Dolo Ferox -- Capítulo 37

                   Valentina observava tudo ao redor.
                          Mesmo diante da degradação e abandono, não havia dúvidas que em outrora fora um lugar muito agradável de se viver.
               Havia muitos pés de frutas, árvores frondosas que deixava a propriedade abandonada com uma boa aparência.
                        Desceu do carro, mas não seguiu para o interior.
                        O Jatinho aterrissou em uma  cidade distante e lá encontrou os dois seguranças que o avô encarregara de cuidar da neta, mesmo ela tendo protestado e falado que não era necessário, ele insistiu e para não brigarem, a jovem aceitou.
            Observou a casa grande. Ela era extensa, mesmo que seu estado não fosse um dos melhores, percebia que se fosse restaurada seria um casarão perfeito. Contava apenas com um andar, mas havia uma escadaria para chegar a entrada dos dois lados. Varandas cercavam toda a construção. A pintura gasta um dia já fora branca.
                Observou os seguranças parados, fitando-a.
                        Depois encarou os trabalhadores que tinham sido contratados. 
                        Há uma semana um ônibus os trouxeram. Famílias que iriam tentar a vida naquela região.
                        Cuidaria das plantações de frutas, dos cavalos de raça, das cabeças de gados.
                         Em breve tudo aquilo estaria funcionando.
                        Um tiro foi ouvido, tirando-a dos seus pensamentos.
                        Observou um dos subordinados correndo com a arma e parando próximo aos outros.
               -- Por que atirou? -- Ela questionou irritada.
              Havia uma fila com vários peões e mulheres.
                      O envolvido tirou o chapéu de forma respeitosa.
         -- Perdão, patroa, mas desde que chegamos aqui que encontramos algumas pessoas roubando frutas.
               A morena colocou as mãos na cintura, olhando o homem com total espanto.
             -- Quem estaria por aqui? A cidade mais próxima deve ficar a umas cinco horas daqui e você vem dizendo que há pessoas por aqui. -- Comentou incrédula. 
                        Os olhares de todos centraram-se nela. 
           -- Mas é verdade, patroinha! -- Um empregado mais idoso se intrometeu. -- Dizem que além da mata há uma pequena aldeia onde vivem e pelo que sei, elas roubam para sobreviver. Ninguém nunca foi até lá, dizem que é gente terrível que costumam matar quem se aproxima.
              Valentina meneou a cabeça ceticamente. 
             -- Não deve atirar em ninguém! -- Passou a mão pelos cabelos. -- Arrumem os estábulos, logos os animais chegarão aqui junto com os mantimentos. -- Ordenou com impaciência.
                 Os homens assentiram, enquanto seguiam para cumprir as ordens.
                -- Vocês podem arrumar as coisas que estão vindo, acredito que terão um trabalho grande. -- Disse com um sorriso.
                   -- Faremos com todo prazer!
                          Uma senhora idosa e roliça respondeu.
              Pelo que ficara sabendo, aquelas eram esposas dos peões e suas filhas. Havia casas pequenas que eles poderiam habitar sem pagar nada por ali.
                   Soltou um longo suspiro!
                  O que o conde poderia querer com um lugar daqueles? Nem poderia ir até lá.
               Não havia energia elétrica, tampouco sinal de celular. Apenas um gerador que ainda precisava ser consertado.
                  Respirou fundo, enquanto seguia até os batentes que levavam a entrada, sentando-se.
             Havia muita coisa para ser feito por ali, mas ela não demoraria para ver aquilo acontecer. Apenas aceitou ir para aquele fim de mundo porque o conde lhe pediu muito.
                  Lembrou-se da conversa dos homens.
                          Observou tudo ao redor. 
                  Será que realmente havia pessoas por ali por perto?
                   Não, o avião tinha voado baixo e nada além de mato era possível ver.



