A fera ferida -- Capítulo 4

                A semana transcorria mais tranquila, apesar do mau humor de sempre, Elizabeth se submetia as sessões de fisioterapia. Não se sabia bem o que era, mas havia um certo desafio entre as duas mulheres, ou talvez a empresária desejasse apenas livrar-se o mais rápido possível da jovem contratada por seu pai.
                  Quanto à Júlia, continuava esbanjando o seu costumeiro bom humor, prometera a si mesma que não permitiria que as trevas que cercavam sua paciente lhe penetrassem o coração. Sempre fora um ser humano de bem com a vida e não iria deixar um trabalho passageiro mudar sua forma de pensar e agir. Não podia negar que tivera inúmeros problemas em seu caminho, sempre fora assim. Houve um tempo em que acreditara que sua famı́lia superaria as questões relacionadas ao dinheiro, seu pai sempre fora um sonhador e trabalhara muito para isso. Quando parecia que tudo estava encaminhado, o sócio da empresa roubara tudo, deixando-os afundados em dívidas. Depois, veio o romance da irmã com um milionário, então o inferno se instalara. A jovem apaixonada fora perseguida implacavelmente pela outra conquista do enamorado, precisara esconder-se para continuar levando em frente a gravidez. Coitada, achara que quando a criança nascesse, os três poderiam ser felizes. Infelizmente, em pleno século XXI, houve uma complicação no parto e a garota morrera ao dar à luz.
                     Secou as lágrimas que insistiam em lhe molhar o rosto.
                     Limpou a face, enquanto molhava a mão na água.
                Sentiu vontade de dar um mergulho, mas sabia que não deveria se aproveitar da boa vontade do senhor Terzak, pior, não poderia desafiar a filhinha mimada dele.
                       Suspirou!
                     Nunca em sua vida tinha conhecido uma pessoa tão arrogante e irritante como a herdeira de Alex.
                    Inúmeras vezes desde que a conheceu ansiou por estampar os dedos na bonita face, ainda mais quando ela abria a boca bem desenhada para soltar impropérios e ofendê-la.
                    


