A fera ferida -- Capítulo 1

            
           Elizabeth Terzak era a única filha do multimilionário Alex Terzak, o empresário sempre tentara ser um pai perfeito, mesmo não estando sempre presente, fazia questão que a jovem tivesse tudo o que o dinheiro pudesse comprar. Talvez tenha sido esse um dos principais erros cometidos por ele, crianças precisam de limites e a menina Liz não sabia o que era isso. Todos os seus desejos eram sempre prontamente atendidos e quando alguém se negava a fazê-lo, poderia ter certeza que a pequena começaria uma terceira guerra mundial.
                  E dessa forma formara-se uma personalidade problemática, um ser difı́cil de se conviver.
            Quando tinha catorze anos, a jovem conhecera não só os vı́cios das festas, mas do sexo também. Saia à tarde e só voltava no outro dia, essa era a rotina de uma adolescente que parecia disposta a tudo para satisfazer os menores dos caprichos.
                Alex há tempos havia perdido as rédeas de sua única herdeira. Pensara em interna-la num colégio interno, porém depois de muitas lágrimas, fora dissuadido do intuito. Sempre tentara justificar os atos da jovem pela perda prematura da mãe, tinha apenas quatro anos quando um acidente fatal ceifou a vida da bela Ana Terzak.
                Com o passar dos anos, a bela problemática arrumou um novo vı́cio. Destruir as empresas dos outros. Formara-se em administração, era um verdadeiro gênio no jogo da estratégia. Investigava quais negócios estavam à beira da falência e jogava com tudo para cima. Convencia os sócios a venderem suas ações e no final saia ganhando bilhões a mais do que investiu.
                  Era esse o passatempo preferido dela, fora as orgias sexuais que se tornava cada vez mais frequentes. Passava horas entre seus casos e diante de um computador, investigando o que lhe daria mais lucro. E não era por necessidade que a empresária fazia isso, o fazia pelo prazer de destruir os sonhos dos outros, sentia- se feliz em jogar aquele sádico jogo de poder e sempre saia ganhando.
              Aos vinte e um anos, a pequeno prodı́gio, conheceu o filho de um conde italiano. Marco Dilon.
                Se apaixonara instantaneamente pelo rapaz, mesmo que o jovem fosse noivo de outra. Mais uma vez entrou na batalha e saiu vencedora. Se tornara a namorada de Marco e o casal parecia muito feliz.
              Estampava sempre as revistas de fofocas, eram vistos em boates exclusivas, em passeios de iates, em festas da alta sociedade. Falavam no casal perfeito!
              Alex Terzak fazia muito gosto daquele relacionamento. Pelo menos assim, sua filha se tornara algo mais próximo a um ser humano. Sentia-se feliz por vê-la apaixonada e fazendo planos para o futuro. Os jovens apaixonados teriam a benção das duas famı́lias e essa união traria mais glória aos bilionários.
                 O  poder  e  o  dinheiro  não  controlam  o  futuro,  numa  noite  de  tempestade,  após  saı́rem  de  uma  festa,  um  terrível acidente comprovou essa teoria.
             Elizabeth Terzak e Marco Dilon foram acometido por um destino que não aceitava ser desafiado.
                O jovem morrera na hora, enquanto a garota arrogante e sádica perdera os movimentos da cintura para baixo. Se tornara uma inválida, algo terrível para ser aceito pelo seu orgulho idiota, mas  que a falta de vontade de viver a fez se isolar de tudo e de todos, negando-se a seguir um tratamento que lhe devolveria o andar.