                   O monge tinha reunido todos em frente a grande fogueira que tinha feito.
                   As freiras serviam a comida a todos que recebiam com entusiasmos em uma fila bem organizada.
                        O cardápio se resumia a frutas, pão branco e água. Mesmo com tão pouco, eles se mostravam bastante felizes.
                           O céu estava estrelado, um vento frio soprava oscilando as chamas e fazendo-se se sentarem ainda mais próximos uns aos outros. 
                            O religioso se levantou com dificuldade, postando-se ao meio de todos, tendo os olhares voltados para si.
                -- Irmãos, ouçam-me por alguns segundos! -- Pedia. -- Por alguns dias não deverão seguir para as terras abandonadas, há pessoas lá e será preciso que mantenhamos nossa vila em segredo.
                -- Eles atiraram no Mateo! -- um comentou.
               Não demorou para o pânico se instalar. Ouvia-se os cochichos, expressando os temores do que poderia acontecer.
            -- Mantenham a calma! -- O religioso ordenou. -- Amanhã ativaremos todas as armadilhas e assim manteremos os curiosos afastados. Teremos que buscar alimentos em outros lugares, organizaremos um grupo de caça, enquanto as mulheres ficarão e cuidarão das crianças. 
                   A irmã Elizabeth observava tudo um pouco afastada. Estava parada na soleira da pequena construção. Os olhos verdes examinavam a todos, como se buscasse sentir suas emoções. 
                           Viu as crianças brincarem sem a menos imaginar como a situação estava difícil. Havia pouca comida e agora com a chegada desses desconhecidos, tudo parecia mais complicado.
               Não se reunira com todos, pois foi preciso ficar e cuidar do doente, porém via o medo que todos estavam sentindo da ideia de poderem ser descobertos.
                           Desde que chegara àquele lugar escutara muitas histórias sobre as variadas formas de terem decididos se isolar em um ambiente fortuito.Vinham de países variados, fugiam de um destino ainda pior, da miséria, da opressão, trazendo apenas a esperança em seus corações.
                            Um dos pequenos se aproximou com olhar tímido.
                            A ruiva agachou.
                            -- Não deveria estar brincando com os outros? -- Indagou com um sorriso nos lábios cheios.
                         A criança tirou algo que escondia nas costas e entregou a freira.
                         Natasha segurou a maçã e antes que pudesse falar algo, o menino saiu em disparada.
                         Soltou um suspiro de felicidade.
             Seguiu para o interior da choupana que estava sendo iluminada apenas por um candeeiro à gás. 
                      Não havia luxo, as paredes eram de barros, o chão batido, havia apenas o banco e o leito.
                   O rapaz estava sentado na cama de varas e comia.
                  A irmã se sentou, observando-o.
                 A luz artificial projetava sombras nas paredes de barro.
                 -- Como eram as pessoas que você viu? -- Questionou curiosa.
                 O jovem deixou a cuia de lado, mirando a religiosa.
            --Havia peões com armas, mulheres e havia uma muito bonita. Tão bonita quanto à senhorita! -- Fez o sinal da cruz. -- Perdoe-me, irmã, mas a senhora é tão bonita que fico a pensar por qual razão aceitou ser freira.
                 A ruiva segurou a cruz de madeira que usava presa no pescoço, sentindo o rosto ficar ainda mais vermelho diante do elogio.
                -- Deixe de falar bobagens e me conte como eram essas pessoas.
               -- Ah, a mulher era morena, bronzeada, tinha os cabelos negros como a noite, tinha uma expressão triste, mas quando sorriu, pareceu ficar ainda mais encantadora.
                  Natasha cerrou os dentes.
                  -- Não deve voltar mais lá em hipótese alguma.
                  -- Mas é lá que temos as frutas, sabe que estamos ruins de caça. -- Protestou.
                  -- Mesmo assim daremos um jeito, mas não deve voltar lá!
                  O rapaz assentiu, enquanto via a freira se afastar.



