira e pelo olhar do bicho, ele também se recordava.
                        Mais uma vez a imagem da bela mulher veio a sua mente. Deveria ser filha ou até esposa do dono daquelas terras.
                            Sacudiu a cabeça tentando se livrar dos incômodos pensamentos que teve. Sentiu-se corar.
                         Nada daquilo interessava, desejava apenas resolver todo o problema e sair o mais rápido possível e nunca mais retornar.
                       Tentou se livrar das amarras, estavam machucando sua carne. As cordas eram ásperas e ferira seus pulsos.
                       Cerrou os dentes tentando controlar a respiração, assim não se entregaria a ira, porém ainda continuava a achar tudo aquilo um exagero. Qual o risco que uma freira representava para ser tratada daquele jeito?
                         Preocupava-se ainda mais como a criança naquele momento.
                         Fechou os olhos e começou a orar a Deus, pois temia que a a revolta lhe dominasse o peito.
                         Quanto tempo a mais seria mantida naquele lugar?
                         O monge ficaria furioso com toda aquela história e ela não poderia mentir.
                          Desejou cruzar os braços devido ao ar frio que lhe estremecia a carne.
                          Baixou a cabeça, encostando-a aos joelhos e permaneceu ali esperando que o dono de toda aquelas terras se dignasse a vê-la. 



                          Valentina acordou com um terrível ressaca. 
                     Secou todo o conteúdo da garrafa na noite anterior, nem se recordando de como tinha chegado até os aposentos.
                 Observou o teto e teve a impressão que tudo girava ao seu redor, fechou os olhos novamente.
                         Apagara por completo, mas pelo menos assim, por algumas horas conseguira esquecer da sua angústia. 
                          Voltou a observar o quarto que ocupava desde que chegara ali.
                          Viu uma cadeira caída e as roupas que usara antes jogadas sobre ela.
                         No lugar não havia luxo, mas o pequeno armário gasto tinha sido arrumado e lá foram colocado suas coisas. Havia também uma pequena mesa rústica de dois lugares. O notebook descansava lá inutilmente junto do celular que nenhuma serventia tinha por aquelas terras. A janela de vidro apresentava um trinco, uma cortina fora improvisada para que a luz do sol não invadisse o espaço.
                         Ouviu batidas na porta.
                  Colocou o travesseiro sobre a face para não ouvir as pancadas.
                Aquela não era a primeira vez que tinham ido chamá-la. Será que não poderiam deixá-la em paz?
              Gostaria de passar o dia quieta, apenas deitada. Não estava interessada em ouvir e falar com qualquer pessoa.
              -- Senhorita…
            A voz de Giovana soou baixa.
                    A trapezista ignorou. Deitou de bruços, pressionando a face no colchão.
             -- O senhor Gumercindo deseja saber o que deve ser feito com a freira.
              A morena descobriu a cabeça tendo o olhar arregalado.
              -- Freira? -- Indagou sentando.
              Massageou as têmporas que latejavam diante da brusquidão do ato.
              Fez-se um silêncio e mais uma vez a voz da moça.
              -- E então, patroinha, o que deve ser feito, devemos soltá-la?
              Valentina viu a cabeça da jovem aparecer pela fresta da porta.
                       De que aquela menina estava falando? Fechou os olhos tentando buscar em sua mente alguma coisa que fosse capaz de explicar aquela confusão.
                       Fitou a empregada e lá estava o olhar curioso.
             -- Diga-me, o que uma freira está fazendo na minha fazenda presa? -- Levantou o lençol até o pescoço, pois dormira totalmente despida. -- Entre e me explique! -- Pediu.
              Giovana adentrou o espaço. Observou a bela morena e os cabelos em desalinhos que lhe deixava ainda mais bonita. 
                       -- Fale logo! -- A Vallares ordenou.
              -- Ontem uma freira veio até aqui buscar o garotinho, vim avisar e a senhorita disse para prendê-la e que hoje resolveria.
                A morena fechou os olhos, enquanto respirava fundo. Recordava-se daquele episódio, mas não se lembrava que fora mencionada que a pessoa que ali estava era uma representante de Cristo.
                         Soltou um longo suspiro.
              -- A minha vida já está muito boa… Agora ainda por cima cometi o pecado de tratar mal uma religiosa. -- Levantou-se com o cobertor ao redor do corpo. -- Tomarei um banho que estou exalando álcool. -- Torceu o nariz. -- Solte a irmã e leve-a até a cozinha, sirva a melhor comida e logo retornarei para falar com ela. Adiante já o meu pedido de desculpas e diga a boa senhora que pelo amor de Deus não me condene.
                A empregada assentiu, enquanto deixava os aposentos.
              A neta do conde seguiu até a janela e ficou a pensar com qual cara se apresentaria diante da tal senhora , como pediria perdão sem a ira do todo poderoso cair sobre si.
                  Sentiu uma tontura e logo sentou na poltrona gasta.
              Onde estava com a cabeça na noite passada para permitir que aquilo acontecesse? Deveria ter questionado e não dado aquela fatídica ordem. A coitada da freirinha deveria está lá sofrendo à penumbra, tremendo suas carnes gastas pelos anos de dedicação à igreja. Uma madre idosa que decerto sofria de vários males, mas que fora tratada de forma terrível por uma enganosa decisão.
                 Onde estava a Valentina gentil e atenciosa? 
                        Há seis meses não conseguiam reencontrar-se, há seis meses seguia perdida por aquele caminho onde só havia escuridão.
              Respirou fundo, enquanto levantava e seguia até o banheiro, sentindo-se nauseada, o estômago embrulhou, enquanto provocava as últimas refeições que fizera.



