Dolo ferox -- capítulo 23



A mansão Vallares como de costume estava vazia.
A grande sala de jantar era decorada com móveis da época dos grandes déspotas. Tudo cheio de elegância, desde a mesa que já serviu a várias gerações, contendo doze lugares, até as tapeçarias que enfeitavam as paredes e o assoalho e trazia desenhos de batalhas da Inglaterra sobre os povos das terras altas.
Lustres de cristais, candelabros, as porcelanas chinesas foram postas para o jantar. Como de costume, as refeições naquele lugar eram sempre cheia de cerimônias e pompas, mesmo tendo apenas o poucas pessoas para desfrutarem.
As três empregadas e o mordomo permaneciam de pé, vestidos para ocasião e observavam o patrão sentado curvado ao fitar o banquete.
Ele estava mais recuperado nos últimos dias, apenas não conseguia andar sozinho, mas já conversava e emitia ordens aos serviçais.
Nicolay Augustus Castello de Vallares, décimo conde daquela dinastia agia como sua posição ditava, mesmo que nos dias atuais ter um título nada significasse, a sua grande riqueza construída nas minas de carvão lhe dava imenso prestígio na sociedade. Poderoso e respeitado por todos.
Desde a morte da filha Verônica sua saúde estava debilitada. Vivia trancado em seus aposentos e passou por um longo processo de internamento devido a uma forte pneumonia e aos poucos vinham se recuperando, mesmo que parecesse que nada mais fazia sentido desde a sua perda. Não era segredo para ninguém que sempre teve um amor muito grande pela segunda filha, mesmo sendo sempre mais privilegiado o filho varão. Sabia que tinha uma adoração tão grande que acabara sendo bastante permissivo, ainda mais no tocante aos relacionamentos amorosos da jovem, diferente de Nícolas que sempre fora obrigado a seguir todas as regras da aristocracia.
Nicolay segurou a colher de prata, a mão tremia, fitou o quadro no qual toda a família estava reunida. Agora só restaram ele e o filho, não havia mais nada… Seu nome morreria...
Passos foram ouvidos e logo Nícolas apareceu. 
Seguiu lentamente, ocupando a cadeira que ficava ao lado do pai e não a da outra extremidade como dizia as regras.
-- Boa noite, meu pai, peço que me perdoe pela minha demora, mas tive alguns contratempos.
O velho apenas assentiu, sem o fitar.
O mais jovem fez sinal para que os empregados se retirassem e quando ficaram sozinhos falou:
-- Tenho algo para lhe contar, uma coisa que mudará nossas vidas…
O conde encarou o filho com expressão de pouco caso.
-- Há uma Vallares que não foi reconhecida por nossa família… Uma herdeira que perpetuará o nosso nome, que não deixará que nosso sangue seja esquecido! -- Dizia com entusiasmo.
Os olhos tão negros de Nicolay o miraram e podia se ver um brilho de esperança neles.
Os lábios trêmulas se mexeram e a voz fraca pôde ser ouvida.
-- De que falas?
Nícolas lhe tomou a mão fria e enrugada nas suas.
-- Meu relacionamento com a Eva teve um fruto, uma criança que agora é uma bela mulher… 
Nicolay ouvia tudo e recordava de como fora cruel junto com a esposa ao saber do romance do filho com uma simples dançarina. Sabia que destruíra a vida do herdeiro, desde a separação forçada, o homem nunca mais se interessara por qualquer outra mulher, apenas vivia para o trabalho e depois do assassinato da irmã, dedicava-se totalmente a cuidar de si e essa era uma culpa que levava em seus ombros todos os dias da sua vida.
-- Como assim? Explique-se! -- Exigiu deixando a colher de lado.
-- Sim, papai. -- Disse com um sorriso. -- Lembra da festa que fomos e que Isadora estava? Pois bem, lá havia uma bela jovem de cabelos e olhos negros. Quando a vi tive certeza de que ela tinha algo muito parecido com a Eva… Pois bem, a duquesa veio até mim e me contou que ela era minha filha!
A expressão do conde não parecia ainda convencida.
-- E onde está essa garota? Por que não a trouxe? Como pode provar isso? Não pode simplesmente acreditar no que falam, é necessário que haja provas.
Nícolas soltou um longo suspiro.
-- Ela está arredia, não aceitou de bom grado essa história, nem mesmo me deixou explicar como as coisas aconteceram… Saiu correndo do hospital e não sei para onde foi… -- Disse tristemente. -- Mas assim que conversarmos pedirei que se submeta a um exame.
