Anjo caído -- Capítulo 37

                       Angelina tomou um banho demorado.
                     Desde que Duda sofrera o acidente, a médica tinha voltado a dormir no quarto que era do casal. Engraçado que enquanto estiveram naquele matrimônio conturbado, não chegaram a dividir o leito. Sentia a ducha lhe massagear as costas, aliviando a tensão.
                   Sua mente estava acelerada. Não conseguia deixar de pensar no acidente da Eduarda, nada lhe tirava da cabeça que fora proposital.
                        Bateu forte as mãos na cerâmica fria.
                       Assim que tivesse certeza de que a Patrı́cia ou o Bruno estavam por trás de tudo aquilo, os mataria pessoalmente, mesmo que passasse o resto da vida em uma prisão. Sabia que aquilo não fora um ato não pensado, tinha certeza de que o desejo da pessoa que atentou contra a jovem, o fizera com o propósito de matá-la. Só em imaginar algo assim sentia um frio na espinha... O que faria se a tivesse perdido?
                       Pegou a toalha, secando-se, caminhou até a cama, deitando-se.
                  Mesmo que passasse mil anos o cheiro de Eduarda não deixaria aquele lugar. Nem mesmo se vestiu, ao deitar-se. Permaneceu olhando para o teto por alguns segundos, perdida em suas divagações. Pegou o celular que estava sobre o criado-mudo.
                       Havia algumas ligações de Natália.
                       De repente a pediatra perdeu totalmente a graça.
                   Não negava que gostava de estar com ela, sempre conversavam sobre coisas interessantes e ainda mais porque ela também estudara na Alemanha, então havia alguns pontos em comuns que faziam com que tivessem um diálogo agradável.
                   Sabia que deveria retornar as chamadas, mas não tinha nenhuma vontade de fazer aquilo, pelo menos não agora. Checou os e-mails. O advogado mandara o documento para que ela lesse. Lá tinha as cláusulas do divórcio e todo o amparo que daria a esposa.
                     Apertou o aparelho tão forte que temeu quebrá-lo. Voltou a observar as mensagens.
Havia também algumas de Flávia. Preferiu ignorar.
                     Tiveram uma discussão no dia anterior.
                  A loira esbravejara e ainda sustentava a tese de que toda aquela história de divórcio não passara de uma forma cruel de se vingar da Fercodini.
                     Cobriu o rosto com as mãos.
                     Estaria ela certa?
                 Não, aquela fora a forma que achara para livrar ambas de toda aquela dor, aquela fora a forma de se libertar de toda aquela raiva que quase lhe cegou... Mas e agora?
                   Tudo tinha acabado... Mas e a aquela sensação que voltava a assombrar? E aquele desejo de proteger a esposa, aquela vontade de abraçá-la e não a deixar sair dos seus laços? Por que agora se sentia tão confusa?
                     Agoniada com os pensamentos conflitantes, levantou-se, seguindo até a varanda.
               Tentou não se recordar da última vez que a tocou com paixão... Mas também se envergonhou por sua atitude covarde, afinal, se aproveitara dela e depois a deixou sozinha.
Segurou na barra de proteção tão forte que só depois de sentir a dor percebeu o ato. Aliviou o aperto.
                Agira como um animal enraivecido, uma fera irracional... Desejou apenas destruı́-la, maltratá-la, humilhá-la e a doce Eduarda em todas essas vezes cedera ao desejo, em todos esses momentos ela fora machucada.
                      O que adiantou tudo aquilo?
                  -- De que me adiantou tudo isso? – Mordiscou o lábio inferior. – Que espécie de praga fora rogada em mim? --Fitou o céu.
                     As estrelas e a lua dividiam o mesmo espaço, ambas brilhavam, cada qual com sua forma diferente de fascinar.
                      Retornou para o quarto, mas não deitou, seguiu até a penteadeira e viu um porta retrato de Duda com Cecı́lia nos braços.
                      Não tinha visto aquela foto!
                      Pegou-o, observando com atenção.
                      Elas estavam sorrindo, pareciam tão felizes.
                      Quem registrara aquele momento tão lindo entre mãe e filha?
                  Observava a expressão da esposa, os olhos tão claros e bonitos, o nariz arrebitado, a franja que a deixava tão menina... A pele branca, os lábios rosados como uma maçã suculenta... Ouviu o toque do celular anunciando uma nova mensagem. Pegou-o.
Henri!
                     Ele avisava que retornara ao paı́s naquela noite e que no dia seguinte iria até a cobertura.
                  O seu bom e velho amigo ficara desesperado com o acidente da filha, porém como teve um problema com o passaporte não poderá retornar.
                  Estava mais do que na hora de Eduarda se entender com o Mattarelli, estava mais do que na hora de dar uma chance para que ele explicasse tudo.
                    Será que ela já tinha dormido? Será que estava precisando de alguma coisa?
                    Decerto ela não pediria, afinal, quase não permitira que lhe ajudasse a cuidar das feridas.
                 Vestiu o roupão preto, seguindo pelo corredor, desceu as escadas, parando na porta do quarto da jovem. Hesitou!
                  Apenas veria se estava tudo bem, depois retornaria para os próprios aposentos. Decidida, entrou devagar para não assustá-la.
                O ambiente estava pardo, mas era possıv́  el ver a jovem sentada, massageando o ombro. Ela pareceu assustada quando viu a médica.
                  -- O que faz aqui? – Questionou.
                Mesmo diante da opacidade, não fora difı́cil ver o brilho temeroso da ı́ris clara. Por que ela parecia tão assustada com sua presença?
                 Permaneceu onde estava, não queria incomodá-la.
                  -- Vim ver como você está.
                  Eduarda mirou o relógio que estava ao seu lado, notando que já passava da meia noite.
                Não imaginou que a bela morena pudesse estar em casa. Era costume dela sempre chegar à residência aos primeiros raios do sol.
              -- Eu estou bem! – Tentou disfarçar o incômodo que estava a sentir. – Creio que não é momento de visitas. – Falou meio sem graça.
               Angelina perscrutou-lhe a face e mesmo na penumbra, conseguiu perceber o que se passava. Lentamente, aproximou-se.
               -- Deixe-me fazer uma massagem. – Pediu de forma gentil. – Vai ser bem mais fácil para conseguir dormir. – Acendeu a luminária.
             Antes que a jovem pudesse falar algo, a médica subiu na cama, sentando sobre os calcanhares. Estavam tão próximas que Duda sentiu o cheiro dela invadindo suas narinas, abalando suas muralhas. Os cabelos estavam molhados, decerto tomara banho recentemente.
                     Encolheu-se quando a Berlusconi lhe baixou o roupão, expondo os ombros.
                     A Fercodini cruzou os braços sobre os seios para que não fossem desnudados.
                     -- Relaxe! – A médica ordenou, enquanto tocava-a.
               Eduarda teve a impressão que o mundo passou a girar de forma acelerada naquele momento.
              Passara todos aqueles dias se convencendo de que tudo que viveram chegara ao fim, praticamente tentara adestrar o cérebro para aceitar a nova realidade. 
                  Nessa nova fase não havia tato, abraços, beijos... Haveria apenas duas mães que buscavam o bem da filha... Duda na estava pronta para a proximidade daquela mulher.
                 -- Lembra quando eu fiquei doente lá na mansão? – Esperou pelo assentimento dela. – Você cuidou de mim, mesmo eu agindo como um animal selvagem... – Sorriu. -- Mesmo quando tive raiva por você está invadindo o meu espaço, mesmo assim você cuidou de mim...
                 Duda a encarava e mais uma vez não tinha controle para ver aquele sorriso tão espontâneo. Sentia-se feliz por percebê-la bem... Isso a consolara durante todas as noites frias...
                  -- Então agora me deixe fazer o mesmo...
                A garota nada respondeu, apenas sentiu os dedos finos e longos traçarem com precisão sua pele. Ela era delicada, mas parecia saber realmente o que estava a fazer. O alívio era rápido, lânguido... Reconfortante...
                  Angelina massageava, enquanto seus olhos penetrantes não abandonavam a face da moça.
                  -- Você está muito tensa! – dizia – por isso sente tantas dores. Eduarda nada disse.
                 Sentia o hálito refrescante tão próximo de si. Mirou os lábios, observou a cicatriz na lateral do superior.
                 -- Está me admirando? Acha que eu ganharia algum prêmio de beleza? – Gracejou. Duda corou, mesmo percebendo que ela estava a brincar consigo.
                -- Não diga que gostaria que esse machucado ganhasse o charme do meu... – Com o polegar tocou a ferida no lábio inferior dela.
