A fera ferida -- Capítulo 10

                 Júlia estava confusa. Sentia um desconforto nas nádegas. Levantou-se pronta para começar uma briga, quando viu a expressão de pânico estampada na face da paciente.
                 Elizabeth parecia em choque.
                 Seus olhos fitavam o vazio, lágrimas desciam abundantemente.
                A fisioterapeuta arrumou a roupa e se aproximou, sentando ao seu lado. Estava preocupada, ela parecia assustada, perdida, aérea. 
               Estendeu a mão para tocá-la, quando um grito de dor escapou dos lábios da empresária. Ela segurava a cabeça e pedia para que a dor parasse.
               A Wasten não sabia o que fazer, apenas abraçou-a e começou a murmurar em seu ouvido.
               -- Eu o matei. – A jovem Terzak pronunciava debilmente. – Fui a culpada do acidente.
             A fisioterapeuta se acomodou na cama e trouxe a jovem sobre seu peito. Então, começou a embalá-la como se estivesse lidando com uma criança.
             Pouco a pouco, a calma tomou o lugar da agonia e Elizabeth relaxou nos braços da doutora, dormindo.
           Júlia ouviu o ressonar baixo, acariciou as madeixas pretas e sentiu o aroma doce que se desprendia daquele corpo. O que teria acontecido?
               Por pouco, elas não cedera por completo àquele momento de desejo. Estava totalmente entregue àquelas carı́cias, desejosa de mais e mais. Era assustador o poder daquela mulher sobre si, bastava um toque e todo seu autocontrole desabava. Precisava manter-se distante, ou acabaria sendo ferida pela milionária.
               Tentou levantar-se, porém a outra estava totalmente agarrada a si. Não queria acordá-la, temia uma nova crise.
                  Ela deveria se sentir culpada pelo acidente que vitimou o noivo. Pelo que ficara sabendo, era ela quem dirigia o carro e de acordo com testemunhas, a Ferrari seguia em alta velocidade pela rodovia até invadir a pista contrária e chocar-se com um enorme caminhão.
              Fechou os olhos e imaginou coisas que sabia que jamais se realizariam e assim acabou cedendo ao cansaço caiu nos braços de Morfeu.



                        Alex ouvia a mãe do ex-genro esbravejar na linha.
                     A mulher se aproveitava do que aconteceu para tirar vantagens e recebia mensalmente uma espécie de mesada que os negócios de Elizabeth lhe cedia, entretanto pelo que percebia, a aristocrata desejava que o dinheiro fosse aumentado, pois reclamava que mal dava para pagar os gastos mais simples. 
                        -- Eu desejo falar pessoalmente com a sua filha, exijo que ela me atenda.
                        O magnata observou o quadro com a foto da sua única herdeira.
                        Quando ela conseguiria voltar a viver?
                      -- Infelizmente, não será possível, mas passarei seu recado para ela. -- Disse encerrando a chamada.