               Elizabeth chegou na sala de exercı́cios e deparou-se com a fisioterapeuta sentada na borda da piscina. Estava com um olhar perdido, triste. Nunca a virá daquele jeito. Parecia que algo ruim tinha acontecido, seria com o bebê?
                   Mordiscou o lábio inferior demoradamente, enquanto fazia um gesto para Juan não empurrar a cadeira, parando ali, apenas contemplando-a. 
                 -- O que houve, doutora? – Indagou-lhe.
              Júlia não tinha percebido a presença da outra. Assustou-se e por muito pouco não caiu dentro da água. Ver aqueles olhos zuis tão próximo era intimidante.
                 Observou a cicatriz, os lábios entreabertos deixando os dentes alvos a mostra.
                 Não havia dúvidas que era uma mulher muito bonita, tanto que chegava a faltar o ar quando a mirava.
               -- Nossa, até que enfim você apareceu. – Levantou, disfarçando o incomodo que sentira. – Pensei que passaria a eternidade para aparecer.
                   Elizabeth apenas deu de ombros e direcionou a cadeira para a cama que sempre costumava usar.
                O enfermeiro aproximou-se para ajudá-la e foi nesse momento que a tia de Anny prestou atenção em algo. A paciente estava usando um pequeno short de malha. As pernas torneadas e longas estavam deliciosamente expostas. Apesar da invalidez, não havia nenhum sinal que mostrasse isso, lógico que estavam precisando de um pouco de sol. 
                 -- Você vai ficar com essa cara de idiota? – Elizabeth perguntou impaciente.
                  A jovem relanceou os olhos diante da brutalidade que a outra agia.
                  Subiu no leito e começou a massagem costumeira.
               A paciente ficou observando as mãos bem-feitas lhe tocando. Quando chegou em suas coxas, sentiu uma espécie de choque.
                   Sobressaltou-se!
                   -- O que houve? – Júlia questionou com a sobrancelha esquerda arqueada.
                   A filha de Alex sentiu a face corar, exasperou-se. 
                   -- Nada! Termine logo com isso. – Ordenou de forma arrogante.
                   -- Certo, vossa majestade. – Presenteou-a com um enorme sorriso.
                    Elizabeth praguejou!
                 -- Cuidado com sua boca suja ou vou ter que lava-la com um bom sabão. – Riu divertida.                      A empresária perdeu a paciência e apoiou-se nas mãos, encarando-a.
                  Fitaram-se, enfrentando-se. 
                   -- Pare com suas gracinhas!
              -- Por quê? – Subiu as mãos até chegarem nas coxas. – O que você sente? Cócegas? Vai cair na gargalhada se eu continuar?– Questionava entre risos.
                  Elizabeth fuzilou-a.
                  -- Chega! – Tentou livrar-se daquelas mãos, mas suas tentativas foram inúteis.
               -- Já sei! -- Disse um pouco mais baixo. -- Está ficando excitada com meu toque? – Zombou.
                  Apesar da Wasten agir com brincadeira, seu corpo estava reagindo ao toque. Sentir aquela pele macia sob seus dedos a estava deixando desconsertada. Havia um enorme prazer naquele tato e por alguns segundos desejou senti-la também.
                       Os olhos azuis se arregalaram em espanto diante do próprio pensamento.
                      Aquilo estava passando dos limites.
                      A voz irritada da paciente a tirou dos seus devaneios. 
                     -- Ora! – Corou. – Como ousa sua desavergonhada?
                A fisioterapeuta saiu gargalhando ao ver o rosado se apossar da bochechas da Terzak. Nunca imaginara vê-la corar como uma adolescente.
                      Sabia que não deveria ter a provocado daquele jeito, porém não resistira a ideia de irritá-la. Se divertia em vê-la fora de si.
                   Quando lhe passou a bola para fazer os exercı́cios, recebeu-a fortemente contra a face.
                   -- Chega de brincadeira, Elizabeth! – Pediu. -- Vamos parar por agora! -- Ordenou séria.
                   -- Hoje mesmo falarei com meu pai para te demitir.
                   Júlia apenas deu de ombros.
                   Aquela ameaça era antiga e já até conhecia de cor aquele discurso de demissão.
                   -- Faça-o, não é obrigada a aceitar o tratamento, pode contratar outra. -- Disse, enquanto se levantava.
                  Com muito esforço a filha do magnata conseguiu sentar.
                  -- Achas mesmo que só porque dorme com meu pai tem alguma regalia?
                  A fisioterapeuta cruzou os braços sobre os seios, tentava manter a calma, pois sabia que uma discussão era tudo o que ela desejava.
                  -- Se eu transasse com o senhor Terzak a última coisa que aceitaria era cuidar da filha mimada dele. -- Retrucou calmamente. -- Acho que tenho atributos suficientes e sou bem talentosa na cama para precisar estar aqui olhando para tua cara.
                    Elizabeth fechou as mãos em fúria.
                    -- Maldita vagabunda! Puta! -- Gritou.
                    Juan estava mais afastado e ouvia a discussão assustado.
                    -- Bem, se eu sou, isso não é da sua conta, vossa alteza! -- Disse com um sorriso de lado.
                    -- Eu vou te destruir, vou acabar com essa sua felicidade, pode ter certeza que seu nome está na minha lista.
                     Júlia assentiu com um sorriso e logo deixava a sala de exercícios e a paciente esbravejando sozinha.
           


                         Já era noite...
                Elizabeth estava mais irritante do que nunca. Gritara com todo mundo e até mesmo o enfermeiro fora xingado pela mulher. Dispensara o jantar, não desejava a presença de ninguém no quarto. Aquele era o dia do aniversário de morte de Marco. Sentia uma dor forte lhe apertando o peito. Queria morrer, sair daquele maldito sofrimento. Pensava mil vezes porque não tinha sido ela a ser fatalmente ferida naquele acidente.
                     Abriu a porta que dava acesso à praia.
                  Seguiu na cadeira de rodas, mas a areia fez com que o objeto ficasse preso. Descontrolada, tentou levantar-se e acabou caindo.
                    Chorou em total frustração, enquanto tomava nas mãos a terra, apertando-a forte entre os dedos.