                 -- Peço desculpas, irmã! -- Gumercindo já entrou dizendo.
              Natasha observou o homem que a tinha prendido na noite anterior se aproximar. Deveria ter mais de cinquenta anos. Era alto, forte e apresentava uma expressão de gentileza, mesmo tendo lhe apontado uma arma na noite anterior.
                   Ela estendeu os braços e ele a livrou das cordas.
                   -- Será que Deus vai me perdoar?
                  A ruiva apenas assentiu, enquanto se levantava sem esboçar uma única reação ou dizer uma única palavra, mesmo sentindo uma crescente revolta em seu peito.
                  -- Venha comigo, logo será recebida.
                   A Valerie nada disse, apenas seguiu com ele.
                   Ao chegar do lado de fora colocou o braço sobre a face, protegendo-se da claridade.
               Todos os olhares estavam voltados para si. Olhavam-na como se fosse a primeira vez que viam uma religiosa ou nunca viram uma tão bonita como a que ali estava, pois mesmo que agora não se recordasse de quem era e assumisse inocentemente a identidade de uma freira, a neta de Isadora ainda exibia aquela postura forte, poderosa e, mesmo que lhe negado o título, de aristocrata. O hábito azul e branco, ainda que gasto, não escondia a origem da mulher.
               Observou a casa grande. Apesar de deteriorada pelo tempo, tinha uma arquitetura bonita, as linhas eram perfeitas. O acabamento antigo, o aspecto se mostrava adequado à terra, como se tivesse surgido com tudo aquilo.
                    De repente a ruiva teve em sua mente imagens parecidas, plantas, construções e seus detalhes.
            Meneou a cabeça, enquanto pisava na grama que estava sendo limpa e reinava verdejante.
                    Jamais imaginou que o lugar onde se pegava as frutas tinha tanta beleza. Viu os famosos pés de maçã e sentiu a barriga roncar, estava faminta, pois sua última refeição tinha sido há um bom tempo.
                          Observou além das terras, pelos caminhos secretos que a fizeram chegar naquela propriedade.
                Uma hora daquelas o monge já estaria dando por sua falta, se não fosse embora logo, não demoraria para que ele aparecesse a sua procura.
                 Ouviu a voz do homem falando, mas estava distraída e em nada prestou atenção.
                  Parou no primeiro degrau, encarando-o.
                -- Perdão, mas eu não ouvi o que disse.
            -- Disse para vim comigo até a cozinha para que coma alguma coisa até que seja recebida.
           Natasha estava faminta realmente, sentia até o estômago reclamar, entretanto a única coisa que desejava naquele momento era pegar o Felipe e ir embora, mas antes gostaria de ser recebida pelo patrão.
               -- Senhor, não acredito que isso seja necessário! -- Disse cruzando os braços. -- A única coisa que realmente desejo é falar com seu superior, levar o garoto e deixar esse lugar o mais rápido possível. Posso ver o menino?
                 Gumercindo observava-a com atenção.
                Jovem e muito bonita, mesmo tendo a cabeça e o corpo todo coberto. Falava bem, tinha uma voz bonita e colocava as palavras adequadamente. O que ela estaria a fazer em um lugar tão isolado e associada a ladrões?
            -- Peço perdão, irmã, mas não poderá fazer isso ou deixar a fazenda sem falar com a pessoa que representa o dono de tudo isso aqui, afinal, o moleque foi pego roubando e isso vem acontecendo há tempos. Não acredito que demorará para que seja recebida, tenha um pouco de paciência. 
                     A enganada religiosa ainda pensou em protestar, mas o melhor seria seguir para o interior daquele lugar e rezar a Deus para lidar com uma pessoa mais civilizada do que a que a mandou prender naquele estábulo.
                           Assentiu, enquanto acompanhava o  homem.




                           Helena tinha acabado de banhar o neto, tendo trabalho para tirá-lo da banheira, pois parecia bastante entretido ao brincar com os patinhos que fora presente da Natasha.
                            Enganou-o para que não chorasse, enquanto o tirava do recipiente. 
                      Levou-o até a cama, deitando-o. O pequeno brincava, enquanto tentava colocar o dedão do pé na boca.
                        Estava lindo, forte e saudável. Os cabelos tão ruivos quanto o da mãe, as bochechas eram rosadas e os olhos de um verde intenso.
                Viu o sorriso banguelo aparecer e ficou maravilhada. Ainda mais que ultimamente ele vinha muito arredio. Sabia que sentia falta da Valerie, mesmo estando sempre com a Valentina, esperava que ela retornasse para o Natal, assim o bebê teria uma das mães ao seu lado.
                 Pegou a mamadeira e as mãos gorduchas seguraram-na, enquanto mamava e observava tudo ao redor com seu olhar analítico.
                      Não havia dúvidas que ele saíra à arquiteta.
                 Acomodou-se ao lado da cama, observando-o em seu trabalho. O que teria feito se não houvesse aquela criança em sua vida? Ele quem preenchia a lacuna que estava aberta em seu peito, ele quem a distraia da sua dor. Sabia que seriam dias ainda mais difíceis, pois logo as buscas seriam encerradas e esperava que ao final de tudo aquilo Valentina pudesse encontrar alento.
                 Sabia muito bem como a neta de Nicolay estava a sofrer e como ela buscava mascarar a angústia  com uma esperança cega de que ainda encontrariam a Valerie com vida.
                      Limpou uma lágrima que lhe molhava a face.
                    A circense precisava seguir em frente. Era jovem, tinha um filho para criar e precisaria de forças para enfrentar a duquesa em sua ambição cega.
                    Torceu a boca em desagrado.
                 Nícolas Vallares tivera a prisão decretada mais uma vez naquela manhã, porém Helena não acreditava que o herdeiro do conde fosse realmente o mandante de toda aquela trama suja. Estava convicta que o dedo dos Hanmintos estavam presentes. Lembrou-se de que a trapezista seguia em uma perigosa relação com a Nathália e aquilo a preocupava cada dia mais, ainda mais porque sabia que a neta de Isadora tinha seus interesses escusos e se descobrisse das investigações que a morena executava as suas costas, poderia machucá-la, livrar-se dela como já fizera com tantas pessoas.
                        Batidas na porta interromperam suas divagações.
                        -- O conde Vallares está lá embaixo e deseja lhe falar.
                       A senhora Antonini assentiu, enquanto seguia para vestir o garoto.
                    Não era uma coisa fora do comum Nicolay ir até ali. Desde a tragédia que se abatera na vida de todos, ele se reaproximara do casal que um dia condenara por ficarem do lado da Valerie. Ia sempre lá e passava horas com o bebê.



