Dolo ferox -- Capítulo 38

                    Os pássaros cantavam alegremente, enquanto a irmã Elizabeth continuava no mesmo lugar. Por trás de uma árvore, fitava a desconhecida com um estremecimento em seu íntimo.
             Os olhos verdes pareciam presos na imagem que se mostrava como um quadro bonito para se expor na semana de arte moderna, excitante para fazer qualquer ser perder o total controle.
             A jovem desconhecida estava sob a água, tinha a cabeça inclinada para trás, os seios redondos se projetavam para frente, o abdome era liso… Havia um triângulo na junção das coxas... Viu-a exibir um sorriso. Deveria estar adorando ser banhada e muitos invejariam aquela água.
                         Quem era ela?
                         Valentina se virou de costas e a perdida Valerie prendeu o fôlego.
                Natasha engoliu em seco e permaneceu lá, apenas observando a bela mulher como se fosse a primeira vez que via alguém do sexo feminino despido, o que não era verdade, pois sempre ajudava a cuidar das pessoas que chegavam feridas na pequena vila e isso incluía limpar e banhá-las.
                         Cruzou os braços sobre o colo, pois o sentia dolorido.
                         Encostou as costas no tronco da árvore, enquanto fechava os olhos, pressionando-os fortemente, mas tinha a impressão que continuava a fitar a bela espécime. 
                           Precisava manter a calma, aquilo tudo era apenas impressão da sua cabeça, não tinha razões para se sentir tão afetada ao ver uma cena tão comum.
                           Voltou a fitá-la.
                         Deus, precisava retornar para ao lado do monge, deveria cuidá-lo, mas parecia parecia presa naquele lugar.
              Viu-a deixar a cachoeira e permanecer parada sobre a pedra, em seguida sentou-se, inclinando-se delicadamente, mantendo a perna direita dobrada, enquanto a esquerda fica esticada. A pose era digna de uma capa de revista... O sol banhava o busto redondo... Os mamilos que se insinuavam como bombons de doce de leite.
                           Por alguns segundos a ruiva chegou a pensar que aquilo era algo real ou fruto da sua imaginação avariada.
                          Observou quando os dedos longos se estenderam, pegando um pequeno frasco que fora aberto e seu conteúdo despejado sobre as mãos. Logo via-a espelhar o líquido cremoso e branco sobre a pele. Fazia-o com movimentos delicados, primeiro nas pernas, demorando-se nas coxas, explorando toda a parte, seguia até o ventre, depois aos seios, ali houve mais cuidado, apertava-os devagar e logo se via os bicos se eriçarem com mais ímpeto.
                   Natasha sentiu a respiração pesar, como se o oxigênio não encontrasse seus pulmões. Umedeceu os lábios lentamente, pois sentia-os tão secos como se não bebesse água há séculos, de repente sentia ainda mais sede, principalmente ao ver as gotas que enfeitavam o corpo bronzeado.
               Segurou no crucifixo que levava no pescoço, apertando-o tão forte que temeu quebrá-lo. 
                         Na face bonita havia gotículas de suor.
               De repente os olhos negros olharam em sua direção, mas sabia que seria impossível ser vista e foi então que percebeu como o olhar daquela mulher parecia com a da jovem dos seus pesadelos.
            Afastou-se como se tivesse sido atingida por algo um objeto cortante. Apressou os passos que deixou para trás as ervas e o cantil. Parecia desnorteada, tropeçando nos galhos, cega em seu caminho, perdida em sua direção.


                Valentina pegou as roupas, vestindo-se às pressas. Tinha a impressão que estava sendo observada, ouviu os passos apressados por entre aquelas árvores.
                Sentiu o pulsar desesperado do coração.
                        Tinha dispensado a companhia dos seguranças, mas levava consigo uma arma que fora lhe dada por um dos homens depois de ensiná-la a manusear. Viu-a ao lado dos calçados.
            Calçou as botas e lentamente seguiu até o lugar que acreditava ter alguém. Sabia que seria perigoso, mesmo assim foi atraída até lá, pois algo a inquietava diante do arrepio que teve.
               Com revólver em punho seguia por trás do vegetal lenhoso e ao olhar para o chão encontrou um cantil, mexeu nele com a bota e depois de se certificar que não havia ninguém por perto, agachou, tocando-o e foi nesse momento que teve a impressão que uma descarga elétrica invadia todo seu corpo, soltou-o e mais uma vez fitou o lugar.
                         Ouviu um pássaro distante e mais uma vez se assustou.
                         Olhou novamente o reservatório de água e daquela vez o pegou.
                 Segurou-o forte e sentiu-o quente.
              Levantou-se e com os olhos negros estreitados, sentiu uma fúria tomar conta de si, ainda mais ao pensar que estava sendo observada em um momento tão íntimo.
              Saiu pisando duro. Desamarrou o cavalo, saindo em disparada, chega os cabelos eram açoitados pelo vento que também lhe chicoteava a face bonita.
                O garanhão cavalgava impetuosamente, sabendo que a amazona desejava chegar ao seu destino o mais rápido possível, como se estivesse a fugir do próprio demônio.
                         A neta do conde seguia em uma ânsia desesperada de saber quem a esteve vigiando durante todo o banho e chegava a se assustar ao imaginar que um daqueles peões teria aquele tipo de conduta.
                 Ao chegar em frente à casa grande, desmontou.
                 Um dos trabalhadores se aproximou para auxiliá-la, mas foi dispensado com um gesto de mão.
          -- Eu quero todos vocês aqui imediatamente. Exijo que todos os empregados estejam nesse pátio dentro de dez minutos que é o tempo que irei me trocar, se assim não o fizerem, considerem-se todos demitidos. -- Vociferou. 
            O homem pareceu assustado com a explosão da bela morena, mas correu para avisar aos companheiros.