                 A Fercodini não conseguiu disfarçar o riso.
               -- Eu nunca neguei que acho muito charmoso o seu e para ser sincera gostaria de ter um igual. – Fitou-a. – Acha que combinaria comigo?
                 A médica teve a impressão que a boca estava demasiadamente seca. Deus, como ela amava aquele sorriso!
               -- Acho que não... – Voltou a massageá-la. – Você parece um anjinho do bem, essa cicatriz macularia sua áurea.
                  -- Não esqueça que quem tem nome de anjo aqui é você...
                -- Coisa da minha mãe... – Tocou-lhe o pescoço esguio. – Acho que ela teve a impressão errada.
                   -- Acho que não...
                   -- Mesmo? – A morena arqueou a sobrancelha esquerda em espanto.
               -- Eu me lembro de que minha mãe sempre falava que os pacientes te chamavam de doutora Anjo e ela dizia que eles tinham razões suficientes para isso.
                Angelina pareceu tocada com o que ouvia, ficou sem palavras para dizer algo, ainda mais porque sempre agira mal com a mãe da jovem.
                    A Berlusconi continuou a massagem, depois de alguns segundos voltou a falar.
                     -- Henri me chama assim... – Disse pensativa. – Ele sempre me chamou assim...
                     Duda apenas assentiu, mordiscando o lábio inferior.
                  -- Duda, ele não sabia da sua existência... Acredite, meu bem, se ele soubesse de ti teria virado o mundo a sua procura.
                    -- Ele enganou a minha mãe... – Falou em um fio de voz.
                    Angelina cessou os movimentos, encarando-a, tomou-lhe as mãos nas suas.
                  -- Ele nunca teve essa intenção, mas ele foi covarde, teve medo da reação dela... A Paixão nos cega... 
                    Sim, a filha de Antônio sabia muito bem disso.
                  -- Eu queria ter tido um pai, Angel, e acredite meu padrinho fora muito bom comigo nesse quesito.
                  -- Eu sei... – Suspirou. – Mas você tem a chance de ter seu pai ao seu lado... De ter alguém que se preocupe contigo e te proteja de tudo e de todos... Você vai ter alguém que te amará incondicionalmente, independente das burradas que fizer, ele sempre vai estar ao seu lado.
                    Duda fez um gesto de assentimento com a cabeça.
                  -- Dê uma chance para vocês, tenho certeza que não vai se arrepender... Deixe que ele conte a história... Deixe que ele se explique...
                  Eduarda recordou-se de que não deu aquela mesma oportunidade a ela, lembrou-se de como fora egoı́sta e cruel ao julgá-la sem ao menos lhe dizer o crime que ela cometeu. Mais uma vez desejou mudar o passado, mais uma vez desejou voltar no tempo... Mas sabia que não tinha como fazê-lo.
                     -- Eu darei...
                    Angelina assanhou-lhe os cabelos de forma engraçada.
               -- Boa menina! – Depositou um beijo em sua testa, em seguida afastou-se, levantando-se. – Está se sentindo melhor?
                 -- Acredita que nem lembro mais que estava com dores! Obrigada!
                 -- Eu tenho muitos talentos, esse é apenas um deles!
               -- Ah, sim, tinha esquecido que você sempre foi uma criança superdotada, decerto aprendeu inúmeras coisas. – Provocou-a com o piscar de olho. -- Exibida!
                -- Invejosa!
                -- Ah, eu não nego que desejaria ter um pouco de sua inteligência...
                Angelina sorriu, depois voltou a se aproximar, sentando-se na beira da cama.
                -- Se eu te contar um segredo você não conta para ninguém?
               -- Não, prometo não contar! – Chegou mais perto, tomando cuidado para não machucar a perna. – Conte-me!
                  A médica fez cara de travessa.
                 -- Eu era péssima em Português, sempre odiei a matéria, afinal, para que tantas regras, para que eu queria saber de futuro de pretérito, de pretérito imperfeito... – Revirou os olhos. – Odiava regência... Quando estava no oitavo ano tinha uma professora muito rı́gida... Passava sempre provas surpresas, fazia isso para nos obrigar a estudar... – Revirou os olhos de forma tediosa.
                 -- E? – Duda questionou curiosa.
               -- Nesse dia eu nem me lembrei disso, cheguei à escola e tava lá a prova... Quase morri... – Sorriu. – Eu não sabia de nada...
                -- Tirou nota baixa então?
               -- Não! – Gargalhou. – Falei que tava passando mal e precisava ir ao banheiro. – Mordiscou o lábio inferior. – Corri até a sala de um bom senhor que trabalhava limpando lá. Eu implorei para que ele me ajudasse... Eu sabia que se tirasse nota baixa levaria uma bronca sem tamanho do meu pai.
               -- E então?
                -- Eu voltei para sala, não demorou dois minutos e a energia acabou e o gerador não pôde ser ligado, pois estava sendo feito manutenção.
                -- Então ele te ajudou? – Indagou boquiaberta.
                -- De acordo com ele, foram os anjos me livraram naquele dia...
                As duas riram do ocorrido.
                Duda jamais imaginou que aquela mulher séria tivesse feito uma peripécia daquelas.
               -- Espero que nunca conte essa sua história para a nossa filha! – Advertiu-a divertida.
               -- Sabe que eu tenho a impressão que ela vai ter mais algo de ti do que de mim.
               -- Então teremos mais trabalho, eu era um pouco travessa...
           -- Disso não tenho dúvidas... Você tem cara de quem pintava o sete e desenhava o oito.                              Angelina mais uma vez foi atraı́da pelos lábios rosados. Eram lindos e mesmo que tentasse não recordar, ainda sentia o sabor deles.
               -- Vou te deixar dormir! – Levantou-se. – Descanse, amanhã terá que dar atenção a Ceci e ao Pigmaleão.
                -- Espero que o dia amanheça logo!
                -- Calma e nada de fazer o que não deve!
                -- Certo, doutora!
                Angelina estreitou os olhos em advertência.
                -- Durma bem!
                 -- Você também!
                 Duda observou-a deixar o quarto. Apagou a luz, ajeitando-se.
               Não entendia o motivo, mas depois de tanto tempo dormiu com um sorriso desenhado em seus lábios ao invés das costumeiras lágrimas.




                  Na manhã seguinte...
                  Ester estava escovando os dentes quando Flávia lhe abraçou pela cintura.
                -- Adoro quando você dorme comigo, não vejo a hora de que nos casemos. Ambas usavam roupão, tinham saı́do do banho há pouco.
                  A ruiva se virou para ela.
              -- Eu amo ficar ao seu lado! – Beijou-lhe os lábios, abraçando-a pelo pescoço. – Quando você desejar eu serei sua mulher.
                 -- Então não vou precisar usar as táticas “angelianas” para isso? – Provocou-a.
               -- Nem brincando... Bem que eu não me importaria, porém eu desejo estar bem desperta quando dizer sim para você.
                 -- Ah é? – Dizia pensativa. – Espero que esteja ainda mais quando for o momento da lua de mel... Vou querer comer muito mel.
                  Ambas gargalharam da brincadeira.
               Retornaram para o quarto onde começaram a se vestir. Ficaram em silêncio, até estarem prontas.
                -- Você vai visitar a Duda? – A loira questionou. – Talvez, eu passe lá à noite, terei o dia cheio.
                  -- Eu gostaria muito de ir! – Foi até o espelho para se maquiar. – Porém, irei só quando sair do hospital, acredito que você pode me dá uma carona.
                     Flávia beijou-lhe o pescoço, enquanto a encarava através do reflexo.
                  -- Com certeza... – Observava-a com atenção. – Fiquei pensando nela e na Angel. Logo estarão assinando o divórcio.
                    -- Eu sei e me sinto tão triste por isso! A Angel fora muito cruel com a Eduarda...
                    A médica pareceu ponderar por alguns segundos até falar.
                  -- Eu não sei! Discuti com ela, acusei-a de ter feito isso como uma vingança... Mas eu acho que fora preciso que isso acontecesse para que essa guerra chegasse ao fim.
                     -- Acha que a Berlusconi não a ama mais?
                    -- Amor, você viu como ela ficou desesperada com o acidente da Eduarda e... – Calou-se.
                Lembrou-se de que prometera para a amiga que não contaria que ela sempre ia visitar a Fercodini quando ela estava a dormir e ficava horas ao seu lado.
                      -- E? – Ester indagou desconfiada.
                  -- E eu acho que temos que nos apressar, pois você quis ficar na cama fazendo amor quando deverı́amos estar banhando. – Voltou a se arrumar.