                 Raios de sol penetravam pelas aberturas das persianas que não foram bem fechadas.                              Elizabeth abriu os olhos. Tentou mexer-se, mas mãos lhe prendiam a cintura.
              Levantou a cabeça e deparou-se com Júlia dormindo tranquilamente. Como poderia estar ainda mais linda no descanso do sono?
                  Observou a face delicada, os cílios longos que lhe protegiam e embelezavam ainda mais os olhos. Mirou o nariz forte e atrevido em seu arrebitar. Os lábios estavam entreabertos, conseguia ver os dentes alvos.
                 Inspirou e lá estava o aroma enebriante e delicado que mexia com seus sentidos.
                 O que acontecera na noite passada?
                 Sua mente, aos poucos, foi esclarecendo os acontecimentos.
           Ambas estavam num momento de puro desejo quando seu cérebro fora invadido por lembranças dolorosas e ela tivera um excesso de choro. O resto ainda parecia desconhecido, mas recordava daquela voz doce lhe acalmando e aquelas mãos lhe fazendo carinhos, fora assim que acabara dormindo nos braços da doutorinha sexy.
               Mirou a boca carnuda e vermelha. Desejou senti-los novamente. Com o indicador desenhou-a, adorando a textura e maciez.
               Sem resistir, beijou-os de leve, para não a despertar. Mas o intuito fora em vão, lentamente os olhos azuis foram se abrindo, encarando aquelas imensas esmeraldas. Miraram-se durante alguns segundos, perdendo-se naquela contemplação infinita.
                 A Wasten ainda sentia os sintomas da noite passada se projetar em seu íntimo, ainda mais ao contemplar aquela face amassada dos travesseiros. Como alguém podia ser ainda mais linda toda descabelada?
                 Sentia as pernas entrelaçadas as suas e por alguns segundos chegou a imaginar que aquela cena seria algo normal a se viver.
                  Abriu a boca para falar algo, mas observou com desgosto a bela Terzak se afastar.
                Elizabeth distanciou-se, com um enorme esforço conseguiu deitar-se manter-se longe, dando as costas para a fisioterapeuta, sentia-se invadida, fragilizada diante da outra. 
                   -- O que está fazendo na minha cama? -- Questionou com voz rouca e baixa.
                   Júlia observou a camisola transparente deixar a mostra a calcinha minúscula e novamente sentiu o desejo acender, colou seu corpo ao da paciente, sentindo-a moldar-se tão bem a si, pousou a mão em sua cintura, trazendo-a mais ao seu encontro e falou no seu ouvido.
                  -- Você se acomodou entre meus braços e não tive como sair.
                   A empresária sentiu os pelos da nuca eriçarem.
                   Ainda tinha nos lábios o sabor da pele dela, dos seios redondos... O sexo molhado a engolir seus dedos...
               -- Deveria ter me acordado. – Retrucou. – Mas imagino que você não tenha resistido ao prazer de me ter juntinha a ti. – Provocou.
                    A fisioterapeuta gargalhou, levantando-se. Elizabeth virou para encará-la.
                  -- Você vai negar o que aconteceu entre a gente ontem? – Insistiu.
                    Júlia estava amarrando o robe. Terminando o ato, olhou-a.
                    -- Pensei que você não fosse lésbica. – Ironizou.
                    -- Mas eu não sou. – Negou veemente.
                    -- Não foi isso que pareceu ontem. Você me deseja, confesse. -- disse cruzando os braços sobre os seios. -- Eu até te entendo, afinal, eu mesma sentiria o mesmo no seu lugarzinho. -- Piscou cheia de ousadia. 
                -- Poupe-me desse seu sorriso idiota. —Falou irritada. -- Você adoraria que curtisse, tenho certeza que iria adorar ter algo comigo. Mas, saiba que realmente sinto tesão por ti, porém é só tesão. Jamais teria algo sério com uma mulher e ainda mais se essa mulher fosse a senhorita.
                 -- Pois se depender de mim você vai morrer sem satisfazer a sua libido. – Virou-se para sair, mas voltou-se para ela. – Aconselho-te a usar a imaginação e as próprias mãos para apagar o próprio fogo. – Piscou safada.
                    Elizabeth jogou o travesseiro contra a porta, mas a outra já tinha saído.
                    -- Cachorra!
                    Se a aquela profissionalzinha de fundo de quintal achava que realmente poderia conduzir aquele jogo, estava tremendamente enganada e logo ela descobriria isso, afinal, não estava lidando com qualquer pessoa, mas sim com a herdeira de Alex, lidava com uma das mulheres mais poderosas daquele país e não se curvaria jamais diante de uma simples fisioterapeuta que nem tinha esfriado a tinta do diploma.
                   