           O monge não entendia o que tinha ocorrido, pois Natasha retornara bastante assustada, nem mesmo trazendo o que lhe pedira e perdera pelo caminho o depósito de água. Chegara com a face ainda mais corada, tendo os lábios trêmulos e a expressão de temor.
                     -- O que houve? -- Indagara na ocasião.
                   Para seu desespero, a arquiteta fizera apenas um gesto apressado e negativo com a cabeça.
                    -- Vamos embora daqui! -- Pediu.
                    O religioso apenas assentiu, pois pelo que conhecia a neta de Isadora, ela não falaria o que a perturbava, agiria como se nada tivesse acontecido e não dividiria com ninguém sua agonia.
           Seguiam em total silêncio, ela não falara uma única palavra desde que saíram, mas o homem a conhecia e tinha certeza que alguma coisa a assustou, mas ela não falaria, não enquanto estivesse com a mente fervilhando como era de costume.
              Será que tinha lembrado de alguma coisa? Vez e outra ela tinha imagens desconexas, mesmo assim a afetava quando acontecia.
            Todo dia rezava a Deus para que Rick conseguisse as provas que fora buscar para que a Valerie pudesse retornar em segurança para junto dos que a amava, mas os dias passavam e não havia notícias do detetive. Temia que algo tivesse acontecido com ele e nem mesmo sabia o que faria se assim o fosse.
         Viu-a mancar e soube que a perna estava doendo. Soltou um longo suspiro que chamou a atenção da ruiva que parou e o encarou.
          -- O senhor está bem? -- Indagou preocupada.
          O monge seguia apoiado em um cajado.
          -- Estou sim, filha, estou bem!
          Ela ainda o olhou com desconfiança, mas logo voltaram a caminhar, pois ainda estavam longe da vila.



         Todos os empregados estavam reunidos em frente a casa grande. Conversavam entre si, pareciam preocupados com a fúria da patroa, mas não sabiam o que de errado tinham feito. Apesar da neta do conde sempre mostrar firmeza, não era indelicada como se apresentara há alguns minutos e era isso que estava a perturbar os subordinados.
          Valentina apareceu na escadaria. Agora usava calça jeans azul colada às pernas e camisa de mangas longas na cor preta. Os cabelos estavam soltos, úmidos. Sua expressão não era uma das melhores. 
                   Observou com o cenho franzido os presentes, fitando um a um, tentando decifrar quais deles poderia agir de maneira tão covarde.
                    Sentiu a face corar ao recordar de ter sido pega em um momento de total fragilidade.
                    Respirou fundo, enquanto seguia até o primeiro degrau, ficando assim mais perto deles.
             -- Quem de vocês estiveram na cachoeira enquanto eu estava a me banhar? -- Indagou sem rodeios.
            Todos ficaram calados, pareciam perplexos diante da acusação até que um que parecia ser o chefe de todos, um mais velho, aproximou-se, tirou o chapéu em respeito e falou:
            -- Senhorita Vallares, sou Gumercindo! -- Apresentou-se timidamente. -- Eu conheço cada uma das pessoas que estão aqui comigo e lhe garanto que nenhum deles fez isso, pode perguntar aos seus seguranças, eles estavam aqui e viram que não arredamos o pé do serviço... Nenhum de nós deixamos nossos postos.
               A morena fitou os guardas-costas e eles confirmaram com um acenar de cabeça.
            A neta do conde soltou um longos suspiro, aproximando-se mais. Se assim fosse verdade, realmente havia forasteiros invadindo o local e isso já se mostrava algo terrivelmente arriscado.
        -- Pois eu quero que redobrem a segurança e se realmente há pessoas invadindo a propriedade do meu avô, eu quero que peguem-nas e tragam-nas para mim para que as autoridades tomem as providências cabíveis. -- Ordenou.
             Os trabalhadores assentiram, enquanto eram dispensados e voltavam para o trabalho em total silêncio.
              Valentina permaneceu no mesmo lugar, enquanto seu olhar seguia para além dos limites das terras, buscando entender se realmente havia sentido no que aquelas pessoas afirmavam. Haveria pessoas vivendo ali perto realmente? Seriam perigosas a ponto de ficarem observando alguém em sua intimidade?
           Passou a mão pelos cabelos e ficou a recordar da sensação que teve ao se sentir observada. Parecia tão forte como se…
               Cerrou os dentes fortemente, tentando ignorar o devaneio. Pegou o chicote que trazia para golpear o cavalo e fê-lo na própria bota de couro.
                         Tivera a impressão que fora a neta rejeitada da duquesa quem a estivera a mirar. Fora a mesma sensação que invadira seu corpo.
                          Fechou os punhos fortemente.
              Quanto tempo ainda duraria aquela agonia em seu peito? Quanto tempo passaria para que aquela dor começasse a amenizar? Acabaria ficando louca!
                        Fitou o céu que agora apresentava algumas nuvens escuras.
                Natasha Valerie estava tão viva em seu coração que parecia vê-la e senti-la em tudo.
           Sentou-se no degrau, enquanto ficava a pensar se não havia chegado o momento de aceitar o que desgraçadamente tinha acontecido. Seu desejo não era estar mais ali, porém tinha que pensar que havia uma criança que necessitava de si, era por ele que precisava seguir em frente e tentar refazer sua vida. Desde que ficara sabendo da tragédia, em seu mundo nada fazia sentido. Passava horas perdida em sua dor, em suas memórias, no desejo de que nada daquilo tivesse acontecido.
              Limpou a lágrima solitária que desceu.



