Dolo ferox -- Capítulo 35


O dia amanhecia e um nevoeiro tomava conta de toda região rio acima.
As árvores de porte pequeno ainda traziam em suas folhas resquícios das chuvas que vinham castigando a região. O vento frio sacudia os galhos e faziam um som fantasmagórico.
Rick despertou cedo. Sentia-se mais forte devido aos cuidados que tiveram consigo desde que fora encontrado.
Abriu os olhos e havia apenas a escuridão da caverna e as sombras que a fogueira que ainda queimava projetava nas paredes frias. Cobriu-se mais com a pele que lhe foi dada. Sentindo-se trêmulo.
Tinha perdido a noção dos dias por alguns instantes, porém agora já se recordava que fazia setenta e duas horas da perseguição que sofreram e resultou em tudo aquilo. Decerto, todos já deviam saber do que aconteceu e como o monge havia dito, mesmo que equipes de buscas fossem disponibilizadas, seria quase impossível chegarem até ali.
Deitou de lado e ficou a observar Natasha.
Um pano com uma mistura de ervas tinham sido colocada em sua testa devido à febre alta que teve durante todo o dia e a noite. Em seu sono profundo ela chamara inúmeras vezes por Valentina.
Suspirou!
Não havia dúvidas que se amavam e não podia nem mesmo falar que não formavam um belo casal, ainda mais agora com o nascimento do pequeno Victor. Precisava focar no que deveria ser feito. Falhou em protegê-la, mesmo sabendo que aquelas pessoas não estavam brincando, dessa vez não cometeria o mesmo erro.
Viu o monge seguir até a ruiva e lhe dar algo para beber.
Observou-o com atenção.
A arquiteta tossiu, mas acabou engolindo boa parte do chá. Em seguida foi a vez de cuidar da perna ferida.
O detetive se sentou, aproximando-se.
-- Como ela está? -- Indagou apreensivo.
O religioso o encarou por alguns segundos, depois continuou o que fazia em silêncio.
-- Ela está bem, a febre cedeu e não acredito que vai demorar a acordar. -- Tocou-lhe a ferida na têmpora. -- Acho que ela bateu na correnteza. Foi um verdadeiro milagre que saísse viva…
O detetive permaneceu calado durante alguns segundos, apenas ouvindo o som da respiração fraca da neta de Isadora. Fitou o corte que agora jazia seco. Alguns fios de cabelos lhe caiam na face.
-- Foi minha culpa… -- Disse em um fio de voz. -- Eu não tinha como enfrentar aqueles bandidos todos que estavam nos perseguindo e foi quando lembrei da ponte e segui por esse caminho… Natasha não deveria estar comigo naquele momento, mas fui fraco e cedi…
O mais velho voltou a fitá-lo, via a agonia em seu olhar.
-- Realmente vocês estão muito longe do ponto que cairam… -- estendeu a mão e tocou a do homem. -- Se você não tivesse feito isso, tenho certeza que não teriam tido nenhuma chance de sobreviverem… É assim que deve encarar as coisas.
Rick umedeceu os lábios demoradamente.
-- Na verdade eu deveria tê-la proibido  de ir comigo.
-- Mas quem te garante que eles não estavam seguindo ela e não você?
De repente uma luz pareceu acender na cabeça do investigador.
-- Deus, você está certo, não tinha sido descoberto, eles estavam atrás de Natasha… -- Levantou-se. -- O carro dela estava no estacionamento subterrâneo… Meu carro ficou parado um pouco longe da construtora… Eu devo ter ficado burro mesmo, vieram para matá-la e não pareciam querer usar de eufemismo algum. -- Passou a mão pelos cabelos. -- Eu não pensei que tentariam tão abertamente, daria muito nas vistas, então o que pode ter motivado isso?
-- Bem, o que sei é que não pararão até conseguir o que desejam… -- Voltou a limpar a têmpora da ruiva. -- Natasha não estará segura se retornar.
Rick olhou-o em perplexidade. 
-- O senhor não conhece a Valerie, ela jamais aceitaria algo assim… Eu pedi para ela andar com seguranças e ela se negou, parece não ter medo de nada… Disse para deixar o país e mais uma vez recebi uma negativa.
O monge ficou em silêncio durante alguns segundos, sentou-se e ficou ponderando em seu canto tranquilamente, até que a sua voz pôde ser ouvida:
-- Eu era o pároco que rezava as missas no convento… Conheci a jovem Elizabeth quando ela fora obrigada pela mãe a confessar para que lhe tirasse os pecados. -- Deu uma pausa. -- Lembro dos olhos tão bonitos, dos cabelos negros e da tristeza que estava estampada em sua face… Ela definhava dia após dia sem a temível Isadora se penalizar da toda desgraça que estava causando. 
O detetive pareceu interessado e surpreso diante da narrativa, não sabia muito sobre a mãe da arquiteta.
-- Ela ficou trancafiada naquelas paredes frias. Submetia-se a orações… Castigos… Isadora controlava tudo.
-- Por que não a ajudou? -- Sentou perto dele. -- Poderia ter feito algo para salvá-la…
A claridade da manhã já começava invadir timidamente a caverna.
-- Ninguém enfrentaria a duquesa e sairia ileso… -- Começou a fazer desenhos com o indicador na terra batida. -- Quando Elizabeth morreu e o bebê ruivo foi deixado para trás, sempre que ia até o convento a via, ela ficava lá, os olhinhos verdes perdidos, olhava para o mar como se desejasse se jogar nele… -- Fitou a bela mulher adormecida. -- Ninguém tinha permissão de se aproximar dela… Eu a batizei diante de Isadora, pois ela dizia que a menina tinha o demônio no corpo… -- Meneou a cabeça. -- Como alguém podia odiar um ser tão inocente?
-- Eu não entendo o motivo da aristocrata não ter levado a neta de volta ao covento quando a levaram para mansão Hanminton. Por que ela permitiu que Natasha ficasse lá? Poderia ter mandado de volta…
Mais uma vez o silêncio reinou entre eles e apenas se ouvia os sons dos pássaros.
-- Eu quem avisei ao duque sobre a outra neta que ele tinha, o homem não tinha ideia disso… Então no testamento dele havia uma cláusula que beneficiava a Valerie, então a duquesa nada poderia fazer.
-- Não sabia dessa história… E o marido dela morreu de quê?
O velho torceu a boca.
-- Não costumo julgar, mas não duvidaria que a duquesa se livrou do marido… Afinal, um homem que não tinha nenhum problema de saúde começou a definhar literalmente…
Rick bateu com o punho fechado contra a mão aberta.
-- Isadora é muito perigosa e Nathália segue pelo mesmo caminho… O ódio que sentem da Natasha só aumenta…
-- Por essa razão ela não deve retornar, pois se o fizer não terá chance alguma nessa luta.
O detetive voltou a se aproximar da mulher que tanta amava, permaneceu olhando-a, acariciando-a de forma saudosa e temendo que algo de ruim acontecesse.
-- Ela não aceitaria… É teimosa o suficiente para entrar na linha de frente de uma bala… -- Encarou o monge. -- Como pensa em mantê-la afastada? Amarrando-a?
O religioso permaneceu calado, fechando os olhos, posicionou-se em posição de Buda, como se assim entrasse em seu mundo particular. O detetive desejou sacudi-lo, exigir que lhe desse uma resposta, mas nada foi dito. Então continuou ali, apenas acariciando os cabelos flamejantes da ruiva, cuidando-a como poucas vezes alguém o fez.
Em sua cabeça estava sempre a buscar uma explicação para o fato de Isadora ter desprezado um bebê inofensivo. Ainda se recordava de quando resgatou a arquiteta do cativeiro, na verdade quando a encontrou em meio ao acidente, pois sabia que se a providência divina não tivesse agido, aquele seria o dia escolhido para que a neta desprezada da duquesa de Hanminton fosse morta.
Depositou um demorado beijo na face que trazia alguns arranhões e quando levantou a cabeça, os olhos de esmeraldas o encaravam.
Ele sorriu maravilhado, mas logo eles voltavam a se fecharem.