                       -- Como se você não tivesse gostado, doutora! – Soprou-lhe um beijo.
                  As duas seguiam cada vez mais apaixonadas, desejosas de que aquele sentimento perdurasse por toda a eternidade.


                         Eduarda acordou oito horas. Dormira mais do que o suficiente.
                         Sentou-se na cama e lentamente foi colocando as pernas para fora. Pegou a muleta. Desejava apenas um banho e correr para ficar com a filhar.
                 Como dormira de roupão não teria problemas para se despir, porém o mesmo não aconteceria quando tivesse que se vestir.
                           Precisava de alguém para lhe auxiliar nessa parte.
                          -- Droga de perna! – Praguejou chateada.
                     Ouviu o som da porta se abrir e lá estava Angelina com a filha nos braços. A médica usava short e camiseta.
                          -- Bom dia, mamãe!
                          Ceci estava muito linda.
                        Os cabelos estavam bem penteados e ela usava um macacão jeans de bichinhos na cor branca e com detalhes rosa.
                         Eduarda sorriu.
                      Angelina puxou uma cadeira sentando de frente para a esposa. A garotinha pulava em seus braços para ir com a Fercodini.
                        A morena colocou a garotinha no colo dela. A pequena balbuciava feliz.
                  -- Agora tivemos sorte, das outras vezes, você estava a dormir.
                    Pigmaleão adentrou o quarto.
                    Angelina o pegou nos braços.
                    -- Veja quem também está com saudades!
                    Ceci gargalhava.
                 --Nossa que bom dia mais gostoso! – Duda beijou a filha e afagou o cão. – Acho que nunca despertei tão feliz com tudo isso. – Mirou a menina. – Como você tá bonita, meu amor, quem te arrumou assim?
                   -- Fala pra ela, princesa, fala que foi a mamãe Angel. – Piscou. – Fala pra mamãe Duda que você me molhou toda quando te banhei... Fala que a gente veio convidá-la para tomar o desjejum com a gente.
                   -- Ah, então saiba que ficarei honrada com o convite. – Fitou a esposa. – Só preciso de um banho...
                      Cecı́lia pareceu se interessar pelo curativo na tez da jovem.
                      A Berlusconi colocou o pug no chão, depois se levantou pegando a filha.
                     -- Vou deixá-la com a Eliza e volto para te ajudar.
                     O bebê começou a fazer manha porque queria ficar.
                  -- Calma, daqui a pouco você fica com a sua mãe. – Seguiu até a porta. – Já volto! – Virou-se para ela antes de sair.
                      Mais uma vez o olhar de Duda estava arregalado.
                 Desejava que alguém a ajudasse, mas em nenhum momento desejara que fosse a Berlusconi a fazer aquilo. Pig pulou em sua cama.
Duda o abraçou.
                    -- Ah, meu amigo, o que farei com essa doutora toda atenciosa?
                    O Pug latiu.
              -- Eu sei que você a ama... Mas eu não posso e não devo amá-la... Não posso mais. – Afagou-lhe as orelhas. – Vou banhar! – Colocou o cachorro no chão, depois colocou a proteção na perna.
                    -- Disse que voltaria para te ajudar!
                    Eduarda levantou a cabeça, suspirando.
                    Angelina assumiu a tarefa, depois a ajudou a ficar de pé.
                    -- Eu consigo ir sozinha!
                   -- Eu sei, porém para se vestir vai precisar de mim.
                   Duda engoliu em seco, ainda mais porque não teria como apagar as luzes.
              A Berlusconi a viu seguir para o banho, então aproveitou para arrumar as coisas. Os remédios que necessitaria para trocar o curativo. Tivera uma noite boa, depois de tanto tempo conseguira dormir bem e tivera um sonho tão bom. Sua mãe estava consigo, conversavam. Quando despertou pareceu tão real que sentiu uma emoção forte em seu peito.
                As coisas pareciam tranquilas, em paz como jamais foram. Agachou para afagar o cachorro.
                       -- Vá lá com a Ceci, ela tá chorando!
                       O Pig correu para ir ao encontro da pequena.
                  Angelina foi ver o armário para ver a roupa que Duda usaria. Melhor que fosse algo básico.
                  Pegou um short, blusa... Mas não foi fácil escolher as lingeries. Observou-as com atenção.
Mordiscou o lábio inferior demoradamente. Não era fácil aquela tarefa, ainda mais porque sabia como a esposa ficava linda vestindo aquelas peças. Sentiu a delicadeza da seda em seus dedos e acabou optando por um conjunto branco.
                       Sentou na cama.
                       Esperava pacientemente até vê-la aparecer.
                   A Berlusconi seguiu para lavar as mãos e depois voltou, encontrando Duda observando pela janela.
                 -- Vamos, não quero demorar, pois a Ceci ficou chorona para ficar contigo.
                A Fercodini assentiu.
                 Ela usava uma toalha ao redor do corpo. Angelina foi até ela. Olharam-se por alguns segundos. Os olhos claros pareciam temerosos mais uma vez e os negros estavam ainda mais penetrantes.
                 -- Posso? – Colocou a mão para livrá-la do escudo.
            Eduarda fez um gesto de assentimento com a cabeça. A jovem sentiu o corpo sendo totalmente desnudado. Sabia que seu rosto estava corado, sabia que sua expressão estava alterada. Sentiu as mãos da Berlusconi em seus ombros.
             -- Está tremendo de novo... – Mirou-a. – O que se passa? – Tocou-lhe a face. – É tão repugnante a minha presença e o meu toque?
                   -- Não é isso... – Apressou-se em dizer.
                   -- Então é o quê?
                   -- Não me sinto à vontade, fico constrangida... Eu não sei explicar...
               A herdeira de Antônio pareceu triste com aquilo, afinal, aquilo significava que tudo que viveram ficara no passado.
                -- Prometo que não farei nada que a machuque... Veja-me como a médica que sou... Serei totalmente profissional contigo. – Sorriu. – Eu prometo!
                   Duda mais uma vez assentiu.
                   -- Eu tive uma ideia!
                 A médica se afastou, seguiu até as persianas, fechando-as, assim o quarto não ficou tão claro. A Fercodini se sentiu feliz e aquele gesto encheu seu coração de ternura.
                   -- Agora podemos, senhora? – Indagou.
                   -- Sim, doutora, com toda certeza... Estou faminta.
                Angelina vestiu-a com toda delicadeza, tomando cuidado para que seus dedos não roçassem na pele da jovem por mais tempo do que o necessário, mesmo que aquele fosse o seu desejo.
                   Depois de alguns minutos, ela estava pronta.
                 Sentou-a na cama para trocar o curativo e colocar os remédios nas feridas. Abriu as cortinas e voltou para ela.
                  Duda observava como ela era cuidadosa, como era delicada em seus gestos.
              -- Os pontos estão secos, na será preciso o curativo por muito tempo. – Dizia, enquanto executava o trabalho. – A franja vai disfarçar por um bom tempo até que volte ao normal. – Voltou à atenção para a boca que tinha o machucado.
                  Duda a encarava, percebendo como o polegar tocava o corte em seu lábio inferior. Teve a impressão que ela se aproximava, teve a impressão que estava tão perto que imaginou se a beijaria. Sentiu o hálito dela, sentiu o sabor dos lábios dela... Mas Angelina não a tocou, levantando-se, afastou-se.
                    -- Vamos?
                 Duda assentiu totalmente desconsertada e com a impressão de que a qualquer momento o seu sangue jorraria para fora.
                Angelina esperou que ela seguisse à frente, enquanto tentava se recurar do que acabara de acontecer. Quase não controlara seus instintos e beijara a Fercodini. Ainda podia sentir o desejo correr por suas veias, a vontade de abraçá-la, estreitá-la em seu peito, sentir a doçura daquela boca que inúmeras vezes ousara tocar.
             Respirou tão fundo que pensou que Eduarda pudesse ter ouvido, mas felizmente ela continuou a caminhar.
                  Todo trajeto até a varanda fora feito em total silêncio, porém ao chegar lá encontraram uma Cecı́lia super agitada e entusiasmada pela chegada da mãe.
                   Eliza a colocou no cadeirão, afastando-se em seguida. Angelina ajudou a jovem a sentar perto da filha.
                    A mesa redonda e de vidro era suficiente para as três.
                  Havia sucos, leite, frutas, bolos, pães, biscoitos, frutas, queijos, geleias entre tantas outras coisas.
                A médica inicialmente ajeitou a comida da criança: Iogurte em um copo que podia ser sugado, colocou uma fatia de bolo de chocolate, a menina adorava. Duda observava com atenção a pequena usar as mãos diminutas para pegar a comida.
