Anjo caído -- Capítulo 32
O vento frio adentrava pelas cortinas.
A luz do sol reinava nos aposentos que trazia total decoração em bambu. O lugar era bonito e tinha uma elegância primitiva.
Havia dois cômodos, o que a Fercodini ocupava e o onde o bebê ficara na companhia de sua nova mamãe.
Sim, a arrogante e orgulhosa filha de Antônio não tivera forças para ficar no mesmo espaço com sua esposa. Não conseguiria conter o desejo de tê-la, ainda mais quando fora praticamente obrigada a lhe tirar todas as vestes, vê-la totalmente em pelo fora uma prova demasiadamente grande para seu autocontrole.
A babá observava a cena curiosamente, enquanto tinha nos braços a miniatura da Berlusconi.
Para a cabeça da moça passava como era uma bela famı́lia aquela, ainda mais a morena de cabelos e olhos negros como a noite.
Angelina conseguiu levar a esposa até o leite espaçoso. Deitou a cabeça da jovem em seu colo. Ajeitou o cobertor para que não expusesse o corpo bonito a outros olhares. Tocou-lhe a fronte, acariciando a franja que a deixava com aparência tão infantil. Observou os lábios rosados entreabertos, os dentes alvo se mostravam parcialmente. Com o polegar, tocou a pele vermelha da boca tentadora, recordando-se de como eles eram doces, como eram maravilhosos quando se encontrava com os seus, porém eram falsos, usavam o batom da mentira, enganando a todos que se encantavam com eles.
Desde que fora miseravelmente rejeitada, que tivera que ouvir daquela voz rouca que a relação de ambas fora apenas uma simples experiência, pior, quando ela falara todas aquelas coisas olhando em seus olhos seu mundo deixou de ter sentido. Odiou-a tanto que temeu fazer uma loucura, temeu não controlar sua fúria, temeu não se manter dominante de suas faculdades mentais.
Engoliu em seco!
Ainda sentia a angustia em seu peito, ainda doı́a a forma como Eduarda lhe tratara, a frieza de suas palavras e a futilidade de suas ações foram punhaladas demasiadamente fortes para suportar.
Desejara apertar aquele pescoço bem feito até ver os olhos perderem a vida, da mesma forma que desejara jogá-la sobre a cama e possuı́-la como um animal irracional faz a sua fêmea.
Feri-la! Destruı́-la como ela fizera consigo. Observou as pálpebras da Fercodini tremerem. Respirou fundo!
Vê-la tão frágil em seus braços lhe tirava do rumo dos próprios planos. Tê-la em seus braços, mesmo que desacordada, ressuscitava o sentimento tão avassalador que sentia, o amor tão poderoso que lhe ferira não só o peito, como sua alma encontrava-se totalmente destruı́da, as chagas se espalhavam e lhe tirava o ar.
Fitou a aliança que repousava em seu dedo.
Quando pensara naquele plano, soubera que não só destruiria a jovem que permanecia desmaiada, mas também a si mesma, mesmo assim teria um imenso prazer em fazê-la aprender a jamais brincar com o sentimento dos outros, ainda mais quando esse outro era uma Berlusconi.
Engraçado ela não recordar do que se passara em Las Vegas, pois mesmo estando dopada, a garota lutaram muito para não entrar no avião.
Angelina ainda tinha as marcas das unhas em sua carne.
Flávia fora sua maior ajuda, providenciando passaportes para que pudessem dar entrada nos documentos, quanto à criança, não fora difı́cil, ainda mais porque enquanto esteve na Alemanha pedira para que o advogado investigasse todas as oportunidades para uma possível adoção, pensara em fazer uma boa surpresa para a mulher que amava, irônico que ela quem fora surpreendida.
Observou quando os lindos olhos se abriram.
Era possível se iludir diante daquele mar calmo e confuso. Duda fitou-a!
Sentia o cheiro daquela mulher invadir suas narinas, o toque em seu cabelo.
Mirou a boca tão próxima da sua, vendo a cicatriz que lhe dava uma aparência selvagem, primitiva, passional e cruel.
A parte de cima do biquı́ni escondia seios suculentos, deliciosos... Maneou a cabeça para afugentar tais pensamentos.
-- Diga-me que isso não passa de um devaneio, por favor... – Falou baixo em tom de súplica.
Observou no canto dos lábios da médica se formar um meio sorriso carregado de sarcasmo e desdém. Corou ao vê-la fitar sob o lençol que cobria seu corpo, viu a malı́cia presente naquele ébano.
A morena se levantou, enquanto Duda se apoiava no cotovelo para acompanhar-lhe os passos.
-- Sim, meu bem, é um sonho. – Pegou a criança dos braços da babá, dispensando-a com um gesto de cabeça. – Realmente é um verdadeiro sonho está casada com Angelina Berlusconi. – Completou quando ficaram sozinhas.
A Fercodini ignorou a prepotência que a herdeira de Antônio demonstrava, voltando a atenção para o bebê que parecia tão à vontade nos braços da médica.