-- Mas o que ela fazia no hospital? Está doente? -- Indagou com preocupação.
-- Não, meu pai, minha filha é namorada da Nathália Hanminton.
-- Que gosto é esse das mulheres da nossa família em se envolver com outras mulheres! -- Exclamou em tom de crítica. -- E ainda por cima a neta de Isadora. -- Torceu a boca em desagrado.
-- Pelo menos não é a maldita Valerie… -- Levantou-se. -- Há algo que o senhor precisa saber… -- Deu uma pausa. -- A minha filha foi inseminada… O filho da Verônica com a Natasha está crescendo dentro dela.
        -- Como assim? Que história é essa? -- Indagou confuso.
        Nícolas voltou a sentar.
       -- Antes que a maldita Valerie matasse a minha irmã, Verônica queria ter um filho, pois imaginava que assim poderia salvar a relação… Nathália me contou que o material genético foi isolado e mantido em um laboratório. A maldita neta de Isadora destruiria se não fosse Nathália que decidiu usar isso com a Valentina, minha filha. 
       -- Natasha consegue ser ainda pior do que imaginei! -- O velho segurou na cadeira, ficando de pé.
         Nícolas o sustentou, temendo que ele pudesse cair.
        -- Quero que essa maldita mulher pague por tudo o que nos fez, desejo vê-la passar o resto da vida atrás das grades, que morra em uma cela suja, que nunca mais volte a desgraçar a vida de ninguém!
        -- Disso não tenha dúvidas, eu mesmo moverei céus e terras para fazê-la pagar e não permitirei que ela se aproxime da criança. Vamos lutar para que ela não tenha direito de vê-la.
       -- Isso… Isso… Quero que traga a minha neta o mais rápido, desejo conhecê-la, quero que ela viva aqui, que saiba que faz parte da nossa família, desejo fazer uma enorme festa para apresentá-la para a sociedade…
       -- Sim, pai, mas não sei se será tão fácil assim… Vi a mágoa naqueles olhos tão negros… Acho que ela tem a personalidade bem mais forte que a nossa.
       -- Então me leve até ela, eu explicarei que você não teve culpa de nada, direi como sua mãe e eu fomos crueis e tramamos tudo para que você deixasse a mulher que amava.
        Nícolas abraçou o conde e pela primeira vez em tanto tempo o sentiu como seu pai, sentiu-o ao seu lado para apoiá-lo em tudo e aquilo o fez acreditar que seria possível conquistar o amor da filha.



         Valentina deixou a sala sentindo a raiva queimar em seu peito.
         Desejou mais uma vez naquele dia que a Valerie nunca tivesse cruzado seu caminho. Não estava pronta para vê-la tão rápido, não pensou que a encontraria em tão pouco tempo. A raiva ardia em seu peito e se não estivesse na casa de Leonardo, decerto, teria gritado e esbravejado tudo o que estava dentro de si.
           Cada degrau que subia era como se não tivesse fim, parecia que nunca sairia daquele lugar.
           Respirava acelerado e tentava controlá-la.
           Já chegava a porta do seu quarto quando sentiu a mão se fechar em seu braço.
      Virou-se e se deparou com os olhos verdes que estavam tão escurecidos como o céu de tempestade que caía lá fora.
           Observou os dedos longos e sentiu a pele queimar como se estivesse em brasas.
           Suspirou, mirando o machucado em seu belo rosto. 
         -- O que a senhora quer? -- Questionou com um arquear de sobrancelha. -- Melhor cuidar desses ferimentos para que não infeccione.
          Natasha observou os lábios rosados.
        Desejou beijá-la, estreitá-la em seu peito, pois mesmo que negasse, estava morrendo de saudades da morena.
           Cerrou os dentes.
          Não deveria ter ido atrás dela, nem mesmo entendia o motivo de ter feito isso, pois estava mais que claro que estariam em lados opostos e que não haveria trégua entre ambas, ainda mais quando ela estivesse a assumir o sobrenome dos Vallares.
         -- Como está a gravidez? -- Indagou depois de longos segundos. -- Quero saber como está meu filho.
          Os dentes alvos da circense se abriram em um sorriso debochado.
          -- E desde quando você se importa? Não lembro disso…
         -- Você está carregando um filho meu, Valentina, querendo ou não, você leva consigo algo que me pertence! -- Falou calmamente.
           A morena se livrou do toque, mas não se afastou. Enfrentava-a sem temor algum.