               Heloísa estava sobre Nathália, montava-a em satisfação a sua libido e logo desabou sobre o corpo da amante.
                  A respiração de ambas estavam aceleradas.
                 A neta de Isadora a tirou de cima de si, enquanto levantava. Parecia irritada depois do ato que tinham praticado.
               -- Não deveria ter vindo até aqui hoje, sabe que precisamos tomar cuidado, não esqueça que sou uma mulher comprometida.
                 A morena foi até ela.
          Nathália estava apoiada no batente da janela e olhava o imenso jardim da mansão Hanminton.
                  Sentiu o corpo nu da amante se encostar ao seu.
             -- A sua namoradinha nem está na cidade! -- Pousou as mãos sobre os seios. -- E se perguntarem, digo que vim te trazer documentos, afinal, sou oficialmente sua secretária agora.
                A irmã de Natasha respirou fundo.
            Há dois dias a circense tinha deixado a cidade e nenhuma notícia dela recebia. Depois que ficara sabendo que ela estava enfurnada em um lugar isolado sem contato com a civilização.
            O conde deveria estar senil para comprar uma propriedade em uma lugar tão distante. Não via a hora dele morrer para que Valentina herdasse tudo, sem falar na herança da irmã, assim que a justiça decretasse sua morte oficialmente, com certeza naquele testamento deveria ter muito para a Vallares. Seriam o casal mais rico de todo o país.
             Precisava convencer a avó que não seria necessário matar a trapezista. Pelo menos não agora, desejava desfrutar da vida ao lado dela até enjoar, quando isso acontecesse ela poderia concretizar seus planos. Criar o neto e administrar os bilhões que fora deixado para o moleque.
                Torceu a boca em desagrado.
              Não desejava que aquele pirralho ruivo fosse morar com elas quando casassem, teria que arrumar um jeito de dissuadi-la a levá-lo.
             Virou-se para a morena e a boca logo era capturada em um beijo ousado.
               Seguiram novamente até o leito e logo seus corpos já buscavam a satisfação.



          Leonardo observava Helena ninar a criança que parecia não querer dormir de forma alguma.
            Estavam no quarto da criança e a mulher estava sentada na cadeira, dando mamadeira a ele.
              -- Está inquieta, sente falta das mães. -- Ela disse, beijando-lhe a testa.
              O marido se acomodou na poltrona.
            -- Estou preocupado com a Valentina, essa relação que ela começou com a Nathália é bastante perigosa.
            -- Ela só deseja proteger o filho. -- Soltou a respiração lentamente. -- Isadora apenas parou de querer tomar a criança após o noivado das duas.
              -- Eu sei, mas tenho certeza que a Vallares anda investigando as Hanmintons e isso é um grande risco. -- Seguiu até a janela, enquanto observava o movimento na rua. -- Essas mulheres estão envolvidas em coisas terríveis e honestamente acredito que elas estejam por trás de tudo que aconteceu com a Natasha e não o filho do conde.
             -- Precisamos protegê-los, tanto a Valentina quanto o Victor. 
             Leonardo se levantou.
          -- Sim, isso que devemos fazer… -- Apertou forte o batente. -- Não entendo, a polícia não tem nada concreto, até hoje não ficamos sabendo se realmente o Rick estava junto com a Nath. -- Respirou fundo. -- Amanhã irei até o rio, quero acompanhar os mergulhos, mesmo não tendo mais esperanças de encontrá-la com vida. -- Completou tristemente.
                     -- Querido, temos que manter a nossa fé. -- Segurou a mão do bebê. -- Vejo como a Valentina se mostra forte diante da gente, mas sempre que ela passa a noite aqui, vejo-a chorar, ouço e no dia seguinte está com os olhos bonitos inchados, mesmo assim ela se apega a esperança de que a Natasha está viva, acho que é isso que a mantém de pé.
                 Antonini assentiu, enquanto ia até ela, beijou-lhe a testa, depois agachou e ficou brincando com o herdeiro da Valerie.