Valentina adentrou o quarto da tia.
Tudo estava impecavelmente no lugar. Fitou a cama grande de lençóis brancos com rosa e o urso de pelúcia que estava lá. Era enorme e de cor de caramelo, ele segurava uma placa que dizia a famosa frase dos apaixonados: Eu te amo!
Aproximou-se e ficou o observando. Quem a teria presenteado com algo tão mimoso? Não acreditava que Natasha o tivesse feito.
Tocou-o e sentiu a maciez...
Sua atenção agora se voltou para a penteadeira. Rosa e branca, tomava uma parede inteira e no grande espelho havia lâmpadas como se estivesse em uma camarim de uma estrela. Havia uma variedade de perfumes, maquiagens.
Puxou o banquinho, sentando-se diante do cristal o próprio reflexo.
Estava pálida e com olheiras pela falta de sono.
Uma semana presa naquele quarto e só naquela madrugada o avô conseguira fazê-la ir até ali.
Sentia-se mais aliviada, pois Nicolay decerto tinha conseguido entrar em contato com a Valerie, pois se fosse o contrário, ela já teria ido esbravejar na mansão Vallares, algo que seria a anunciação de uma verdadeira tragédia.
Respirou fundo e foi soltando o ar lentamente.
Daria tudo naquele momento para estar ao lado dela e do filho. Sentia-se vazia sem a presença arrogante, sem aquele ar pretensioso e cínico, da mesma forma que ansiava por aquela fragilidade que se mostrava quando se amavam, havia uma transformação naquela expressão, um jeito diferente dos olhos verdes acenderem…
Cerrou os dentes!
Queria abraçá-la bem forte e nunca mais soltá-la, mesmo que entre as brigas perdesse a paciência.
Sorriu!
Fechou os olhos por longos segundos e quando voltou a encarar a própria imagem, recordou-se da primeira vez que viu a ruiva parada diante si dentro do trailer. Olhou-a e mesmo que visse fisicamente a mulher por qual pensara estar apaixonada, havia uma diferença gritante. O verde do olhar era tão frio… Lembrou-se de esbofeteá-la e ouvir o som rouco e baixo dito por aqueles lábios tão rosados: “  -- Quem você pensa ser para encostar sua mão em minha face?”
Sorriu novamente, enquanto uma lágrima lhe descia do olho esquerdo.
“ Sugiro que fique calma, pois sou avessa a dramas e quanto à violência, tenho meus lugares preferidos para usá-la! “
-- Natasha… -- Pronunciou a palavra pausadamente como em uma súplica. -- Em breve estaremos juntas, não sossegarei até que consiga provar sua inocência, meu amor.