Levantou-se, ajeitando o cobertor em seu corpo para não mostrar nada mais do que já mostrara.
Aproximou-se bem de Angelina, tocou a face da pequena que se encontrava vestida com um macacão jeans, rosa, os cabelos presos tipo Maria Chiquinha.
Os olhos negros da pequena se voltaram para si, então foi naquele momento que percebeu que aquilo era realmente a realidade.
Sua menina!
-- Oh, minha gatinha...—Tocou-lhe as bochechas rosadas. – Está tão fofa que estou com vontade de te encher de beijos inteirinha.
A criança exibiu a gengiva em um sorriso barulhento.
Angelina fitou Eduarda, vendo como o semblante dela mudara diante da pequena.
Por que aquela mulher se mostrava tão sincera diante da menina, quando agira como uma maldita vagabunda para si?
Deveria ser mais um teatro, afinal, descobrira que a jovem era uma atriz digna de Hollywood. Odiava-a mais ainda!
-- Vista-se! – Ordenou a esposa. – Já vi mais do que era preciso na noite passada. – Afastou, parando diante da porta. – Estamos indo para a piscina, senhora Berlusconi.
Duda sentiu as bochechas arderem diante da menção ao seu corpo, enquanto a via seguir com o bebê nos braços. Teria acontecido algo entre elas?
Teria Angelina feito algo enquanto estava dopada? Seria ela tão doente a ponto de algo assim?
Mordiscou o lábio inferior demoradamente.
Ainda não conseguia acreditar que fora vı́tima de uma trama tão perfeita! Caminhou até o espelho, deixando o cobertor cair.
Mirou o próprio reflexo, vendo o quão corada estava naquele momento.
Se realmente estava casada com aquela mulher, teria muitos problemas a enfrentar, mas não sossegaria enquanto não provasse que aquele matrimônio era falso, que fora drogada para participar daquilo. Nem todo o poder da Berlusconi a livraria do poder da justiça.
Observou que sobre a penteadeira havia um documento, era o registro que trazias as assinaturas de ambas. Las Vegas!!!!!!
Não havia dúvidas do ato miserável que fora tão bem arquitetado.
Em um ataque de fúria, rasgou-o, deixando-os aos pedaços, enquanto lágrimas de frustração lhe molhava a face.
Flávia estava sentada em seu consultório.
Conseguira falar com a Angel naquele momento e mesmo diante da narrativa que ouvira da médica, ainda não se convencera que fora uma boa ideia ajudar naquele plano.
Contara a morena sobre a fúria de Henri, pois ele não acreditara na história de congresso, pois investigara tudo e nada ficara sabendo daquele evento.
Ele era o pai da Eduarda!
Ainda estava atônita com aquele fato.
As coisas só parecia piorarem, ainda mais quando Mattarelli soubesse o que sua amada pupila fizera com a sua filha.
Cobriu o rosto com as mãos, respirando lentamente, tentando controlar a ansiedade pelas cenas dos próximos capı́tulos daquela história.
A porta de sua sala foi aberta de forma abrupta. Suspirou, fitando alguém que já esperava.
Observou a expressão furiosa de Ester.
A moça estava parada diante da sua escrivaninha. As mãos estavam apoiadas nos quadris e podia ouvir o bater impaciente do pé dela no assoalho.
Sim, sua doce namorada não parecia nada doce naquele momento.
-- Onde está a Duda?
Pela enésima vez repetiria a mesma mentira.
-- Já disse, meu amor, está participando de um congresso. – Odiava-se por está falando aquilo para a mulher que amava. – Ela voltará daqui a dois dias.
Aquela última informação não era certa, porém imaginava que seria assim, afinal, haveria uma grande festa para comemorar o aniversário da rede hospitalar Berlusconi e a Angelina já confirmara que estaria presente.
Mirou os olhos verdes se estreitarem, parecia não acreditar em nada que ela falava.
Não desejava lhe faltar com a verdade, mas sabia que se falasse algo, a guerra começaria naquele momento. Se não fosse trágico, seria cômico ver aquela expressão tão alterada.
Sabia como aquela jovem deveria estar processando todos os fatos em seu cérebro, conhecia aquele olhar maravilhosamente sedutor.
Levantou-se, dando a volta, seguiu até perto dela. Encostou-se à escrivaninha, trazendo a amada para seus braços. Tentou beijá-la, mas a ruiva virou a cabeça não permitindo a carı́cia.
-- Onde está a Berlusconi?—Questionou-a ainda mais desconfiada.
Flávia circundou-lhe a cintura, trazendo-a para mais perto, adorando o contato ı́ntimo entre os quadris. Pacientemente pousou os lábios em seu pescoço, inalando o aroma delicioso, beijando-o.
-- Está viajando! – Disse em seu ouvido. – Ela tinha um monte de coisas para resolver.
Mesmo sabendo que não deveria ceder antes que sanasse todas as suas desconfianças, Ester inclinou a cabeça para sentir melhor o carinho em sua pele.
