Anjo caído -- Capítulo 36
A mansão que fora o esconderijo da herdeira de Antônio ganhava nova cara. Angelina e Flávia observavam o trabalho de restauração e reforma. A morena caminhou até a fonte que estava sendo reconstruı́da, apresentando beleza nova. Seus antepassados ficariam felizes com aquilo. Mesmo que tentasse não pensar, sua mente fora invadida por lembranças...
Recordou-se de quando a Duda caı́ra ali, de quando ficara desesperada pensando que algo de ruim tivesse acontecido a ela.
Na época que a jovem entrara em sua vida tudo parecera tão fácil, apenas a indignação por sua presença, talvez a surpresa de reencontrar alguém que se tornara uma pedra em seu sapato por tanto tempo, espanto por vê-la ainda mais bela e transformada em mulher.
Uma das recordações mais vivas que tinha fora no dia que se desespera e saı́ra na chuva, tendo o conforto da garota rebelde ao seu lado. O sabor molhado dos seus lábios criaram raı́zes dentro de si.
Observou a bonita estátua e sorriu quando lembrou que fora comparada a Galateia, a estátua sem coração! Quem dera fosse assim!
Com a bota, chutou uma pedrinha.
Usava jeans surrado, camiseta e os cabelos estavam presos em um coque. Sentia o suor em suas costas devido ao sol quente do dia.
Apoiou-se a construção de tijolos.
Em breve aquele lugar recuperaria a beleza de outrora, mas o que adiantaria? Pensou na filha, decerto a pequena teria muito espaço para brincar ali. Ouviu o alerta de mensagem do celular e teve a confirmação que o carro fora entregue na cobertura. Escolhera o veı́culo como presente de aniversário, afinal, quem não gostaria de receber algo assim? Fitou a aliança!
Suspirou.
À noite passada não conseguira resistir ao desejo de ter a esposa em seus braços. Fora uma luta que nem mesmo tivera o trabalho de retirar as armas, sabia que era uma batalha perdida, pois sua mente fora turvada pela intensa paixão que lhe dominava.
Amou-a sem reservas, sem medo, desejando satisfazer de uma vez por toda aquela loucura que sentia. Odiava-se ao perceber que nenhuma outra mulher lhe interessava. Saı́ra com várias durante aqueles dias, mas em nenhum momento tivera vontade de tocá-las ou ser tocadas por elas. O que não acontecia quando se tratava da Fercodini.
Quando tomara a decisão de se manter longe, fê-lo porque sabia que não aguentaria tê-la por perto e não tomá-la para si. Se fosse apenas sexo era fácil de resolver, entretanto havia muito mais, era como se sua alma não lhe pertencesse, como se todos os seus anseios estivessem condicionados a outro ser, como se seu coração tivesse sido arrancado do seu peito e estivesse nas mãos de Eduarda.
Ela o usava ao seu bel prazer!
Quanto tempo ainda seguiria daquele jeito? Mirou o céu azul.
Esfregou os olhos.
Estava cansada. Pouco dormira naquela noite, na verdade seu corpo não descansara enquanto a tinha por perto. Já era quase cinco da manhã quando seguira para o quarto, sabia que não seria bom está ao seu lado quando ela despertasse.
Será que a esposa recordava de tudo? Será que se lembrava das declarações apaixonadas? Respirou fundo, em seguida soltou o ar lentamente.
Odiava-a, mas a amava com a mesma intensidade. Como era possível?
Isso era algo que começava a pesar, pois sentia as dores que infringia a ela, porém mesmo que desejasse, não conseguia perdoá-la, não era o fato dela ter acreditado nas mentiras da psicóloga, porém a forma cruel que Duda agira consigo.
Sentiu uma mão pousar em seu ombro. Virando-se, encontrou o olhar da melhor amiga sobre si. Convidara-a para lhe acompanhar a visita e desde cedo estavam ali.
-- A parte de dentro está linda! – A loira falou. – Pretende morar aqui? – Perguntou desconfiada. Angelina sentou sobre o muro da fonte, fitando-a.
Não podia negar que Ester fizera um belo trabalho com a médica, ela parecia mais leve, feliz e de certa forma a invejava por isso.
-- Sim, assim que tudo estiver pronto, virei morar aqui. Bem que não me importo muito com a questão de estar reformada ou não, porém não acho que uma criança vá gostar disso.
O jardim não tinha mais ervas daninha, porém ainda precisava plantar novas flores. A piscina estava em reforma, logo tudo estaria pronto.
-- Vai ser um pouco distante da cidade! -- Dizia naturalmente -- A Duda concordou com isso?
Flávia passara todos aqueles dias sem falar no nome da Fercodini, não queria ser alvo da fúria da médica, mas ultimamente percebia que precisava conversar sobre aquilo com a morena. Ainda mais quando via a foto dela ocupando jornais em companhia de outras mulheres.
-- Ela não tem que concordar com nada! – Observou a estrada deserta. – Ela deve ficar grata por ainda ser a minha esposa e ficar ao lado da Cecı́lia.
A Tavares começou a pensar em algo. Ponderou por alguns segundos, até voltar a indagar:
-- Teria coragem de tirar a menina dela? – Questionou preocupada. – Você sabe que aquele anjinho se tornou muito importante para a Duda antes mesmo que você a adotasse. – Perscrutou-lhe o rosto forte. – Tenho certeza que ela morreria se algo assim acontecesse.
Angelina não respondeu de imediato.
Pacientemente retirou o aro dourado do dedo, observando-o com atenção.
Ninguém sabia, mas na parte interna havia o nome da Fercodini gravado e às vezes ela tinha a impressão que também fora marcado em sua pele.
-- Seria um bom castigo para ela! – Respirou fundo. – Mas não o farei...
A loira colocou as mãos nos quadris.