                  Dois anos depois...
                 -- Liz, você precisa cooperar. Quantos fisioterapeutas você já expulsou daqui. Como vai se recuperar se continua rejeitando a ajuda de todos.
                  A jovem estava sentada na cadeira de rodas.
             O quarto estava na penumbra. Sempre estava assim. Não era permitido que as cortinas fossem abertas naquela casa.
              Depois do fatı́dico acidente, a garota ficara em coma durante dois longos meses. Quando despertara seu cérebro esquecera muitas coisas do dia do ocorrido. Ela não recordava daquela noite, não sabia o que realmente tinha acontecido.
               Não quisera retornar para a mansão da famı́lia. Vivia numa ilha, onde o pai tinha uma casa de férias. Lá fora montado uma verdadeira clı́nica para que a empresária pudesse ser cuidada. Porém, nunca um profissional durava naquele lugar. Todos fugiam assustados pelo excesso de cólera da paciente. Era um caso já dito perdido por muitos. Nem mesmo o dinheiro compensava. Como salvar alguém que não desejava ser salvo?
                 -- Deixe-me em paz. – Gritou. – Esqueça que eu existo. Não quero ninguém aqui. Deixe-me morrer, por favor.
                Aléx observou as lágrimas lavando aquele rosto. Há tempos não se descontrolava daquele jeito. Porém sabia que dentro de alguns dias seria o aniversário de Marco e isso sempre a deixava mais deprimida.
               O tempo não conseguira curar e nem amenizar aquelas feridas, tudo parecia pior a cada dia que passava.
              -- Filha, deixe-me ajudá-la. – Ajoelhou-se a seus pés. – Não aguento mais vê-la desse jeito.                  Elizabeth permanecia impassível, parecia o sofrimento alheio não lhe afetava em nada, na verdade não havia uma única coisa que a tocasse. Estava sempre calada, sentada ou deitada, em alguns momentos passava horas olhando para o mar. Não falava com ninguém, apenas permanecia ali como um móvel a mais que adornava aquela casa tão bonita.
                -- Eu só quero o seu bem...
                A mulher o encarou com aquele ar tão vazio, inflexível, os olhos estreitados a ponto de quase sumirem.
                 -- Deixe-me! – Falou cada sílaba pausadamente.
               O homem levantou-se impaciente. Sabia que não tinha como argumentar ou conversar com aquele ser entrante.
                 -- Farei como você deseja.—Caminhou até a porta. – Mas saiba que mandarei alguém aqui. Sei que vou conseguir encontrar uma pessoa forte o suficiente para aguentar seus desaforos. Porém se ninguém conseguir lidar contigo, eu mesma abandonarei a causa e te deixarei morrer, como é de sua vontade.
                 Elizabeth apenas continuou lá, enquanto fitava o quarto impecavelmente arrumado.
                 A cama grande ocupava a parte central dos aposentos. Os lençóis caros e de seda preta era sempre a escolha para a decoração.
                  Fitou a bandeja do almoço que não tinha sido tocada ainda e tampouco se interessava em fazê-lo.
                   Observou a porta que tinha sido fechada.
                   Quem o pai conseguiria para cuidá-la dessa vez?
                    Esboçou um sorriso de escárnio.
                    Ninguém ficaria ali por muito tempo, ainda conseguia ouvir os xingamentos dos últimos fisioterapeutas que foram lhe cuidar.
                    Aleijada!
                    Mimada!
                    Filhinha de papai!
                    Nada que falavam lhe afetava, nada que diziam poderia feri-la... Nada importava para si...
                    