                  Jane estava acabando de vestir Anny, quando a patroa entrou no quarto. Ela parecia furiosa. Estava descabelada, como se tivesse acabado de acordar. A babá quando chegou no quarto encontrara a criança ainda dormindo, mas não havia sinal da amiga nos aposentos.
                        A garotinha jogou-se no colo da mãe.
                        -- Bom dia, princesa. – Beijou-a. Em seguida falou com Jane. – Bom dia.
                        -- Bom dia! -- respondeu curiosa, enquanto a fitava, mas nada disse.
                        A voz infantil serviu como um calmante para sua exasperação.
                        -- “Plaia, mamãe”. – Pulava feliz no seu pescoço.
                      -- Eita que furacão é esse hein? – Colocou-a no chão. – Mamãe tem que trabalhar e você sabe que não podemos tomar banho na praia.
                        A fisioterapeuta abriu o armário e pegou uma roupa.
                       -- Eu quelo. – Choramingou a pequena.
                     -- Filha, por favor. – Repreendeu-a com o olhar. – Jane, dê o café da manhã para ela. Vou tomar um banho, pois dentro de uma hora tenho que estar na sala de exercı́cios.
                        -- Certo. – Assentiu.
                    A babá teve que lidar com uma Anny irritada, a garota desde que acordara naquela manhã manifestara o desejo de ir à  praia. Era compreensível, afinal, onde elas moravam só  havia prédios, não era litoral. A menina deve ter se encantado com a beleza do mar. Era maldade proibi-la daquilo, mas Jane sabia que a proibição partira da dona da ilha, Elizabeth Terzak deixara bem claro que não aceitaria que usufruíssem do seu paraı́so particular. Aquela mulher era muito arrogante e egoı́sta.




                 Felipa entrou no quarto e encontrou Elizabeth já na cadeira de rodas. Ela estava terminando o desjejum. Os aposentos agora estavam em ordem, pois antes havia lençóis e travesseiros jogados por toda parte.
                           Fitou a bela jovem e imaginou que não demoraria para ela retornar para seu mundo fascinante de negócios, para suas festas badaladas, suas futilidades.
                            -- Liz, posso te pedir uma coisa. – A senhora falou timidamente.
                         A governanta conhecia a garota desde que nascera. Sabia que ela fora extremamente mimada pelo pai e isso fora muito prejudicial a sua personalidade. Sempre acompanhara as loucuras da bonita herdeira, desde nova usara do poder famı́lia para pisar em todos que estavam ao seu redor. Era mesquinha, mas acreditava que deveria existir algo de bom dentro daquela fera.
                        -- O quê? Espero que não seja nenhuma besteira porque estou sem paciência hoje.—Encarou a mulher.
                           -- E por quê? Pensei que o jantar com a doutora e a criança tivessem te feito bem.
                           A Terzak relanceou os olhos em irritação, enquanto tomava todo o suco do copo.
                           -- Diz logo o que deseja de mim, antes que te expulse daqui.
                           A senhora se aproximou ainda mais.
                           -- Eu só quero que você permita que Anny possa ir à praia.
                       Elizabeth não entendeu o pedido, então lembrou da vez que viu a fisioterapeuta na praia acompanhada da filha e da babá.
                           -- Júlia pediu para você interceder por ela?
                         -- Não! Ela mesmo proibiu que a Jane levasse a criança lá. Mas está de dar dó daquele anjinho lindo. Ela pediu a mãe para ir até lá, mas recebeu uma bronca por isso.
                           A empresária parecia maquinar, ficou em silêncio por alguns segundos.
                           -- Diga a essa tal de Jane para vir aqui falar comigo.
                           -- Ok! Mandarei ela vir agora mesmo.



                         Júlia já estava impaciente.
                         A paciente estava meia hora atrasada.
                      A fisioterapeuta estava irritada. Sentia-se mal por não ter permitido a filha de ir à praia. A menina não era de pedir muito, era tão comportada que se sentia culpada por ter lhe negado algo tão simples.
                       As horas passavam e nada da empresária arrogante.
                     Não iria mais esperar e nem iria atrás dela, Elizabeth já estava bem grandinha para tomar as próprias decisões. Se não quisesse fazer as sessões, problema dela. Estava de saco cheio daquilo tudo.