-- Se fizesse algo assim estaria acabando com todas as chances de conseguirem superar esses problemas.
O maxilar de Angelina enrijeceu.
-- Você acha que tem como superar o que aconteceu? – Sorriu amarga. – Às vezes fico a pensar que eu preferiria mil vezes que ela realmente tivesse deixado de me amar, ao invés de ter acreditado nas mentiras da Patrı́cia e daquele maldito idiota. – Cerrou os dentes. – Estou cansada de tudo isso, cansada de sentir a minha alma abalada por esses acontecimentos.
-- Angel... – Hesitou por alguns segundos. – Ela ainda é uma menina, decerto se sentiu tão ultrajada que não conseguiu falar o que se passou, preferindo assim esconder toda a verdade.
A loira observou o olhar irado que a outra lhe dirigiu.
-- A Ester pediu para você defender a amiguinha dela? – Indagou em tom sarcástico. – A Duda não merece que a ame, ela não merece meus sentimentos! – Levantou-se. – Não sei até quando vou querê-la ao meu lado, na verdade já cogito a possibilidade de um divórcio.
Flávia lhe segurou o braço delicadamente.
-- Pense bem, antes de tomar uma decisão como essa. – Alertou-a. – Pense na sua filha, pense como ela sofreria sem a Duda, sabemos que ela ama a mãe.
-- Ela é apenas um bebê, poderá se acostumar com a ausência, eu mesma suprirei a falta dela. – Passou a mão pelos cabelos. – Deixarei que a veja, não cortarei os laços que as une, porém eu não posso mais continuar com isso. Preciso de paz.
A loira via as lágrimas dançarem nos olhos inexpressivos. Sim, a arrogante mulher também sofria com toda a situação. Toucou-lhe o braço.
-- Por favor, não faça isso! Não abra mão do amor que vocês sentem.
Angelina se desvencilhou do toque de forma violenta.
-- Que amor? – Gritava – Quem ama confia, quem ama acredita, quem ama não fere... – Soluçou. -- Eu o fiz, eu acreditei nela, eu implorei que me contasse o que se passava... Mas o que foi que ela fez? Diga-me? Abandonou-me, inventou aquelas mentiras, não se importou em me ferir e teria continuado se a verdade não tivesse vindo à tona.
Caminhou até uma árvore que grande, onde suas folhar faia sombra.
-- Eu estou me sentindo um lixo, uma pessoa sem caráter... Sou uma sádica que se sente bem com a infelicidade da mulher que um dia eu amei? – Olhou para as galhas fortes. – Que espécie de monstro eu me tornei!?
Deu as costas a Tavares, apoiando-se ao tronco.
-- A Patrı́cia é a culpada de tudo isso!
-- Não! A Patrı́cia jogou e a Duda foi idiota a ponto de acreditar nela. – Colocou as mãos na cintura, voltando a fitá- la. – Meu Deus, ela preferiu acreditar naquele maldito mancebo. Você não imagina como eu tive vontade de matar os dois: A Eduarda e o desgraçado do Bruno. Ainda sinto ganas de apartar o pescoço dela quando me recordo de vê-la com ele no apartamento... Eu vou acabar fazendo uma loucura... Vou acabar destruindo-a totalmente e a mim mesma...
-- Perdoe-a! – Pediu mais uma vez. – Esqueça o que passou, tente reconstruir sua vida ao lado dela. Você a ama, isso está claro, apenas precisa deixar essa raiva de lado.
A Berlusconi fez um gesto negativo com a cabeça.
-- Você não entende, não passou pelo que eu passei.
-- Pense na sua filha, faça por ela, dê a essa menina que você ama tanto a felicidade de ter uma famı́lia.
A morena umedeceu o lábio superior, sentiu o gosto das lágrimas...
-- Eu não consigo... Eu já tentei, mas eu não consigo...
Angelina afastou-se, seguindo para o interior da mansão. Flávia suspirou alto.
Realmente as coisas caminhavam para a sua pior forma e sabia que a Angel não brincara quando falara em divórcio.
Talvez fosse o melhor caminho naquele momento, afinal, estavam a se ferir... Olhou para o céu.
-- Ah, tia Ângela, como a senhora seria de grande ajuda nesse momento, só a senhora conseguia conter a fúria dessa cabeça de pedra. Ajude-nos!
A Fercodini levou a filha para passear.
Ligou para Ester e juntas foram ao shopping. Sentaram na praça de alimentação.
Ceci pareceu adorar o sorvete que a mãe lhe dava com cuidado.
As mãos inquietas, inúmeras vezes, tentavam se apossar da sobremesa.
-- Duda, tenho uma coisa para ti! – Entregou-lhe uma caixinha de joias. A jovem a encarou surpresa.
-- Queria ter te dado ontem, mas não estava pronto.
Eduarda recebeu o mimo, abrindo-o em seguida.
Havia um cordão de ouro e um pingente em forma de coração. Voltou a mirar à amiga, viu que havia o nome da Cecı́lia gravado nele.
-- Esse presente é meu e dessa bonequinha aqui! Duda pareceu emocionada com o gesto da ruiva.
-- Obrigada! – Disse com um sorriso sincero. – Fora o melhor presente que ganhei hoje.
-- Hoje? – Arqueou a sobrancelha. – Quem te deu mais presentes?
A jovem limpou a boca da filha, antes de responder.
-- Angelina!
Ester pareceu espantada!
-- O que ela te deu? – Indagou cheia de curiosidade.
-- Um carro... – Disse com desgosto.
Os olhos verdes se arregalaram.
-- Não gostou?
A Fercodini engoliu em seco.
-- Aconteceram coisas e isso me deixou chateada, não desejava ganhar muito, apenas um pouco de consideração.
A ruiva puxou a cadeira para mais perto dela.