                      Nicolay estava sentado no confortável sofá.
                      Deixara a mansão mais cedo e fora visitar o filho no lugar onde estava sendo detido.
                     Nícolas permanecia confiante que tudo se resolveria. Acreditava que conseguiria provar a inocência e essa era a única vontade dele, pois sabia que essa seria uma forma para reconquistar o carinho da filha.
                      Observou Helena descer as escadas com o garotinho nos braços.
                       Segurando na bengala, levantou-se.
                   --  Parece que ele ainda está mais bonito que antes. -- Disse entusiasmado. -- Acho que até um dentinho está nascendo.
                   A esposa de Leonardo sorriu em cumprimento e logo colocou Victor sobre o colo do conde.
                  -- Está mais rosado hoje, menino! -- Nicolay dizia enquanto lhe beijava a mão. -- Valentina deve estar com muita saudade.
                         A mulher se acomodou ao lado do homem.
                        -- E quando ela retorna?
                   Victor parecia interessado em brincar com a elegante bengala do avô, enquanto os adultos conversavam.
                -- Realmente eu não sei, tudo estava certo para que fosse hoje, mas eu sinceramente preferiria que ela não o fizesse, ainda mais agora com a prisão do Nícolas.
               -- Leonardo me contou e eu realmente sinto muito, pois não acredito que ele tenha realmente feito isso. -- Suspirou. -- Não nego que tenho raiva quando penso que ele prendeu a Valentina dentro de um quarto, mas diante de todas as coisas que aconteceram, de certa forma é justificável.
                      O conde apenas assentiu e só depois de alguns segundos voltou a falar:
               -- Estou convicto da inocência da Valerie em relação à morte da minha filha! -- Falava tristemente. -- Sinto-me culpado por tudo, culpado por não ter buscado explorar mais o caso e apenas aceitado as evidências.
                    A senhora Antonini pareceu surpresa diante do que fora dito.
                   -- Por que agora acha isso?
                  -- Helena… -- Disse hesitante. -- A Verônica estava envolvida em uma trama para destruir a Natasha… -- Disse com desgosto. -- Esse fora o único propósito do casamento, não tenho provas concretas, mas assim que tudo estiver resolvido, eu mesmo farei questão de denunciar a Isadora e a Nathália.
               Aquela informação não pareceu surpreender a esposa do arquiteto, afinal, ela sempre soube disso, mas o que a deixava surpresa era o fato daquele homem acreditar nisso.
             -- Não quero que me leve a mal, nem fique irritado com o que direi, mas eu via várias discussões entre a Natasha e a sua filha, ela fazia sempre o possível para rebaixar a posição da Nath… Acusara inúmeras vezes de ter sido desprezada por vocês devido ao casamento… 
                     Nicolay negou com um gesto de cabeça.
                -- Eu realmente não gostei quando soube do casamento, afinal, a Valerie tinha uma fama bem ruim espalhada pela própria avó, mas em nenhum momento eu teria tratado mal a minha amada filha por sua escolha, ao contrário, sempre deixei claro que as portas estavam abertas para as duas, porém ela sempre aparecia sozinha, sempre reclamava de estar sendo tratada mal… Hoje eu sei que fazia parte dos planos…
              Helena se levantou, enquanto seguia em direção ao escritório. Depois de alguns minutos retornou, trazia consigo um maço de cartas.
                -- Aqui estão todas as correspondências que a sua filha mandava a cada separação. Natasha guardava todas, acredito que como uma forma de se martirizar por sua posição.
                  O conde entregou a neto a mulher, enquanto observava cada uma das cartas.
                  A letra cursiva que era marca característica dos Vallares estavam ali.
                  Abriu uma e para seu maior desgosto, lá havia coisas terríveis sendo ditas.
               Quanto mais fatos eram descobertos, mais certo estava dos erros que cometera e que sabia que Valentina não perdoaria tão facilmente, porém estava disposto a reconhecer seus deslizes e lutar para que pelo menos a memória da Valerie fosse limpa diante de todos. Não descansaria, enquanto não fizesse Isadora e Nathália pagarem caro por tudo o que fizeram, pois estava cada vez mais certo que elas estavam por trás da morte da sua herdeira. Chegaria o momento que nenhuma das duas poderiam fugir dos crimes que cometeram.



                   Valentina estava dentro da tina de madeira.
                    A cabeça estava inclinada para trás e tinha uma toalha sobre a face.
                 Ainda não se sentia bem, porém sabia que precisava sair dali e resolver o problema que fora causado com a religiosa. Decerto, já fora condenada ao fogo do inferno uma hora daquelas, nada diferente do que estava a viver.
                    Tocou o cordão que trazia no pescoço, sentindo o símbolo viking que fora sempre era usado pela Valerie. 
                    Soltou um longo suspiro.
                    Como se a vida já não estivesse ruim o suficiente.
                    Tirou o pano do rosto, enquanto observava tudo ao redor.
                 Um armário gasto, um espelho em arco antigo com algumas marcas do tempo, um chuveiro que só jorrava água gelada… O piso em madeira como toda a casa. A limpeza que fora feita ali deu um aspecto elegante ao local. Aquele recipiente que estava mergulhada em espumas parecia um enorme caldeirão talhado. Tudo fora polido e brilhava como novo.
                     -- Patroinha…
                  A morena ouviu a voz de Giovana e logo a moça adentrava com suas roupas provocantes e sorriso fácil.
                     -- A irmã já está na cozinha, está sendo alimentada. -- Disse com um sorriso.
                     -- E o garoto? -- Indagou preocupada.
                     -- Como a senhorita disse, ele está no quarto, não o deixamos sair.
                    A neta do conde assentiu, enquanto permanecia pensativa até questionar:
                      -- Você viu a religiosa?
                      A jovem negou com a cabeça.
                    -- Não, o senhor Gumercindo disse que era melhor não aparecer por lá, parece que a freira está meio irritada com tudo o que aconteceu.
                      A circense mordiscou o lábio inferir demoradamente.
                -- Bem, eu não entendi direito o que essa irmã tem a ver com ladrões. Ontem o garoto falara sobre freiras, mas ainda duvidei, afinal, é estranho que pessoas ligadas tão estritamente a Deus se misturem com esse tipo de coisa.
                      -- E a senhorita vai libertar o menino? -- Aproximou-se mais.
                     -- Eu não sei, dependerá do que essa mulher vai me dizer, afinal, ela deve saber quem são os cúmplices do garoto… Não desejo que esse tipo de coisa volte a acontecer em minhas terras. 
                        -- Sim, está certa, ainda mais quando ficaram lhe bisbilhotando na cachoeira.
                        A Vallares sentiu a face corar diante da lembrança.
                     Ainda sentia o arrepio na espinha ao recordar da sensação que teve. Fora tão perturbador o que sentira que ainda se assustava ao recordar.
                        Mirou as espumas que lhe cobria, depois voltou a encarar a jovem.
                       -- Sabe de uma coisa, eu não perderei meu tempo falando com essa freira, já imagino que ouvirei poucas e boas e não estou com paciência para isso, minha cabeça está cheia de problemas, então me faça um favor, mande-a embora com o garoto e avise que se um deles aparecerem novamente por aqui, aí sim terão problemas sérios.
                         -- Mas…
                      -- Por favor, Giovana, faço o que estou pedindo, hoje mesmo irei embora e não tenho tempo a perder. -- Interrompeu a jovem.
                   A empregada assentiu, enquanto deixava o lugar.
                 Valentina voltou a colocar a toalha na face e permaneceu lá. Pensava em como agiria agora que retornaria à cidade.
              Primeira coisa que faria seria ir buscar o filho. Estava morta de saudades do seu pequeno ruivo. Seguiria preenchendo suas dores ao lado da criança. Não desejava nada mais que isso em sua vida. Depois juntaria todas as provas que conseguira contra Nathália e Isadora e usaria isso para mantê-las afastadas de si. Estava disposta a mandá-las para a cadeia e assim ficaria finalmente livre das ameaças da duquesa.
                 Suspirou ao recordar do pai.
                Teria sido mesmo responsável por toda aquela tragédia?
             Recordou-se de ter ido até o advogado e pelo que tinha sido apurado. O veículo onde Natasha estava tinha sido alvejado por vários tiros e fora essa razão por ela ter perdido o controle e caído na ponte quebrada, mas o que ela fazia em um lugar tão afastado? O que se passava? E onde estava o detetive? Tinha desaparecido junto com ela?
              Havia tantas perguntas que não se sabia onde encontrar as respostas que chegava a se desesperar.
                Bateu forte nas laterais da tina como se isso conseguisse extravasar sua raiva.