                   -- Está gostoso, meu anjo? – Questionou-a.
                   A morena se sentou.
                -- Nós temos uma filha que deseja ser independente cedo, vejo como já consegue tomar a bebida sozinha... – Riu quando ela se sujou. – Tirando alguns acidentes de percursos.
                   Eduarda começou a comer, enquanto via a esposa cuidar da garotinha.
               Ficava encantada com a forma paciente que ela sempre tratava o bebê. Realmente se percebia o grande amor que ela sentia pela Cecı́lia.
                    -- Veja, mamãe, eu sou um bebê muito fofo, olha como seguro o copinho.
               -- Ah, sim, com certeza, sei bem que essas coisas práticas são sempre ensinadas pela mamãe Angel.
                    O clima fora tranquilo e divertido.
                  Realmente  agiam  como  uma  verdadeira  famı́lia  amorosa,  unida  e  mesmo  com  os  seus  problemas  era  possível perceber o amor que ali estava presente, mesmo estando as duas mulheres praticamente em vésperas de divórcio.
                Angelina ficara um bom tempo com elas, mas precisaria ir até o hospital e depois à universidade para resolver algumas coisas. Depositou um beijo na filha e surpreendeu Duda mais uma vez com uma carı́cia sobre a tez. Os olhos claros pareceram surpresos.
                    -- Precisarei me ausentar, mas não demorarei. Se precisar de algo peça a Eliza, assim que terminar, retorno rapidamente.
                     -- Não quero que se preocupe, sei me cuidar.
                     -- Eu sei que sabe...


                     Henri estacionou em frente ao prédio.
                     O porteiro sabendo de quem se tratava rapidamente abriu o portão.
                   Ele sabia que deveria ter avisado, mas desde que soubera do acidente da filha, desejara vê-la e não se separar dela por nada. Estava disposto a enfrentar a rejeição de Eduarda, mas não a deixaria sozinha, não a abandonaria. Parou diante da porta e antes que tocasse, ela se abriu.
                      A Berlusconi esboçou um enorme sorriso, abraçando o antigo professor.
                     -- Então estás de volta, grande Mattarelli!
                     Ele a encarou.
                     -- Como vai a minha médica preferida?
                     -- Unhun, sei, isso só enquanto a sua filha ainda não está credenciada.
                     Ambos sorriram.
                     -- Como ela está?
                      Angelina abriu espaço para que ele entrasse.
                      -- Pergunte você pessoalmente a ela.
                Duda estava sentada na poltrona, enquanto Cecı́lia brincava sobre um colchonete e Pigmaleão parecia ser bem ativo no processo de gargalhadas de menina.
                   A Fercodini ao ouvir a voz de Henri, fitou-o e viu aqueles olhos tão iguais aos seus lhe encararem.
                     Não podia negar que se sentiu estranha, afinal, aquela era a primeira vez que o via depois de tê-lo tratado mal durante algum tempo.
                    Engraçado, agora as coisas eram bem mais claras, pois portava mais caracterı́sticas fı́sicas deles do que da própria mãe.
                         O médico se aproximou em passos lentos, seu rosto parecia emocionado.
                      -- Duda... – Sentou-se ao seu lado, tomando-lhe as mãos. – Perdoe-me por não ter vindo antes, infelizmente fiquei praticamente preso na Alemanha.
                     Eduarda buscou o olhar da Berlusconi e recebeu aquele gesto de incentivo que pareceu desejar.
               -- Vou levar essa garotinha para ficar com a Eliza, acredito que vocês têm muito para conversar. – Tomou a menina nos braços, mas antes a levou para cumprimentar Henri. – Olha, vovô, como eu tô fofa, já tenho dois dentinhos e são bem afiados.
                     O professor abraçou-a.
                   -- Está grande mesmo, daqui a pouco vai andar e fazendo bagunça. – Beijou-lhe a face. – E essa bochechas rosadas hein?
                    A menina não estranhou, mas a morena a pegou para que não atrapalhasse a conversa.
                   -- Bem, vejo vocês outra hora.
                   Angelina saiu com a filha, deixando a sala em total silêncio.
                Eduarda parecia constrangida, as palavras continuavam presas em sua garganta, suas dúvidas, suas angustias.
                    -- Creio que precisamos conversar, meu bem. – O professor tocou-lhe o queixo, fazendo-a encará-lo. – Acho que já demorei mais do que o suficiente, tanto que você soube por outras fontes o que se passara.
                  Duda fitou as próprias mãos por alguns segundos, depois encarou o homem que era seu pai.
                    -- Por que abandonou a minha mãe?
                  Aquela fora a pergunta que sempre martelara em seu cérebro... Aquela era a questão que tanto lhe atormentava, ainda mais por que sabia como a Cecı́lia sofrera para criá-la sozinha.
                Mattarelli sentiu a raiva que estava tentando ser contida daquela frase, viu como os olhos demonstravam um pouco de frieza e já estava preparado para aquilo.
               -- Duda, lembra quando eu te falei que amei muito uma mulher, tanto que jamais a esqueci...        A jovem assentiu.
                     -- Pois bem, essa mulher era a sua mãe. – Fechou os olhos por alguns segundos. – Eu a conheci em um momento difı́cil da minha vida, era um homem casado, porém já pensava em um divórcio. – Uma pausa longa fora dada antes que voltasse a prosseguir. – Quando encontrei a sua mãe, jamais imaginei que me apaixonaria daquele jeito... – Esboçou um sorriso triste. – Eu deveria ter contado para ela sobre meu relacionamento, deveria ter dito tudo... Esse foi meu erro...
                       Eduarda viu uma lágrima molhar a face do médico.
                    --  Ela  descobriu  da  pior  forma  possível  e  fugiu...  –  Baixou  a  cabeça.  –  Ela  ficou  tão  ferida  que  preferiu  se esconder...
                     -- Não a procurou? – Indagou com um nó na garganta. – Ela ficou sozinha no mundo, não tinha ninguém e ainda por cima esperava uma criança...
                     -- Duda... Eu a procurei em todos os lugares aonde cheguei a pensar que ela estaria, contratei um detetive, mas parecia que ela tinha sido sugada pela terra...
                    A Fercodini sabia por que ele não a encontrara, Antônio tomara todas as providências para isso.
                   -- Eu jamais a teria abandonado, ainda mais sabendo que ela estava esperando um bebê... – Cobriu o rosto com ambas as mãos. – Meu Deus, como eu gostaria de ter estado contigo, de ter sido o seu pai, de ter sido a pessoa que iria te proteger de todos e ajudá-la com a lição de casa... A andar de bicicleta...Ler livros... – Fitou-a. – Perdoe-me por ter perdido tanto de ti nesses anos todos...
                   Eduarda percebeu que mais uma vez fora egoı́sta em sua vida.
                Henri não tivera nada daquilo, mas ela tivera com o padrinho e mesmo que fosse grata ao Berlusconi, agora sabia que ele tirara algo dela, pois ele sabia de tudo, a questão era se Cecı́lia também o sabia.
                    Mattarelli se levantou, fitando-a.
                     A jovem mantinha os olhos baixo, enquanto o médico estava cada vez mais emocionado.
                    -- Eu sei que não vai ser fácil para você me aceitar... Eu sei que nada justifica todos esses anos da minha ausência... Mas eu estarei aqui, eu continuarei tentando ser perdoado... Até o último dia da minha vida, até o meu último suspiro eu lutarei...
                    Duda nada disse e Henri levou aquilo como a rejeição que tanto temeu. Não podia e jamais deveria obrigá-la a nada e compreendia o que ela sentia.
                      O melhor a fazer naquele momento era não pressioná-la, era permitir que aos poucos ela fosse confiando em si, fosse acreditando e descobrindo que tudo o que falara era verdade.
                    Com um suspiro de dor, Henri caminhou até a porta, mas ao ouvir passos lentos se virou.
                   A Fercodini estava de pé, seu rosto bonito estava demasiadamente molhado, seus olhos choravam copiosamente...
                     -- Papai... – Falou baixinho – Papai...
                    Mattarelli foi até ela, abraçando-a forte, sentindo a emoção de ouvir aquela palavra da sua filha, do fruto do seu verdadeiro amor.
                   -- Perdoe-me por ter sido tão cabeça dura, por ter lhe feito sofrer... – Ela sussurrava contra o seu ombro. – Perdoe-me por ter te julgado por algo que não foi sua culpa... – Soluçou. – Na carta... Na carta... – O fitou. – Na carta do meu padrinho ele dizia que usara todos os meios para que o senhor nunca nos encontrasse... Eu sabia... Eu vi... e mesmo assim fui cruel... Perdoe-me... Perdoe-me...