-- Conte-me... – Pediu.
Eduarda fitou a filha percebendo como ela estava distraı́da brincando com os acessórios da cadeira. Voltou a encarar a amiga.
-- Ontem eu me embriaguei...
-- E?
A ruiva percebeu como Duda ficou corada.
-- Fale...
-- A Berlusconi apareceu lá na varando e... Bem... Você sabe...
-- Hun... Fizeram o amor?
-- Acho que não foi amor, foi apenas sexo...
Ester segurou sua mão.
-- Duda, ela te ama, mas está ferida, você sabe que ela tem motivos para isso.
-- Quanto tempo isso vai durar? – Mordiscou o lábio inferior. – Quanto tempo terei que suportar vê-la com outras mulheres? Não sabe como morro de ciúmes, como enlouqueço ao pensar que ela fica com outras.
-- Ela não fica! A Flávia me falou que a Angel sempre dorme em um hotel ou vai para aquela mansão abandonada.
A Fercodini pareceu admirada com o que ouvia, pois acreditava que ela estivesse com a tal pediatra.
-- Então não passa à noite com a tal doutorazinha?
-- Não!
Eduarda mordiscou o lábio inferior demoradamente.
-- Mas... Como a Flávia pode ter tanta certeza disso? Ester lhe tomou as mãos nas suas.
-- Não deve pensar nisso, deve pensar em o que deve ser feito para conseguir que a Berlusconi te perdoe. – Suspirou. – Creio que você não está em posição de enfrentá-la ou agir de forma petulante... – Observou a expressão da jovem mudar. – Eu sei como você é, mas você tem que entender que cometeste um erro grave.
-- O que está insinuando que deva fazer? – Empertigou-se. – Veja, eu estou furiosa com ela, pois me ignorou durante um mês inteiro e de repente quando estou bêbada, ela entra no meu quarto e se aproveita do meu estado. Quer que faça o quê? Que aplauda?
-- Que reconheça o seu erro e peça desculpas.
Eduarda passou as mãos pelos cabelos.
-- Eu pedi desculpas e ela deixou claro que nunca me perdoará.
Um homem vendendo balões apareceu.
Cecı́lia ficou afoita, parecia querer todos. A Fercodini comprou um em forma de cachorrinho, entregando-o a filha.
-- Vai trocar o Pigmaleão, vai? – Beijou-lhe a face rosada da pequena.
-- Ela está cada vez mais fofa e mais linda! Tenho vontade de apertá-la forte.
Eduarda a tirou da cadeirinha, sentando-a em seu colo.
-- Já está saindo o primeiro dentinho. – Fitou a boca do bebê.
-- Vai sofrer um bocado hein? – Segurou a mão rechonchuda. – Duda, você já parou para perceber como a Ceci parece contigo e com a Angel? Ela tem a pele clara como a sua, mas os cabelos e os olhos são tão negros e até o formato... Eu acho incrível.
-- Sim, eu também acho. – Arrumou as Marias chiquinhas que a pequena tentara tirar. – Você tá muito linda hoje, bebê! – Beijou-lhe o pescoço. – Mostra para a tia Ester o macacão de bichinhos que mamãe comprou para ti.
A menina balbuciava em sua lı́ngua própria, adorando os mimos que recebia das duas mulheres.
Passaram todo o dia passeando, aproveitando os momentos que podias ficar juntas. Não voltaram a falar sobre Angelina. Ester percebia que não deveria mais tocar nesse assunto naquele momento, talvez outra hora fosse mais interessante e proveitoso.
A segunda-feira amanheceu nublada.
O céu não apresentava as suas cores vibrantes, trazendo nuvens carregadas e um calor abafado. Já era meio dia.
Eduarda estava muito irritada. Seguiu até o banheiro. Lavou o rosto e tentou se acalmar.
Tivera uma discussão com a doutora Natália, na verdade não aguentara a forma que ela agiu com um paciente, isso deu inı́cio ao desentendimento.
A pediatra se mostrara arrogante, praticamente rebaixando a Fercodini diante de todos os funcionários do setor. Estava quase na hora do almoço, mas ainda teria que terminar algumas coisas.
Seguiu para fora e praticamente chocou-se com a secretária de Flávia.
-- A Doutora deseja vê-la!
Essas foram as únicas palavras que a moça lhe disse. Decerto a talzinha já fora fazer reclamações.
Respirando fundo caminhou até a sala da Tavares, mas ao abrir a porta se surpreendeu ao ver Angelina sentada na cadeira de couro, parecia concentrada diante do computador.
Os óculos de gruas a deixaram mais séria. Os olhos negros se voltaram para si.
Não imaginou que a veria por ali, ainda mais porque na noite passada ela não retornara para a casa. Sofrera com a ausência... Sofrera porque sabia que a relação de ambas não existia mais.
A Berlusconi sentiu aquela pressão no peito costumeira sempre que via aquela garota. Sempre estranharia isso.
Passara todo o final de semana pensando como estava sendo cruel com a Eduarda. Pensando como gostara de feri- la, como a humilhara de diversas formas desde que a obrigou àquele casamento.
Não podia continuar agindo daquele jeito.
-- Pensei que fosse a Flávia... – Foi o que disse, sem ao menos cumprimentá-la.
A médica apontou para que ela se acomodasse.
-- Tenho alguns pacientes para atender. – A garota relutou.
-- Sente-se! – Ordenou.
A jovem com um suspiro acabou acatando o que fora dito.
Angelina retirou os óculos, deixando-os de lado.
Sua esposa era realmente muito linda ainda mais vestida toda de branco.
-- Natália fez uma queixa contra você! – Disse calmamente. – O que houve?
Duda pareceu surpresa com a pergunta, pois pensara que a mulher já viria esbravejando, então se recordou da promessa que ela fizera no navio.