              Natasha estava acomodada na cadeira. Apenas tomara um copo de suco de laranja e uma fatia de bolo. Tinha conseguido usar o banheiro e agora parecia mais aliviada.
                 Mantinha a cabeça baixa, fitava as mãos que descansavam sobre o colo.
               Já estava perdendo a paciência com toda aquela demora e com os olhares curiosos que recebia da cozinheira e do homem que a tinha prendido.
               Mexeu-se inquieta e aquilo chamou a atenção da mulher rechonchuda e com aspecto simpático que lhe servira.
                        -- O que fez uma mulher tão bonita se tornar freira?
                    Natasha segurou o crucifixo que sempre carregava preso em seu cordão, era como se aquele símbolo fosse suficiente para protegê-la de tudo, até mesmo das tentações que lhe perseguiam em seus sonhos.
                    Antes que tivesse que responder a pergunta indiscreta, batidas na porta lhe interromperam e a Valerie ficou esperançosa, imaginando que já poderia se explicar e ir embora.
                  Alguns segundos se passaram e o peão que todos chamavam de Gumercindo se aproximou.
                       -- E então? Serei recebida? -- Indagou ao se levantar.
                       O empregado hesitou um pouco, mas logo falou:
                       -- Na verdade tenho uma ótima notícia, a irmã pode ir embora e levar o moleque.
                       A ruiva estranhou o que estava sendo dito.
                     -- Pensei que fosse falar com o dono, foi isso que me disse quando foi até o estábulo! -- falou firme. -- Faz mais de uma hora que estou aqui a espera disso.
                         -- Sim, sim, mas houve uma mudança, então já poderá ir embora.
                       A Valerie cruzou os braços sobre o colo.
                    -- Não sairei daqui até que me permita falar com seu patrão! Eu passei a noite em um lugar onde se guarda animais, esperei até agora para que venha me dizer isso. Diga que desejo lhe falar e não deixarei a fazenda sem o fazer.
                        Os presentes na cozinha pareceram surpresos diante da forma impositiva da freira.





                        Rebeka estava em seu apartamento quando ouviu a campainha.
                        Estranhou, pois não fora notificada pela portaria de alguma visita.
                Como a empregada tinha saído para resolver algumas coisas, poderia ser que tivesse esquecido as chaves, mas ao abrir se deparou com a herdeira de Isadora.
                        -- Olá, querida, quanto tempo? -- Nathália questionou já adentrando o espaço.
                    A loira pareceu não apenas surpresa, mas também temerosa com a presença daquela mulher com quem já dividiu várias vezes a cama.
                          Fechou a porta, enquanto a encarava.
                     Engraçado como agora conseguia distinguir as duas irmãs. Natasha sempre trazia em sua face um olhar inquisidor, um sorriso de canto que beirava o sarcasmo. Ela fitava a todos como se nada do que era dito lhe interessasse, diferente da futura duquesa. Essa trazia sempre a gentileza em seus gestos, fora sua forma cordata de se comportar, dissimulava o tempo todo.
                         -- O que faz aqui? -- Indagou irritada. -- Não lembro de tê-la convidado.
                       Nathália seguiu até o sofá de couro, sentando-se confortavelmente, enquanto cruzava as pernas.
                      -- Sente-se, quero conversar contigo! -- Bateu ao lado. -- Quero que me explique o que andou fazendo na empresa. Por que foi ao encontro da minha noiva?
                          Rebeka exibiu um sorriso, mesmo que estivesse temerosa em seu interior.
                     -- Não deixaria passar a oportunidade de jogar na cara da trapezistazinha que a Valerie gostava muito mais de transar comigo que com ela.
                        Os olhos verdes se estreitaram.
                        -- Minha irmanzinha está morta, então não vejo motivos para que faça isso.
                        -- Bem, talvez eu não me sinta feliz em saber que sua namoradinha provavelmente será uma das herdeiras da ruiva, quanto a mim, nada receberei. 
                           A neta de Isadora parecia ponderar.
                       -- Você estava transando com a Natasha?
                        -- Sim, até mesmo na noite anterior ao acidente estivemos juntas! -- Mentiu.
                       -- A Valentina sabe disso? -- Indagou parecendo interessada.
                       -- Ela se nega a acreditar, acha mesmo que a ruiva a amaria para sempre e seria fiel… -- Gargalhou. -- Uma tola a sua namoradinha. -- Sentou-se na poltrona de frente para ela. -- Você realmente gosta da circense? Ela parece tão sem sal, não acredito que saiba fazer sexo.
                        -- Você acha?
                        -- Bem, a sua irmã deve ter ensinado uns truques…
                        O maxilar da Hanminton enrijeceu diante daquela frase. 
                         -- Eu vim aqui porque desejo retomar nossos negócios… Gosto de receber seu apoio, mas já sabe que se eu descobrir que está me traindo, mato você!
                        A loira sentiu um frio na espinha, pois tinha certeza de que ela faria realmente o que estava ameaçando.
                          Levantou-se e foi até ela, ocupou o lugar ao seu lado, praticamente se jogando sobre ela.
                         -- Só se no pacote pudermos ficar juntas novamente… -- Piscou ousada.
                          Nathália arqueou a sobrancelha esquerda em desconfiança.
                         -- Não confio em ti…
                         -- Mas por quê?
                           -- Talvez se fizesse algo para mim tudo pudesse ser diferente e você desfrutaria dos  meus milhões ao meu lado.
                  Rebeka fez um gesto de assentimento com a cabeça, estava curiosa e também amedrontada diante da herdeira da duquesa.



                     Natasha seguiu até a sala, enquanto esperava pacientemente pelo patrão. Não estava disposta a ir embora assim. Sabia que necessitava de explicar tudo para que se ocorresse novamente ninguém levasse um tiro, ainda mais uma das suas crianças.
                         Olhava tudo ao redor com ansiedade crescente, desejava apenas resolver tudo aquilo o mais rápido possível.
                          Olhou mais uma vez os corredores e não havia ninguém.
                       Havia se passado tempos desde que mandara o recado para o Vallares. Começava ter a impressão que não lhe falaram sobre seu desejo de encontrá-lo.
                        Seguiu lentamente para onde sabia que deveria ir, mesmo que não fosse uma boa ideia.