                    Henri segurou o rosto querido nas mãos.
                   -- Eu não tenho que te perdoar, amo-te tanto, meu pequeno céu, amo-te tanto que só desejo poder recuperar todo esse tempo que perdemos, todos os momentos que não estive ao seu lado...
                       Abraçou-a mais forte.
                       Angelina observava tudo e sentia uma lágrima solitária lhe molhar a pele...
                    Estava muito feliz por eles, muito feliz por ter percebido que Duda não seguira pelo caminho do rancor, mas que se abriu para o que realmente era importante. Eles teriam uma nova chance... Uma nova chance...
                       Aproveitou que eles estavam distraı́dos e deixou o apartamento.


                   Flávia fora avisada que Angelina estava no hospital e mesmo que estivessem brigadas, decidiu ir até ela.
                   Pediu para a secretária lhe anunciar, pois se ela se negasse a ver, era sinal de que deveria manter distância, mas o contrário aconteceu.
                 Encontrou-a com aquele sorriso arrogante e divertido de quem sempre vencia as discussões. A morena apontou a cadeira para que ela sentasse.
                     A loira respirou fundo, tentando não perder a paciência.
                  -- Como está a Duda? – Questionou depois de se acomodar. – Estou pensando em mandar uma enfermeira para auxiliá-la.
                  Angelina estava digitando algo no computador, mas a fitou.
                  -- Não será necessário.
                  -- Como não? – Indagou surpresa. – Ela precisa de ajuda para executar algumas tarefas.
              -- Eu a ajudarei quanto a tais coisas. – Disse sem se importar com o olhar reprovador da amiga.
              -- Eu preciso falar contigo! – Deixou a digitação de lado. – Eu acredito sem sombras de dúvida que a Patrı́cia está por trás do que aconteceu com a Duda.
                   Os olhos azuis se arregalaram.
                  -- Como?
              -- Não tinha como alguém fazer algo de forma tão natural e armar tudo para não ser identificado. – Mordiscava a ponta do lápis. – As imagens das câmeras mostraram que a pessoa estava com o rosto coberto e a placa do veı́culo era falsa... Está na cara que alguém tramara isso.
                      A loira pareceu ponderar por algum tempo.
                     -- Realmente faz sentido o que você disse... Devemos denunciar a polı́cia.
                     -- Infelizmente não temos provas quanto a isso, seria uma mera suposição.
                     -- Então o que pretende fazer? Se realmente ela fez isso, tentará outras vezes.
                     -- Eu irei protegê-la!
                  -- Até quando? Afinal, logo sairá o divórcio, isso significa que você não terá nenhum contato com ela, pelo menos não tão ı́ntimo para impor algo.
                       Angelina pareceu ficar inquieta na cadeira quando se falou em divórcio.
                      -- Contratei seguranças e manterei isso até que possa provar a culpa da patrı́cia.
                    -- A Duda não vai aceitar nada que venha de ti! Não me diga que vai impor? – Provocou-a.
                  A morena estreitou os olhos de forma irritada, em seguida levantou-se, dando a volta à mesa, seguiu para a parte onde estava a médica.
               -- Você vai continuar a insinuar que minha separação é apenas uma peça da minha vingança? – Questionou-a com as mãos nos quadris. – Não percebe como me preocupo com ela, como quase enlouqueci quando soube do acidente? Não consegue entender que só desejo o bem para ela?
                      Flávia a encarou.
                   Podia perceber como os olhos negros traziam essa preocupação, como demonstrava o temor de que algo de mal acontecesse com a Fercodini.
                  -- Perdoe-me, Angel, eu não deveria julgar você assim. – Disse envergonhada. – Eu vi seu sofrimento...
                    Angelina agachou-se diante da cadeira dela, tomou-lhe as mãos.
                   -- Eu só desejo proteger a mulher que... – Mordiscou o lábio inferior. – A mãe da minha filha.
                       Flávia perscrutou-lhe o rosto com atenção.
                      -- Seja sincera comigo: Você ainda a ama? Ainda sente amor pela Eduarda?
                       -- Isso não vem ao caso! – Desconversou, tentando se levantar, mas foi detida.
                       -- Apenas me responda isso.
                     Angelina respirou lentamente, mordiscou o lábio inferior, desviou o olhar, mas acabou encarando-a.
                  -- Sim, eu a amo... – Disse se afastando. – Porém não me arrependo de ter dado um basta na relação que tı́nhamos. – Passou a mãos pelas madeixas negras. – Acredite, esses dois meses foram bons para que eu voltasse ao controle das minhas emoções, para que eu não a ferisse mais e não me ferisse também.
                  -- E agora? – Indagou. – Não tardará para que estejam oficialmente separadas, não tardará muito para o único vı́nculo que exista entre vocês seja a Cecı́lia... Está disposta a aceitar isso?
                   -- Talvez continue sendo esse o melhor caminho a seguir...
                    Flávia se levantou impaciente.
                  -- Então não deve se preocupar tanto, afinal, quando a louca da Patrı́cia descobrir que você se deparou ela vai deixar a Duda em paz e mesmo que não seja assim, logo a Duda encontrará alguém para protegê-la, para amá-la, então esse papel não caberá a ti.
                 A Berlusconi não pareceu gostar do que ouvia, na verdade isso a atormentou mais do que imaginou. Só em pensar que a esposa teria outra pessoa, que amaria outro, que daria aquele sorriso e aquele ar travesso a outra pessoa, fazia com que seu coração se entristecesse.
                As duas se encararam durante alguns segundos, a loira observava-lhe as emoções e conseguia ver como ela tentava disfarçar a dor que suas palavras causaram.
                    -- Eu só espero que essa pessoa a faça muito feliz... – Disse por fim.
                 O telefone interno tocou, Angelina apertou no botão e a voz da secretária invadiu o espaço.
                   -- A doutora Natália pediu para que entrasse em contato.
                     Flávia revirou os olhos em tédio.
                      Realmente não suportava o oportunismo da tal pediatra. Achava que ela se aproveitava do momento para se aproximar da Angel, mesmo sabendo que ela era casada.
                    -- Avise-a que depois falo com ela! – A morena respondeu, desligando.
                   -- Eu acho um absurdo essa sua relação com essa mulher, afinal, você ainda não está livre e já está nos braços dessa tal. – Falou irritada.
                    -- A Natália é uma boa amiga...
                 -- Ah, sim! – Falou com sarcasmo. – Desde quando amigos beijam na boca? Sabia que a Duda viu você com ela?
                     Sim, Angelina sabia e se sentiu constrangida diante da explosão da Tavares.
                    -- Foi apenas um beijo... Não tivemos nada a mais que isso...
                   -- E para ti isso não é traição? – Perguntou com as mãos na cintura. – Já parou pra pensar como isso machucou a Fercodini... Meu Deus, quando eu me coloco no lugar dela, vejo como essa menina sofreu nos últimos meses. Eu espero que ela consiga refazer a vida dela, que te esqueça...
                   Mais uma vez Flávia se arrependeu do que disse ao ver as lágrimas brilharem nos olhos escuros.
                  -- Seu desejo já foi atendido... – Sorriu de forma triste. – Até o meu toque é repugnante para ela, a minha proximidade... Age como se eu fosse apenas uma conhecida...
                   Flávia a abraçou, mesmo sentindo os empurrões, manteve-a junto de si, manteve-a ali, sentindo os espasmos que sacudia o seu corpo.
                   -- Nada está perdido... – Sussurrava em seu ouvido. – O amor tão forte como o de vocês não se acaba tão facilmente... Ela tá triste, ferida, magoada... Mas eu tenho certeza de que ela ainda te ama... Tente mais uma vez, agora que você já conseguiu deixar no passado toda a mágoa, recupere esse amor tão lindo...
                Angelina nada disse, permanecendo nos braços da melhor amiga, permitindo que a loira a consolasse como há muito tempo não fazia.




                 Mattarelli passara quase todo o dia com a filha e com a neta.
                Conversaram sobre inúmeras coisas e Duda ficara observando o pai brincar com a Cecı́lia e ficou a imaginar que ele teria feito o mesmo consigo se tivesse crescido ao lado dele.
                Já Passava das quatro quando ela se dirigiu para a biblioteca.
                A filha fora dormir, afinal, gastara tanta energia que ficara exausta.
               Eduarda buscou um livro para poder ler, encontrou um romance histórico, então saiu com ele do recinto.