-- Ela foi insolente com um paciente, na verdade ela se negou a atender um bebê...
-- Por quê? – Apoiou os cotovelos na mesa, encostando queixo nos braços. – Explique-me...
Duda fitou os olhos negros... Não viu raiva, arrogância...
-- Não tinha convênio, na verdade os pais não tinham como pagar, mas precisavam de atendimento.
-- Somos uma rede de hospital particular, você sabe disso, lógico que temos nossas boas ações, mas isso não significa que qualquer pessoa possa vir aqui e ser atendido. – Explicou calmamente.
-- Angel, os pais tentaram passar o cartão, mas o preço era muito alto e não foi autorizado. Eu disse que pagaria, disse que atenderia e o que a doutora Natália fez? Esbravejou a plenos pulmões, foi arrogante e me faltou ao respeito como profissional que sou.
Angelina encarou-a.
Sabia o que ela passara, colocara-se no seu lugar, pois várias vezes enfrentara o próprio pai devido a questões semelhantes.
-- Não deve se esquecer da sua situação aqui, além de ser uma interna, também é minha esposa, isso pode soar tendencioso quando se envolver em coisas como essas.
Eduarda irritou-se com o que ouvia, pois jamais se aproveitava da relação que tinha com a herdeira de Antônio para receber vantagens. Na verdade, nem mesmo quando estavam realmente juntas ousara fazer isso.
-- Faria novamente, pode ter certeza disso. – Levantou-se. – Agora já posso voltar para o trabalho? – Indagou com postura desafiadora.
-- Não, ainda não acabei! – Disse calmamente enquanto apontava a cadeira para que ela se acomodasse novamente.
A jovem pareceu hesitar, porém acabou fazendo o que ela falara.
-- Pronto, doutora, o que mais deseja? – Indagou com impaciência.
Angelina exibiu aquele sorriso misterioso, delicado, atrevido...
-- Não gostou do presente de aniversário que te dei?
A jovem pareceu surpresa com a mudança de assunto.
O sangue da Fercodini pareceu se concentrar em sua totalidade em seu rosto.
Cenas da noite de tempestade lhe vieram à mente. Não recordava totalmente de tudo, mas sabia que tinham feito amor, seu corpo ainda tinha as marcas da paixão.
-- Estou falando do carro e do vinho, meu bem! – Falou se divertindo com a expressão da garota.
Eduarda desviou o olhar, fitando os quadros que decoravam o ambiente, mas aquilo não fora suficiente para distraı́-la.
-- Não me senti bem com o que me deu... – Disse por fim.
-- Por quê? – Questionou curiosa. – E' um belo carro e a safra é uma das melhores... Você mesma provou dela na noite do seu aniversário e pareceu ter gostado.
Duda se levantou, respirou fundo...
-- Talvez se você tivesse ficado comigo naquela manhã, eu tivesse aceitado o seu presente, porém tive a impressão que fui usada e isso me machucou.
Angelina girou na cadeira, em seguida foi até a esposa, ficando alguns centı́metros dela.
-- Acho que já chega disso, não é? – Segurou-a delicadamente pelos ombros. – Cometemos erros... Você... Eu... Mas estamos amaldiçoadas por uma paixão intensa...mas você já parou pra pensar que não é suficiente?
Duda pareceu confusa e magoada.
-- O que quer dizer com isso? Que tudo que tivemos se resume em sexo?
A morena maneou a cabeça de forma negativa.
-- Eu não acho que devamos nos aprofundar nisso... – Tocou-lhe a face. – Vamos nos divorciar, hoje mesmo falarei com o meu advogado. – Afastou-se com um suspiro. – Acho que é o melhor tanto para nós, como para a nossa filha.
A forma direto com Angelina colocara os fatos foram demasiadamente cruéis com a jovem. Os olhos claros de Maria ficaram rasos de lágrimas.
Sentia as palavras presas na garganta, mas ainda assim conseguiu perguntar:
-- Faz parte da sua vingança? – Questionou por entre os dentes. – Essa é a sua cartada final? Creio que dessa vez o seu trabalho está completo.
Já buscava se afastar, mas foi contida delicadamente pelo braço.
A Berlusconi a mirou por alguns segundos, observando o rosto doce, petulante...
Condoeu-se por tê-la machucado tanto e mais uma vez percebeu que aquela era melhor atitude a se tomar. Passara praticamente toda a noite em claro. Não conseguira dormir.
-- Não, Duda, na verdade eu só quero me livrar de tudo isso, deixar essa relação tumultuosa para trás. Eu acho que merecemos ser felizes.
-- Não me ama mais realmente...
Angelina permaneceu calada por alguns segundos, depois voltou a falar.
-- Eu não sei, na verdade eu não aguento mais... – Soltou-a, sentando-se na poltrona. – Desde que descobri tudo, eu vivo um martı́rio, sofro pelo que se passou, sofro por não ter acreditado em mim e sofro com a vontade de te ferir.
Eduarda foi até ela, agachou-se, apoiando-se nos calcanhares, enquanto lhe tomava as mãos.
-- Perdoe-me... Dê-me uma chance, deixe-me te mostrar que aprendi a lição. – Ela não conseguiu controlar as lágrimas que corriam copiosamente. – Eu te amo, amo muito e desejo ficar ao seu lado... Por favor, me perdoe... Eu sei que errei, sei que fui má ao falar todas aquelas coisas... Mas...
A médica lhe secou a face.
-- Não, Duda, se ficarmos juntas nos machucaremos ainda mais... Entenda que será o melhor a ser feito. – Ajudou-a a seacomodar ao seu lado. – Meu bem, se eu ficar contigo vou te magoar... Eu não consigo não fazê-lo, não consigo esquecer, não consigo... – Mordiscou o lábio inferior. – Sempre que te vejo recordo daquele maldito dia no seu apartamento... Isso me dá uma raiva... Eu não posso mais... Por favor, me ajude...