              Nathália estacionou o carro em frente ao prédio elegante.
          A fachada era de uma famosa produtora de comerciais, mas era apenas uma forma de lavar os bilhões que o tráfico obtinha em seus trabalhos escusos.
        O porteiro a cumprimentou com um delicado acenar de cabeça, enquanto o veículo adentrava os espaços.
           Era a primeira vez que ia até ali, mas se algo acontecesse teria um álibi, afinal, estava responsável pela publicidade das empresas Vallares.
Seguiu pelos longos corredores, observando os olhares que os presentes lhe dirigiam, ela apenas orgulhosamente arqueava a cabeça, pois tinha total entendimento da sua beleza. Não demorou para uma jovem bem vestida ir até ela.
             -- Nathália Hanminton? -- A mulher ruiva estendeu a mão em cumprimento.
             -- Eu mesma! -- Disse ignorando a cortesia. 
              -- O senhor Alezandro Brancamontes deseja lhe ver. -- Apontou para o elevador.
              -- Não é com ele que desejo falar!
              -- Mas ele exige a sua presença. -- A secretária retrucou calmamente com um sorriso.
         A neta da duquesa olhou ao redor, mirando as mesas e os clientes que seguiam em atendimento,  saberiam do que se tratava tudo aquilo?
          Dando de ombros, caminhou ao lado da mulher, adentrando o elevador panorâmico. Observava a grande ponte que passava sobre o rio e por alguns segundos a imagem de Natasha veio a sua mente.
                      Sempre odiou-a, nunca sentira nada pela irmã a não ser essa raiva que realmente não havia motivos. Recordava-se de quando ela chegara à mansão, de olhá-la com curiosidade, ainda mais ao se ver tão parecida com ela. Lembrava-se da avó sempre lhe sussurrar: Ela deseja tomar tudo o que é seu, precisa lutar contra ela, deve destruí-la!
                   As previsões da duquesa foram verdadeiras, afinal, a irmã se tornara uma empresária poderosa, casara com Verônica, conquistou-a, tomou a casa da família e todos os seus preciosos bem, depois seduziu a Valentina…
                     Sim, ela mereceu ter tido aquele fim. Mereceu por sempre cruzar o seu caminho, por sempre ter desejado o que tinha.
                         Uma hora dessas deve estar queimando no inferno ao lado da esposinha.
                         Exibiu um sorriso, pois a felicidade não cabia em seu peito ao se recordar que tinha se livrado da arquiteta.
                      A porta se abriu dando para o interior do escritório.
                      Tudo ali era puro luxo.
                  O carpete vermelho chegava a engolir seu salto de tão macio. Obras de artes era colocadas em lugares estratégicos na grande sala.
                   Viu a mesa de doze lugares em vidro, as cadeiras de couro que naquele momento estavam vazias. Olhando mais a frente lá estava um loiro alto de olhos tão verdes quanto os seus, cabelos bem arrumados, barba bem feita e um sorriso a pairar em seus lábios bem desenhados.
                      A secretária  deixou-os sozinhos.
                     Nathália seguiu até ela com toda a pompa que já lhe era característica.
                 -- Não vim até aqui para falar contigo! -- Apoiou as mãos contra a escrivaninha. -- Estou aqui para falar com seu irmão.
                    Alezandro girava tranquilamente em sua espécie de trono, até parar e fitá-la.
               -- A aristocrata que não tem nem onde cair morta ainda mostra muita presunção. -- Fez um gesto para que ela sentasse.
                   Ela o fez, mas não deixou de exibir o sorriso.
              -- É que quando se nasce na aristocracia os modos vem antes de nascermos,óbvio que pessoas como você não entenderia isso.
                   Ele fez um gesto de assentimento.