Cada dia que passava, mais sentia o amor pela Tavares aumentar.
A relação de ambas parecia ficar mais séria, até mesmo a levara para conhecer sua famı́lia.
Sua mãe já começava a reclamar, pois a ruiva passava a maioria das noites no apartamento da namorada.
Sempre que saia do trabalho do shopping, deparava-se com a loira a sua espera, ou em muitos casos, ela tomava um sorvete e a esperara. A` s vezes iam ao cinema, mas em sua maioria, seguiam para a casa, ávidas para se amarem novamente e novamente.
A boca foi capturada em um beijo lento, torturante... Encontrou a lı́ngua travessa, capturando-a, prendendo-a, chupando-a forte...
Sentiu as mãos abrirem seu jaleco, explorando por baixo da camiseta, acariciando os seios sobre o tecido de seda
do sutiã...
Gemeu contra aqueles lábios ao sentir os dedos longos explorarem a pele do busto.
A loira sempre evitava tocá-la no hospital, mas naquele momento estava cheia de desejo, ainda mais porque há dois dias a namorada não aceitava seus convites para passar a noite em sua cobertura. Ela estava brava, chateada, pois não acreditava que a Eduarda tivera realmente que se ausentar por motivo de trabalho.
Baixou a cabeça para sentir os seios redondos com boca. Ester mordeu a lı́ngua para não gritar.
Adorava a forma como a amada mamava, adorava a tortura que a lı́ngua fazia em seus mamilos. Ouviram o bip da doutora, afastaram-se.
A ruiva, corada, ajeitou a roupa, enquanto observava a expressão de frustração da médica.
-- Precisarei ir. – Tocou-lhe a face. – Mas prometa que jantará comigo hoje, prometo cozinhar para ti.
Ester desejava dizer sim, mas ainda seguia cheia de desconfiança com o sumiço da amiga, ainda mais porque recebera telefonemas de Bruno, o rapaz procurava a Eduarda e realmente era estranho ela ter viajado sem avisar a ninguém.
Suspirou, fazendo um gesto afirmativo.
Recebeu um beijo na fronte, enquanto a médica lhe dava as costas e começava fazer umas chamadas internas. Onde estaria a Fercodini?
Até mesmo Pigmaleão não se encontrava em seu apartamento e aquilo não era normal, pois o costume seria ter deixado o pet aos seus cuidados, mesmo que nos últimos tempos, Eduarda estivesse um pouco distante de si.
Tentara descobrir o motivo de ela ter agido daquele jeito com a Berlusconi, mas ela apenas desconversava ou pedia para que não tocassem no assunto.
Não acreditava naquela história da relação que ela tivera com Angelina fora apenas um experimento, uma vingança, conhecia bem a Duda para saber que ela não era de agir dessa forma. Acompanhara o sofrimento dela pela filha de Antônio e sabia que por trás de tudo aquilo havia muito mais do que ela dissera.
Flávia voltou-se para ela novamente.
-- Preciso ir, meu bem!
-- Sim, mas antes, preciso que me jure que a Maria Eduarda está bem.
A loira engoliu em seco.
Não poderia garantir aquilo, mesmo sabendo que a Angelina não ser capaz de usar violência fı́sica, também sabia que ser alvo da vingança da Bersluconi deveria ser uma experiência terrível.
Não podia negar que odiara a forma como a Fercodini agira, tivera verdadeiro desejo de estrangulá-la, porém agora já ficava a se perguntar se deveria ter ajudando a amiga naquele plano.
Antes que voltasse a fazer um juramento falso, seu bip tocou novamente.
-- Preciso ir, amor, conversamos à noite.
Ester sentiu o beijo rápido, enquanto a observava deixar a sala, deixando-a com suas dúvidas e seus temores.
Duda seguia irritada para fora do quarto. Estancou perplexa diante da beleza do lugar.
Estavam hospedas em um bangalô em forma de ocas, o telhado imitava palhas. Fitou a piscina.
Havia uma cascata que parecia ser natural, desaguando dentro do enorme reservatório de água. A expressão taciturna que ela exibia não parecia combinar com aquele paraı́so.
Levou a mão aos cabelos que estavam presos.
Fitou as inúmeras espreguiçadeiras, as mesas e seus guarda sol buscando ali a filha de Antônio. Observava um casal perto de si, eles conversavam em espanhol.
Onde estava?
Como alguém poderia armar algo daquele tipo apenas para vingar o ego ferido?
O que ela queria? Que continuasse a se relacionar com ela depois de tudo o que viu? Não se enganaria mais!
Mais uma vez voltou a buscar Angelina em meio à multidão, já se preparando para pedir informações a um dos inúmeros garçons que estavam por ali.
De repente a mesma jovem que viu em seu quarto com a criança nos braços, aproximou-se de si.
A moça era muito bonita, tinha uma pele bronzeada e o sorriso que lhe dirigia era cheio de simpatia.
-- Olá, senhora Berlusconi – Falava com o sotaque carregado – Sua esposa está na área infantil. – Apontou a direção. Eduarda suspirou impaciente.