Nícolas estava em seu quarto quando ouviu batidas na porta.
O sol já estava brilhando há algum tempo, porém ele acabou por despertar mais tarde que de costume, pois tivera que comparecer a uma recepção de negócios.
Todo o jantar transcorria tendo apenas um assunto em pauta: A possível morte de Natasha Valerie.
As buscas continuavam intensas, mas nada fora encontrado e pelo que se falava, seria quase impossível cobrir toda aquela região. O mais provável é que o corpo tenha sido levado para longe.
Soltou um longo suspiro e logo viu o conde entrar em seus aposentos.
-- Algum problema, papai? -- Indagou, enquanto arrumava a gravata diante do espelho. -- Terei uma reunião logo mais e já estou atrasado.
Nicolay permaneceu parado lá, apenas fitando as costas largas e o ar de indiferença que o primogênito exibia.
-- Quando falará a Valentina sobre a Valerie? -- Questionou de supetão.
Nícolas não respondeu de imediato, continuou concentrado em parecer impecável. Depois caminhou até o closet, pegou o paletó bem passado, vestindo-o, em seguida se aproximou do pai.
-- Não há nenhum interesse da minha parte para que a minha filha saiba disso, na verdade eu mesmo estou me sentindo em paz por tê-la em seu quarto sem inventar sentimentos superficiais por quem não deve.
-- Vai transformá-la em uma Rapunzel e deixá-la presa no quarto da torre por quantos anos mais? -- Ironizou. -- Não permitirei que continue com isso, vejo-a todos os dias e em cada dez palavras que fala, nove tem o nome da Natasha… -- Meneou a cabeça em desgosto. -- Filho, não entende como está sendo cruel com a sua filha?
O empresário engoliu em seco.
Na verdade nem sabia como contar aquilo para a circense. Não voltou mais ao quarto dela, pois não conseguiria encarar aqueles olhos negros cheio de acusações.
-- Ainda nada fora concretizado… -- Passou a mão pelos cabelos. -- As equipes de buscas ainda estão trabalhando incansavelmente atrás da assassina da minha irmã.
Nicolay soltou um longo suspiro de decepção.
-- Acabei de assistir a uma matéria na qual o chefe do resgate dizia ser impossível encontrar alguém com vida naquele acidente. Tem ideia de como ela vai se sentir mal diante de tudo isso? Como vai sofrer?
O mais jovem deu de ombros.
-- Bobagem, ela está apenas deslumbrada, logo esquece, afinal, ela estava apaixonada primeiro por Nathália e pulou para a irmã, age como adolescente.
O conde tinha um vinco acentuando ainda mais sua sobrancelha. 
-- Tem ideia do que está falando? -- Meneou a cabeça negativamente. -- Eu me sinto envergonhado por suas ações e pela forma insensível de lidar com a Valentina… Irá perdê-la e talvez seja tarde para buscar o perdão.
-- Tudo o que estou fazendo é pelo bem dela… -- Retrucou irritado. -- Daqui a um tempo ela nem vai mais lembrar que essa mulher existiu e nesse momento contaremos a verdade… Vai chorar um pouco, mas depois passará. -- Completou com pouco caso. 
-- Foi assim com a Eva? -- Indagou com a sobrancelha branca arqueada. -- Foi tão superficial assim? Um simples deslumbrar de adolescente?
-- Não há comparações! -- respondeu em exasperação.
Nícolas pegou a valise e seguiu até a porta, mas foi detido pela voz debilitada do patriarca dos Vallares.
-- Diga-me apenas uma coisa -- fitou-o. -- Já imaginou como vai ser difícil viver sabendo que sua única filha sente a mesma mágoa que você ainda tem de mim? Suportará isso?
O maxilar do mais jovem enrijeceu, porém nenhuma palavra ele disse, apenas deixou os aposentos pisando duro.
Nicolay seguiu lentamente até a cama, sentando-se.
Nunca em sua vida chegou a imaginar que rezaria a Deus para que Natasha Valerie estivesse bem, jamais chegou a cogitar fazer uma súplica daquelas, porém desde que ficara sabendo do ocorrido era aquilo que pedia o tempo todo. Não por pensar que ela era inocente da morte de Verônica, pois ainda só havia as convicções e fé cega da neta, mas por saber que que a dor que Valentina sofreria seria tão forte que poderia destruí-la totalmente.
Mais uma vez naquela semana uniu as mãos em uma súplica silenciosa aos céus.