                 -- Mas me diga, o que te traz aqui? Estranho, não me recordo de alguma vez tê-la visto por essas bandas.
                   -- Quero falar com o chefe!
                  Alezandro pegou a caneta dourado e ficou girando-a entre os dedos.
                   -- Eu sou o chefe agora!
                   -- Como assim? -- Indagou com um vinco entre as sobrancelhas.
                -- Meu irmão não está bem, teve um problema de saúde e vai ter que se afastar dos negócios por um bom tempo.
                    A morena torceu a boca em desagrado.
                   -- Então deve ter sido por isso que o meu pedido ainda não foi atendido.
                    Ele arqueou a sobrancelha esquerda.
                    -- Qual pedido?
                    -- A morte de Nícolas Vallares.
                  -- Você acha que as coisas são simples assim é? -- Levantou-se. -- Estamos falando do filho do conde! -- Bateu com o punho fechado contra a madeira. -- Há investigadores em buscas de respostas pela morte da sua irmã e você ainda me vem com isso.
                  -- Não sei por que dessa explosão. -- Retrucou calmamente. -- A polícia tem provas de quem é o culpado pela morte da Natasha.
                      Alezandro deu a volta na mesa e seguiu até a jovem, levantando-a pelos ombros.
                   -- Não iremos matar mais ninguém, Hanminton, não enquanto as investigações estiverem tão próxima de nós.
                     A jovem se desvencilhou do toque, afastando-se.
                    -- Irei fazer queixa de você ao seu irmão.
                    -- Já te disse que ele está afastado e provavelmente não voltará nunca mais.
                   -- Imagino que essa seja a sua vontade, desejando assumir o que não é seu! -- Esbravejou.
                   -- Nathália, estou cansado de tentar limpar seus rastros e da doente da duquesa.
                      -- Pagamos por isso! -- Gritou.
                 -- E você acha que seu dinheiro está sendo suficiente? Acha que o fato do André ter confessado que te sequestrou encerrou as investigações? Você acha mesmo que está longe das suspeitas? Ainda estão buscando quem matou o seu maridinho, a sua sogrinha está no nosso pé e você me vem encomendar mais um assassinato?
                      A morena engoliu em seco.
                     -- Do que estás a falar?
                   -- Estou a falar para você ficar quieta no teu canto, estou a falar para se manter afastada de problemas, pois não estou mais disposto a te salvar.
                   -- Nícolas tem que morrer, eu preciso me livrar dele, pois está indo contra os meus planos. -- Exigia como uma menina mimada. -- Ou você o faz ou eu conseguirei outra pessoa para fazê-lo.
                         Alezandro fechou os punhos e tentando manter o controle voltou a ocupar a cadeira.
                    A família Hanminton tinha se tornado uma pedra em seu sapato. O irmão tinha uma queda pela morena de olhos verdes, essa era a razão de fazer todas as vontades dela, mesmo sabendo que a neta da duquesa o desprezava como ser humano. Agora que estava no comando, tiraria de uma vez por todas esse peso dos seus negócios. Não se arriscaria em perder tudo o que ganhou para satisfazer os caprichos daquelas mulheres.
                 -- Volte para sua casa e esqueça esses planos idiotas. -- falou calmamente. -- Agora é o momento que devemos dar um tempo nos negócios e esperar para que outras coisas apareçam. Meus informantes deixaram claro que estamos com sérios problemas, então baixe a sua bola e vá embora daqui antes que eu mesmo te arraste.
                     O maxilar da bela jovem enrijeceu e com a cabeça erguida, deixou a sala.