             Seguia pela sala quando se deparou com uma visita nada agradável.Verdadeiramente não suportava aquela mulher, não apensa pelo fato de agora ela ter uma relação com a Angel, mas também por que a achava um ser humano dotado de grande mesquinhez.
               -- A Angelina não se encontra! – Eduarda falou levantando a cabeça em desafio. – Então sua visita não parece oportuna, ainda mais porque eu ainda sou a senhora dessa casa.
                   Natália gargalhou de forma debochada.
                   -- Você, a senha dessa casa? Você nunca foi nada e continuará sendo nada!
                -- Saia daqui agora mesmo! – Expulsou-a. – Enquanto eu estiver aqui não aceitarei a sua presença.
                -- Você disse bem, querida, enquanto estiver... Coisa que não vai demorar, pois a Angelina me disse que o divórcio sairá na próxima semana... Então querida, esse seu teatro não fez a “sua esposa” mudar os planos.
                 Os olhos claros da Fercodini mostraram total indignação.
             -- Meu teatro? – Falou pausadamente. -- Acha que eu armei tudo isso para evitar a separação?
           -- Disso eu não tenho nenhuma dúvida... Não passa de uma sonsa... Uma idiota... Acha que uma mulher tão culta como a herdeira de um império como o Berlusconi ficaria muito tempo contigo... Foi apenas sexo... E ela enjoou...
              Eduarda apertou forte a muleta, tentando acalmar a raiva que sentia, então a voz rouca e firme da esposa invadiu o ambiente.
                  -- Chega, Natália!
                  As duas mulheres se voltaram.
                  Nenhuma delas sabia que a médica já tinha retornada para casa.
              Angel chegara cedo, mas preferira ficar na cobertura, tomou banho de piscina, tentava pensar, ponderar sobre o que deveria ser feito.
                  De repente descia as escadas quando ouviu toda a conversa.
              -- Angelina... – A pediatra pareceu mais do que surpresa. – Eu pensei que estivesse na universidade. – Sorriu com simpatia.
                    A morena seguiu até elas.
                    Ela usava biquı́ni e saı́da de praia. Os cabelos estavam presos em um coque. Parou ao lado da esposa.
                   -- E por esse motivo veio até aqui ofender a minha esposa? – Indagou com os dentes cerrados.
                 -- Eu apenas disse a verdade! – Defendeu-se. – Só você não percebe que ela usou esse acidente para te prender, para que você não a deixe... Não duvidaria que ela mesma tramou tudo isso...
                    -- Chega! – Aumentou o tom de voz. – Saia da minha casa agora mesmo!
                    A outra pareceu indignada.
                    -- Não acredito que vai defendê-la depois de tudo...
               A morena nem mesmo permitiu que ela terminasse, seguindo até ela, tomou-a pelo braço, praticamente arrastando-a até a saı́da.
                  Eduarda observava tudo sem saber o que dizer.
                   Ouviu a pediatra protestar, viu Angelina fechar a porta na cara da mulher.
                   Ereta, com aquela postura aristocrática que lhe era caracterı́stico, aproximou-se da jovem.
                  -- Perdoe-me por tê-la submetido a algo tão desgastante. – Tocou-lhe o braço. – Prometo que não acontecerá mais.
                    Duda desvencilhou-se, fitando os olhos negros.
                   -- Não sabia que já tinha chegado.
                  Angelina fechou a mão junto ao corpo, sentindo mais uma vez a dor da rejeição.
               -- Henri ainda estava aqui, então preferi deixar que se curtissem um pouco. Estava na cobertura, quis aproveitar um pouco o sol.
                 A Fercodini fitou a parte de cima do biquı́ni, observando os seios redondos serem pouco cobertos pelo minúsculo tecido. As pernas longas e torneadas, o abdome liso... Ela era tão linda que lhe tirava o fôlego.
               -- Eu vou para o meu quarto descansar um pouco! – Duda disse sem deixar de fitá-la. – Creio que já tive emoções suficientes por um dia. – Disse aborrecida.
                   Deu-lhe as costas, mas acabou fitando-a novamente.
                -- Sei que esse apartamento é seu, mas enquanto eu ainda estiver aqui não desejo que sua amante apareça.
                   Angelina assentiu, observando-a se afastar, até que voltou a falar.
                 -- Posso te acompanhar? Preciso trocar os curativos e ver como está os pontos. – Perguntou temerosa.
                  -- Não quero te incomodar com isso... – Disse sem se voltar.
                   -- Eu já disse que não será incomodo algum... Eduarda pigarreou, fitando-a.
                    -- Não é melhor que se vista antes? A morena sorriu.
                -- Não estou molhada... Prometo que sua cama não ficará úmida.
                 Duda teve a impressão que a conversa esta um pouco ambı́gua.
                 -- Ok!
                Seguia na frente, lentamente, apoiada na muleta e sentia os passos da esposa bem atrás de si.
               Não negava que ainda estava furiosa por tudo o que ouvira de Natália, mas também se sentira feliz por ter sido defendida pela filha do padrinho, mesmo sabendo que a pediatra tinha um relacionamento com a Angelina. Isso ainda doı́a tanto, esse detalhe era sempre tão dolorido e passara tanto tempo tentando não lembrar daquilo que agora, depois da inconveniente visita, sofria em saber que a esposa tinha um caso com aquela mulher.
                    Adentraram o quarto.
                   Duda seguiu até a cama, sentando-se de forma que ficasse apoiada a cabeceira.
                Angelina seguiu para lavar as mãos, voltando, pegou a malinha com o material necessário, depois se sentou.
                  -- Quer tomar banho antes?
                  -- Prefiro fazê-lo à noite. – Falou secamente.
                Eduarda tentava ficar ao máximo distante, mas a proximidade da médica não lhe dava muita chance. As mãos lhe tocaram a face, levantando a franja, retirou a proteção.
               -- Está seco! – Tocou-o com indicador. – Acho que vou deixá-lo respirar, não precisa de curativos mais.
                   -- Que bom então! – Disse com um sorriso.
                    -- Vou apenas limpá-lo e colocar o remédio.
                  A jovem assentiu, enquanto se concentrava em vê-la fazer o serviço, mas vez e outra seus olhos acabavam fitando o decote que estava tão perto de si, na verdade, a jovem estava com os braços cruzados sobre o colo e vez e outra acabou tocando neles acidentalmente.
                    -- Agora vamos cuidar desse lábio...
                     Os olhos claros rapidamente a encararam.
                     -- Gostou do meu biquı́ni? – Indagou com ar divertido.
                      O rosto da Fercodini ficou vermelho, mas nada ela respondeu.
                  Mais uma Vaz Angel estava demasiadamente perto de sua boca e daquela vez a médica não parou, sentiu a carı́cia delicada, leve como o roçar das asas de uma borboleta.
Espalmou as mãos eu seu peito, afastando-a.
                   -- Não, por favor, não faça isso... – Eduarda protestou junto aos lábios dela. – Não acho que devamos...
                      Angelina se levantou, afastando-se.
                    -- Desculpe-me! Desculpe-me!
                     A morena nem mesmo terminou o que estava a fazer, deixando o quarto imediatamente.
                 Duda respirou fundo... Sentindo as batidas do coração acelerarem mais e mais, sentindo a intensidade que um simples roçar de lábios fez em sua armadura.


                Naquela noite, uma senhora de idade que trabalhava no hospital veio para se responsabilizar por ajudar a jovem a banhar, porém Angelina apareceu depois para levar a esposa para jantar junto com ela e a filha. Não falaram sobre o que aconteceu à tarde, conversavam de forma agradável, tendo sempre o assunto a girar em torno de Cecı́lia.
                         Os dias passavam tranquilos.
                    Henri sempre estava presente e fazia questão de acompanhar a filha ao médico pra ver como estavam indo os machucados.
                 Depois de quinze dias, o gesso fora trocado por uma bota e isso era até melhor para a Fercodini. Angelina recebeu a notı́cia de que a casa já estava pronta e estava entusiasmada para ir ver como tudo tinha ficado.


                  Era uma noite de sexta-feira. Duda lia em seu quarto, quando ouviu batidas na porta. A Berlusconi entrou.
                     Inconscientemente, Duda levantou a coberta para cobrir o decote da camisola.
                     -- Algum problema? – Indagou preocupada. – A Cecı́lia...
                    -- Não se preocupe, não ocorreu nada, apenas queria te falar algo. – Sentou-se na beirada da cama.
                     -- Diga!
                  -- Quero que passe o final de semana comigo em um lugar...
                  A Fercodini pareceu surpresa.
                   -- Que lugar?
                   -- É uma surpresa, só quero que venha comigo junto com a Cecı́lia.