Antonini estava no escritório da cobertura.
Não parara um único instante desde que ficou sabendo do acidente. Acompanhava de perto as buscas. Esteve no lugar onde o veículo tinha sido encontrado. Percorrera as margens em companhia de mergulhadores e bombeiros e nada fora encontrado.
Já tinha feito inúmeras ligações e falara pessoalmente com o alto escalão do governo para que as buscas pela Valerie não fossem encerradas.Também tinha contratado algumas equipes que seguiram de helicóptero para o provável lugar do acidente. No dia seguinte estaria com eles novamente.
Ouvia os trovões, enquanto observava o telefone móvel sobre a mesa.
Natasha tinha levado o que usava para negócios e deixado o pessoal com a secretária.
Mais um estrondo da fúria da natureza iluminou a janela de vidro.
As tempestades que assolavam a região dificultavam as buscas, tornando quase impossível que algo pudesse ser feito, porém ele sabia que quanto mais demorasse, menos chances haveria de encontrá-la com vida.
Colocou a mão no bolso da camisa e de lá tirou uma foto da bela Valerie. Era aquelas imagens três por quarto usada em documentos. Fora as tiradas por jornalistas, não havia outras da retraída ruiva.
Fitou o ar adolescente, os olhos perdidos, a expressão que já se mostrava inflexível.
Recordava de tê-la levado para tirar aquela fotografia, pois seria necessário para fazer a matrícula da universidade.
Naquela manhã encontrou-a nos portões da mansão Hanminton. Cumprimentou-a com um aperto de mão que fora analisado durante longos segundos antes de ser aceito.
Retraída e calada.
Fora tão maltratada pela pessoa que deveria protegê-la que se fechara em seu mundo particular. Quem a olhava, pensava se tratar do ser mais insensível da terra, mas para os que conviviam com ela, sabia como ela tentava de todas as formas esconder a fragilidade por trás daquele ar de sarcasmo.
Recordava-se de quando a visitou na prisão após a condenação pelo assassinato da esposa.
Meneou a cabeça.
Ela nem mesmo se defendera diante do júri. Permaneceu calada durante toda a audiência, apenas a encarar a todos.
Um soluço veio do peito do arquiteto e logo as lágrimas que ele tentou segurar durante aquela longa semana foram libertadas.
A dor que sentia parecia não ter comparação com nada que já sentiu em sua vida. Era como se uma parte de si estivesse sendo retirada sem anestesia, arrancada lentamente de forma tão cruel.
Helena parou diante da porta vendo o homem que sempre vinha se mantendo tão esperançoso em total desespero e foi até ele.
Leonardo olhou para a esposa e logo abraçou sua cintura, amparando seu pranto nela, enquanto sentia os carinhos feitos em seu cabelo.
-- Precisamos continuar acreditando, meu amor, não podemos perder a nossa fé.
O arquiteto fez um gesto afirmativo com a cabeça.
-- Amanhã irei com eles novamente…
-- Queria tanto ir até lá…
O homem fez um gesto negativo com a cabeça.
-- O Victor precisa de você… Só há nós dois agora.
-- Estou preocupada com a ausência da Valentina, não acredito que ela não viria até aqui ao saber do que está acontecendo.
Leonardo lhe segurou as mãos levando até os lábios, beijando-as.
-- As últimas ligações no celular de Natasha foram para ela, mas não foram atendidas… Espero que esteja tudo bem porque não teríamos forças para mais uma desgraça…
Helena voltou a abraçá-lo.
Permaneceram lá, perdidos em suas dores, consolando-se silenciosamente e tentando acreditar que haveria uma esperança ainda de encontrar a arquiteta viva.