                        Júlia estava vendo tv.
                       Anny dormia agarrada a mãe.
                    A fisioterapeuta não estava com sono, ainda era cedo. Passava das nove da noite, se sentia sufocada. Ainda recordava da discussão que tivera com a paciente e já esperava pela demissão que sempre lhe ameaçava.
                       Nunca enfrentara uma situação tão difícil e se soubesse que seria daquele jeito, talvez não tivesse aceitado.
                       Acariciou os cabelos da sobrinha.
                       Tudo o que estava a fazer era por ela, para poder mantê-la ao seu lado.
                       Soltou um longo suspiro, enquanto se levantava.
                  Decidiu fazer uma caminhada pela praia, quem sabe assim não poderia dormir melhor. O bom é que naquele horário não correria o risco de dar de cara com a toda poderosa dona da ilha, do mar e das estrelas... Afinal, tinha sido terminantemente proibida de colocar seus humildes pés nas areias de ouro.
                        Relanceou os olhos em irritação.
                        Maldita mimada!
                        Sim, era isso que era ela. Uma filhinha de papai que fora acostumada a esbravejar com todos e tratar as pessoas como não passassem de seres insignificantes, enquanto ela era uma deusa de quinta categoria.
                        Enquanto caminhava lembrava-se das manchetes que viu sobre a herdeira do Terzak. Não leu uma linha sequer que lhe fizesse um elogio ao caráter, apenas a beleza física, decerto era apenas isso que ela tinha.
                   A noite estava linda. Observou o céu estrelado, a lua cheia que parecia uma rainha ostentando sua pompa e iluminando as águas.
                          Viu uma sombra mais a frente, de início assustou-se, temendo que pudesse ser alguém perigoso. Parou um pouco distante, mas olhando bem percebeu que havia alguém caı́do. Correu, preocupada, e deparou-se com Elizabeth. Desesperada, tentou ajuda-la.
                        -- Solte-me, deixe-me em paz. –  A empresária gritava se debatendo. – Deixe-me morrer.
                        Julia observou a dor naquelas palavras, lágrimas banhavam o rosto tão bonito. Tentou contê-la, mas foi arranhada, rasgada por aquelas unhas.
                        Firme, segurou-lhe as mãos sobre a cabeça.
                        -- Calma! – Ordenou firmemente.
                        Elizabeth gritava impropérios, xingava e chorava.
                     A fisioterapeuta percebeu que a mulher tinha surtado literalmente, precisava tentar controlar aquela situação, a jovem era muito forte e sabia que não poderia contê-la por muito tempo e o pior é que não tinha como pedir ajuda a ninguém.
                          Fitou os olhos escurecidos, a boca rosada que parecia não ter limites nas palavras, nas acusações e sem pensar nas consequências, colou os lábios aos dela.
                              Estavam frios como a noite, mas eram macios e um hálito delicioso de menta podia ser sentido.
                     De inı́cio, a outra resistiu ao contato, tentando se livrar,arranhado-lhe as costas sobre a roupa, mas a forma doce que a boca de Júlia ia se apossando da dela lhe fez ficar sem ação. 
                   Júlia saboreou primeiro o lábio inferior e depois o superior, quando sentiu a outra ceder, lhe invadiu cada canto com a lı́ngua. 
                      Sabia que deveria parar, mas ficava cada vez mais desejosa de senti-la.
                    A empresária mantinha os olhos abertos, vendo-a se movimentar contra si. Sentiu quando ela lhe tomou a língua, chupando-a devagar, cruelmente, mexendo-se contra ela.
                          Ouviu um gemido e ficou a pensar se tinha sido produzido por sua garganta.
                       A Wasten soltou-lhe os braços e logo segurava a face bonita entre as mãos, estreitando ainda mais o contato. Como era maravilhoso senti-la, nunca tivera uma sensação tão profundo com um simples beijo.
                     Moveu os quadris contra ela, esfregando-se.
                 Aos poucos, Elizabeth percebeu o que estava acontecendo, furiosa empurrou Júlia com toda força que possuı́a.
                    A outra caiu sentada.
                  -- Sua safada, desavergonhada... – Elizabeth começou a gritar, exprimindo toda sua raiva. – Vou te denunciar por ter tentado se aproveitar de mim! Qual a sua ética?
                   A fisioterapeuta tentou levantá-la, mas foi repelida.
                   -- O fiz porque foi preciso, você tinha surtado. – Passou as mãos pelos cabelos. -- Só quis ajudá-la.
                -- Ah, então é isso que te ensinaram na universidade? Beijar os pacientes para conter os descontroles dos mesmos?
                  --Não! Mas achei seu rosto muito lindo para ter que esbofeteá-lo.
                    Elizabeth fitou-a com um ódio terrível naqueles olhos escurecidos.
                -- Nunca mais volte a tocar-me, sua miserável. —Apoiou-se nas mãos e sentou-se na areia. – Nunca teria uma relação com alguém do mesmo sexo que o meu. – Apontou o dedo em riste. – E se o tivesse, não seria com alguém do seu tipo, a puta do meu pai!
                  A fisioterapeuta respirou fundo, não queria ter que responde-la mais. O que dissesse seria motivo para deixa-la ainda mais brava. Aproximou-se da cadeira de rodas e pegou o pequeno comunicados que era acoplado a mesma.
                    Imediatamente, o enfermeiro chegou e ajudou a jovem. Segurou-a nos braços e levou-a para casa no colo.
                        Júlia sentou-se na areia e encostou os joelhos no queixo.

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