Ouvir alguém chamá-la daquele jeito lhe tirara um pouco da racionalidade que tentava a duras penas preservar.
-- Ela não é a minha esposa e eu também não sou a senhora Berlusconi! – Vociferou entre os dentes.
A moça pareceu confusa.
A Fercodini ainda pensou em explicar o que se passava, mas percebia que nada adiantaria falar com alguém que não conhecia história. Não desejara ser grosseira com a jovem, mas sua raiva não parecia saber que seu alvo não era aquela menina.
Seguia por entre as pessoas, vendo os olhares cair sobre si.
Decerto o fato de estar usando calça jeans e camiseta era estranho para eles que exibiam os mais variados trajes de banhos.
Negara-se a vestir os minúsculos biquı́nis, negava-se a participar daquela encenação. Tentara ligar para Ester, mas não havia linhas telefônicas em nenhuma parte daquele lugar. Só podia ser o fim do mundo!
Seguia, sentindo a fúria crescer progressivamente em seu peito, mas parou a alguns metros de onde estava a causadora de tudo aquilo.
Angelina jazia dentro da piscina, tinha o bebê em seus braços, banhando-a.
Era possível ouvir o som estridente da pequena quando a médica lhe molhava a face ou fazia movimentos dançantes.
Viu-a sacudir as pequenas mãos imitando o gesto da morena.
Notou quando a menina fizera gesto para chorar e a filha de Antônio, abraçou-a, parecia sussurrar algo em seu ouvido até que a pequena exibisse mais uma vez o riso.
Sentiu um aperto em seu peito!
Realmente pareciam se tratar de mãe e filha. Eram lindas juntas!
Mirou atenciosamente o perfil da herdeira dos Berlusconis.
Estava ainda mais linda com um enorme sorriso iluminado a face. Não havia arrogância, sarcasmos, apenas uma expressão maravilhosamente maternal.
Ouviu o latido bem conhecido.
Pigmaleão corria para si, enquanto seu olhar era capturado por outro. O cãozinho denunciara sua presença!
Viu os olhos negros se estreitarem ao fitá-la, observou como naquele momento os lábios que antes se mostravam sublimes, demonstravam escárnio, viu o relancear de sobrancelha.
A mirada que a percorria dos pés que estavam descalços, retornaram ao seu rosto. Eduarda não conseguiu sustentar aqueles olhos por muito tempo.
Agachou-se para afagar o pet.
Ele recebeu o carinho e rapidamente retornou para a borda da piscina onde parecia fascinado observando a médica e a garotinha brincarem.
Por que todos se enamoravam por aquela mulher?
Tentava não permitir que tais questionamentos lhe confundissem os pensamentos.
Empertigando-se, caminhou a passos seguros, parando diante delas.
Vendo que não receberia atenção se estivesse tão alta, sentou sobre os calcanhares.
-- Exijo que me leve de volta agora mesmo! – Ordenou usando o tom baixo.
Não queria fazer escândalos, mesmo havendo poucas pessoas naquela parte, não desejava se expor tanto.
A morena pareceu ignorá-la, enquanto fingia que mordia os dedos minú sculos do bebê que parecia adorar a brincadeira.
A Fercodini praguejou mentalmente, pois não desejava que a filha aprendesse tais vocabulários. Já se preparava para falar novamente, quando ouviu o tom rouco e baixo.
-- Onde está seu traje de banho? – Angel questionou, enquanto se aproximava mais da borda. – Se não percebeu, não estamos em um lugar para usar... – Mirou-a desdenhosamente. – Jeans...
-- É uma pena para você doutora, mas me vestirei da forma que desejar... Antes que terminasse a frase fora puxada para dentro da água.
O gargalhar debochado de Angelina irritou tanto Eduarda que só não partiu para cima dela, devido à pequena que estava nos braços da médica.
Tentava se recuperar do susto, respirando com calma, limpando o rosto.
-- Está louca! Só pode! – Acusou-a.
Mirou as luvas que a morena usava, parecia ter voltado a se esconder.
-- Não vai assustar nossa filhinha, não é, amor? – Ironizou, entregando-lhe o bebê. – Ela está assustada! Sua culpa!
Eduarda segurou a garotinha nos braços, vendo que ela já fazia careta para chorar, mas acalentou-a, fazendo-a rir novamente.
-- Você gosta de água, anjinho? – Pegava o lı́quido com uma das mãos, molhando sua cabecinha.
-- Pensei que o nome de anjinho só fosse usado comigo. – Provocou-a com um sorriso, enquanto lhe soltava os cabelos.
Duda tentou permanecer ereta, enquanto sentia a médica parada as suas costas. Só percebeu que prendia o ar quando a viu novamente a sua frente.
-- Só se for um demônio, pois de anjo você não tem nada. – Mirou-a, enquanto brincava com a criança. – Onde estamos hein? Acha que não vi o documento falso do nosso casamento? Te denunciarei, anularei essa farsa que você inventou. – Ameaçou-a. – Imagina todos os jornais e revistas estampados com sua foto...