                        Elizabeth observava a pequena divertir-se correndo pala areia.
                     Jane colocara protetor solar em Anny, não queria que a menina tivesse algum problema por expor a pele branquinha ao sol. Mas ainda era cedo e os raios não eram tão nocivos naquele perı́odo.
                      -- Tia, vem pa água. – Parou em frente a cadeira.
                   A empresária pediu para que armassem um enorme guarda-sol para que pudesse apreciar a menina se divertindo. Uma pequena mesa com frutas e bolos também fora colocada para todos.
                      -- Eu não posso, anjinho.
                  -- Mamãe vai cular vote. – Estendeu os braços para ser colocada no colo.
                     Elizabeth a pegou.
                    -- Sim, ela vai me curar. – Sorriu.
                  Observou a menina. Ela tinha algo que lhe fazia lembrar alguém, não a Wasten, mas aquele jeito lhe trazia recordações.
                  -- Temos que ir, senhorita. – Jane interrompeu as divagações. – A Júlia já deve ter voltado e nem a avisei que virı́amos.
                     A paciente sorriu.
                    -- Ele deve estar uma fera porque não fui para os exercı́cios.




                   -- Felipa, você sabe onde está minha filha e a babá dela? – Invadiu a cozinha como um furacão. – As procurei por toda ala e não as encontrei.
                     -- Estão na praia...
                  A governanta nem teve tempo de terminar de falar. A fisioterapeuta saiu em busca de Anny e de Jane.



                  Jane tentava segurar Anny que se escondia por trás da empresária para não ir embora, quando Elizabeth viu a doutora se aproximando furiosa.
                      Nada pagaria poder desafiar aquela bela mulher!
                   Ela ainda usava as roupas do trabalho, deixando o corpo sensual ainda mais em evidência, porém agora a filha de Alex não precisava usar tanto a imaginação, pois já conseguira ver e tocar naquela pele tão deliciosa.
                    -- Eu proibi vocês de virem aqui. – Fitou a filha e a babá.
                    -- Eu as convidei. – A paciente falou escondendo o sorriso.
                -- E você não se meta. – Apontou o dedo para ela. – Deveria ter ido à fisioterapia e não ficar arrumando problemas para minha vida. -- Respirou fundo. --
-- Eu exijo que as duas voltem para o quarto, antes que eu perca minha paciência.
                    Anny saiu em disparada seguida por perto pela empregada.
                  A empresária não conseguia disfarçar o sorriso. Não sabia o que era mais cômico, ver Júlia tão brava ou a criança correndo para fugir da fúria da mãe.
                    -- Acalme-se ou terá uma sı́ncope.
                   -- Por que faz as coisas para me irritar? – Indagou com as mãos na cintura. – Você mesma tinha proibido que usássemos essa porcaria que é a sua ilha.
                   -- Deixe de praguejar, doutora. Apenas convidei sua filha para me fazer companhia.
                    -- Você é uma irresponsável. Fiquei te esperando como uma idiota.
                    Elizabeth deu de ombros comendo uma fatia de bolo.
                   -- Toma um suquinho, tem de laranja, morango, infelizmente não lembrei do de maracujá.
                  Júlia teve ganas de agredi-la diante do seu total descaso, mas preferiu dar meia volta e voltou para a casa.


                    O resto da semana transcorreu sem incidentes.
                   A Wasten agia como uma profissional e nega-se a cair nas provocações da paciente.
                 Elizabeth estava progredindo rapidamente. Na semana seguinte iria começar a treinar muletas, pois estava certa que a paciente já estava pronta para dar esse novo passo. Acreditava que mais cedo do que esperava, aquela mulher voltaria a andar sem precisar de ajuda.
                    -- Nos vemos na segunda. – Despediu-se.
                 -- Não nos veremos no final de semana, doutora? Estou pensando em convidar Anny para tomar um solzinho. – Provocou.
                    -- Agradeço o convite, mas hoje mesmo me encontrarei com meu noivo. Iremos passar um final de semana perfeito. – Sorriu debochada.
                    -- Ah, não me diga! -- Secou a face com a toalha. -- Que casalzinho mais cafona!
                    -- O amor é cafona, linda!-- Soprou-lhe um beijo com a mão, enquanto se afastava.
                     Elizabeth permaneceu em silêncio, enquanto batia com os punhos fechados contra os braços da cadeira. 

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