Dois dias depois Nathália chegava à mansão dos Vallares.
Sentia-se feliz como há muito tempo não acontecia. Livre por agora não ter que lidar mais com a presença insuportável da irmã.
Tinha todos os jornais que falava sobre o acidente que vitimou a bela Valerie. Quando recebesse a herança das duas famílias milionárias, construiria um quarto para colar todas as manchetes e se regozijaria diante da vitória.
Sorriu em escárnio.
Lembrava-se de ter acompanhado cada emissora de TV que divulgava o caso, chegou até mesmo a comparecer ao centro de resgate, afinal, precisava fazer o papel da irmã preocupada, enquanto Isadora ensaiava uma recaída e continuava internada.
Quem rir por último fica viva!
Parou diante da enorme porta, mas antes de se identificar, mirou os verdejantes jardins. Logo tudo aquilo seria seu, como também a herança da arquiteta.
A porta fora aberta.
Fora recebida por uma das empregadas do conde e já agia como se fosse a dona de tudo. Não demoraria para que isso acontecesse.
-- A Valentina está onde? -- Indagou arrogantemente.
A serviçal baixou os olhos antes de responder.
-- Está em seu quarto!
A morena observou as escadas e logo seguia por ela, pisando em cada degrau com um entusiasmo crescente a lhe dominar.
Caminhou pelos corredores e viu o quarto de Verônica.
Arqueou a sobrancelha esquerda e logo adentrava o santuário mantido pelo conde.
Riu ao ver o urso que presenteara a bela herdeira. Aproximou-se e tocou na pelúcia.
Tudo poderia ter sido diferente se a bela filha de Nicolay não tivesse desejado abandonar os planos quando tudo parecia pronto para ser concretizado.
Sentou na cama e recordou-se do dia que discutiram naquele mesmo quarto.
Há alguns anos…
-- Eu já disse que não desejo mais participar disso! -- Verônica se desvencilhava dos braços da herdeira amada de Isadora. -- Não me mande presentes mais e não fique me ligando!
Nathália soltou um longo suspiro, enquanto caminhava pelo quarto.
-- O que se passa contigo? -- questionou parando em frente a ela. -- Está agindo como uma louca! Vovó reclamou da sua falta de educação ao falar com ela ao telefone.
-- Apenas quero que me deixem em paz! -- A jovem gritou. -- Estou disposta a fazer a minha relação com a Natasha dá certo, estou apaixonada por ela, entenda de uma vez!
A morena a segurou forte pelos ombros, empurrando-a contra a parede.
-- De onde tirou essa loucura?
A herdeira dos Vallares exibiu um sorriso.
-- Você não entenderia… -- Cerrou os dentes. -- Anseio pela sua irmã, desejo-a, quero-a em minha vida… Por favor, vamos encerrar esses planos…
-- Você me amava! -- Nathália a pressionou mais.
-- Nada se compara ao que sinto pela Valerie… Eu desejo que possamos nos entender… Hoje vai ter o coquetel, irei com ela… Confessarei tudo… Sei que ela me perdoará e eu acho que está mais que na hora de você e Isadora reconhecerem seus erros.
Nathália permaneceu no mesmo lugar, enquanto via a morena deixar o quarto.