       -- E da minha titia também? -- Provocou-a. -- Uma da dúvida: quando você transou comigo já sabia do meu parentesco com a sua esposa? -- Questionou estreitando os olhos. -- Querias saber se havia alguma semelhança?
             A ruiva passou a mão pelos cabelos, sentindo os fios macios escorregar por seus dedos.
            Entendia a indignação dela e sabia que tudo o que falasse naquele momento seria inútil.
        -- Eu fiquei sabendo naquele dia, naquela última vez que ficamos… Por isso te pedi para ir embora, eu estava descontrolada… -- Respirou fundo. -- Achas que foi fácil para mim ficar sabendo disso? -- Meneou a cabeça negativamente. -- Não basta tudo o que pesa contra mim, agora você também vai achar que sou uma assassina e que matei Verônica! -- Encostou-se na parede, colocou as mãos nos bolsos da calça, depois inclinou a cabeça para cima e fechou os olhos.
         Estava se sentindo fraca para uma briga, sentia a tensão em seu corpo, desejava apenas sumir para um lugar onde pudesse ficar sozinha para sempre.
        A morena se aproximou, observando a figura ali parada e desejou mais uma vez que aquela confusão não existisse dentro do seu peito. Queria com todo coração saber o que realmente se passava com aquela mulher, temia que sua crença na Valerie a levasse a uma dor muito maior, pois já percebia como podia sofrer por causa dela. 
            Fitou o sangue no corte e o machucado na perna. 
            Estendeu a mão, tomando a dela, Natasha a encarou confusa.
           -- Volte para a sala e deixe que a senhora Helena termine os curativos… Você não parece nada bem.
            -- Não morrerei por causa de uns cortes… Vou para casa, acho que necessito de um descanso.
             A ruiva se virou para ir embora, mas a trapezista a deteve.
          -- Deixa eu fazer um curativo nesses ferimentos então, não aguento mais ver seu lindo rosto sujo de sangue.
            A arquiteta umedeceu os lábios demoradamente, ponderando.
         Estava cansada. Desejava ir para casa e fazer algo que não conseguia fazer há muito tempo, dormir.
           Por que tinha ido até ela? 
        Engoliu em seco, tendo a impressão que havia um nó em sua garganta impedindo-a de falar. Apenas se deixou conduzir até o quarto.
           Valentina a levou, abriu a porta lentamente e fê-la sentar na cama.
        Seguiu até o banheiro e procurou nos armários por algo que pudesse usar, encontrou uma caixa de primeiros socorros, abriu-a e viu que havia tudo o que precisaria.
             Observou a própria imagem no espelho e viu que as bochechas estavam coradas.
          Mordiscou o lábio inferior demoradamente, pensando qual foi o motivo para ter detido aquela mulher ali. Tinha certeza que aquela não fora uma ideia boa, mas mesmo assim algo dentro de si a impeliu a agir daquele jeito.
             Arrumou os cabelos e logo seguiu de volta ao quarto.
            Viu os olhos verdes pousarem nos seus e lhe faltou fôlego.
            Puxou a cadeira e se acomodou perto dela, sentando-se de frente para ela. 
            Observava o supercílio e via o corte na horizontal.
           -- Talvez precise de pontos! -- Examinou-o. -- Está com uma péssima aparência.
            Iniciou a esterilização e viu os lábios se entreabirem em desconforto.
           -- Está doendo? -- Questionou deixando a mão parada.
           Os olhos verdes se focaram nos seus.
           -- Não, pode continuar… -- Disse sem deixar de mirá-la. -- Não é uma dor tão terrível.
           A morena prosseguiu, sem deixar de se encantar com toda aquela beleza.
           Por que ela era tão diferente da Nathália?
          Não conseguia mais associar as duas fisicamente.
       -- Quando era criança eu sempre me machucava… Lembro da minha mãe me dando bronca porque tinha rasgado meus joelhos. -- Riu saudosa. -- Adorava correr… Ela brigava e brigava, mas cuidava de mim…
           A ruiva nada disse, apenas a olhava, imaginando-a na infância.
          Valentina terminou de curar o supercílio e se levantou.
           -- Deixa eu ver sua perna agora! -- Pediu.
          Natasha apenas fez um gesto de assentimento com a cabeça.
           Estava doendo muito, mas ela nada disse quanto a isso. 
           A trapezista rasgou mais a perna da calça, observando a ferida.
           -- O que houve? Como se machucou?
           A Valerie se apoiou nos braços, inclinando o corpo para trás. Estava sentindo tontura. 
             A morena a olhava com ansiedade, esperando por uma resposta.