A Fercodini percebeu que nada poderia ser feito quanto isso, estava claro na expressão da morena que a decisão já tinha sido tomada.
Via a dor presente e mesmo não desejando aquilo, nada poderia fazer, afinal, ela cometera o erro, ela merecia isso e o melhor a fazer era deixar a mulher que amava livre, quem sabe assim, a Angelina pudesse encontrar a felicidade que tanto merecia. Tantas desgraças já lhe acontecera, ela não merecia mais uma.
Triste, levantou-se.
-- Vai tirar a Cecı́lia de mim?
Naquela manhã Angelina estivera na cobertura, passara algum tempo ao lado da filha e fora aquele ser inocente que a fez perceber que aquele seria o melhor caminho a seguir.
Não negava que chegara a pensar em usar a criança como uma forma de atingir a esposa, mas aquela atitude seria terrível em todos os sentidos.
-- Não, não a tirarei de você, poderemos combinar direito isso, mas prometo que não interferirei na sua relação com ela.
Duda assentiu.
-- Se é isso que você quer, eu farei, Angel, acho que lhe devo mais do que isso.
Mais uma vez, Angelina foi até ela, segurou sua mão, impedindo que a garota saı́sse.
-- Perdoe-me por não conseguir te perdoar...
A médica fitou os olhos chorosos, viu a dor que ela tentava não mostrar, mas sua tentativa era em vão.
-- Eu que lhe devo desculpas...Acho que você nunca poderá me perdoar... Mas eu desejo de todo o meu coração que você possa ser feliz...Mesmo que não seja eu a fazê-la. – Duda desvencilhou do toque.
A Berlusconi observou-a se afastar, deixando a sala. Permaneceu onde estava, tentando não se deixar levar pelo sofrimento, passara toda aquela manhã tentando se convencer que aquilo seria o melhor a ser feito e agora não havia mais volta.
Os dias passavam lentamente.
Angelina parecia estreitar ainda mais a amizade com Natália. A morena raramente se encontrava com Duda, ainda mais agora que começara a lecionar na universidade.
Henri precisou estender sua estadia, ainda mais porque estava decidido a morar junto da filha e para isso teria que se livrar de todos os compromissos que tinha, não só com o hospital, mas como acadêmico respeitado e diretor de inúmeros projetos.
Eduarda falava sempre com o pai, mas ainda não conversaram sobre a paternidade.
Ele percebia que a jovem estava triste, porém mesmo diante de suas perguntas, ela não dissera nada sobre o assunto.
A Fercodini continuava a morar na cobertura, esse fora o acordo, enquanto o divórcio não saia, depois elas conversariam sobre isso
Duda tentava levar a vida da melhor forma... Nas raras vezes que seu caminho cruzara com o da médica, ela agira com muita educação, perguntando sobre o internato no hospital, falavam um pouco sobre a filha, mas nada conversavam sobre o relacionamento.
Na última vez que viram tiveram um desentendimento, pois Maria Eduarda se negava a aceitar qualquer tipo de ajuda ou bens da Berlusconi e isso deixou a morena irritada.
Eduarda tentava ocupar sua mente com estudo, queria ser uma ótima médica e poder oferecer o melhor para a filha.
Ester sempre tentava estar presente, convidando-a para sair, jantaram fora algumas vezes e em uma dessas ocasiões, encontrou com Angelina e com a sua acompanhante de sempre: Natália.
Doera tanto vê-las juntas, ainda mais porque percebia que a Berlusconi parecia se divertir ao lado da pediatra. A ruiva a chamara para ir embora, porém decidiu ficar, afinal, deveria se acostumar com aquilo.
Aguentara firme até chegar à cobertura.
Rapidamente seguira para o quarto, seguindo para o banheiro, chorou enquanto suas lágrimas se misturavam com a água do chuveiro, sufocando seus soluços incontidos.
Era uma manhã de sexta-feira.
Naquele dia sairia mais cedo, tanto que nem mesmo estacionara o carro no estacionamento, deixando-o do outro lado da avenida.
Voltaria para casa mais cedo, pois Cecı́lia estava muito chorosa e irritada devido aos dentes.
Angelina não precisaria faltar à faculdade, os alunos participariam de alguns projetos e ela precisaria estar com eles.
Antes de sair encontrara com a esposa, ela praticamente madrugara para ficar com a filha.
A Berlusconi lhe pedira para falar com o advogado, pois o divórcio sairia bem mais rápido do que imaginaram. Eduarda apenas fez um gesto de assentimento, seguindo para o trabalho.
Duda seguia para o hospital, atravessava a rua, estava distraı́da quando de repente ouviu um carro partindo para cima de si.
Eduarda ainda tentou se livrar, mas o veı́culo conseguiu atingi-la, partindo em seguida rapidamente. Ainda era cedo e não havia movimentos no local.
A Berlusconi estava no laboratório da universidade, acompanhava os discentes em um trabalho de pesquisa. Gostava de estar ao lado deles, distraia-se dos seus problemas quando estava lecionando.
Estava um pouco cansada.
Cecı́lia estava cada vez mais irritada e reclamava o tempo todo para ficar com as mães.
Naquela manhã encontra com a Duda e ficara sem saber o que falar, ainda mais porque a viu com a Ester na noite passado no mesmo restaurante que estava com a Natália.
Uma jovem secretária adentrou o espaço, seguindo até a professora.
-- Doutora, tem uma ligação urgente para a senhora.
Angelina pensou logo na filha.
-- Quem é? – Pediu licença, seguindo ao lado da moça.
-- Doutora Tavares.