                      Valentina tinha acabado de sair do banho enrolada em uma toalha e ao olhar para a porta teve a impressão que perdia todos os sentidos ao fitar a mulher que a olhava com aqueles olhos tão estreitos e únicos. O verde escurecido estava mais claro, os lábios entreabertos que chegavam a lembrar uma das maçãs suculentas que tinha naquelas terras distantes. Viu os dentes alvos, o olhar perdido…
                    Abriu a boca para falar, mas o som não vinha, apenas um barulho rouco em sua garganta.
Mesmo tendo passado todo o efeito do álcool, ainda sentia-se embriagada quando deu passos trôpegos indo até a ruiva.
                      Observou as vestes…
                     O que se passava?
                     Estava tendo uma miragem?
                     Voltou a tentar falar, mas a boca estava seca.
                    Chegou mais perto e balbuciou algo ilegível. 
                     Natasha tinha seguido pelo grande corredor e entrou em umas das últimas portas.
                   Não deixaria aquele lugar sem falar com o dono, pois sabia que as crianças não deixariam de ir até ali, eram infantis para entenderem que aquelas frutas não poderiam ser comidas quando muitas se perdiam.
                      Tinha adentrado aos aposentos e lá estava a mesma jovem que viu na cachoeira.
                   Viu os olhos tão negros se abrirem ao vê-la ali e só naquele momento percebeu que apesar de serem idênticos aos dos sonhos, naqueles havia uma coisa diferente.
                 Observou a face tão bonita, os cabelos úmidos do banho… A toalha branca que lhe envolvia o corpo delicado…
              Quem seria ela? A esposa do dono? Filha?
                  Observou-a se aproximar, enquanto tinha a impressão que os olhos negros pareciam querer invadi-la.
                      -- Senhorita…
                     Antes que pudesse terminar o que estava dizendo, precisou ser rápida para acolher a bela morena em seus braços.
                      Sustentou-a, era leve…
                      Abraçou-a forte para não deixá-la cair. Fitou o rosto pálido que pendiam de lado.
                       Viu o leito e conseguiu chegar até ele, deitando-a.
                     Precisava pedir ajuda de alguém, mas como explicaria o que se passou, capaz de prendê-la no estábulo novamente.
                  Sentou-se na beira da cama, enquanto acariciava a tez, arrumando-lhe os fios que caiam sobre a face.
                     Respirou fundo e sentiu um aroma deliciosamente característico.
                     Mais uma vez foi atraída pela boca bem desenhada. Segurou mais uma vez o crucifixo, depois chamou-a baixinho.
                     -- Senhorita…
                 Seguiu até a orelha dela sussurrando, chamando-a, não pelo nome, pois sua mente avariada não se recordava, porém algo a atraia a àquele ser desfalecido. Voltou a chamá-la, enquanto fitava a porta, pensando a quem deveria pedir ajuda.
                   -- Natasha…
                  A voz baixa e rouca sussurrou.
                  A ruiva a encarou, mirando os olhos que se abriam trêmulos.
                   -- Natasha… -- Voltou a chamar como um gemido.
                  A esquecida irmã pareceu surpresa diante dos olhos semicerrados. Viu-a tão próxima de si, sentiu o hálito de menta mesclado ao álcool.
                    -- Senhorita…
                  -- Natasha… meu amor… -- Esticou a mão lhe acariciando a face. -- Eu sabia que estava viva… -- Disse em lágrimas. -- Sabia que voltaria para mim.
                  Os olhos verdes brilhavam em confusão, parecia não entender nada, voltou a olhar para a porta.
                  Seria aquela jovem tão linda detentora de algum problema mental?  Talvez fosse melhor não a contrariar e esperar alguém chegasse ali para esclarecer tudo.
                      Voltou a mirá-la e logo a cabeça que apoiava se aproximou da sua, então os lábios que se mostravam pálidos naquele momento encostou nos seus. Os olhos da freira se abriram em verdadeiro pavor, mas não se afastou de imediato como deveria fazê-lo, apenas sentiu o toque delicado, aveludado, quente, molhado.
                         Deus, aquela garota só podia ser alguma louca!
                         Decidida, interrompeu o ato, levantando-se.
                      -- Senhorita, acho que está me confundindo, vim aqui para falar com o dono da fazenda. Chamarei alguém para que te ajude.
                        A morena se apoiou no cotovelo e logo se sentou.
                       Encarava a mulher a sua frente, via a roupa de freira e ficava a pensar do que se tratava tudo aquilo.
                       Estava sonhando?
                      -- Natasha… -- Chamou-a novamente.
                      A religiosa se voltou para ela.
                       -- Quem é Natasha? -- Questionou com impaciência.
                        Valentina se levantou e foi até ela, parando diante do olhar perdido.
                        -- Você é Natasha Valerie! -- Falou mais firme.
                        -- Sou a irmã Elizabeth, senhorita!
                       Os olhos negros ficaram ainda mais confusos.
                       Passou a mão pelos cabelos molhado.
                     -- Está doida, só pode! -- Aproximou-se, tomando-a pelos ombros. -- Você não tem ideia de como sofri, de como me desesperei e como estive a ponto de desistir de tudo… -- Segurou-lhe a face. -- Tive a impressão que o meu mundo não tinha mais sentido. -- Falava emocionada. -- Eu não acredito que está aqui, que posso te tocar…
                      Mais uma vez a arquiteta se desvencilhou do toque, afastando-se.
                    -- Eu já disse que a senhorita está enganada… Sinto muito por sua perda, rezarei a Deus para que a ajude a superar, porém não sou essa pessoa.
                    Valentina arrumou os cabelos por trás da orelha em um gesto nervoso. Voltou a encarar a ruiva e era como se seu coração estivesse a pular em uma cama elástica. 
                     Mas o que significava aquelas roupas?
                     Caminhou de um lado para o outro e depois voltou a parar diante dela.
                -- Perdeu a memória? Sim, foi isso, tenho certeza. -- segurou-lhe as mãos. -- Você é Natasha Valerie, eu sou Valentina Vallares… -- Esboçou um sorriso. --Você e eu temos uma relação, temos até um filhinho… -- Enquanto falava os olhos enchiam de lágrimas novamente. -- Meu Deus, eu não acredito que está aqui.
                  A religiosa se sentiu abraçada e deixou os braços cair ao lado do corpo. Mais uma vez sentia o aroma do corpo da jovem lhe invadir os sentidos. Sentiu-se ser ainda mais apertada e logo ouvia o choro baixinho se transformar em soluços contra seu pescoço. Não sabia o que fazer naquele momento,então apenas levou a mãos às madeixas negras, acariciando-as gentilmente até senti-la acalmar os espasmos.
                   Decerto a jovem estava passando por problemas sérios e estava confundindo-a com essa tal Natasha.
                    Deixou-se ficar ali, mesmo sabendo que deveria encerrar aquela confusão. Sentiu-a se aconchegar mais ao seu corpo e mais uma vez teve a sensação de algo tão familiar que chegou a se assustar.
                    Valentina a apertava forte, enquanto chorava, era como se ainda acreditasse estar em um dos seus sonhos e temesse que a qualquer momento despertasse e percebesse que tudo se passava de um dos tantos devaneios que teve naqueles meses.
                      Tomou mais uma vez o rosto bonito nas mãos, enquanto a olhava com o imenso amor que sentia.
                     A ruiva observou a face banhada de lágrimas, a dor e a esperança presente naquele olhar.
                     O que se passava?
                     Batidas na porta interromperam o momento.
                     A irmã se afastou.
                    Gumercindo apareceu.
              -- Então a freirinha está aqui! -- Disse tirando o chapéu. -- Ela veio até aqui sem a permissão! -- Baixou os olhos ao ver que a patroa estava só de toalha. -- Perdão, patroinha, nós não tínhamos encontrado ela em lugar nenhum e como ela desejava tanto falar com a senhorita, imaginei que poderia estar por aqui.
                   A religiosa então percebeu que aquela mulher era a pessoa com quem desejava falar. A patroa que mandara lhe trancafiar no estábulo e que agora agia de forma incoerente.
                      Valentina fez um gesto afirmativo com a cabeça.
                       -- Deixe-nos a sós e depois lhe digo o que foi resolvido. -- Ordenou.
                       O peão pediu licença deixando os aposentos.
                       Mais uma vez a morena andava pelo quarto de um lado para o outro. Aquilo não era um sonho, tudo era bastante real, ponderava, enquanto apertava os punhos fortemente e tentando manter o raciocínio.
                        -- Você é a freira que estava presa no estábulo?
                        A ruiva cruzou os braços sobre os seios.
                        -- Sim e imagino que seja com a senhorita que deva falar sobre o garoto…
                        -- Não! -- Cortou-a. -- Você não é freira!
                        A Valerie cerrou os dentes.
                  -- Mocinha, eu só quero que saiba que ninguém rouba nada aqui, estamos apenas em busca da nossa sobrevivência, todos já estão avisados para não vim até suas terras, mas são crianças, deve entender, mas eu mesma me certificarei que não aparecerão mais.
                   -- Você não é freira! -- Repetiu pausadamente. -- Natasha, por favor, escute-me! -- Pediu chegando mais perto. -- Amor, amor, me ouça, você é Natasha, é minha… -- umedeceu os lábios. -- Você é minha mulher!
                   A ruiva prendeu a respiração, enquanto encarava a morena.
                  -- Está me confundindo, eu já disse quem eu sou, senhorita, agora vou embora e deixar que fique com suas loucuras.
                       A freira caminhava até a porta, mas foi detida pelo braço.
                       Encararam-se.
                       -- Onde está? Quem está contigo?
                       -- Deixe-me! -- Exigiu.
                        -- Não, não irá embora mesmo!
                        -- Vai me prender de novo dentro do estábulo? -- Questionou em desafio.
                        A Vallares passou a mão pelos cabelos úmidos, tentando manter a calma.
                        -- Leve-me ao lugar onde está, eu desejo falar com a pessoa que te resgatou.
                        -- Já disse que está enganada, está me confundindo com outra pessoa... Talvez eu pareça, mas não sou, por favor, tente entender, só estou aqui para falar pelo garo e levá-lo comigo.
                        -- Não! -- Vociferou. -- Vou te levar de volta comigo, você não é freira coisa nenhuma, te levarei a um especialista, quem sabe ele não abre essa tua cabeça dura e coloca tudo no lugar. -- Tomou-a mais uma vez pelos ombros. -- Tem ideia de quanto sofremos pensando que estava morta? De como estive a ponto de desistir?
                        Valentina se afastou ao ver o temor naqueles olhos verdes, surpreendendo-se. Desde quando a mulher que amava se mostrava tão frágil?
                         -- Sente-se! -- Apontou para a cadeira. -- Vamos conversar.
                         -- Quero apenas ir embora... -- Pediu.
                         A circense ficou tão alterada que bateu com o punho fechado contra a madeira da mesa.
                         -- Pois não irá, não vou perdê-la novamente! -- Caminhou até a porta, abrindo-a. -- Gumercindo, Gumercindo! -- Chamava aos gritos.
                           Não demorou para o peão aparecer afoito, respiração acelerada por ter vindo muito rápido.
                           -- Diga, patroinha!
                         -- Mantenha a freirinha presa e monte um batalhão, quero conhecer a vila dos ladrões.
                         A ruiva prendeu a respiração, porém sabia que seria difícil para eles encontrarem o caminho.
                      Deixou-se levar pelo homem, mas antes de sair, inclinou a cabeça para trás e trocou mais uma vez olhares com a Vallares.