              Nicolay estava tomando o desjejum.
                   Sentia-se sozinho naquela mansão sem a neta e o bisneto que sempre ela trazia até ali. Mesmo diante da tragédia que acontecera, sentia-se feliz por ela não ter ido embora, por ter continuado ao seu lado.
                       Lembrou-se do detetive e das coisas que tinha descobrido. Cada dia que passava estava ficando mais seguro da inocência da Natasha e isso o envergonhava, pois fora o maior perseguidor da ruiva.
                        Ouviu passos e lá estava o filho com expressão fechada. 
               -- Para onde mandou a Valentina?
         O conde percebeu a irritação no olhar do primogênito. Fez um gesto para que ele se acomodasse. Nícolas hesitou por alguns segundos, mas acabou fazendo.
                       Há alguns dias não o via, ele sempre evitava ir até lá quando sabia que a filha estaria. 
           -- Pedi para que fosse resolver o problema de uma propriedade que tinha comprado, fiz para ocupá-la, pois mesmo que ela se mostre sempre forte diante de todos, toda noite escuto ela chorar em quarto. -- Levou uma torrada à boca. -- Quanto mais trabalho tiver, mais ocupada ficará a mente. 
                     Uma das empregadas se aproximou, servindo o visitante. 
             O mais jovem tomou um pouco de chá, enquanto parecia ponderar sobre o que estava sendo dito.
             -- Pensei que ela estivesse mais conformada, afinal, ela está com a Nathália.
             -- Sim, mas apenas para que Isadora não ouse se aproximar do filho que tanto ama. A duquesa não dará trégua enquanto não for eleita a tutora do garoto,não porque o ama, mas pela ambição de ser a curadora de toda a herança da neta que passara a vida a rejeitar. 
               Nícolas estreitou os olhos.
           -- Meu advogado esteve com o delegado hoje, viu o inquérito e mais uma vez acredita que minha prisão será pedida novamente. -- Tomou mais um pouco do líquido. -- Eu não fiz nada, confesso que tive vontade, ainda mais quando a Valentina gritou que estava apaixonada pela miserável, mas não o fiz, papai. -- Levantou-se. -- Preciso que a minha filha acredite em mim, preciso que pelo menos ela acredite. Não me importo de ter que voltar para a prisão, contanto que tenha ela ao meu lado.
                    O conde fitou o homem a sua frente e ficou a pensar como a Valerie deveria ter sofrido quando fora acusada pelo assassinato da esposa, quando só Leonardo e Helena ficaram ao seu lado.
              -- Vai precisar de muita força e coragem para fazê-la acreditar em si, mas estou contigo e não descansarei até que tudo seja elucidado.
                       Nícolas ficou algum tempo ali parado, mirando o idoso que se mostrava tão forte depois de tudo o que enfrentara. Quando ficara preso, fora a visita que sempre recebera junto com Mariana. 
                      Lentamente seguiu até ele, agachou-se e recebeu o abraço que há tempos rejeitara.
              -- Provarei minha inocência, meu pai, disso o senhor pode ter certeza.
                      Nicolay fez um gesto de assentimento com a cabeça, enquanto acariciava os cabelos lisos do herdeiro.