                   Rick estava dentro do carro e viu quando a neta de Isadora deixava o prédio que fora apontado como um centro de lavagem de dinheiro pelo tráfico.
                   Ela deveria estar bastante desesperada para se arriscar em ir até ali. Quem desejava apagar daquela vez?
                       Observou a lista de nomes que de certa forma poderiam dificultar a vida da aristocrata.
                 Valentina com certeza ainda não tinha entrado nas anotações dela, mas de Isadora sim. Havia também o conde e Nícolas. Se eles morressem seria bem mais fácil para ela assumir o controle de tudo.
                      Sim, ela fora encomendar mais uma morte.
                      Tirou várias fotos da bela morena.
                   Observou que ela parecia desconfiada, olhava de um lado para o outro, depois entrou no veículo.
                     Deixou-a se afastar um pouco e logo voltou a segui-la. Não demoraria para desmascará-la e a duquesa, se não o fez ainda é porque armava tudo para deixá-la sem nenhuma defesa.



                     Nicolay estava no escritório quando avisaram da presença de Antonini.
                     Tinha mandado chamá-lo e depois de muitos anos via o arquiteto em sua residência.
                     Apontou a cadeira para que ele sentasse.
                     Leonardo o fez, ficara surpreso diante do convite. 
                     -- Acredito que não saiba o motivo de tê-lo chamado até aqui.
                     -- Realmente foi uma surpresa.
                     O conde soltou um longo suspiro, enquanto lhe entregava uma pasta.
                   -- Quero que guarde isso, pensei em pedir ao meu filho, mas eu tenho certeza de que ele não gostaria nada.
                    O marido de Helena ficou observando a encomenda e diante do olhar de assentimento do mais velho, abriu-a.
                      Observava com curiosidade as fotos do assassinato de Verônica.
                      -- O que é isso?
                      -- A pasta de investigação sobre a morte da minha filha.
                      Antonini arqueou a sobrancelha em desconfiança.
                     -- Apenas guarde até o momento que for necessário usá-la.
                     O arquiteto ainda pensou em fazer perguntas, mas acabou assentindo.
                -- Nathália está sempre aqui na mansão e temo que ela desconfie das investigações que Valentina está fazendo.
                      -- Seria melhor que ela não continuasse com isso.
                  -- Eu sei, agora eu entendo muitas coisas e mesmo que me arrependa da forma que agi, nada vai mudar. -- Observou a imagem da filha. -- Como estão as buscas pela Valerie?
                      -- Do mesmo jeito…
                       -- A Valentina vai estar fora e pretendo mantê-la afastada por alguns dias.
                        -- Faz bem!
                   -- Quero me faça mais um favor, Leonardo, sei que não tenho o direito de pedir, mas se algo me acontecer desejo que proteja a minha neta.
                    -- Por que diz isso? Está acontecendo alguma coisa?
                      -- Não, apenas estou velho e isso é suficiente para que eu me preocupe.
                  A conversa continuou por quase uma hora. Ambos estavam unidos em um mesmo propósito e não descansariam, enquanto tudo não fosse esclarecido.



                    Valentina estava revendo a contabilidade da fazenda e anotando o que seria necessário para buscar na cidade vizinha.
                  Assim que fosse embora, gostaria de deixar tudo encaminhado, pois não sabia quando retornaria novamente àquele lugar.
                     Passara o dia anterior irritada com o que tinha acontecido na cachoeira. Ainda sentia um arrepio na espinha ao imaginar que alguém a estava observando em seu banho.
                Tinha redobrado a segurança e mesmo que não gostasse, permitira que armas fossem utilizadas para conter as invasões e os roubos. Se realmente havia pessoas perigosas ali, o melhor seria mantê-las distantes.
                      Ouviu um burburinho vindo do pátio, levantando-se foi até lá.
                      Os homens estavam reunidos em um círculo.
                      Desceu as escadas rapidamente, aproximando-se.
                      -- O que se passa? -- Questionou alto.
                      Os peões abriram espaço e a Vallares viu o que estavam discutindo.
                     Um garoto que não deveria contar nem com seis anos estava caído e com uma sacola de maçãs. 
                      Magro, pequeno, pele bronzeada e cabelos negros, parecia bastante assustado.
                      -- O que houve? O que estão fazendo com essa criança?
                   -- A pegamos roubando, senhorita, ela estava com outras que conseguiram fugir. -- Um dos empregados falou.
                      Valentina encarou o menino, viu o medo em seu olhar.
                     -- É apenas um bebê! -- Estendeu a mão para ele. -- Venha, não irei machucá-lo.
                     Gumercindo se intrometeu.
                     -- Patroinha, melhor deixá-lo com a gente, essas pessoas podem ser bastante perigosas. Poderia se tratar deles lá cachoeira hoje mais cedo.
                      A morena soltou um suspiro de impaciência, enquanto agachava para fica mais próximo do ladrão de frutas.
                        -- Diga-me onde estão seus pais?
                    O menino não respondeu, mas em frações de segundos saiu em disparada por entre todos.
                        A circense se assustou caindo sentada. Foi ajudada por um dos serviçais.
                   Levantando-se pôde ver um dos guardas-costas trazendo o garoto sobre o ombro como um saco de batatas. Ele esperneava, debatia-se, mas suas tentativas eram vãs em comparado ao homem com quase dois metros que o detinha.
                        -- Traga-o aqui! -- A trapezista ordenou.
                     Mais uma vez a criança fora colocada diante dela, mas agora estava sendo segurado para que não voltasse a fugir.
                       -- Não iremos machucá-lo, entretanto não pode entrar aqui e sair pegando as coisas sem pedir. -- Suspirou impaciente.-- Diga-me onde fica a sua casa e iremos até lá e falaremos com seus responsáveis.
                         O garoto tinha os olhos castanhos claros. Ele apenas a encarava, mas nada dizia.
                        -- Como é seu nome?
                        Mais silêncio.
                       -- Ok, leve-o para dentro, dê algo para que coma e um banho seria interessante. Não o deixe fugir. -- Ordenou ao empregado.
                        Os peões pareceram surpresos diante da decisão da patroa, mas nada falaram.
                        -- Agora me falem se viram quem estava com o menino.
                    -- Ouvimos os passos. Esse ficou para trás porque ficou admirando o garanhão que a senhorita tinha montado. Foi por essa razão que o pegamos.
                  -- Ele é um bebê ainda! -- Passou a mão pelos cabelos. -- Precisamos pegar os responsáveis por isso. Não vamos punir uma criança, seria inadmissível. 
                         Mais uma vez os homens assentiram.
                   -- Com certeza eles retornarão para buscar o garoto, não deixarão para trás, então fiquem atentos a qualquer movimento.
                    Voltou a olhar todos os lados.
                      Observou a sacola cheia de maçãs, pegando-a, seguiu para o interior da casa grande.