Angelina se aproximou mais, falando em seu ouvido.
-- Imagino que vão vender muito, afinal, não é todos os dias que a herdeira dos Berlusconis embelezam esses meios de comunicação.
-- Será presa! – Disse irritada.
Mais uma vez viu o arquear da sobrancelha esquerda.
-- Faça-o! Então você fica sem esse bebê lindo, porque jamais conseguira tirá-la de mim, jamais, meu amor!
Duda fitou os olhos negros, vendo como demonstravam crueldade naquele momento.
-- Está usando um bebê inocente para me manter presa em um casamento onde não existe nenhum tipo de sentimento, apenas a sua sede de vingança?
Angelina fechou as mãos fortemente.
-- Sim, estou usando-a para isso ou pensou que ficaria tudo bem, ainda mais quando me usara para saciar sua curiosidade, quando criara uma vingança louca em sua mente pervertida para me ferir.
Eduarda ouvia o tom baixo, desejando jogar na cara daquela mulher tudo o que ela fizera, como se agora pudesse reclamar de algo quando a traı́ra de forma miseravelmente.
-- Então realmente levará a cabo esse plano ridı́culo?
-- Sim, mas você pode anular o casamento a qualquer momento, pode dizer que a dopei, que te levei para Las Vegas contra sua vontade, não é obrigada a ficar comigo. -- Seguiu até a borda, acariciando o Pigmaleão que parecia muito comportado, fitando-as. – Se desejar te indico um ótimo advogado e até apago os honorários.
A Fercodini mirou os olhos inocentes da criança que tinha em seus braços, observou-a bater com os braçinhos na água, gargalhando quando o lı́quido espirrou em seu rosto.
Abraçou-a forte, sentindo o cheiro doce que se depreendia dela. Poderia vencer a Angel em uma briga judicial?
Deus, aquele bebê não merecia ser um joguete nas mãos de ninguém! Angelina a fitou novamente.
-- Então, como vamos fazer?
-- Acha que essa vingança vai te trazer algo de bom? Jamais imaginei que tivesse um ego tão demasiadamente grande. – Provocou-a. – Não consegue aceitar que você não é tão irresistível assim, doutora?
A Berlusconi desviou o olhar.
Não era ego, mas jamais confessaria isso a ela.
Sua dor era imensa, sua alma estava tão ferida que apenas desejava ferir da mesma forma. Ao voltar a fitá-la, parecia querer transpassá-la.
-- Aceitarei o que me propõem, Angel, o farei por essa criança inocente, por um bebê que não merece fazer parte desse jogo sujo, mas eu farei... – Fez um gesto de assentimento com a cabeça. – Vingue-se em mim! Desconte suas frustrações em mim, só acho que isso não adiantará muito!
Angelina sabia que ela aceitaria, mas não sabia que o gosto seria tão amargo para si.
-- Sabe quais são os termos desse casamento. – Provocou-a. -- Sabe que aceitará tudo o que eu fizer, aceitará ser ridicularizada por minhas amantes e não poderá falar nada.
-- Conte-me uma novidade!
A morena sentiu ainda mais raiva ao ver a expressão de calmaria que a jovem exibia.
-- Ah, também terá que ir para cama comigo quando for de minha vontade. – Sorriu internamente ao ver a expressão de horror tirar a paz que ela buscava exibir. – Não se preocupe muito, talvez eu não tenha muito tempo para degustar do seu corpinho. – Piscou. – Mas quando eu desejar, você vai ter que ceder.
Eduarda sentiu os lábios frios pousarem eu seu rosto.
-- Fique com nossa filhinha, tenho um compromisso. – Beijou os cabelos molhados da garotinha. – Não demore aqui, não quero que ela fique doente.
Duda observou a “esposa” deixar a piscina.
Viu como o bebê pareceu chateado com a ausência da médica, fitando-a se afastar. Acalentou-a para que chorasse.
Literalmente acabara de fazer um pacto com o demônio só para não perder o bebê que parecia ter se apaixonado pela mamãe morena.
Tentava não pensar no que estava por vir, no que enfrentaria tendo a Berlusconi agindo tão abertamente, feriando- a com seus casos. Poderia feri-la ainda mais do que fizera tendo transado com a Patrı́cia enquanto lhe jurava amor?
-- Que ela fique com quem desejar, contanto que eu tenha você ao meu lado, meu amor. – Beijou-lhe a fronte. – Acho melhor sairmos, viu, ou vai acabar virando um peixinho.
Sob os protestos chorosos da garotinha, Eduarda saiu da água.
-- Vamos, Pig! – Chamou o pug. – Vamos para o quarto.
O animalzinho seguiu, acompanhando-a.
Passaram mais um dia no México.
Só depois que Eduarda ficara sabendo que tinham parado ali, pois Angelina tivera que resolver alguns problemas em uma das filiais do hospital.
Não voltara a cruzar com a médica, até o dia que tiveram que embarcar de volta.