                         O monge tinha piorado e por essa razão se mantinha acolhido em sua cama.
                     A febre alta não cedia e ficara tão fraco que mal abria os olhos. As freiras se reversavam para cuidar dele e o trabalho tinha triplicado por aquelas partes que nem buscava saber onde estava a irmã Elizabeth.
                        Helian andava preocupado, pois desde que partira para a fazenda na noite anterior, ainda nada se sabia da freira ruiva. Se não tivesse prometido a ela que esperaria, já teria partido em buscas, mas o melhor a a fazer era rezar a Deus para que tudo se resolvesse.
                        Ouviu trovões e ao olhar para o céu viu as nuvens carregadas.
                        Soltou um longo suspiro e fez uma prece silenciosa.



                      Valentina estava sobre o garanhão. Seguira com os homens na busca e frustrados nada conseguira encontrar.
                        Desmontou do cavalo.
                        Estavam em uma clareira, depois de praticamente darem voltas por aquele lugar.
                    -- Não é possível! -- Ela bateu com o chicote contra a bota. -- Deve haver uma passagem, alguma coisa que leve até esse bendito lugar.
                       Os peões a olhavam com crescente receio, pois notavam como a bela morena parecia irritada com tudo aquilo.
                    A Vallares seguiu a observar tudo. Viu a parede de trepadeira, ouviu o som da água da cachoeira.
                    Fitou o terreno molhado em busca de alguma pista, mas não havia nada.
                     Respirou fundo!
                     Precisava descobrir quem estava com a Natasha, necessitava disso antes de levá-la dali, coisa que faria o mais breve possível.
                    Encostou-se os braços em uma árvore como se a estivesse segurando.
                    Precisava manter a calma, estava sentindo como se estivesse perdendo o controle.
                    -- Acho melhor voltarmos, patroinha, não vai demorar para cair uma tempestade.
                    A morena assentiu, pois sabia que ele estava certo.