Dias atuais…
-- Verônica… Espero que encontre a sua amada no inferno…
Levantou-se, deixando os aposentos.


Valentina tinha encontrado alguns cadernos antigos da tia e estava buscando neles algumas pistas.
Havia poemas, versos, tudo referindo-se a um amor que parecia impossível. Mas quem seria?
Observou o coração onde havia duas letras: V&N…
Nathasha ou Nathália? A quem ela amava com toda aquela agonia e dor?
Ouviu a chave girar na fechadura e jogou tudo sob a cama, levantando-se.
Observou Nathália lhe olhar com expressão diferente. Estranhou ela não ter aparecido antes para agir com aquela falsa  forma de agir.
-- O que quer aqui? -- Indagou cruzando os braços sobre os seios. -- Não lembro de ter pedido a sua presença.
A herdeira dos Hanmintons a fitou demoradamente.
Os cabelos negros estavam úmidos e a circense usava um roupão branco atoalhado. Não havia dúvidas que era uma mulher muito bonita e superava em todos os sentidos a tia que era um ser fraco e insignificante. 
-- Não sei o motivo de agir assim comigo… Mas espero que nesse momento me veja como um apoio para superar essa tristeza.
Os olhos negros se estreitaram em confusão.
-- Nem sei do que falas, porém se está insinuando que necessito de você só porque o Nícolas Vallares surtou e mantém presa aqui, pode voltar por onde entrou, não preciso do seu consolo.
A irmã de Natasha se aproximou.
-- O que fiz para ti para que me trate assim? -- Indagou com os olhos rasos de lágrimas. -- Arrisquei-me para te salvar, fui até aquele tribunal me expondo, arriscando-me a ficar detida por ter agido errado na inseminação… Meu Deus, Valentina, eu não mereço a forma como vem se comportando.
A trapezista observava-a, parecia examiná-la minuciosamente, buscando alguma coisa que pudesse mostrar que havia sinceridade naquelas palavras.
-- Você armou um noivado as minhas costas! -- Acusou-a com o indicador em riste.
-- Seu pai foi responsável por isso e eu jamais imaginei que você não desejava tal coisa, afinal, até você esbravejar que estava apaixonada pela minha irmã tinhamos alguma coisa.
A circense respirou fundo.
-- O que você quer? Diga de uma vez o que veio fazer aqui e saia!
Nathália fitou todo o lugar, parecia interessada na bagunçava que reinava sobre a cama. Depois encarou novamente a trapezista. 
-- Apenas vim apoiá-la nesse momento, sei que achas que odiava a minha irmã, mas as coisas nunca foram assim… -- Fungou. -- Confesso que nunca tivemos proximidade, mas a vovó sempre achou…
-- Chega! -- A herdeira de Nicolay a interrompeu. -- Diga de uma vez de que se trata esse teatro todo, pois não tenho tempo para suas atuações.
Miserável! -- Pensava Nathália e se deliciando em poder pessoalmente trazer a fatídica notícia.
-- Sei que é difícil para você nesse momento, mas poderá contar comigo…
-- Fala logo! -- Ordenou.
Dissimuladamente a futura duquesa limpou uma lágrima imaginária, encarando a bela Vallares.
-- Não sabe a desgraça que acometeu miseravelmente a minha irmã?
Os olhos negros se abriram em verdadeira surpresa.
-- De que falas? -- Indagou por entre os dentes. -- O que houve com a Natasha? Diga de uma vez!
Nathália abriu a bolsa de couro e de dentro tirou todos os recortes de jornais, entregando a Valentina.
A moça hesitou por alguns segundos, mas logo os tomava bruscamente das mãos da mulher que um dia pensara estar apaixonada.
Em todos as páginas havia uma foto da bela ruiva e cada matéria trazia uma forma diferente de falar o que tinha acontecido.
“ Acidente fatal.”
“ Estaria morta a magnata das construções?”
“Buscas tinham sido suspensas.”
A trapezista lia cada linha e parecia cada vez mais perplexa diante das sentenças. Teve a impressão que um frio inexplicável lhe sacudia todo o corpo. Levantou a cabeça encarando a ex-namorada.
Sentiu a garganta seca, as pernas pareciam não lhe obedecer.
-- Isso não passa de mentira… -- Dizia tentando manter a calma. -- Se isso tivesse acontecido eu teria ficado sabendo. -- tentava controlar o desespero. 
Nathália estendeu a mão, tocando-lhe, mas a outra se desvencilhou violentamente.
-- Achas que todos esses jornais estão mentindo ou que eu inventei a história? -- Tentou se aproximar de novo. -- Hoje recebemos a ligação do resgate, as buscas foram encerradas… Minha irmã vai ser dada por morta…
A circense seguiu até a porta e antes que os seguranças dessem conta do que se passava, a jovem saiu correndo, enquanto limpava as lágrimas que lhe turvava a visão.