A médica acelerou os passos, chegando rapidamente ao local. Flávia foi objetiva ao dizer o que se passou.
A morena não se importou em deixar imediatamente a universidade e seguir até o hospital.
Flávia e Ester jaziam esperando que o médico informasse como a jovem estava.
Ela estava chegando ao centro de saúde quando se deparou com Duda sendo resgatada, ficou desesperada ao vê-la lá, temendo o pior.
Observou a amiga se aproximar.
Não imaginou que ela viria, ainda mais tão rápido.
-- Onde ela está? – Disse nervosa ao chegar. – O que houve?
A loira lhe segurou pelo braço.
Estavam diante da porta do quarto onde Duda estava sendo atendida.
-- Calma, ela está bem! Apenas sofreu escoriações e quebrou a perna, machucou o ombro...
-- Você ainda diz que ela está bem? – Desvencilhou-se do toque.
A loira nada pôde dizer, pois a outra já se afastava, adentrando o quarto.
Para quem estava em processo de divórcio, Angelina parecia muito preocupada com a futura ex-esposa.
Angel entrou, observando a jovem deitada sobre o leito. Aproximou-se.
O médico terminara de imobilizar a perna esquerda, o ombro também contava com um imobilizador. Eduarda estava com os olhos fechados.
Seu rosto estava cheio de machucados. Fitou o médico desejando uma explicação.
-- Dei um sedativo para ela, vai dormir um pouco. – O homem a encarou. – Ela teve sorte, pois pelo impacto poderia ter morrido. – Apontou para o curativo na cabeça. – Fizemos exames e graças a Deus tudo está bem por enquanto.
A morena ficou ao lado do leito, vendo-a.
-- Ela precisa ficar de molho por alguns dias, passei os remédios para dor.
O homem de meia idade sempre agia com simpatia com a filha de Antônio. Ele trabalhava ali desde que ela era apenas uma adolescente.
-- Precisara de cuidados e nada de fazer quaisquer extravagâncias. – Deu umas tapinhas amigáveis em seu ombro. – Cuide da sua esposa para que ela se recupere logo.
Angelina fez um gesto de assentimento com a cabeça. Pedindo licença, deixou-as sozinhas.
Angel lhe tocou as franjas, vendo os cortes em sua testa, havia alguns pontos.
O lábio inferior também fora bem machucado, havia arranhões em sua face esquerda, estava inchada devido as pancadas
Tivera tanto medo quando soubera o que se passou que não pensara em nada, apenas em ir até ela. Vê-la. Seu coração ainda batia acelerado ao temer perdê-la definitivamente.
Fitou a mesinha que ficava ao lado do leito. Viu o relógio, o cordão dourado e aliança... Ela ainda usava...
Fitou o próprio anelar... Desde que entrara com o pedido de separação deixara a joia de lado. Segurou o pequeno aro de ouro, observando-o com atenção. O divórcio estava bem adiantado. Duda não causara nenhum imprevisto, ao contrário, concordara com tudo, apenas se negava a aceitar qualquer coisa que viesse da esposa.
Até mesmo já desejara deixar a cobertura e só não o fez ainda porque Angelina dissera que era melhor que enquanto tudo não fosse concretizada, que continuassem vivendo no mesmo apartamento, pelo menos a Cecı́lia ficaria com ambas.
Ouviu o celular vibrar, retirou-o da bolsa. Era uma mensagem de Natália.
A relação entre ambas vinha se estreitando. Saiam juntas, jantavam, iam ao teatro, mas ainda nada ı́ntimo se passara. A Berlusconi tentava manter tudo em amizade, pois sabia que não era um bom momento para ter um relacionamento com outra pessoa.
Puxou a cadeira, sentando ali, ficando ao lado da mãe da sua filha e da mulher que aos poucos estava deixando sua vida.
Uma semana depois, Eduarda voltou para casa. Praticamente armara uma briga para que o médico a liberasse, não aguentava mais ficar longe da filha.
Ficou surpresa ao encontrar Angelina a esperando com a Cecı́lia nos braços. Flávia e Ester a levaram para a casa.
A perna estava imobilizada com gesso e ela precisaria de uma muleta para se locomover. A menina praticamente fez um escândalo, desejando os braços da mãe.
-- Sente-se, assim ela pode ficar no seu colo. – A morena falou.
Duda fez o que ela disse e a Berlusconi atendeu ao pedido da garotinha. Os olhos negros a encararam, parecendo ainda mais penetrantes.
A Fercodini desviou o olhar.
A criança praticamente fizera festa enquanto observava a mamãe
Ester levara a menina para vê-la, mesmo assim a garotinha ficara chorosa durante os dias que ficara sem Eduarda, mesmo Angelina tendo estado com ela.
-- Bem, precisamos ir! – Flávia beijou a sobrinha. – Descanse, Duda, precisa se recuperar logo.
-- Descansarei! – Deu um sorriso tı́mido. – Obrigada!
Ester também se despediu da amiga.
-- Cuide da sua mãe, princesa! – Abraçou a amiga e a garotinha. – Amanhã venho te ver. Comporte-se!
Duda fez uma careta de tédio.
De repente apenas ficaram as três.
Só o balbuciar da menina quebrava o silêncio.
-- Deixa mamãe ver o dentinho. – Eduarda a colocou de frente para si. – Eita que já tem dois...
Acabou gemendo com o esforço por causa do ombro.
Angel sentou ao lado dela, segurando a filha no colo, mas ficando bem próxima da esposa.
-- Deve tomar cuidado, não esqueça que ainda não está bem. – Repreendeu-a.
Duda pareceu meio deslocada com o fato de ela estar tão perto de si, então dedicou sua atenção a pequena Berlusconi que não para quieta nos braços da médica.
Eduarda sorriu ao ver os pequenos incisivos.