              Valentina tinha acordado cedo.
             Havia mosquitos e apenas quando uma das empregadas lhe trouxe uma espécie de renda para colocar ao redor da cama como se fosse um circo que conseguiu cochilar.
               Vestiu calça jeans, botas e camiseta. Passou na cozinha e viu como tudo estava organizado. Havia uma cesta enorme com frutas, pães quentinhos, bolos e leite. Optou pelo café e logo deixava o ambiente.
                      Parou na soleira, observando a limpeza que estava sendo feita na frente da casa. Aos poucos as gramas apareciam verdejantes e livres das ervas daninhas que lhe entrelaçavam. observou o galpão que estava sendo montado mais a frente, ouvia os sons dos martelos, das serras. Em breve os animais teriam um estábulo para se protegerem das chuvas.
                      Seguiu até os homens que estavam consertando o cercado.
         Observou os animais e ficou encantada por um cavalo preto e branco. Era alto e a crina chegava a brilhar.
              Aproximou-se.
          -- Gosta, patroinha? -- O mesmo homem do outro dia indagou segurando a corda do animal. -- Ele é manso, já fiz os testes.
                     A morena o observava com atenção. Realmente era uma bela espécime. 
              -- No circo onde vivia havia vários cavalos, mas nunca tinha visto um assim.
              -- Então sabe montar?
               -- Sim, mas faz muito tempo que não o faço.
              -- Acredito que seja como andar de bicicleta, não se esquece!
            A morena deu um sorriso, mas nada respondeu. Seguiu olhando tudo. Havia bastantes pés de maçã, em toda parte que se olhava, via-se as tradicionais frutas vermelhas.
              Viu um dos trabalhadores catando as poucas que estavam no chão, aproximou-se para ajudá-lo. 
           -- Acho que os selvagens estiveram aqui ontem à noite, havia inúmeras por aqui e simplesmente ao amanhecer o dia só encontramos isso.
                Valentina nada respondeu, continuando a auxiliá-lo até que terminaram. Levantou-se.
                   -- Você já viu essas pessoas? -- Questionou olhando tudo ao redor com crescente interesse. Esticou a mão, pegando a fruta da serpente. Limpou-a na calça e logo mordeu-a.
                         -- Não, mas sei que estiveram por perto.
                     -- Como pode ter certeza? -- Apoiou a perna em uma pedra. -- Parece que são fantasmas da forma que falam.
                     O homem tirou o chapéu.
                      -- Não são! -- Negou veementemente com a cabeça. -- Na verdade lá no lugar onde eu vivia antes já falavam sobre essas pessoas, parece que são fugitivos, coisas do tipo.
                      A Vallares deu de ombros e logo o empregado se afastou.
              A morena fechou os olhos, deliciando-se com o sabor da fruta. Realmente era muito gostosa.
                Continuou a caminhar. Havia muitas folhas secas pelo chão.
             Observou os animais que tinham sido colocados no curral e naquele momento estavam arrumando a cobertura.
             Apoiou-se na madeira. Apesar de tudo está caindo aos pedaços, havia uma sensação maravilhosa de paz. Coisa que ela não tinha há bastante tempo.
                Colocou a mão no bolso da calça e sentiu o cordão que sempre carregava consigo.
                        Deveria ir embora, seguir junto com a equipe de buscas até o rio, acompanhar de perto tudo o que estava sendo feito. Sentia-se culpada por não ter ficado na cobertura naquela última noite, sentia-se culpada por ter falado a todos o amor que sentia pela Valerie. Se tivesse mantido segredo, talvez nada daquilo tivesse acontecido.
                Abaixou a cabeça olhando para as próprias botas de couro.
              -- Patroinha?
               A voz de uma jovem lhe chamou atenção.
              Que bom que usava óculos escuros de aviador, assim não teria que explicar as lágrimas.
              -- Algum problema? -- Questionou fitando-a.
          A moça que lhe fitava deveria ter mais ou menos a sua idade. A pele era branca, os cabelos lembravam ouro. Era bastante bonita, não se recordava de tê-la visto no dia anterior.
           -- O senhor Gumercindo conseguiu consertar o gerador e teremos como guardar a comida. -- Falou com entusiasmo.
             -- Isso é uma boa notícia, mas mesmo assim chegará um novo, assim poderá fazer uma melhor cobertura.
              A loira sorriu maravilhada.
             -- Eu não te vi ontem com os outros. -- A neta do conde disse.
           -- Ah, sim! -- Estendeu a mão em cumprimento. -- Sou Giovanna, eu tinha me sentido mal devido à longa viagem.
               A circense aceitou a saudação e logo voltou a prestar atenção ao terreno.
              -- Aqui perto há uma cachoeira, acho que a senhorita gostaria de ir até lá.
        A morena ficou em silêncio por alguns segundos, depois retirou os óculos e voltou a encarar a jovem.
            -- Há mesmo pessoas que vem aqui roubarem as coisas?
           Antes que Giovanna pudesse responder, ouviram gritos de dor.
           A trapezista correu em disparada pela direção que vinha os apelos desesperados de ajuda.
         Seguia por entre os galhos e o mato que quase chegava aos seus ombros. Encontrou um dos trabalhadores caídos, enquanto outros tentavam soltar a armadilha de urso que tinha pego em sua perna direita.
            O homem gritava desesperadamente.
            -- Meu Deus, precisamos de um médico. -- A morena disse levando a mão aos lábios.
            O sangue jorrava.
            Os seguranças apareceram.
            -- Acho melhor que siga para a casa grande, senhorita, pode ser perigoso aqui!
            Valentina apenas deu de ombros.
            -- Prepare o helicóptero, teremos que levá-lo ao hospital imediatamente.
             -- Não será preciso, há um curandeiro com a gente, ele vai cuidar dele. -- Improvisaram uma maca.
             -- Curandeiro? -- A Vallares questionou perplexa. -- esse homem precisa de um médico e de cuidados para não perder essa perna. -- Colocou as mãos na cintura. -- Não estou pedindo, estou ordenando que isso seja feito imediatamente e se forem contra isso, demito-os.
         Todos pareceram perplexos diante do tom usado, mas não retrucariam uma ordem tão direta da dona de tudo.
           -- Iremos agora mesmo! 
         Valentina suspirou, enquanto via todos se afastarem. Agachou para observar o material perfurante.
             Levantou a cabeça e teve a impressão que alguém a estava observando.
             Observou as árvores.
             Ali o sol não parecia penetrar devido as folhas das árvores. 
             Sentiu uma mão lhe tocar no ombro e se levantou assustada, mas era apenas a loira.
             -- Estão lhe chamando.
         A morena assentiu com a cabeça, mas antes de acompanhar a empregada, voltou a observar os movimentos, mas nada viu.