                   Natasha estava no quarto. Não tinha sido levada para o estábulo, mas mantida nos aposentos da dona da fazenda.
                       A ruiva permanecera sentada na cadeira, buscando não entrar em desespero.
                       Observou a comida que tinha sido levada e pediu perdão a Deus por não ter tocado no alimento, mas estava disposta a não o fazer até que lhe deixassem ir embora.
                          Uniu as mãos em oração pedindo que aquelas pessoas não encontrassem a vila.
                          Fechou os olhos e se recordou do toque que recebeu nos lábios.
                          A boca se movera contra a dela com perícia...
                          Umedeceu os lábios sentindo a irritação lhe dominar e tentando não permitir que isso dominasse suas ações.
                          Ouviu a chave girar na fechadura e lá estava a morena de olhos tão negros quanto a noite.
                         Valentina esboçou um sorriso e mais uma vez desejou abraçar a amada ao vê-la ali, porém ao ver a expressão de indiferença, decidiu não o fazer.
                           -- Não vai comer? -- Indagou cruzando os braços.
                           A irmã observou os trajes que a outra usava. Calça de couro marrom justa ao corpo, camiseta branca que se ajustava as formas bonitas, os cabelos negros estavam soltos e calçava botas rústicas.
                           -- Deixe-me ir embora, senhorita, está me confundindo com outra pessoa, sinto muito pelo que se passou, mas não tenho nada a ver com o acontecido. -- Apelou.
                             A neta do conde assentiu, pois tinha certeza de que naquele momento seria o melhor a se fazer. Teria que mudar de estratégia.
                            Caminhou até a Valerie e ocupou a outra cadeira. Encarou-a demoradamente em silêncio, até que sua voz baixa e rouca pôde ser ouvida:
                            -- Eu tive uma perda há seis meses... -- Dizia. -- Um acidente e de repente a mulher que eu tanto amo desapareceu. -- Cerrou os dentes. -- Para a maioria das pessoas ela está morta, mas para mim não... Confesso que estive a ponto de desistir, porém não o farei, continuarei a buscá-la, não só por mim, mas por nosso filho.
                            A ruiva permaneceu calada, apenas observando-a.
                            -- Hoje não terei como permitir que vá embora, mas amanhã cedo o farei e digo mais, ainda darei uma cesta cheia de frutas para que compartilhe com o seu povo.
                                  Os olhos verdes encararam os negros, pareciam buscar respostas para suas dúvidas.
                            -- Por que faria algo assim se há algumas horas se mostrava tão arrogante e ditadora? -- Questionou em desconfiança.
                                   Valentina mordiscou o lábio inferior.
                                 -- Estava confusa, creia-me, irmã Elizabeth, você tem uma aparência grande com a Natasha... Os olhos, os lábios... A pele... -- Estendeu o braço e lhe tocou a mão. -- Ontem eu bebi muito e acho que isso de deixou desnorteada... Era como se estivesse a ver a minha amada.
                              -- Porém não sou! -- Negou veemente mais uma vez, recolhendo a mão.
                              -- Não, não é! -- A morena concordou. -- A Natasha jamais seria uma freira... -- Esboçou um sorriso. -- Imagino que esteja com calor, passou a noite com meus animais e pelo que vejo ainda não tomou um banho.
                                  A religiosa assentiu.
                                  A Vallares se levantou.
                                -- Pedirei para a Giovana trazer água para que possa banhar. -- Seguiu até a porta, porém se virou para fitá-la. -- Não precisa ficar com esse olhar assustado, entendi que cometi um erro e só estou querendo repará-lo, assim a senhorita pede a Deus para me perdoar.
                                A ruiva permaneceu no mesmo lugar até ouvir a porta fechar. Depois seguiu até a janela de vidro.
                          As nuvens realmente anunciava uma tempestade e não demoraria nada para a escuridão da noite chegar.
                             Segurou a pequena cruz de madeira que sempre carregava consigo.
                              Estaria mesmo aquela mulher falando a verdade? Ela tinha mesmo percebido o erro que cometeu?
                            Fechou os olhos rezando para que aquilo fosse verdade e logo pudesse ir embora daquele lugar e nunca mais colocaria os pés novamente ali.
                               Ouviu batidas na porta e logo uma jovem entrava trazendo dois baldes de água.
                               Não lhe passou despercebido o olhar curioso.
                               -- Prepararei a tina para que possa usar. -- A moça disse simplesmente seguindo em direção ao banheiro.
                             Passaram-se alguns segundos e logo a empregada aparecia, passando por si, seguiu até o armário gasto, viu-a retirar um roupão branco e colocar sobre o leito.
                             -- Há perfumes e loções, a senhorita Vallares disse que ficasse a vontade e qualquer coisa basta chamar.
                            -- Agradeço... -- Respondeu.
                            Giovana pegou a bandeja onde a comida jazia intocada e deixou os aposentos.
                           Natasha queria apenas ir embora, mas como naquele momento não era algo possível, decidiu fazer o que fora dito, pois realmente estava a necessitar de um banho.


  

                           A noite já caia quando Valentina seguiu até a cozinha e encontrou Felipe ajudando a empregada e descascar os legumes para a sopa. O garoto estava menos arredio naquele dia e até lhe dirigiu um sorriso tímido.
                       A morena se sentou sobre o banco rústico, fitando a pequena criatura em seus descascar de batatas.
                       -- E como está se sentindo, jovenzinho? -- Questionou com um sorriso a brincar em sues lábios. -- Estão te tratando bem?
                        A criança fez um gesto afirmativo com a cabeça.
                        A neta do conde o olhava com crescente interesse.
                        Estendeu a mão e pegou uma maçã da cesta, ofereceu uma ao garoto e a outra ficou para si.
                      Mordeu-a pensativa, enquanto não deixava de encará-lo.
                      -- Diga-me uma coisa, você gosta de morar em sua vila? Lá tem crianças como você, muito adulto chato?
                      Felipe pareceu desconfiado, mas acabou sendo vencido pela simpatia da morena.
                      -- Não há muitos adultos não, quer dizer alguns, também tem o monge...As freiras e a freirinha de olhos de esmeraldas.
                       Valentina prendeu a respiração. Então na noite anterior era dela que ele falava.
                        -- E você gosta muito dela? Ela é boazinha?
                        -- Sim, é apenas calada, mas quando abre aquele sorrisão parece que tudo ao redor se ilumina, igual o da senhorita.
                        A morena acabou rindo diante da comparação.
                        -- E onde vivem é longe daqui?
                     O menino fez um gesto negativo com a cabeça, mas nada falou, voltando a se concentrar no que estava a fazer.
                        A neta do conde sabia que ele era bastante esperto e não diria nada sobre aquele assunto.
                       Precisava ir até essa vila, precisava descobrir como Natasha fora parar lá e por qual razão se dizia freira.
                        Viu Giovana aparecer, então ela já tinha cumprido suas ordens.
                         A circense se levantou e logo deixava a cozinha.
                       