Ficara feliz por isso, pois não desejava brigar novamente com ela, pior, não desejava que lhe cobrasse sexo, coisa que deixara claro que faria quando sentisse vontade.
Seguia pela pista onde a aeronave que ostentava a marca Berlusconi estava esperando os passageiros.
A criança se mostrou inquieta em seus braços e ao se virar antes de chegar à escadaria, percebeu o motivo do alvoroço.
Angel se aproximava.
Usava uma roupa impecavelmente passada, terninho moldando bem seu corpo, calça social, tudo nas cores pretas. Os cabelos estavam soltos como de costume, usava óculos de sol e trazia uma pequena valise.
Desviou o olhar, mostrando a filha o cachorrinho que estava dentro de um suporte para cães.
-- Oh, como essa garotinha tá linda! – Deixou a pequena mala no chão, tomando o bebê nos braços.
Duda sentiu o cheiro dela lhe invadir as narinas. Aquele aroma era tão único que não havia como confundi-lo.
-- Quem te vestiu assim? – Observou a roupinha felpuda, com uma touca que tinha orelhas. – Tá parecendo um ursinho.
Parou diante da esposa, fitando-a.
-- E você, amor, como está?
Duda observou que logo atrás de ambas estava uma bela mulher junto com o piloto.
Teve vontade de respondê-la, mas acabou seguindo para dentro do avião, levando o pug consigo. Uma das comissárias de bordo ajudou-a, instalando Pigmaleão no lugar reservado a ele.
Duda sentou-se na poltrona que ficava no corredor.
Não tardou muito para Angelina se juntar a ela, mas não tinha a criança nos braços, então percebeu que a bela mulher seguia com a pequena para a poltrona atrás da sua.
Fitou a esposa e viu que ela parecia irritada, nem mesmo pedira licença para ocupar a poltrona da janela.
A Fercodini já se levantava para ir ao encontro da filha, quando sentiu um aperto na mão, obrigando-a a voltar a sentar.
-- Deixe-me! – Soltou-se com um safanão. Voltando-se a se acomodar. – Por que a minha filha vai viajar com uma estranha ao invés de ir comigo?
Viu os olhos negros se estreitarem ameaçadoramente.
-- Como você ousa me dá as costas diante das pessoas, dando-se ao luxo de ignorar totalmente a minha pergunta? – Falava em tom baixo. – Acho que vai poder agir como desejar? – Segurou-a pelos ombros. – Não me provoque ou me ridicularize diante dos outros.
-- Ah, então eu preciso atuar também nessa comédia? – Ironizou. – Ah, deveria ter me dito que deveria usar os meus talentos de atriz.
Antes que a médica pudesse retrucar, teve os lábios tomados em um beijo. Eduarda lhe puxou mais para si.
Usou a lı́ngua para incitá-lo, delineando a boca, até invadi-la, tocando-lhe de forma ousada, passeando por todos os cantos.
Algo dentro da médica se agitou, tomando o controle da carı́cia, beijando-a mais impetuosamente... Sugando-a, chupando com avidez... Desejando prolongar aquele toque por muito tempo.
Mesmo que jamais admitisse, aqueles últimos meses foram um verdadeiro inferno. Fechava os olhos e se recordava daqueles lábios, daqueles beijos...
Duda ouviu o gemido que a morena esboçou, então, afastou-se. Não teve como evitar de não senti-la, de não desejá-la novamente. Mascarou os sentimentos, exibindo total ironia.
-- Então, doutora, gostou da minha performance? Angelina exibiu um sorriso arrogante.
-- Já te disse que você é digna do oscar? -- Tocou-lhe a face. – Preciso me lembrar de que isso é apenas encenação. – Piscou, provocante. – Na cama vai ser tão boa também?
Duda sentiu as faces arderem.
-- Já posso pegar a minha filha agora? – Tentou mudar de assunto.
-- Deixe-a com a babá! – Observou-lhe a o rosto minuciosamente. – Imaginei que tentaria fugir, mas se mostrou muito comportada.
Eduarda lhe enviou um olhar irado, antes de se levantar para pegar o bebê, levando-o consigo. A criança se mostrou feliz em estar ao lado das duas.
Pode-se ouvir a voz do comandante, avisando-o que já decolariam.
A morena ajudou a jovem afivelar o cinto e também colocar a pequena em segurança.
Duda não gostava de aviões, por isso, permanecia quieta enquanto o pássaro de aço ganhava altitude.
Enquanto se mostrava assustada, a Berlusconi brincava com a filha, fazendo gracinhas, tocando-lhe as bochechas rosadas.
-- Como vai ser o nome dela? – Indagou, mirando a morena. – Não posso continuar chamando-a de bebê. Observou a médica abrir uma pasta lhe entregando um papel que tinha selo oficial.
Angelinne Cecı́lia Fercodini de Berlusconi!
Eduarda lia novamente o nome, lia onde estava claro quem eram as mães, lia onde se encontrava o nome da sua adorada Ceci.