                 Júlia fora chamada com urgência ao seu apartamento. Estava sempre com o coração na mão pensando se algo de ruim poderia ter acontecido.
              A senhorita Wasten era filha de uma famı́lia tradicional. Seu pai com muito esforço conseguiu montar uma pequena empresa, aos poucos fora conquistando seu espaço no mundo empresarial. Até que um dia fora traı́do pelo sócio que vendera as ações da empresa deixando todos sem um centavo.  Na época, a jovem tinha dezessete anos, tinha acabado de entrar na universidade. Ela tinha uma irmã, Clarice, que era alguns anos mais velha que si. Há dois anos, ela tivera um caso com um homem comprometido. Ela dizia que ele a amava e que deixaria a noiva para ficar consigo, mas um trágico acidente levou a vida do rapaz. Sua irmã morrera ao dar à luz ao fruto desse complicado amor.
                 A jovem se responsabilizara pela sobrinha, seus pais decidiram morar numa pequena cidade e tentavam reconstruir a vida.
                      -- Nossa, o que houve? – Perguntou sem fôlego ao entrar no apartamento.
                     -- Desculpe, mas é que o senhor Henrique disse para chamá-la em casa. Um homem virá falar contigo sobre um trabalho.
                   Júlia era formada em fisioterapia. Trabalhava em um hospital, mas o dinheiro não era suficiente para as despesas. Estava com o aluguel atrasado, gastara muito porque a sobrinha tinha ficado doente.
                      -- Mas quem é esse homem? -- Indagou curiosa, seguindo até a geladeira e pegando uma maçã, mordendo-a. 
                          -- Ele não disse.
                   A jovem sentou no sofá e fechou os olhos. Estava cansada por demais. Vinha trabalhando dobrado para poder dar conta de tudo. Não pedia ajuda aos pais, sabia que eles tinham muito pouco.
                    -- E onde está a Anny?
                    -- Acabou de comer, agora já está dormindo. 
                     Júlia seguiu para o quarto.
                      Deparou-se com seu anjinho dormindo com um sorriso nos lábios.
                    Era tão linda. Tinha aparência da famı́lia. Cabelinhos da cor de ébano, olhos claros e pele branquinha.
                    Quem não conhecia a história pensava que ela era mão da criança e era assim que preferia que fosse. Aquele pequeno ser preenchera todos os espaços do seu coração. Amenizara a dor da perda da irmã e lhe dará forças para seguir em frente.
                       Em breve seu anjinho completaria dois aninhos, estava cada dia mais travessa. 
                       A babá e amiga entrou.
                  -- Tem um homem muito bem vestido lhe procurando lá na sala. -- Disse em entusiasmo. 
                  Julia beijou a sobrinha e seguiu ao encontro da visita.
                  Deparou-se com um homem de mais o menos cinquenta anos, loiro, alto e muito bonito. Acreditava já tê-lo visto em algum lugar, talvez em revistas de gente rico.
                 -- Bom dia. – Saudou-o com um sorriso. – Sou a doutora Júlia Wasten. – Estendeu a mão.                    Aléx observou a beleza da jovem que se apresentava a ele.
               Os cabelos longos lembravam o ébano, os olhos zuis tinha uma suavidade, mas ao mesmo tempo um olhar felino. A pele era branca, parecia uma seda. Mesmo com roupa discreta, dava para perceber que tinha um belo corpo.
                      -- O prazer é todo meu. – Beijou-lhe a mão.
                      Júlia corou diante do galanteio.
                      -- O senhor pode ficar à vontade. Deseja beber alguma coisa? Tenho suco, um café quem sabe ou até mesmo chá? -- Oferecia simpaticamente.
                        Ambos se sentaram.
                        -- Não. Preciso ser muito rápido, pois tenho que viajar dentro de algumas horas.
                        -- Certo. Mas o que o senhor deseja?
               -- Um amigo me indicou o seu trabalho. Soube que mesmo sendo jovem, é muito competente na sua profissão. 
                       A garota riu meio sem graça. 
                      -- Agradeço os elogios.
                      Aléx lembrou-se da filha, sabendo que seria uma tarefa bastante árdua, mas aquela seria sua última tentativa e seria capaz de entregar metade da sua fortuna para conseguir o intuito.
                      -- Tenho uma proposta para lhe fazer.
                   Em poucos minutos, o senhor Terzak narrou todos os fatos. Apenas omitiu a personalidade irascível da filha.
                 Se Júlia conseguisse fazer a filha voltar a andar, ele montaria uma clı́nica de última geração para a fisioterapeuta. A jovem parecia não acreditar no que estava ouvindo.
                De acordo com o parecer médico que lhe foi mostrado, a jovem Terzak tinha todas as chances de recuperar os movimentos, se não o fizera fora porque não se dedicara ao tratamento.
                   Aquilo parecia muito estranho, mas a fisioterapeuta decidiu embarcar naquele desafio. Se tudo desse certo, não teria preocupação com dinheiro e o melhor poderia dar uma vida melhor a sobrinha.