           Natasha suspirou alto mostrando sua impaciência.
          -- Estava acompanhando umas obras e uma viga caiu… Derrubando outras e acabei me ferindo.
           Os olhos negros se abriram em espanto.
          -- Nossa! Poderia ter sido mais grave… Por que não foi ao médico? Precisa fazer exames e constatar se está tudo bem. Bateu na sua cabeça?
             -- Não, caiu sobre a perna e eu cortei a face ao despencar no chão.
         -- Menos mal, mesmo assim precisa que um médico a examine para ver se está tudo bem mesmo.
         A ruiva apenas assentiu sem falar nada. Fechou os olhos sentindo o toque em sua coxa, descendo pela panturrilha sobre o tecido grosso.
           Valentina sabia que ela estava sentindo dor, ainda mais quando a pancada fora em sua perna que já apresentava um sério problema.
           Começou a lhe tocar, mesmo que não fosse profissional, sabia fazer massagens, sentia a rigidez do músculo, o incômodo que a perturbava.
             -- O que houve com ela  de verdade? -- Questionou curiosa.
             A Valerie não abriu os olhos, apenas os lábios se moveram lentamente.
         -- Desde que me conheço por gente tenho esse problema… Mas na adolescência sofri um acidente e piorou… Depois vieram outras coisas...
             -- E não há como amenizar isso? Uma cirurgia?
             Natasha voltou a se aprumar, mirando-a com total desconfiança.
             -- Por que se importa?
             A morena apenas deu de ombros.
        -- Curiosidade! -- Levantou-se. -- Tire a calça para que consiga cuidar do ferimento! -- Ordenou. 
              Os olhos verdes se abriram em surpresa, mas logo readquiriram a frieza. 
             -- Acho que você está bancando a enfermeira com a gêmea errada! -- Ficou de pé. -- Mas se o papel de curadora das netas de Isadora te fazem feliz… Farei como me diz.
              Valentina nada disse, apenas arqueou a sobrancelha esquerda em sarcasmo.
          Lentamente a ruiva abria os botões da veste. Fazia-o lentamente, como se fosse algo que necessitasse de grande esforço.
               A morena não abandonava os olhos verdes que a encaravm com desdém.
          Logo Natasha estava apenas com uma calcinha de renda na cor vermelha e a circense não conseguiu disfarçar o rubor na face ao vê-la tão linda.
              Ansiou por tocá-la, por senti-la…
              Lembrou de quando o fez e como era delicioso o sabor dela…
              Suspirou.
              A Valerie se aprumou.
            -- Pronto, vamos brincar de doutora, palhacinha! -- Disse com um sorriso de canto. -- Quer que eu tire mais alguma coisa? Quem sabe a blusa?
          A jovem Rodrigues sabia que tudo aquilo se tratava apenas de pura provocação e não estava disposta a cair nela. Nem mesmo entendia o motivo de se preocupar com a ruiva, afinal, Helena já estava a cuidar de tudo, não tinha por que está se metendo naquela história, porém já tinha iniciado e faria até o fim.
        Observou-a com sua camisa de seda de mangas longas e o colete que acomodava a cintura estreita. Nem precisava baixar a vista para apreciar as belas e longas pernas, conhecia-as bem e sabia que seria bem melhor evitar uma inspeção mais profunda.
            -- Sente-se! -- Apontou para o leito.
            Natasha o fez e agora já tinha assumido a postura de arrogância e escárnio.
            Valentina acocorou-se. 
            A ruiva observava os dedos longos limparem toda a perna e logo se concentrava em seu corte.
          -- O que a sua namoradinha vai pensar ao saber que você está aqui cuidando da irmã rejeitada dela?
      -- Você é minha cunhadinha… -- Pegou a pinça para retirar algumas farpas que estavam penetradas na carne. -- e minha titia também… -- Mirou-a. -- Acho que isso deve ser suficiente para que eu te ajude.
           -- E o que você sentiu em saber disso tudo? Quem dirias que a palhacinha de circo era neta do poderoso conde Vallares. -- Cerrou os dentes de dor. -- Pensei que fosse me cuidar com carinho. -- Tomou-lhe a mão, detendo-a. -- Agora eu prefiro que seja delicada… Pois está machucando e sei que está fazendo de propósito!
             Valentina esboçou um sorriso, mas não parecia trazer nenhum tipo de humor.
              -- Por que não me contou se já sabia?
             -- Porque não era um segredo meu! Isadora me contou naquela manhã, tenho certeza que o fez para me destruir ainda mais!