            O monge tinha chegado ao cair da tarde.
            Seguiu até o lugar onde faziam orações e encontrou a ruiva ajoelhada lá.
         Aproximou-se em silêncio, sentou-se em um dos bancos feitos de vara. Olhou a cruz grande de madeira que ficava ao centro. Observou Natasha em seu momento de reflexão.
          Às vezes sentia-se culpado pelas mentiras que precisara contar para a bela mulher, mas tudo o que fazia era para tentar ajudá-la, livrá-la das maldades da matriarca da família Hanminton.
         Pensava e pensava e não conseguia entender como alguém poderia ser tão ruim quanto Isadora.
           Acreditava que aquela era a personificação do pior demônio e sabia que cedo ou tarde ela pagaria por seus pecados.
            Viu a arquiteta fazer o sinal da cruz e se levantar.
           Um sorriso se desenhou no rosto dela e o religioso ficou mais uma vez a pensar se ela era realmente aquela mulher tão arrogante que Rick costumava falar.
             Observou o hábito que ela usava e que mesmo assim não disfarçava o quão linda era.
             -- Estava em minhas orações. -- Ela falou tranquilamente.
            O monge assentiu, enquanto fazia um gesto para que ela sentasse ao seu lado. Natasha o fez.
            Ambos ficaram olhando para o símbolo cristão durante alguns segundos até que o homem falou.
                -- Como você está? -- Indagou fitando o perfil forte.
                 A Valerie soltou um longo suspiro, depois o encarou.
               -- Queria me lembrar… Não estou a reclamar, mas é que às vezes há imagens na minha cabeça, cenas que me assustam e que eu não entendo. -- Segurou o crucifixo que trazia no cordão. -- Há uma mulher de olhos tão negros…
                -- A mesma que me falou das outras vezes?
                A arquiteta fez um gesto afirmativo com a cabeça.
                       Ele sabia de quem ela estava a falar. O detetive havia lhe falado sobre o relacionamento ente a Valerie e neta do conde Nicolay Vallares. Pelo que ouvira do homem, um sentimento forte unia as duas mulheres, mesmo tendo sido a ruiva acusada de assassinar a esposa, tia da Valentina.
             -- Reze, filha, reze a Deus para que suas memórias possam retornar, ele é misericordioso e vai te ajudar.
               -- Farei sim! -- Deu um sorriso sem humor. -- E como foi na plantação?
          -- Estou preocupado! -- Levantou-se com cuidado. -- Nossa fonte de frutas não poderá ser usada por enquanto e hoje aconteceu um incidente.
              -- Incidente? -- Questionou preocupada. -- O que houve?
             -- Um dos homens que chegaram à fazenda abandonada esteve aqui perto, foi pego em uma das nossas armadilhas.
              Os olhos verdes se abriram em pavor.
              -- Deus do céu!
            -- Sim, irmã, estamos com sérios problemas, já ordenei para não irem até lá, mas teimam.
              -- Mas eu até os entendo, temos crianças que estão famintas, os pais estão preocupados.
              -- Mesmo assim, precisamos de outras alternativas. -- Observou a cruz. -- Pensei que amanhã poderíamos ir até o outro lado e pescarmos, também há frutos por aquela área.
              Natasha se levantou.
              -- Eu irei com o senhor, minha perna não está tão dolorida.
              O monge virou-se para ela.
               -- Tem certeza que aguenta?
                Ela afirmou com a cabeça.
               -- Então sairemos antes que o sol nasça, madrugada mesmo.