-- Veja... – Mostrou-lhe o dedo indicador. – São bem amoladinhos. Os olhos azuis se abriram em espanto.
-- Está achando engraçado porque não foi com você. – Fingiu-se de magoada. – Vou comprar um mordedor para ela ou um traje brindado.
-- Quanto drama!
A Berlusconi ficou observando-a, percebendo como sentira saudade, sempre que ia ao quarto vê-la, escolhia as horas que sabia que ela estaria dormindo. Nem sabia por que agira assim, talvez pelo fato de estarem tão distante, sentiu-se uma intrusa.
Observou os olhos claros lhe fitarem e se sentiu desconsertada.
-- Eu pedi para que arrumassem o quarto do térreo para você, assim não terá que subir escadas. – Disse rapidamente.
-- Obrigada! – Disse meio sem jeito, voltando a dedicar sua atenção à menina.
Angel se levantou, entregando o bebê para Eliza que já chegava.
-- Vou para o escritório fazer alguns telefonemas, qualquer coisa, pode pedir para me chamarem.
Duda fez um gesto afirmativo com a cabeça.
Patrı́cia andava de um lado para o outro.
Precisara ocupar um apartamento pequeno, pois seus bens foram bloqueados, devido a um processo milionário que Angelina abrira contra si.
Quebrou o jarro que estava sobre a mesa.
Nem mesmo conseguira matar Eduarda quando jogou o carro contra ela.
-- Maldita!
Já era noite quando Eduarda deixou a Ceci e seguiu para o quarto.
O gesso incomodava muito, ainda mais quando precisava se locomover.
O novo aposento tinha sido bem arrumado, sentia o cheiro de limpeza, as cobertas, a poltrona, uma mesa fora colocada lá.
Seguiu até o leito, sentando-se.
Precisava de um banho, mas sabia que precisaria de ajuda para isso. No hospital Ester fora a responsável por todas essas coisas e mesmo que não suportasse ficar naquele quarto e longe da filha por mais um dia, agora sentia falta dessa parte.
Fitou o gesso, suspirando com resignação em seguida.
O ombro estava doendo demasiadamente. Massageou, desejando que isso aliviasse as pontadas.
Ouviu batidas na porta e chegou a pensar que fosse a empregada, mas se surpreendeu ao ver Angel entrar trazendo uma bandeja com algo que cheirava muito bem.
-- Seu jantar, senhora! – Colocou sobre a mesa.
-- Obrigada...
Era estranho está no mesmo lugar que a esposa, afinal, raramente se encontravam e sempre que se via, tratavam-se com cortesia e nada mais que isso.
Eduarda ainda sofria com tudo o que se passou, com a separação que fora inevitável, mesmo tendo pedido desculpas por tudo, o que mais a feria era saber que a morena deixara de lhe amar.
A médica veio em sua direção.
-- Vamos ao banho? – Aproximou-se, tentando livrá-la da camiseta. Os olhos claros se arregalaram em pavor.
-- Não! – Quase gritou.
Angel pareceu confusa, cessando os movimentos, mas não se afastou.
-- Por que não? – Questionou-a. – Você não vai conseguir se despir e tomar banho sozinha, sabe disso, no hospital alguém te ajudava.
Duda sabia, porém a última pessoa que gostaria que lhe auxiliasse era a filha do padrinho.
-- Sim, eu sei, apenas prefiro que não seja você a fazê-lo.
A Berlusconi tentou disfarçar o mal estar com rejeição velada naquelas palavras.
-- Não deve esquecer que sou médica...
Duda mirou a seriedade presentes nos olhos negros.
-- Eu posso contratar uma enfermeira, não quero lhe aborrecer com isso, sei que é muito ocupada. – Tentava se justificar. – Eu passarei alguns dias necessitando desse auxı́lio e não acredito que poderá fazê-lo sempre.
-- Não se preocupe com isso, nesse momento não há nada para eu fazer, não tenho problemas em cuidar de ti.
A morena voltou a tentar livrá-la camisa e mais uma vez a garota protestou.
-- Duda... – Chamou-a impaciente.
Eduarda abriu a boca para se negar, mas percebeu que isso soaria muito infantil de sua parte.
-- Deixe o quarto na penumbra, por favor... – Falou rapidamente. Angelina ficou surpresa com o pedido, mas acabou atendendo.
Seguiu até a mesa, pegou a proteção para o gesso não molhar, colocando nela, depois a livrou da blusa, deixando-a com o sutiã.
-- Seu ombro está doendo? – Questionou tocando-o.
A Fercodini sentiu a pele se arrepiar com os dedos longos sobre si.
-- Um pouco...
Angel lhe entregou a muleta.
-- Levante-se!
Ela fez o que fora dito.
A médica começou a lhe desabotoar o short e teve a impressão que ela tremia. Fitou-a e encontrou os olhos claros lhe encarando.
-- Calma, eu não vou te machucar...
Duda assentiu e ficou feliz pela médica pensar que ela estava daquele jeito porque temia lesionar a perna, na verdade, as mãos dela em seu corpo era uma verdadeira tortura, ainda mais depois de tudo que viveram.
-- Pronto! – Levantou-se. – Agora preciso tirar o seu sutiã. – Posicionou-se as costas dela e rapidamente o fez. – Vou prender seu cabelo para que não o molhe.
Eduarda apenas fez um gesto de cabeça.
-- Agora vamos ao banheiro! – Apontou a direção.
-- Não... Não precisa ir até lá comigo. – Apressou-se em dizer. – Eu consigo banhar sozinha.
A morena não parecia entender aquela resistência toda.
-- Ok, mas esperarei aqui para te ajudar a se vestir.
A jovem assentiu, enquanto a médica sentava na cadeira.
O quarto estava sendo iluminado apenas pela luz do luar que adentrava pela janela. Passou a mão pelos cabelos negros.