Antes que pudesse falar algo, Angelina depositou um beijo na fronte da garota, depois se levantou, seguindo para a parte onde ficava a cabine do piloto.
-- Angel... – Sorriu, tomando as pequenas mãos que pareciam pegar o registro. – Terá o nome das suas duas vovós... – Suspirou longamente. – E o da sua mamãe... Não basta ter os mesmos olhos dela?
A menina não parecia muito se importar com tais detalhes, apenas parecia fascinada com os brincos que Eduarda usava.
O voo fora tranquilo e já chegaram de volta ao paı́s à noite.
Seguiram para a cobertura da Berlusconi, porém mais uma vez ela sumiu, não seguindo com elas. Havia um motorista esperando para lavá-las.
Mesmo cansada, não conseguira dormir bem.
Deixara a filha dormir consigo na cama, pensava que a qualquer momento a médica chegaria e se deitaria ao seu Porém as horas passaram e não houve sinal da Berlusconi.
José dirigia pelo caminho escuro e deserto. Observava pelo retrovisor a amiga da patroa. Parecia cansada e triste.
Mais uma vez ela retornava para aquele lugar, mais uma vez fazia aquele trajeto para deixá-la lá. Flávia contara o que acontecera!
Estacionou em frente ao casarão.
A médica não o esperou abrir a porta, seguindo para o interior daquele decadente mansão.
O sábado chegou...
Flávia estava em total correria, pois tivera que checar se todos os detalhes da festa, ficara feliz ao perceber que tudo estava impecavelmente pronto.
Não conseguira falar com Angelina e tampouco fora procurada pela médica, apenas sabia que ela chegara, pois José estivera à disposição da médica.
Sentia-se meio que aliviada por Eduarda ainda não ter procurado Ester para reclamar sobre o que se passara, pois não fora fácil convencer a ruiva que tudo estava bem, mesmo que naquela noite tudo fosse parcialmente exposto.
Mirou o relógio!
Precisaria correr para se arrumar e ainda teria que passar para buscar a namorada. Suspirou!
Rezaria para que pudesse ter a chance de se explicar perante a mulher que amava.
Eduarda jazia deitada na cobertura com a filha e com o Pigmaleão. Usara um colchonete para que ficassem ao ar puro.
O sol já se escondia.
O pug latia, enquanto Ceci montava a barriga da Fercodini e gargalhava enquanto a mãe fazia sons de animais. Não tivera notı́cias de Angelina, até vê-la aparecer como um furacão onde estavam.
Ela usava um roupão preto e os cabelos estavam molhados. Então estava em casa!
A médica tomou a filha nos braços de forma delicada, beijou-lhe a face, entregando a babá que estava logo atrás de ursinho.
-- Agora se levante a vá se arrumar para ir à festa! – Ordenou a morena.
Então era esse o motivo da raiva que brilhava naqueles olhos escuros.
Dispensara o convite e pior, dispensara as maquiadoras e outras mulheres que vieram para ajudá-la nos preparativos para esse evento.
Duda respirou fundo, antes de se levantar, encarando-a.
-- Não irei a lugar nenhum, não acordei disposta a entrar nesse seu teatrinho.
Angelina fez um gesto para que a babá levasse a menina.
-- Não tire a minha escassa paciência, senhora Berlusconi! – Provocou-a ao usar o sobrenome.
Fitou a camiseta justa que ela usava, com um minúsculo short de malha, deixando praticamente as pernas longas de fora.
Tentou não permitir que o corpo reagisse à visão sensual.
Passou as mãos pelos cabelos molhados, tentando manter o controle.
-- Vá se vestir para que possamos ir à festa. – Pediu.
Eduarda a ignorou, caminhando até uma espreguiçadeira, deitando-se, cruzando as pernas, enquanto fechava os olhos.
Angelina pareceu surpresa com a arrogância que ela demonstrava, conteve um sorriso de escárnio, caminhando até ela, segurou-a pelo braço, levantando-a e mais uma vez praticamente arrastando-a até o quarto. Ouvia-a praguejar, sentia as unhas tentarem lhe ferir a pele e precisou desviar a face. Empurrou-a sobre o leito.
-- Vou cortar suas garras, gata selvagem! – Tocou o rosto que ardia. – Levante-se e vá tomar banho, tem trinta minutos para ficar pronta!
-- Não irei! – Praticamente gritou!
Não, não iria, ainda mais porque sabia que ela deveria ter passado a noite com outras mulheres e agora retornava a casa como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Não iria ser exibida como se fosse uma égua nobre.
A Berlusconi fez um gesto de assentimento, em seguida caminhou até ela, levantando-a com um puxão. Eduarda já se preparava para discutir quando a viu rasgar suas roupas, deixando-a apenas de calcinha e sutiã. Daquela vez a Fercodini não fez gesto para se cobrir, apenas fitava a esposa com olhar indignado.
-- Faça o que disse, antes que eu a vista, da mesma forma que a despirei totalmente.