Nícolas e Nicolay estavam almoçando quando ouviram passos e lá estava Valentina descabelada e com o rosto corado.
-- Por que vocês não me contaram? -- Questionava entre soluços. -- Falem-me de uma vez se é verdade o que Nathália acabou de me dizer!
  O conde se levantou com cuidado, mas o primogênito foi mais rápido, tentando se aproximar da filha, porém foi rechaçado.
-- Falem de uma vez! -- Vociferou. -- O que houve com a Natasha? -- Gritava.
Os dois homens trocaram olhares e Nícolas começou.
-- Nada tinha sido confirmado até ainda pouco, então não achei interessante que você ficasse sabendo.
Os olhos negros pareciam perplexos diante da explicação que ouvia.
-- Vovô, diga-me que isso é mentira… -- Pedia aos prantos. -- Diga que faz parte de um plano cruel do meu pai para me castigar…
Nícolas sentiu a angústia naquele olhar tão lindo, via a dor que as lágrimas traduziam, os soluços entrecortados e desejou que nada daquilo estivesse acontecendo. Observou quando o pai a abraçou, tentando inutilmente consolá-la, enquanto a jovem o esmurrava. Deu alguns passos, aproximando-se e foi quando o conde pediu ajuda, pois a circense desfalecia em seus braços.
Nícolas rapidamente a tomou no colo, seguindo com ela até a sala, colocando-a sobre o sofá de couro preto.