Preferia não pensar e nem sentir nada naquele momento, tentando ocupar a mente com coisas práticas e não com as sensações que lhe deixara totalmente arrepiada.
Não podia negar que ainda tinha aquele medo em seu peito. Desde que a viu na cama daquele hospital, era como a venda dos seus olhos tivessem sido tiradas.
Passara todos aqueles dias tentando enganar a si mesma, convencendo-se de que o que sentia era apenas uma poderosa atração sexual, mas bastou imaginar perdê-la que aquele sentimento poderoso quase a sufocou novamente.
Continuava amando-a, mesmo depois de todas as feridas, de todas as dores?
Não demoraria para que o divórcio saı́sse e isso era algo que a estava assustando muito, pois sabia que a Fercodini não aceitaria continuar morando ali, era muito orgulhosa e decerto o único vı́nculo que teriam era a filha.
Quando viu Eduarda, seguiu até ela para ajudá-la. A jovem vestia um roupão.
-- Posso acender as luzes agora? – Perguntou com um sorriso.
A garota assentiu, enquanto caminhava até a mesa, acomodando-se. Observou Angelina de forma disfarçada.
Ela vestia calça de moletom que se moldava ao quadril e era solto nas pernas, usava camiseta preta. Raramente a via tão à vontade.
-- Você prefere jantar primeiro ou deseja que antes eu coloque o remédio em suas feridas? Eduarda tinha escoriações na costela, nas costas, além da face.
-- Eu realmente não desejo ser um peso, Angel, acho que eu posso ir me virando.
A Berlusconi se sentou ao lado dela.
-- Coma e deixe de reclamar... Deixe-me cuidar de ti, assim consigo me lembrar de como é gratificante ser uma médica ativa.
Duda olhou a comida e ficou feliz.
-- Realmente é bom comer algo que não seja comida do hospital, acho que não aguentava mais.
-- Está reclamando da comida do meu hospital? – Fingiu-se de ofendida. – Não acredito! Eduarda gargalhou da expressão da morena.
-- Apenas eu acho que falta tempero...
-- Pois saiba, senhora, que nossa cozinha está lá desde a fundação do centro médico, temos os melhores chefes.
-- Ah, agora está explicado, se os cozinheiros estão desde a fundação, decerto, devem usar o mesmo cardápio de um século atrás.
Angelina estreitou os olhos fingindo que estava irritada.
-- Pois saiba que vou contar tudo para a cozinheira viu, você vai se explicar a todos eles. Duda ria sem parar.
Há tanto tempo não ficava ao lado daquela mulher sem que estivessem brigando, provocando-se. Angelina ficou observando-a, enquanto comia.
Permaneceram em silêncio por alguns minutos até a jovem terminar a refeição.
-- Duda, você não conseguiu ver nada no dia do acidente? – Indagou preocupada. – A polı́cia ainda não teve nenhum êxito, a placa do carro era falsa e as imagens das câmeras não conseguiram identificar o motorista.
-- Eu não consigo me lembrar de nada daquela manhã, apenas que estava no hospital e sentia muita dor. – Encarou-a. – Por que parece tão preocupada com isso? Decerto alguém que passou a noite na farra perdeu o controle do veı́culo.
-- E por que teria que disfarçar a placa? – Passou as mãos pelos cabelos em um gesto nervoso. – Eduarda, você sabe que foi um verdadeiro milagre não ter morrido não é? Com certeza o seu anjo da guarda estava bem atento nesse dia.
-- Bem, acho melhor não pensarmos nisso, afinal, estou vivinha em folha. – Segurou na muleta, levantando-se. – Creio que meu corpo precisa de cama.
Angelina se levantou também.
-- Vou escovar os dentes. – Disse seguindo para o banheiro.
A morena caminhou até a bolsa que estava sobre a penteadeira, pegando a pomada.
Nada lhe tirava da cabeça que o atropelamento da esposa fora proposital, águem atentara contra a vida dela e isso a estava deixando muito preocupada.
Inicialmente pensara em Patrı́cia e Bruno, mas como não havia provas, não sabia o que fazer, mas acabara contratando alguns seguranças para proteger a jovem.
Observou a Fercodini seguir até o leito.
Não falaria nada a ela, não desejava assustá-la.
-- Vai dormir de roupão? – Questionou indo até ela.
Duda se acomodou, ficando com as costas apoiada na cabeceira.
-- Sim, é mais fácil que vestir roupa. – Disse com um sorriso corado.
Angelina já o desamarrava, quando a garota deteve-lhe a mão.
-- Pode apagar a luz novamente?
A Berlusconi estava tão perto dela.
Com o polegar, a médica tocou o lábio que ainda estava machucado. Eduarda enrijeceu diante do toque.
-- Não posso ver os machucados se estiver escuro... – Praticamente sussurrou. – Está com vergonha de mim? Duda nada disse, desvencilhando-se do toque.
Angelina abriu de forma que não expusesse o corpo totalmente.
Viu os arranhões na costela, limpou-o, em seguida passou o remédio, fez o mesmo com os demais, com o ombro.
Depois trocou o curativo da cabeça.
-- Está doendo? – Questionou ao percebê-la tão rı́gida.
-- Só um pouco...
Acabando, voltou a arrumar o roupão.
-- Pronto! – Levantou-se. – Agora já pode descansar.
Eduarda se ajeitou na cama, cobrindo-se.
-- Obrigada, doutora!
A médica sorriu.
-- Durma bem!
A Fercodini a viu deixar o quarto e aos poucos foi soltando o ar que estava preso em seus pulmões.
Obrigada, você é demais adoro esse romance.
ResponderExcluirSofrendo junto...
ResponderExcluirPor favor Geh, tou aguardando ansiosamente por novos capítulos.
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