                    Eduarda hesitou um pouco, mas ao ver o sorriso da morena, acabou aceitando.
                    -- Está bem! Irei.
                    --  Ótimo! – Levantou-se. – Amanhã cedinho seguimos para lá.
                  Angelina deixou o quarto, mas Duda ainda sentia o cheiro dela a lhe perturbar os sentidos.
                Ainda estava meio que chateada com a visita da doutora Natália e ainda sofria em pensar que a Berlusconi se encontrava com aquela mulher ridı́cula. Fechou os olhos tentando não se lembrar de tais fatos, mas sua cabeça anda muito cheia nos últimos dias.
                 Em parte ficara feliz em ter alguém para cuidar de si nesses dias, mas sentia falta da Angel tocando em sua pele, mesmo que não fosse com má intenção...
               O  melhor  era  que  esse  divórcio  saı́sse  o  mais  rápido  possível,  assim,  poderia  se  afastar  definitivamente  da esposa, assim, quem sabe não retomaria o controle da própria vida.


                   Logo cedinho José estava a espera da famı́lia Berlusconi.
                Angelina ajudou a esposa a entrar no veı́culo, em seguida fez o mesmo tendo a pequena Ceci nos braços e Pigmaleão na coleira.
               -- Que famı́lia bonita! – O motorista fitou-as pelo retrovisor. – Essa garotinha está crescendo muito rápido. – Deu partida. – Daqui a pouco vai estar igual uma certa morena que costumava correr a aprontar algumas...
                 Duda observou o perfil da médica. Ela mostrava um ar divertido.
                 Na verdade, aquele ar emburrado, irritado, sarcástico e arrogante há tempos não aparecia.
                -- Então, essa mulher de ar tão sofisticado era uma criança travessa? – Eduarda a provocou.
              Ambas se encararam por alguns segundos, enquanto o bebê ficava de pé no colo da filha de Antônio.
                -- Só um pouco, meu bem! – Piscou com aquele charme natural.
                A Fercodini umedeceu o lábio superior, de repente sentiu a garganta seca.
                Um dia teria como estar ao lado da médica e não sentir aquela explosão de emoções?
                  -- Mamamamamamama
                O balbuciar da filha a tirou das suas divagações. Durante o trajeto conversaram e riram muito.
               Angelina contara algumas coisas que lhe passaram quando era adolescente e também de suas empreitadas com  Mattarelli.
               Duda adorava quando ela falava sobre o pai, pois é como se conhecesse um pouco mais aquela figura que se tornara tão presente em sua vida.
                 Henri sempre estava ao seu lado e nos últimos dias vinha trabalhando em um projeto no hospital e fazia questão de pedir a ajuda da jovem. Ela amava, adorava estar com ele e também amava quando o médico contava um pouco da sua vida, tanto quando esteve ao lado de Cecı́lia, como quando era apenas um rapazote.
                  José observava tudo com bastante atenção e ficava a pensar se realmente aquela história de divórcio iria até o fim.
               Nunca em todos aqueles anos viu a herdeira dos Berlusconis tão à vontade, quer dizer, depois que crescera e passara por todos aqueles problemas.
                Flávia contara para ele sobre a separação, porém ao fitar ambas, percebia como existia amor entre elas e era triste que elas ainda não tenham percebido e tampouco se entregado a ele.
                  Engraçado que em um mundo tão cheio de aparatos para fazer quase tudo, os sentimentos ainda eram difı́ceis de exporem, ainda eram colocados em segundo plano, quando deveriam ser primordiais na vida do ser humano.
                Mas uma vez o riso rouco da Angelina encheu o ambiente e ele fez uma prece silenciosa para que tudo pudesse se resolver.
               Duda ficara tão distraı́da na viagem que só percebeu onde estavam indo quando o carro estacionou diante da bonita mansão de portão de ferro.
                   Ela encarou Angelina com olhar que denotava total perplexidade.
                 Através das grades era possível ver o gramado bonito e bem aparado, a fonte... José abriu a porta para que ela saı́sse.
                   O motorista ajudou-a, entregando-lhe a muleta.
                   A morena pegou a filha nos braços, soltando Pigmaleão, postaram-se ao lado da jovem.
                -- Como? – A Fercodini questionou fitando a esposa.
              O verde das gramas, o colorido das flores, havia algumas árvores frondosas. O motorista abriu a entrada...
              Um verdadeiro castelo...
            O caminho que levava até a porta fora feito com pedras que se encaixavam perfeitamente umas as outras. As paredes de fora que eram envelhecidas, agora trazia uma pintura branca. A porta se abriu e uma mulher de aparência simpática e de meia idade apareceu com um sorriso de boas vindas. Duda, ainda maravilhada, seguiu até a fonte.
               A estátua fora totalmente reformada, mas não deixava de portar a beleza clássica.
            Por alguns segundos permaneceu ali, lembrando-se de como ficara fascinada com aquele lugar, mesmo estando ele em total decadência.
             Molhou as mãos.
              -- Gostou?
                A garota se assustou, quase se desequilibrando, mas Angelina a apoiou.
               Eduarda sentiu as costas se moldar ao corpo da médica que se posicionara por trás de si.
               -- Te assustei? – Sussurrou em seu ouvido. – Perdoe-me, não foi essa a minha intenção...
             Duda permaneceu quieta, enquanto os braços da morena continuavam parados em sua cintura. Constrangida com a proximidade, afastou-se, mirando-a.
               -- Não sabia...
               -- Há alguns meses decidi arrumar esse lugar...
              Ambas ficaram a olhar para água jorrar e decerto recordaram o dia que a jovem sofrera o acidente.
               -- Está tudo tão bonito!
            A médica assentiu, desejando beijar aquela boca tão bonita. Colocou as mãos no bolso da calça.
                -- Vamos entrar?
                -- Sim!
                Angelina esperou ela seguir na frente, depois a acompanhou. A Fercodini parou no hall.
              Seus olhos fitaram a escada e pôde reviver mais uma vez aquele dia que viu aquele ser furioso descendo as escadas e vindo em sua direção.
                 Tudo mudara depois daquilo, sua vida fora totalmente transformada.
               As luzes iluminavam o interior, cortinas abertas, nada do cheiro de mofo de outrora, nada das friezas que aquelas paredes demonstravam antes.
              Ouviu o latido de Pigmaleão, o animal parecia feliz ao correr por todos os lugares, reconhecendo o espaço.
                 -- Ainda não está tudo decorado... Não é um trabalho fácil...
                  Mais uma vez Duda a fitou. Angelina vestia-se de forma deliciosa.
                 Calça jeans preta, colada as suas curvas, camiseta escura e um dos tantos sobretudo que era peça primordial do seu guarda-roupa. Usava botas... Os cabelos estavam soltos...
                    Por alguns segundos pensou ter voltado ao tempo.
                   -- Imagino que sim... Mas está tudo tão bonito...
                -- Infelizmente você não poderá subir, mas quando estiver totalmente recuperada poderá olhar as mudanças que foram feitas na parte de cima.
                Duda sabia que não haveria esse tempo... Mas apenas assentiu. A morena lhe estendeu a mão.
                   -- Eu não sou uma boa guia, mas se desejar, terei o maior prazer em te acompanhar para ver tudo por aqui...
                 A jovem pareceu relutar, mas algo naqueles olhos negros a fizeram aceitar o que lhe era oferecido.



                    Bruno praticamente voou sobre a psicóloga ao saber o que ela fizera com Eduarda.
                    -- Solte-me, seu idiota! – Ela tentava empurrá-lo.
               O rapaz estava sobre ela, apertava seu pescoço, enquanto a loira tentava se livrar da agressão. Ele ficara sabendo do que se passou e não demorou para ligar os fatos.
                    Não bastava ter sido totalmente abandonado pelos pais, agora tinha que lidar com aquilo.
               -- Eu te avisei para não chegar perto da Duda... – Esbravejava. – Deixe-a em paz ou eu mesmo matarei a sua amada Angelina.
               Patrı́cia o empurrou com toda força e dessa vez conseguiu se livrar dele. Rapidamente deixou a cama, enquanto tentava respirar.
                    Depois de algum tempo ela voltou a falar, o rapaz permaneceu deitado.
              -- Não ouse se aproximar da minha esposa! – Ela gritou. – Mato você! – Apontou-lhe o indicador. O jovem se levantou.
              -- Ela não é sua esposa... Não sei se você sabe, mas ela está casada com a Eduarda.
                Mais uma vez a psicóloga partiu para cima dele.
                -- Não é verdade... Sou eu a senhora Berlusconi... – Gritava.