               Valentina umedeceu os lábios demoradamente, fitando-a, buscando a verdade naquele olhar.
              -- Deveria ter me falado… Eu merecia essa consideração!
            -- Você deve dizer isso para a Nathália, ela já sabia disso há muito tempo, foi por essa razão que te inseminou.
           -- Mentira! -- Negou com veemência. -- Não fale dela, ela se arriscou por mim, quase foi morta naquela hospital por mim!
               O maxilar da ruiva enrijeceu, levantou-se.
               -- Você é uma idiota e mesmo que a verdade esteja em sua cara nunca vai ver!
               A morena a imitou.
              -- Quais das verdades? O seu caso com a Rebeka ou seu desejo por destruir a todos?
             A ruiva passou a mão pelos cabelos.
             -- Não me diga que está com ciúmes? -- Aproximou-se. -- É isso mesmo que estou ouvindo?
            -- Por mim você pode  sair comendo todos as mulheres do mundo… Eu não me importo, não me interessa! -- Apontou-lhe o dedo em riste. -- Apenas fique sabendo que nunca mais colocará suas mãos em mim, jamais permitirei que  faça novamente isso!
           -- Por quê? -- questionou chegando ainda mais perto. -- Mesmo que negue… -- Tocou-lhe a face. -- Sei que gostas… Da mesma forma que eu fique com outras, é por você que eu enlouqueço.
               A morena se desvencilhou do toque.
            -- Sim, você está certa, realmente há algo em ti que me faz perder o controle, deve ser essa sua cara de cínica, mas acredito que se for tocada por outra, o mesmo ocorrerá, afinal, você faz o mesmo com a loira de farmácia.
               A ruiva esboçou um sorriso misterioso e perigoso.
              -- Eu acho que você gostaria de estar no lugar da Rebeka…
            Valentina girou nos calcanhares e já buscava a porta, mas Natasa a deteve pelo braço, trazendo para si.
           -- Não, não, a gente vai conversar! -- Caminhou até a poltrona, arrastando-a, sentou e a fez sentar em seu colo.
             A circense a encarou.
              -- Estou cansada e quero dormir, então saia, vá embora e me deixe em paz!
            A ruiva lhe acariciou os cabelos.
           -- A duquesa e a minha irmã estão te manipulando… Tudo isso que aconteceu não passa de armações para que você seja grata a elas, para que aceite-a novamente em sua vida.
          -- E você é o que nessa história toda? A mocinha? -- Provocou-a. -- Porque se elas têm interesses, você também os têm e eu nem sei quais são!
                Natasha assentiu, enquanto mirava os lábios entreabertos, desejando colar nos seus.
              -- Eu estava muito bem na minha vida… até que fui vítima de uma emboscada… Fiquei presa durante dias em um cativeiro e estava sendo levada para morrer quando fui salva… Retornei e me vi acusada de crimes que não tinha cometido… Leonardo teve a maldita ideia de me fazer passar por minha irmã e você entrou nessa história!
                -- E eu tenho culpa? Poderia ter me falado logo o que se passava.
             -- Eu quis… Não tem ideia de como foi difícil fazer aquele maldito papel… -- Encostou a testa na dela. -- Ainda mais quando no cruzeiro você me viu com a Rebeka…
                 Valentina sentia o aroma de uísque e desejou provar.
                 -- Por quê?
                -- Porque eu sei que te machuquei naquele dia… E isso doeu em mim…-- Disse em um fio de voz.
              -- Eu odeio a Rebeka e odeio imaginar que você está com ela, odeio pensar que seu corpo reage ao toque dela como faz com o meu… -- Levantou-se. -- Eu queria arrancar você da minha mente, te tirar do meu coração… eu luto dia a dia para isso, mas é como se fosse um castigo, uma maldição que me conduz aos seus braços… -- Limpou a lágrima que descia. -- Quanto mais eu me afasto, mais você se aproxima…
               Natasha sabia do que ela estava a falar, pois eram aquelas palavras que estavam presas em sua garganta e ela não conseguia colocá-las para fora.
                -- Valentina… -- Chamou-a.
               A morena colocou as mãos no ouvido.
           -- Não, eu não quero ouvir mais nada, deixe-me terminar de cuidar da sua perna e depois vá embora!
             A ruiva suspirou, enquanto voltava a sentar na cama.
             Permaneceram em silêncio, enquanto a trapezista prosseguia com o trabalho, concentrando-se no que deveria ser feito.
             Quase confessara seu amor, quase deixara escapar que estava apaixonada e isso a assustava.