                      O monge estava sobre a cama, tinha pego uma forte gripe e necessitava de cuidados.
                      A irmã Elizabeth tinha acabado de lhe servir um caldo e já deixava a choupana.
                      Já anoitecia quando a ruiva seguia para se juntar aos outros para as refeições.
                      Observou que as crianças pareciam assustadas, temerosas, enquanto levavam broncas.
                      Aproximou-se.
                      -- O que se passa?
                     O encarou a irmã, parecia assustado.
                     Natasha voltou a fitar a todos, viu as lágrimas que os pequenos jorravam.
                    -- O que se passa? -- Indagou com mais irritação. -- Por que está brigando com eles?
                      O morador soltou um longo suspiro, parecia temeroso e preocupado.
                    -- Esses moleques desobedeceram as nossas ordens e forma para a fazenda. -- Dizia em voz baixa, parecia temer que alguém mais ouvisse.
                    Os olhos verdes se abriram em pavor.
                   -- E então? -- Questionou fitando tanto as crianças quanto o homem.
                    -- Eles conseguiram fugir a tempo, mas deixaram o Felipe para trás, parece que foi pego pelos peões. -- Dizia em desespero.
                       A freira levou a mão ao coração.
                      -- Mas já tínhamos falado para que não o fizessem. -- Repreendeu-os.
                     -- Por favor, irmã, me perdoe por não ter cuidado direito dos meus filhos, eu juro que não vi fazendo isso, mas não fale aos outros, não quero ter que ir embora, não tenho para onde ir.
                       A ruiva assentiu com um gesto afirmativo de cabeça.
                    Entendia o pavor  de Helian. Fazia pouco mais de três meses que ele veio para lá com os filhos. A esposa tinha morrido na perigosa travessia e ele buscava a todo custo cuidar das crianças. Entretanto, se os outros ficassem sabendo, haveria o risco de ele ser expulso devido às regras que já tinham sido repassadas a todos.
                     -- Eu irei até lá! -- A freirinha disse corajosamente.
                  -- Não, irmã, já é noite e pode ser bastante perigoso, não sabemos que tipo de gente está vivendo lá na fazenda.
                     A Valerie levou a mão até o crucifixo.
              -- Não se preocupe! Acredito que será mais fácil para mim que para você. Com certeza te acusarão de mandar as crianças irem até lá. -- Respirou fundo. -- Sairei daqui a dez minutos, só necessito de que me ajude a passar entre as armadilhas até a passagem, depois disso irei e trarei ele volta.
                   Helian assentiu mesmo a contragosto sabia que a bela religiosa estava certa. Só lhe restaria rezar para que tudo desse certo.