Rick despertou e ao abrir os olhos teve um susto.
Natasha estava sentada e olhava tudo confusamente.
Rapidamente o detetive foi até ela, abraçando-a.
-- Nath, não sabe como estou feliz por vê-la despertar depois de tantos dias desacordada. -- Falava entre lágrimas
A ruiva não retribuiu o carinho, apenas o olhava com assombro.
-- Quem é você? -- Ela indagou baixinho. -- Quem éNath?
O monge se aproximava, trazia uma caneca, entregando a jovem.
-- Beba isso, filha, vai se sentir melhor!
O detetive parecia assustado, mas nada disse, pois recebera um olhar de advertência do religioso.
A Valerie parecia temerosa, mas acabou bebendo o que lhe fora ofertado. Com as mãos trêmulas segurava o alumínio e bebia em goles pequenos, sem deixar de encarar aos dois homens.
Rick deixou a caverna agoniado e logo o monge foi até ele. Encontrou-o andando de um lado para o outro.
-- Preciso levá-la para cidade, um médico deve examiná-la! -- Dizia, enquanto se encostava a uma árvore. -- A batida na cabeça a deixou assim.
-- Não, deve deixá-la aqui e ir embora o mais rápido possível para colocar as pessoas que tentou matá-la atrás das grades.
-- Está louco, não posso deixá-la, ainda mais nesse estado que ela se encontra.
-- Pense nisso como um sinal de Deus, pois tenho certeza que se ela estivesse sã já correria para os seus e voltaria a arriscar a própria vida.
O detetive olhou as nuvens carregadas. A chuva não deu pausa nos últimos dias e naquele momento estava a garoar.
Voltou a olhar para o interior na caverna.
-- Todos sofrerão ao imaginá-la morta… -- Meneou a cabeça. -- Leonardo e Helena… Valentina…
O monge se aproximou, tocando-lhe o ombro.
-- Pense que será por pouco tempo, pense que essa será a forma perfeita para livrá-la da perseguição da duquesa… Você sabe que não haverá salvação para Natasha se for com você.
Rick nada respondeu, retornando para o interior da caverna, mirando a arquiteta que parecia desconfiada.
Agachou diante dela.
-- De que você lembra? Fale-me do que você lembra! -- Ordenou impaciente. 
A madre se aproximou, mas ficou apenas olhando o diálogo.
-- Eu não lembro de nada… -- A moça respondeu com expressão de dor. -- É como se tudo estivesse em branco aqui… -- Apontou para a cabeça. -- Quem sou eu?
Antes que Rick pudesse responder, a voz do monge fora ouvida:
-- Você é irmã Elizabeth, noviça do convento das ordens das Carmelitas… Bateu a cabeça e por isso está tão confusa.
O detetive ainda abriu a boca para retrucar, mas ao ver os olhos verdes vivos, acabou aceitando que aquela seria a melhor forma de protegê-la. 
-- Elizabeth… -- A Valerie pronunciou baixinho. -- Elizabeth…
-- Sim, filha, a irmã Justina irá lhe ajudar a tomar banho e lhe colocará o hábito.
Mais uma vez os olhos verdes olhavam para todos em total confusão.
-- Minha perna está doendo muito…
-- Vou preparar um unguento, enquanto você fica com a irmã. -- Fez sinal para a mais velha. -- Rick, venha comigo, necessito que me ajude a pegar alguns ingredientes.
O investigador voltou a olhar para Natasha, mas logo acompanhou o mais velho.

Comentários

  1. Respostas
    1. Olá, querida, imagino que sim, fora um acontecimento que deixou todos em surpresa.
      Um beijo e boa noite.

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  2. Meu pai amado, que capítulo foi esse?!
    Geh, vc é perfeita! Não canso de dizer que sou fã da sua escrita. Vc é talentosa demais! Grande beijo

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    1. Olá, moça bonita :) esperei pelo vatapá viu rsrsrsrs
      fico feliz por saber que é minha fã e me sinto honrada por tamanho privilégio.
      Um beijo grande!

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  3. Oi autora!
    A Valentina vai ter que mudar depois dessa notícia,com certeza vai acusar o pai.(bem feito para esse cego ,idiota que cai nas mentiras das duas demônios)
    A Valentina deveria tomar uma atitude e ir morar na casa da Natacha,pois tudo que é da arquiteta agora é do filho de ambas, com isso as serpentes irão morrer de ódio.

    Beijos autora,um Natal de muitas alergias.

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    1. Olá, querida Val, vi suas fotos em terras pessoenses viu, melhor lugar para féria não há rsrsrsrs
      Ah sim, quanto a história, as coisas agora seguem para um caminho de decisões e logo todos os envolvidos irão pagar caro.
      Um grande beijo.

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