             Era aquilo mesmo! -- Pensava enquanto mirava o corte.
         Mesmo que tentasse e negasse a todos aquilo que estava a sentir, não poderia se enganar naquele quesito.
             Sentiu Natasha se mexer inquieta, fitou-a.
            Ouviram batidas na porta, mas permaceram na mesma posição, fitando a retangular madeira.
            -- Posso entrar? -- Helena questionou.
         Leonardo fê-la ir até ali, pois temia que algo de ruim tivesse acontecido entre as duas mulheres. 
            -- Sim, pode! -- Valentina disse, enquanto continuava o trabalho.
            A esposa de Antonini entrou com um sorriso e trazia em suas mãos toalhas limpas. Observava as duas jovens com atenção. 
            -- Fico feliz que tenha assumido a função, pois há farpas que não estava conseguindo ver, é a idade! -- Disse com simpatia.
              A ruiva nada disse, apenas olhava os dedos executando a ação.
          -- Nath, Leonardo e eu achamos melhor que durma aqui… -- Pigarreou. -- Em qualquer quarto… Você escolhe...
              Valentina sentiu a face arder de vergonha ao imaginar o que se passava na cabeça daquele casal. Sabiam da sua conturbada relação com a arquiteta?
                -- Não é necessário, assim que terminar aqui retorno à cobertura.
             -- mas, filha está chovendo muito, soube pelo rádio que algumas árvores cairam nas avenidas e o trânsito está caótico. -- Dizia em preocupação. -- Fique só hoje, vou pedir para Luíza trazer o jantar aqui… Tome um banho e relaxe. -- Colocou os lençóis e a toalha sobre o sofá, depois de aproximou, observando como era cuidadosa a trapezista. -- Não acredito que encontraria uma melhor enfermeira para cuidar das suas dores! -- Beijou o topo da cabeça de Valentina, depois o rosto inflexível da ruiva. -- Ajeite essa cara! -- Falou brincando. -- Vou ver se meu marido não se embebedou com a garrafa de uísque!
               Helenas deixou o quarto e mais uma vez as duas permaneceram caladas.
           Natasha observava os aposentos e lembrava quantas vezes dormira ali. Não só na época da universidade, mas depois que deixara a prisão ficara um tempo com o casal, mesmo contra sua vontade. Na véspera de sua liberdade levara uma surra de outras detentas e ficara incapacitada por longos dias e recebendo os cuidados dos Antoninis.
             Eles sempre fizeram muito por ela, mais até do que ela merecia, pois nunca soube agradecer todo o carinho e cuidados que recebia deles.
           -- Pronto! -- A circense se levantou. -- Você precisa tomar um banho para depois eu fazer o curativo.
           Natasha se levantou devagar, sentiu câimbra, mas nada disse, apenas cerrou os dentes tentando aguentar o desconforto.
              -- Não se preocupe, faço isso depois! -- Seguiu até a calça.
             -- Por que é tão teimosa, Helena e Leonardo se preocupam contigo, não custa nada fazer o que ela disse… Você não está com uma expressão muito boa, parece que não descansa há mil anos, faça isso agora, aproveite. -- Pegou a toalha e o roupão entregando a ela. 
              -- E você não se importa? -- Passou a língua pelo lábio superior. -- Posso te atacar…
              -- Eu sei me defender! -- Disse com ar desdenhoso.
             A ruiva assentiu e seguiu até o banheiro, mas cambaleou e a trapezista foi rápida para segurá-la.
           -- Minha perna está incomodando muito! -- Disse irritada. -- Acho que a viga a feriu ainda mais! Droga!
                -- Calma, eu vou te ajudar… Apoie-se em mim! 
               Seguiram lentamente até o banheiro.
              Natasha se encostou à parede, trincando os dentes de tanta dor.
              A morena observou a expressão e sentiu vontade de amenizar aquele sofrimento.
              -- Deixe-me te ajudar! 
            Abriu os botões do colete e em seguida fez o mesmo com a blusa, deixando o sutiã na cor da calcinha a mostra. Observou as pintas que ela tinha no colo e desejou beijá-las.
               A arquiteta sentiu o desejo renascer, mesmo não estando se sentindo bem.
              -- É melhor que espere lá fora!
            -- Não, melhor que eu fique aqui, você pode cair… -- Disse bem perto dos lábios dela. -- Acho que precisa de um médico…
             -- Sim, mas não agora… -- Tocou-lhe a face.
          A morena observou a boca entreaberta vindo em sua direção e mesmo que soubesse que não deveria, acolheu-a.