              Mais uma noite difícil para Valentina.
           Ficara se mexendo na cama e nunca encontrava uma posição que a fizesse relaxar, quando cochilou antes do sol nascer, acordou assustada com um pesadelo que teve com a Valerie.
                Sentou-se no leito, levando a mão ao peito.
                        As batidas do coração faziam ecos entre as paredes escura.
                        Estendeu a mão, encontrou a jarra, tomando um pouco de água.
          As imagens pareciam tão vivas em sua mente, era como se ela estivesse ali, como se estivesse vendo-a.
               Voltou a se entregar ao pranto.
               -- Deus, quando vai acabar essa agonia?


             Isadora estava no escritório da mansão Hanminton, tinha chamado o advogado para ir até lá.
                Estava sentada, enquanto o homem falava.
           -- Já entrei com recurso, logo a morte presumida da sua neta será aceita. -- Disse enquanto abria a pasta. -- Precisamos apenas esperar a resposta do ministério público.
               -- Isso tem que ser rápido, desejo criar o meu neto, sem falar na herança. A Natasha não tinha parentes fora a irmã e eu.
               -- Sim, senhora, isso será rápido, em breve poderá receber tudo o que tem direito.
             A duquesa assentiu. Sabia que poderia entrar com recursos e difícil um juiz não conceder a guarda do bisneto.
                Sorriu!
               Não abriria mão da mina de ouro, nem mesmo Nathália pedindo. Dessa vez ela quem faria o jogo.



              Rick estava em arma em punho quando arrombou a porta e entrou no pequeno barraco de madeira.
               O homem que estava lá dentro levantou as mãos em rendição. 
           Aquele era o informante que no dia do acidente ele estava indo ver. Passara meses antes de encontrá-lo novamente. Parecia que tinha sumido da terra.
             Foi até ele, fez uma busca e quando percebeu que não estava armado, afastou-se.
             Segurou-o pelo colarinho.
            -- Por que fugiu? -- Pressionou-o contra a madeira. -- Tinhamos feito um trato!
          O homem era baixo, franzino, deveria ter uns sessenta anos. Os cabelos finos estavam todos brancos. Havia muita sujeira nos trajes que ele usava.
          -- Eu estava com medo, senhor, estão me perseguindo, estava vivendo dentro de um esgoto. Como me encontrou? -- Indagou assustado. -- Esperei-o naquele dia, mas como não apareceu fui embora.
              -- Quero as provas que disse ter! -- Enforcou-o mais ainda.
              -- Não estou aqui, estão em um lugar seguro. -- Falou com dificuldade.
           -- Pois agora mesmo vai me levar até lá, porque se não o fizer, eu mesmo colocarei um fim na sua vida miserável.
           O homem fez um gesto de assentimento com a cabeça, temeroso do que poderia acontecer consigo caso se negasse a fazer o que o policial exigia. 
            O detetive saiu o arrastando pela gola da camisa. Sabia que o material que ele tinha seria suficiente para abrir uma investigação contra Nathália e já tinha perdido muito tempo. Não imaginara que demoraria tanto para conseguir resolver as coisas.