                 A mulher estava tão descontrolada, que a briga seguiu até a varanda do apartamento.
                Bruno tentou se livrar dela e não imaginando que a força que usara fora demasiadamente grande, Patrı́cia se desequilibrou, caindo do sétimo andar.


                Já era noite...
          Eduarda descansara um pouco depois do almoço e quando acordou ficou sabendo que Angelina tinha saı́do para comprar algumas coisas e levara a filha consigo, até aquele momento não sabia se tinham chegado.
           Ouviu batidas na porta e lá estava a esposa.
           -- Dormiu bem?
             Duda já se sentava, colocando os pés para fora da enorme cama.
              Ocupava o mesmo quarto de outrora e ficara surpresa que mesmo diante das reformas, ainda podia encontrar muita coisa igual como deixara quando fora embora.
            -- Acho que dormi mais do que o necessário... Creio que preciso de um banho. – Tomou a bengala, levantando-se.
               -- Posso te ajudar... Eu acabei não me lembrando de trazer a enfermeira...
             Eduarda agradeceu aos céus por não precisar de tanto auxı́lio, pois até já conseguia se vestir e se despir sem que outros fizessem isso por si.
            -- Na verdade não será necessário... – Sorriu de forma nervosa. – Já consigo fazer coisas básicas. Angelina apenas assentiu, tentando não demonstrar como aquilo lhe deixara um pouco triste.
              -- Está bem! Vou banhar também... – Seguiu até a porta. – Jantamos juntas? – Virou-se para perguntar.
               -- Sim, com certeza!





              Cecı́lia ficou tão cansada de ter saı́do com a mãe que dormira logo cedo. Angelina observou o pequeno anjo em seu sono tranquilo...
               Beijou-lhe a face.
                Pegou o aparelho celular e viu a mensagem do advogado. Tudo estava pronto, o divórcio já podia ser assinado... Caminhou até a janela e notou como o céu tinha mudado... Logo cairia uma tempestade... Leu mais uma vez o conteúdo ...Logo tudo acabaria, logo tudo o que viveram ficaria para trás...
                Trincou os dentes, apertando-os de forma tão forte que sentiu o maxilar dolorido.
              Mais uma vez tentava se convencer que aquilo era o melhor a ser feito e mais uma vez sentia que estava tentando se enganar.
                 Amava-a! Amava-a! Amava-a!
                 Cobriu o rosto com as mãos.
                Que direito tinha de tentar mais uma vez, depois de tudo que fizera?
             O melhor era deixá-la livre... Deixá-la ser feliz com alguém que realmente merecesse seu amor, alguém que merecesse seu carinho...
                    Vestiu o casaco.
             Estava frio e como estavam praticamente em uma serra, ali o tempo esfriava ainda mais. Encontrou Duda no hall.
              -- E a Ceci? – A jovem questionou assim que viu a esposa descer as escadas.
                Angelina a fitou de forma encantada.
             A Fercodini usava um vestido de malha leve. Ele chegava um pouco acima do seu joelho. A peça era na cor preta, mas possuı́a alguns detalhes brancos, lembrando um céu estrelado. Um cinto fino na cor marrom lhe atava a cintura. Os primeiros botões da gola arrumada estavam abertos.
               Os cabelos da jovem estavam soltos.
             -- Ela dormiu... Acho que cansou muito quando saiu comigo. – Respondeu apenas quando chegou ao último degrau. – Você está linda!
                 -- É mais fácil usar vestido com a perna assim... – Apressou em explicar.
                 Angelina usava terninho preto, calça na mesma cor e a blusa de dentro era branca.
                -- Podemos comer? – A médica perguntou. – Estou faminta.
                  Duda assentiu, enquanto seguia a esposa.
                 Caminharam até uma porta.
               O escritório onde a Berlusconi passava tanto tempo trancada. Eduarda observou a lareira acesa deixando o lugar acolhedor. A mesa já estava posta para duas pessoas.
                Percebeu que o lugar fora transformado em um quarto, mesmo ainda tendo aquelas estantes com vários livros. Fitou as poltronas.
                Angelina puxou a cadeira para que ela sentasse.
                 -- Espero que goste da comida! – Começou servi-la.
                 -- Está com um cheiro maravilhoso...
              -- Sim, eu sei como você é exigente com comida, então acabei desistindo de trazer a cozinheira do hospital para fazer o jantar.
                   Duda sorriu da brincadeira.
                 -- E se fosse você a cozinhar? – Provocou-a. ]
                 Angelina sentou.
                 Abriu o vinho e serviu a ambas.
                 -- Bem, tudo o que eu faço... Faço bem... – Bebericou lentamente.
              Eduarda levou o alimento à boca, mastigando devagar, enquanto sustentava o olhar da morena.
                 -- Você é convencida e arrogante...
               A médica não pareceu se ofender com o que ouvia, ao contrário, achou engraçado a forma como fora colocada.
                   -- Se não fosse assim, eu não seria uma Berlusconi... – Mordiscou o lábio inferior.
                 -- Na verdade, não tem como te imaginar sendo de outro jeito... Faz parte da sua essência...   
                    Angelina tentou se ajeitar na cadeira e sua perna acabou roçando a da jovem.
                Ambas sentiram aquela eletricidade que já era costumeira quando aquilo acontecia. A médica não fez esforço para se afastar.
              Apoiou os cotovelos sobre a mesa, olhando-a com aqueles olhos inexpressivos, impenetráveis.
                  -- Eu sempre te achei petulante a atrevida...E a mais linda de todas as mulheres que já conheci... – Ela estendeu o braço, tocando-lhe a face. – Você fica ainda mais bonita quando está corada...
                     Duda sorriu, tomando um pouco mais de vinho.
                     -- Deveria reclamar com papai por eu ter essas caracterı́sticas...
                     -- Eu não mudaria nenhuma delas...
                 Continuavam a se encararem até que a morena voltou a comer... A refeição seguia em silêncio.
                     Ouviram o barulho da chuva.
                     -- Está frio... – A Fercodini cruzou os braços sobre os seios.
                     Tinham acabado de comer.
                   Angelina se levantou, ajudou-a a fazer o mesmo, depois a levou até o sofá, ficando diante das chamas da lareira.
                    -- Quer mais vinho? – Indagou a encher a própria taça.
                    -- Acho que não!
                    A médica sentou ao lado dela.
                 -- é uma safra italiana... – Fitava o lı́quido âmbar. – Tortura de amor...
                    Eduarda questionou com a sobrancelha arqueada.
                   A Berlusconi esboçou um sorriso, sentando de lado para poder fitá-la.
                -- Esse é o nome do vinho... O dono do vinhedo perdeu o grande amor da vida dele por orgulho e vingança... – Esboçou um sorriso triste.
                     -- Como assim? – Indagou interessada.
                    Angelina voltou a fitar a taça de cristal e depois de alguns segundos voltou a mirá-la.
                   -- Acredito que ele estava acostumado a ser o dono da verdade, o senhor da situação e não estava acostumado aos erros dos outros... Ninguém podia errar consigo, mas ele errava o tempo todo com os que amavam...
                        A morena parecia pensativa, perdida em suas divagações.
                       -- Ele sofre com a situação?
                   A morena se levantou, seguiu até o interruptor, desligando as luzes, deixando o ambiente acolhedor apenas sendo iluminado pelas chamas que brincavam, fazendo sombras nas paredes.
                 -- Ele está condenado a vagar por todo o mundo a sofrer, assim pagará pelos danos eu causou. – Falou ao voltar a sentar.
                        -- Não é uma carga demasiadamente pesada para um ser humano?
                   Angelina se ajeitou mais de lado, colocando o braço sobre o encosto onde Duda estava sentada. Seu joelho roçou na lateral da coxa dela.
                      -- Você acha?
                       Eduarda mordiscou o lábio inferior, antes de responder.
                   O ambiente estava aconchegante... Sentiu os dedos da esposa brincarem com seus cabelos, adorou o carinho que recebia na nuca e daquela vez nada fez para evitá-lo.
                      -- Eu acho que se ele a ama deve lutar por esse amor...
                      -- Acha que ela o perdoará?
                     Angelina chegou mais perto, tanto que era possıv́  el sentir o hálito gostoso e excitante.
                  -- Eu acho que sim... Talvez ela o ame ainda... Talvez esteja apenas ferida...
                    A Berlusconi fitou os olhos claros, a boca entreaberta...
                Com as costas da mão, tocou-lhe a face... Acariciando-a... Aproximou-se... Umedeceu o lábio inferior...
                    -- Eu te amo, Duda... Não consigo mais fingir...

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