          Os lábios de Natasha se moviam lentamente como se estivesse a provar de algo delicado…
  Valentina sentiu a língua encontrar a sua e capturou-a, deliciando-se, tomando-a para si como se fosse sua propriedade.
 Segurou o rosto da ruivas em suas mãos, desejando manter o contato.
  Chupou tão forte que a ouviu gemer, fê-lo novamente e mais uma vez e depois se afastou com os olhos negros arregalados e a respiração acelerada.
  -- Te espero lá fora para fazer o curativo!
   Natasha a viu sair e permaneceu no mesmo lugar.



             Nathália andava de um lado para o outro com a intimação nas mãos.
             Isadora se mantinha sentada, apenas encarando-a.
            -- Onde está a Valentina? -- Questionava irritada. -- Faz tempo que ela deixou o hospital e não retornou.
           -- Eu já te disse que tenho quase certeza que a trapezista tem alguma coisa com a Natasha e não me surpreenderia se ela tivesse ido atrás dela.
              A morena parou de frente para a duquesa.
          -- A senhora só pode estar louca, jamais a Valentina se interessaria pela minha odiada irmã… Por favor, isso é o maior absurdo que já ouvi da sua boca. -- Sentou na cama. -- Ela está magoada, normal, mas logo ela vai perceber como foi premiada em ser neta de um conde poderoso… Isso é o que preciso nesse momento, que minha futura esposa se aposse do que dela por direito.
            -- E se ela não aceitar o casamento? -- Isadora questionou com a sobrancelha arqueada. -- Eu temo que seus planos não sejam tão infalíveis, ainda mais depois da Valerie ter se saído livre das acusações… E você ainda tem que prestar esclarecimentos pelo que vi dessa convocação! -- Apontou para o papel. 
             -- Isso é bobagem, faz parte do processo, é rotina…
             -- Eu acho que seu sumiço não foi uma coisa muito boa…
            -- Eu tive que fazer, o Afonso estava pronto para me matar a qualquer momento, eu precisava modificar os planos. 
            -- Deveria ter me contado, pois eu teria ido até a Valentina e trazido-a para ficar comigo e não permitiria que Natasha se aproximasse…
            Nathália voltou a se aproximar da mais velha com as mãos na cintura.
           -- Diga-me, vovó, por que a senhora acredita que houve algo entre a minha namorada e a minha irmã? -- Meneou a cabeça negativamente. -- Até a ideia é absurda! Talvez quando a Natasha se passava por mim, mas agora? A senhora não conhece os gostos da Valentina… Mesmo tendo sido criada de forma miserável, é uma lady, eu sei disso, lembro bem como foi difícil me aproximar dela, conquistá-la, fazê-la me querer… -- Exibiu um sorriso de deboche. -- É tão boba que sempre dizia que queria casar comigo totalmente pura, que desejava se entregar apenas em nossa noite de núpcias! -- Gargalhou. -- Quem tem esse tipo de comportamento tão idiota e aceita as investidas da Natasha? Ela é uma bárbara, você sabe bem disso!
            -- No final, a Verônica acabou querendo!
            A neta favorita da duquesa fechou as mãos ao lado do corpo ao ouvir aquelas palavras.
            -- E pagou por isso, pois o plano sempre fora destruir a minha irmanzinha, infernizar a vida dela até que nós a destruiríamos de uma vez por todas.  
            -- Sim, eu sei, e tudo estava bem planejado, mas ela se apaixonou pela esposa, quis sair do jogo e se não tivéssemos agidos teríamos sido denunciadas. 
             Nathália ponderava sobre tudo, parecia compenetrada em seus pensamentos, até que voltou a fitar a avó.
             -- Onde está as cartas? 
             A duquesa pareceu confusa, mas então lembrou.
            -- Ainda seguem com o processo, não foram devolvidas.
           -- Sim, sim,mas eu tenho cópias, tenho cópias de todas, devem estar nas minhas coisas, preciso achá-las.
           -- Vai entregar para Valentina? -- Questionou curiosa.
      -- Não, isso daria muito na cara, tentarei deixar em um lugar acessível para que ela possa encontrá-las e se realmente você e suas desconfianças têm alguma relevância, isso será mais que suficiente para fazer a minha namoradinha odiar a cunhadinha dela. -- Completou em um sorriso.



          Valentina observava a comida que tinha sido trazida e parecia ter perdido a fome, mesmo diante do delicioso aroma.
            Seguiu até a janela e viu a chuva cair de forma implacável, cruzou os braços sentindo frio.