               Tudo fora resolvido rapidamente, Júlia pediu uma licença para afastar-se do trabalho, em menos de uma semana viajou para a ilha levando a filha e babá consigo.
              A fisioterapeuta observou os portões que davam acesso a mansão. Era um lugar realmente muito bonito, a casa lembrava as construções clássicas europeias, composta por três andares e inúmeras janelas. O longo caminho até a entrada era cercado por árvores e gramas, era tudo tão verde. Parecia um pequeno bosque.
                    Ao chegar a imensa porta, estacionou o carro e desceu.
                    Da grande entrada, saiu uma mulher gordinha e já de idade.
                   -- Seja bem-vinda, doutora. -- A senhora falou com um meigo sorriso. – Sou Felipa, cuido de tudo por aqui. 
                   Júlia assentiu simpática e deu um abraço na senhora.
                   -- Muito obrigada pelas palavras.
              A babá, Jane, desceu do carro com a criança adormecida. Felipa ficou maravilha com a pequena. Era tão fofa.
                   -- Sua filha? – Indagou.
                   -- Sim! – Respondeu orgulhosa.
                A fiel governanta observou a criança que dormia em paz. Tinha a impressão que sua patroa não gostaria nenhum pouco da presença de um bebê, sabia que tempestades estavam para cair. A última semana fora tranquila, afinal, Elizabeth mantinha-se dentro do quarto, mas com a chegada da nova fisioterapeuta, as coisas teriam que ser diferentes.
               Olhou para a bela mulher e imaginou quantos dias ela ficaria na ilha. Os empregados já fizeram apostas, diziam que em menos de dois dias a moça sairia correndo. Honestamente, esperava que não. Desejava com todo seu coração que alguém pudesse ajudar Elizabeth, ela poderia não ser o melhor ser humano do mundo, mas ninguém merecia definhar dia após dia sem que alguém viesse ao seu socorro.



                 Elizabeth estava sentada na cadeira, acordara irritada porque sabia que naquele dia chegaria a pessoa contratada por seu pai para ajudá-la. Por que ele não entendia que ela não queria nenhum auxílio? Por que não colocava na cabeça que ela só queria morrer, abandonar aquele sofrimento que a perseguia há tanto tempo.
                      Inúmeras vezes já pensara em cometer suicı́dio, porém era tão covarde que nunca levara a ideia a frente. Há tempos sua vida não existia. Nada lhe interessava, vivia seus dias sem nenhuma expectativa, se não acordasse no dia seguinte, talvez pudesse descansar para sempre.
                      Ouviu batidas na porta.
                      Permaneceu calada, apenas fitando a madeira.
                      Mais batidas.
                    Júlia decidiu ir falar com a paciente assim que colocasse os pés na mansão, porém alguns imprevistos lhe tiraram o foco, só depois de algumas horas pudera ir ao encontro da jovem.
                     Percebendo que não receberia um convite, segurou a fria maçaneta, hesitando por alguns segundos, mas logo adentrou o espaço.
                 Seus olhos demoraram para se acostumar com a penumbra. Observou que perto das grandes janelas, a garota estava em sua cadeira, de costas para si.
                      Por que se sentiu incomodada ao vê-la?
                      Pigarreou tentando chamar a atenção da futura paciente. 
                      -- Achei que viria mais cedo.
                       Aquela voz rouca e irritada lhe chamou a atenção.
                      -- Sinto muito! – Aproximou-se até ficar de frente para a mulher.
                      A fisioterapeuta tentou observá-la, mas a escuridão do ambiente não permitira.
                   -- Não está nessa casa por minha vontade. – Disparou. – Então, diga quanto quer para sair daqui e nunca mais aparecer em minha frente... -- Encarou-a. -- Dinheiro não será problema!

Comentários

  1. Uma das belas histórias que já tive o prazer de lê,e vou acompanhar lá novamente.
    Sou fã dessa autora fantástica.❤️

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  2. Ah, sim, Val, a fera está sendo toda reeditada, decerto verá coisas a mais que estão sendo colocadas.
    Um beijo, querida.

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  3. Muito boa, estou amando ler novamente agora com um toque especial de novidades.

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  4. Mentiraaa que eu achei essa fic depois de tantos anos que estava excluída do spirit ....Mulher tu não sabe o quanto que eu esperei por esse momento ! Eu li ,quando eu era adolescente e eu achava a história tão incrível e quando tu falou que iria excluir ela ...nossa ! Moça tua fic é MARAVILHOSA !

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