                   Valentina estava sentada para o jantar. O espaço estava sendo iluminado por um dos geradores.
                A mesa era de madeira rústica, porém sobe ela havia comidas apetitosas. O espaço era grande e mesmo que não houvesse eletrodomésticos de última geração, podia-se ver o fogão de lenha que parecia deixar os alimentos com um sabor diferenciado.
                     As chamas crepitavam, deixando o ambiente mais aquecido.
                Um trovão foi ouvido lá fora e o menino que ocupava uma das cadeiras estremeceu. Ele ainda não falara uma única palavra. Agora depois que fora banhado, percebia-se que era ainda muito mais novo que imaginara.
                      A cozinheira serviu a sopa e o pão quentinho com queijo branco.
               A Vallares via os olhos negros hipnotizados diante da comida, mesmo assim, ele se mantinha quieto.
                    Valentina fitou a empregada durante alguns segundos, depois ao garotinho.
                -- Você pode comer o que quiser, não precisa ficar assim com essa carinha. -- Pegou um pedaço de pão e colocando queijo, estendeu-lhe. -- Tome!
               A criança lhe olhou por baixo, hesitava em aceitar a oferta, mas a fome pareceu vencer aquela disputa.
                      Rapidamente, ele puxou o oferecido da mão da circense.
                     Comia com tanta pressa que ela temeu que ele se engasgasse.
                    -- Não precisa disso, faça devagar, pode comer o quanto quiser.
                     O menino pareceu nem ouvir, pois comia como se há anos não o fizesse.
                  A trapezista se lembrou de quando vivia nas ruas raramente tinha uma refeição. Passava pelos restaurantes e ficava vibrando com os tando de guloseima, houve tempo que precisou roubar para não morrer de fome.
                  De repente a imagem da mãe veio a sua mente. Tudo fora perdido quando ela partiu. Não havia parentes, amigos, nada que pudesse ajudá-la.
                     Prendeu a respiração ao lembrar do pai.
                Desde do que ocorrera com a Valerie não voltara a lhe falar. Lembrou-se de estar na mansão quando a polícia fora buscá-lo. Ele estava sendo acusado de ser o mandante de tudo.
                     Fechou os olhos com força tentando segurar a vontade de chorar diante de toda tragédia que se abateu sobre si.
                   As coisas não podiam continuar daquele jeito. O mais breve retornaria à capital e se dedicaria a cuidar do filho. Era com ele que deveria estar naquele momento. Devia isso a Natasha.
                     -- Está chorando?
                 A morena abriu os olhos ao ouvir o timbre infantil. Ele tinha ido até ela e com a diminuta mão lhe secava a lágrima.
                  -- A irmã Elizabeth disse que precisamos ser fortes, que devemos acreditar que as coisas irão se resolver, pois se perdermos a fé, tudo estará perdido também.
                     A circense esboçou um sorriso.
                   -- Então acredito que a irmã Elizabeth deve ser muito inteligente, pois ela está certa.
               -- Sim! -- Fez um gesto afirmativo com a cabeça. -- Ela também é tão linda quanto a senhorita, mesmo usando aquelas roupas.
                     A Vallares pareceu interessada pela conversa.
                    -- Então ela é um freira? -- Indagou com um arquear de sobrancelha.
                    A criança cobriu a boca com a mão.
                     -- Eu não posso falar, não posso dizer nada sobre isso.
                    Mais uma vez Valentina trocou olhares com a empregada que permanecia a observar tudo.
                      -- Como é o seu nome? -- A morena indagou.
                      -- Não posso dizer!
                     -- Em algum momento vai ter que me falar e contar onde mora, pois só assim poderei levá-lo de volta.
                      O garotinho ficou calado, parecia ponderar, enquanto voltava a comer.
                    -- Não posso fazer isso. Tenho que proteger a todos. Pode me levar para a cadeia, eu assumirei toda a culpa!
                      Valentina riu diante da coragem do pequeno.
                    -- Não irei denunciá-lo dessa vez, porém não deve entrar em terras alheias e sair pegando as coisas sem pedir.
                     -- Mas é que vocês têm muito, não acho que faça falta. Antes a gente sempre vinha até aqui.
                        Valentina estreitou os olhos.
                        -- Onde você vive não há comidas?
                      -- Sim, porém nossa colheita foi muito pouca e chegaram mais pessoas, assim fica difícil alimentar a todos.
                          A neta do conde parecia cada vez mais interessada naquele assunto.