          Passou a língua pelos lábios e sentiu o sabor dela, ainda não foi possível aplacar sua vontade por aquela boca que parecia o pecado de tão deliciosa e linda que era. 
           Quase caiu em tentação e se entregou mais uma vez.
            Precisava ser mais forte para resistir.
           Ouviu passos, mas não se voltou, pois o arrepio na nuca era suficiente para saber de quem se tratava.
          -- Bem, senhorita, eu estou pronta! -- Disse bem perto da orelha dela. -- Pode terminar o seu trabalho.
          A morena se voltou, fitando-a, tendo-a tão perto que seu corpo roçou no roupão atoalhado preto.
          Observou os cabelos vermelhos presos em um coque frouxo, alguns fio emoldurava a face bonita.
            -- Sim, irei fazer o curativo agora! -- Seguiu para pegar as coisas.
            Natasha esboçou um sorriso, enquanto caminhava até a cama novamente, sentando-se.
            -- Amanhã estarei pronta para outra? 
          Valentina a repreendeu-a com olhar e logo se agachou e começou a limpar e a colocar as gazes. 
              Sentia a pele sedosa sob seus dedos e o delicioso cheiro que seu corpo exalava.
            A ruiva observava como ela agia com delicadeza e sentia o corpo arrepiado diante do inocente toque, parecia uma maldição a vontade de tê-la, de tomá-la para si e não permitir que nunca mais partisse. 
            A trapezista terminou, já se levantava quando a ruiva a manteve no mesmo lugar.
            A circense a fitou com os olhos negros estreitados.
            -- Já terminei, senhora!
            -- Eu sei, mas quero que continue aí, eu gosto dessa posição…
           -- Ah é? -- Questionou com um sorriso. -- Pois eu sinto muito, mas vai ter que satisfazer suas vontades idiotas com outras pessoas, pois comigo não vai chegar nem perto. -- Desvencilhou-se do toque, levantando-se.
          -- Por quê? -- Apoiou-se nos braços, inclinando o corpo para trás. -- Você está me devendo, afinal, te dei prazer e você não retribuiu ainda… -- Passou a língua pelo lábio superior. -- Eu quero transar contigo até o final… Beijar a tua boca e não parar mais.
             Valentina sentiu a pele arrepiar diante daquelas palavras.
             Não poderia ceder novamente a ela, não mesmo, já estava sofrendo bastante com tudo aquilo
            -- Procure a Rebeka e satisfaça suas safadezas! -- Retrucou corada. -- De mim não terá nada!
         -- Você é muito ciumenta! -- Falou com um sorriso largo. -- Não tenho nada com ela, meu amor, não tenho interesses!
         -- Mentira! -- Disse por entre os dentes. -- Ela foi até o hospital falar que estava contigo, deixou claro que ficaria contigo e eu com a Nathália.
         -- Nossa… A loira foi rápida e se mostra ainda mais inteligente do que eu imaginava… -- Levantou-se, indo até ela. -- Vamos conversar e tentar nos entender, é melhor.
            -- Me fala como você pretende fazer isso? Com seu sarcasmo? Suas provocações? Sua frieza?
            A ruiva nada disse durante longos segundos, apenas ficou a encarando.
            Respirou fundo, teve a impressão que o oxigênio não chegava aos seus pulmões. De repente sentiu a vista escurecer, caindo sobre o carpete.

Comentários

  1. que delícia de capítulo Hahahaha
    parabéns pela escrita 😄

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    1. Obrigada, meu bem, agradeço pelo carinho com a história.
      Um beijo

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  2. Não vejo a hora da Valentina descobrir todas as safadezas dessa dupla dos infernos,pois desconfio que já está próximo. Espero que as duas morram,pois só assim a Natacha terá sossego,se uma delas não morrer,irá armar para cima da arquiteta.
    Beijos autora.

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    1. Realmente, Val, essas duas ainda vão causar muito, ainda mais no tocante à Natasha, não será fácil vencê-las, mas no final, elas encontrarão um belo castigo.
      Um beijo.

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  3. Acho interessante a forma que Natasha trata Valentina , de uma forma muito singular ,visto que não teve carinho e afeto de quase ninguém...gostei muito deste capítulo é incrível !¡! Parabéns escritora! Milhões de beijos kkk

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    1. Olá, Lu, realmente a Natasha tem uma forma singular de lidar com a Valentina, mesmo tendo tido uma vida tão difícil, o amor que vem nutrindo a conduz a uma forma de agir bem peculiar...
      Um beijão...

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