                           Natasha sentia o corpo relaxado enquanto permanecia sob as espumas perfumadas.
                         Pegou a esponja passando por todo o pescoço e ombros lentamente, tentando tirar os resíduos de sujeira.
                           A água estava tão deliciosa que poderia dormir ali.
                           Ouviu o som do início da chuva e pela janela via os pingos ficarem ainda mais fortes.
                            Estranhava o monge não ter ido até ali ainda, será que tinha acontecido alguma coisa? Ou ficara bravo e a deixou por conta própria? Não, ele não era esse tipo de pessoa.
                         A porta se abriu e novamente lá estava a bela mulher que a confundia o tempo todo. Afundou mais na tina, temendo que seu corpo ficasse exposto, pois o olhar da dona da fazenda lhe inquietava.                 
                            Por que se amedrontava diante daquela presença?
                         -- Vim saber se precisa de alguma coisa! -- Valentina disse, enquanto se encostava a porta com os braços cruzados.
                            Observou os cabelos afogueados livres e molhados, a face rubra e se recordou da última vez que a tinha visto se exibir em sua hidromassagem.
                            -- Não preciso... -- A ruiva respondeu com o os olhos baixo.
                            O ambiente já estava envolvido na penumbra, então a morena seguiu até a pequena luminária a gás, ligando-a.
                            Agora a luz amarelada iluminava o espaço.
                            A Vallares se aproximou, agachando-se.
                            -- Se tivesse saído como desejava teria sido pega pela chuva... -- Dizia enquanto molhava a mão.
                           A Valerie prendeu a respiração.
                    -- Quando vim estava a chover e não houve problemas. -- Falou rapidamente incomodada com os dedos que se aproximava das suas pernas dobradas.
                           -- Sim, eu sei... Porém há o garotinho, ele poderia ficar doente... -- Dizia distraída a brincar com as espumas. -- Relaxe, irmã, não irei te atacar... -- Disse com o sorriso a brincar nos lábios cheios. -- Imagino que se eu o fizesse estaria condenando a minha alma... -- Levantou-se, posicionando-se às costas da arquiteta.
                              A religiosa sentiu um arrepio percorrer a espinha ao sentir o toque em seus cabelos e já estava pronta para pedir que se afastasse quando as massagens em seu couro cabeludo começaram.
                         -- Ajudarei na sua higiene...
                       A ruiva permanecia tensa, mas não podia negar que estava adorando a forma como ela tocava em suas madeixas, fazendo-a com delicadeza, alternando entre movimentos lentos, ora mais rápidos.
                        Fechou os olhos se permitindo relaxar.
                        A trapezista vez e outra roçava as pontas dos dedos nos ombros bem feitos e sempre que isso acontecia, seu corpo reagia com um desejo de ir mais longe, de tomá-la para si, como sentia saudades de senti-la, amá-la como há tempos não fazia.
                         Soltou um gemido que não passou despercebido pela enganada freira que inclinou a cabeça para o lado encontrando o olhar escurecido.
                         -- Machucou-se? -- Natasha indagou preocupada.
                          Valentina viu os lábios tão próximos dos seus e precisou ser forte para não tomá-los para si novamente...
                        Soltou um longo suspiro de exasperação, enquanto se levantava, mantendo uma distância segura, pois não confiava em si naquele momento.
                   -- Mandarei que tragam o jantar aqui e também poderá ver a criança. -- Dizia firmemente. -- Provável que não nos vejamos mais, irmã, então espero que tenha um bom retorno para sua vila e não esqueça de que não deve permitir que apareçam aqui novamente.     
                                A Valerie assentiu, enquanto via a morena deixar o ambiente. Sentia-se um pouco decepcionada com a ideia de não a ver mais e não entendeu o motivo daquilo lhe provocar aquela sensação.





                             A freira despertara cedo e junto com Felipe seguia entusiasmada por poder retornar à vila.
                            O garoto não parava de falar como fora bem alimentado e como gostara da dona da fazenda.
                           Natasha apenas assentia, enquanto olhava para trás e se certificava que não havia ninguém os seguindo.
                               Parou diante das plantas suspensas, observando-a formar uma verdadeira parede. Viu a árvore e caminhou até ela, tateando, encontrou a entrada que daria acesso a caverna que os levariam de volta ao lugar onde pertenciam.
                                Mais uma vez olhou para trás e como não viu nenhum movimento, seguiu com a criança.




                            Valentina olhava tudo do topo de uma árvore e exibiu um sorriso ao perceber que seria praticamente impossível saber onde aquele lugar ficava se não tivesse pensando naquela estratégia.
                            Desceu rapidamente pelos galhos e seguiu até a falsa parede, surpreendeu-se ao ver que se tratava de uma passagem estreita e escura, uma caverna minúscula.
                              Acendeu a lanterna que levava consigo, enquanto caminhava com cuidado e não demorou para ver a saída.
                              Daquele lado tinha enormes árvores, plantas rasteiras e sons de animais e pessoas.
                              Apressou os passos e logo visualizava a pequena vila.
                              Casas pequenas e de barro com cobertura de palha se enfileiravam. Observou uma construção um pouco maior com bancos rústicos a sua frente. Observou que havia crianças trabalhando a carregar milhos.
                               Observou a terra árida que agora estava encharcada pela chuva.
                         Deu mais um passo para frente e foi quando sentiu a dor lancinante em seu calcanhar. 
                         Gemeu alto e isso chamou a atenção das pessoas que se aproximaram com olhares curiosos e temerosos para a neta do conde.


Comentários

  1. Aí meu coração...
    Égua, estou muito ansiosa para o próximo.
    Perfeito como sempre, autora.
    Obrigada pela obra...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, querida, demorei um pouco, pois estava desejando descansar, mas agora já retorno, desejando continuar com a história.
      Beijão.

      Excluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. Oi Geh, tudo bem!!! Finalmente consegui vir aqui, rsrs! Não sabia q tinha esse blog, a Val me contou...
    Amando muito esse romance, mto curiosa pelo q vc "anda aprontando". Tá estendendo tanto, q tá me deixando ansiosa, rsrs! Como sempre seus romances são "uma delícia"... Louca pela continuação desse cap., especialmente!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, querida, que prazer reencontrá-la por aqui, muito feliz por tê-la novamente a acompanhar as minhas histórias e mais alegre por ter gostado da nova trama... Estou estendendo mesmo, fico me deliciando a escrever as peripécias das duas mulheres...
      Beijão grande.

      Excluir
  4. É sério Geh? "...esperava que ela retornasse para o Natal..." aêeeeeee! "haja o que hajar" kkkkkkkk tem que ter hein.
    Nicolay tem sido uma grata surpresa, achei no começo, que ele estava do lado negro da força, e que permaneceria apoiando as bruxas, porém tem contribuído bastante com as investigações e sendo uma fofura com o Victor, e o melhor de tudo, é reconhecer que a Natasha não teve culpa na morte da Verônica.
    Aguardando ansiosa pelo próximo capítulo.
    Bjss Geh.
    Bruna, sai da moita. kkkkkkkkk






    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, linda :) também esperei partilhar a senha, mas os planos foram outros e devido a isso os nossos personagens só agora poderão curtir esse momento kkkkkk Agora é só ver a continuação e esperar para que a nossa freira recobre suas lembranças e possa aliviar o coração da nossa Valentina...
      Beijão grande...
      E a Bruna... onde pode estar?

      Excluir
  5. Olá autora querida🌹
    Fantástico esse reencontro,e a Valentina não poderia ter agido de outra forma.
    A Natacha não ficou imune aos toques da dona da Fazenda.
    Perfeito o plano da Valentina,mas estou com medo do que passa lhe acontecer dentro dessa vila.
    Beijos Geh, e que venha o mais breve possível o próximo capítulo.
    😍😍😍😍😍

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah, sim, a freirinha fiou abalada com o encontro, porém para a Valentina ainda foi mais surpreendente, afinal, a morena já estava disposta a esquecer a amada e tivera essa grata surpresa... Mesmo que tendo a mente avariada, não há dúvida de ter ficado tocada com a circense... Agora é esperar para ver o que se passará...
      Beijão grande...

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A antagonista - Capítulo 25

A antagonista- Capítulo 22

A antagonista - Capítulo 21