                 Nícolas foi anunciado pela secretária.
              Nathália estava na sala da namorada. Achou melhor ocupá-la, era bastante espaçosa e exibia mais poder.
               Observou o sogro entrar.
               Realmente os dias estavam fazendo bastante mal para o aristocrata.
               Estendeu a mão para que ele ocupasse a cadeira.
             -- O que faz aqui? -- Ele indagou, ignorando o convite e permanecendo de pé. -- Não pode simplesmente vir até aqui e sair dando ordens.
                -- Estou apenas fazendo o que a Valentina me pediu na sua ausência.
                -- Não tem nenhum direito aqui!
               A Hanminton exibiu um sorriso.
                -- Não entendo o motivo de toda essa irritação.
             -- Você cancelou uma reunião importante, reunião que eu estaria assumindo o controle das decisões.
             -- Que eu saiba só a Valentina toma decisões, ela é a representante legal do conde, o senhor não.
               O Vallares apenas fez um gesto afirmativo com a cabeça, deixando a sala.
               Nathália cerrou os dentes.
             Talvez já estivesse na hora daquele homem sair da história, afinal, não acrescentava nada naquele enredo, apenas era um móvel desprezado que não ocupava um momento de brilho.
                Pegou o telefone.



              Valentina montou o cavalo e trotou pelas terras que o avô tinha adquirido.
          Não sabia ainda qual era o interesse do conde, mas tinha certeza que seria um bom investimento.
               Logo o sol se poria.
           Seguiu por entre as árvores e logo encontrava a famosa cachoeira que Giovanna tinha falado.
              Realmente era um lugar muito bonito.
           Desmontou, amarrou o cavalo perto do rio para que bebesse água e caminhou observando tudo ao redor.
              Havia bananeiras, coqueiros, outras plantas exóticas.
              Não havia ninguém ali por perto, então resolveu tomar um banho.
              Despiu-se totalmente e seguiu por entre as pedras para a cascata que caia maravilhosa.



           Natasha seguia com os peixes que tinham conseguido.Sentia-se feliz por terem tido uma boa pesca.
                O monge sentou em uma pedra. Parecia demasiadamente cansado.
                Apressou-se a ir até ele. Agachando, tomou-lhe as mãos.
              -- O que se passa?
            O religioso respirava com dificuldade e ainda faltava uns três quilômetros para chegarem ao povoado. 
            -- Eu estou bem! -- Disse calmamente. -- Vá até o outro lado e me traga um pouco da erva verde, o chá vai me ajudar.
               -- Mas o senhor vai ficar aqui sozinho? -- Olhou em volta.
                -- Eu não vou morrer,irmã, apenas descansarei aqui até que retorne.
          A ruiva assentiu a contragosto, deixando a cesta de peixes de lado e logo saiu rapidamente para fazer o que fora pedido.
              Andava devagar, pois  a perna já começava a incomodar, sem falar no calor que estava a fazer. Talvez chovesse, pois havia nuvens no céu.
             Seguiu até a planta, colhendo-a.
              Levou o cantil aos lábios, então percebeu que estava vazio.
           Soltou um longo suspiro, mas se recordou que ali perto tinha uma pequena fonte de água cristalina.
           Sabia que deveria retornar ao monge, mas necessitava da água, então seguiu em meios às árvores.
         Não demorou para avistar o que procurava, mas não foi até lá, pois ouviu gritinhos de felicidade vindos da cachoeira.
             Lentamente seguiu até lá, ficando escondida atrás de uma árvore, viu a jovem morena totalmente despida sob o manto líquido.

Comentários

  1. Olá minha querida autora!
    Sensacional,que capítulo perfeito,quero um bônus.
    Lugar longe de tudo e de todos,porém perto de quem mais ama,coisa do destino?não,coisas de uma autora cheia de BELAS ideias.
    Não gostaria vê o pai da Valentina morto,quero ver lo pedindo perdão de tudo que fez e falou para a Natacha.
    Um Natal cheio de coisas maravilhosas para você Geh.
    Olha adoro as praias do Nordeste,e as da Paraíba são magníficas,Sempre que posso passo uns dias nesses paraísos.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A antagonista - Capítulo 25

A antagonista- Capítulo 22

A antagonista - Capítulo 21