                               A irmã Elizabeth seguia por entre as árvores e não demorou para sentir a chuva       começar a cair implacavelmente. Acelerou os passos, mesmo tendo a sua frente apenas a escuridão.
                          Não contara ao monge sobre o ocorrido e esperara o momento propício para deixar a vila, assim não teria que dar explicações.
                           Os pés começavam a afundar na terra molhada.
                   Ouvia o som dos pássaros noturnos, mas não tinha medo, achava bonito e até lhe acalmava.
                           Lembrou-se do que se passara mais cedo.
                       Ainda sentia o coração acelerado ao se lembrar da visão da mulher na cachoeira. Ainda não tivera tempo de parar e pensar nas sensações que a imagem bonita provocara em seu corpo. Na verdade, ela sufocara como se assim pudesse fugir daquela conflituosa sensação.
                          Observou a luzes ao longe.
                       Não demoraria muito para chegar ao destino, porém teve que diminuir a caminhada devido às dores que se intensificam em sua perna.
                       Cruzou os braços sobre os seios. Estava tremendo
                       Mais alguns metros e lá estava a casa grande.
                  Observou-a, imaginando como deveria falar com o dono da fazenda. A única coisa que tinha certeza era que não sairia dali sem levar a criança.
                       Poucos passos deu e logo armas foram apontadas para si.
                       -- Fique onde está, moça! -- Gumercindo ordenou.
                       Natasha irritou-se, mas tentou permanecer tranquila.
                      -- Desejo falar com o dono da fazenda!
                       Os homens a olhavam com curiosidade. Ainda mais diante das vestes que usava.
                       -- A senhora é freira? -- Indagou assustado.
                -- Sim! -- Voltou a cruzar os braços sobre o colo. -- Não sei se percebeu, mas está chovendo muito, então seria interessante que fôssemos a outro lugar. -- Disse com os dentes cerrados.
                       -- O que deseja aqui? -- Voltou a questionar. -- De onde veio?
                       A ruiva soltou um longo suspiro. Entendia a desconfiança, afinal, não havia gente por ali por perto, pelo menos eles não imaginavam sobre a vila.
                       -- Vim buscar a criança que vocês mantém preso aqui. -- Disse corajosamente. 
                      O homem pareceu ponderar, mas não tinha pressa para sair da tempestade.
                       Fez um gesto para que fossem avisar a patroa.



                       Valentina ainda estava na mesa, enquanto o garoto tinha se retirado para dormir.
                       A morena baixou a cabeça, enquanto olhava para o copo que tinha diante de si.
                       Aguardente!
                       Fora presenteada por um dos empregados com a bebida forte.
                       Bebeu todo o conteúdo de uma única vez, sentindo-o queimar em sua garganta.
                       Fez uma careta!
                       Tamborilava os dedos sobre a madeira.
                       Viu as brasas ainda brilharem no fogo.
                 No dia seguinte iria embora. Estava decidida! Depois seria necessário contratar um administrador para que desse continuidade aos serviços.
                       Ficou a observar o líquido transparente.
                       Ouviu passos e lá estava a jovem Giovana vestindo uma provocante camisola.
                   -- Perdão, patroa, mas o senhor Gumercindo pediu para avisar que alguém invadiu as suas terras novamente.
                      A circense cerrou os dentes em fúria.
                   Não estava com paciência para lidar com esse problemas naquele momento. Sem falar que sentia uma raiva ao lembrar que aquelas pessoas usavam crianças inocentes para fazer o trabalho sujo.
                        A tensão dos últimos dias pareciam estar vindo à tona naquele momento.
                    -- Diga para prender em algum lugar, assim aprenderá a não fazer novamente. -- Disse em irritação.
                   A jovem pareceu perplexa diante das ordens, mas não a contestou, saindo rapidamente para avisar aos outros.


Comentários

  1. Respostas
    1. kkkkkkkkkkkkkkkkkk não foi minha intenção torturar viu, apenas o percurso da história foi mais longe...
      Beijos.

      Excluir
  2. Respostas
    1. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk calma, viu, já estou de volta.

      Excluir
  3. ... Do céu! ☝️Rsrsr E ela termina sempre na melhor parte, só nos resta imaginar o que pode acontecer, tomara que a Valentina faça uma visita a sua prisioneira 🍎 rsrs estou sentindo que a personalidade dela mudou, não a vejo mais tão sensível, delicada, romântica, frágil... Agora me parece mais forte, decidida e dona de suas ações.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. A Valentina teve uma mudança devido à perda que a feriu tanto, parece mais amargurada e forte, talvez por saber que agora tudo dependerá de si, ainda mais para salvar o filho das mãos de Isadora... Mas agora Natasha retorna a sua vida.
      Beijão, linda.

      Excluir
  4. Oi Geh!
    Que maldade, não para com o capítulo. Meu pai...
    A Natacha jamais aceitará ficar presa sem falar com a dona da Fazenda,e a Valentina tem que saí para ver lá.(É o que nós leitoras queremos)
    Um ano novo de muitas coisas boas em sua vida,e milhares de ideias para novas histórias.
    Beijos e fica com Deus.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, querida, olhe que também desejo que Valentina vá até lá e veja sua amada em trajes religiosos, mas se não acontecer, não demorará para que isso aconteça kkkkkk.
      Beijão grande, meu bem, tudo de bom nesse novo ano.

      Excluir
  5. Amo você autora,você escreve bem demais.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A antagonista - Capítulo 25

A antagonista- Capítulo 22

A antagonista - Capítulo 21