Duda não deixou de encará-la, não deixou de fitá-la um só segundo, desafiando-a a tocá-la novamente, a obrigá-la a fazer algo que não desejava, afinal, esse era o casamento de ambas.
-- Leve uma das suas amantes, acredito que elas ficarão demasiadamente felizes em estar ao seu lado.
Angelina lhe deu as costas, seguindo até a janela, vendo como o sol já se despedia daquele dia.
Mais uma vez se perguntava se aquilo realmente fora o certo a fazer, mais uma vez pensava se aquilo valeria realmente a pena.
Passara a noite em claro, passara cada segundo pensando que as coisas pareciam sair do seu controle. Virou-se para a jovem.
-- Faça como quiser, mas levarei comigo a minha filha!
A Fercodini a viu sair e teve a impressão de ver algo naquele olhar, algo que preferia acreditar se tratar de mais uma das inúmeras faces daquela mulher.
Algum tempo depois...
Angelina vestia um modelo branco e longo, não tinha alça, apenas um decote que deixava o colo bonito ainda mais valorizado.
Usava luvas de seda!
Os cabelos estavam soltos, não usava muito maquilagem, apenas realçara os olhos negros e boca rosada. Sorriu ao ver a babá se aproximar com a criança.
Ela usava um vestidinho na mesma cor do da Berlusconi e uma tiara dourada estava no topo de sua cabeça, uma princesinha.
Estendeu os braços e viu a garotinha praticamente pular para si.
Aquela era a única parte boa de toda aquela história, sentia-se diferente quando estava com a filha, sentia-se mais humana talvez, até conseguia esquecer por um momento a sede de vingança.
-- Está linda, pequeno anjo! – Apertou-a mais em um abraço. – Vai deixar todo mundo encantado com esses olhinhos e esse sorriso desdentado...
A pequena Cecı́lia sorria com os gracejos da mamãe.
Angel já pensava em sair quando seus olhos foram fisgados pela esposa que descia as escadas. Perdeu o fôlego!
Por um momento deixou escapar um sorriso, por um segundo chegou a imaginar que aquilo era real e que era uma famı́lia feliz, um casal que se amava.
O vestido que escolhera caı́ra como uma verdadeira luva na jovem Fercodini.
O modelo em tubinho também era branco, preso ao pescoço por um delicado fio de seda. A roupa a deixou mais ereta, mais empertingada.
Mirou as penas cobertas por uma discreta meia, o salto elegante. Fitou-lhe o rosto.
Os cabelos estavam presos no alto da cabeça em um penteado que a deixava mais madura, mais feminina, mais adulta.
Seu corpo reclamou por ela!
-- Como está linda! – Duda pegou a filha dos braços da morena, parecendo não notar o olhar fascinado que a esposa lhe dirigia. – Estou pronta!
Decidira acompanhá-la, ainda mais ao saber que a filha iria junto, não desejava perder nenhum momento da vida da criança a partir daquele dia.
Mirou a mulher se afastar e tentou não se deixar fascinar por sua beleza, tentava não prestar atenção naquele charme que parecia tão inerente a ela.
Angelina caminhou até um cofre, abrindo-o, retirou um estojo, retornando para perto da esposa. Eduarda observou o colar de diamante.
-- Desejo que use essa noite! – Angelina retirava a joia, posicionando-se por trás de Duda.
-- Não gosto de usar essas coisas e acho que não me sentirei bem.
Sentiu a respiração lhe arrepiando os pelos da nuca.
Mordiscou o lábio inferior.
-- Era da minha mãe...
Eduarda inclinou a cabeça para o lado e pôde encontrar-lhe o olhar tempestuoso.
Apenas fez um gesto de assentimento, enquanto a sentia demorar mais do que o suficiente para executar um gesto tão simples.
Não sabia se era o ar quente que estava bem próximo ao seu pescoço ou se realmente recebera um beijo próximo à orelha.
-- Agora podemos ir! – Pegou o casaco.
Duda apenas assentiu.
Flávia olhava mais uma vez para o relógio de ouro que descansava em seu pulso.
Evitava fitar a namorada, pois percebia a indagação que estava presente naqueles olhos verdes.
Suspirou desolada!
Só em pensar que teria que lidar com a fúria da ruiva naquela noite, sentia vontade de chorar. Ouvia um dos acionistas discursar por incontáveis minutos.
O evento acontecia na mansão da Famı́lia Berlusconi.
Um palco fora montado no enorme jardim, as luzes iluminavam os gramados bem aparados, a área da piscina. Mesas foram colocadas em todo o espaço, onde não só todos os funcionários do hospital participavam do evento, como havia jornalistas, empresários, polı́ticos.
Depois de muitos anos todos pareciam ansiosos pela presença da herdeira de Antônio.
Ester estava ao lado de Flávia e fora ela quem fizera um gesto para a namorada mostrando Patrı́cia e Bruno, porém não fora aquelas figuras insignificantes que tomaram a atenção de todos, mas a entrada de Angelina de mãos dadas com Eduarda e tendo uma criança nos braços, deixando todos pasmos.
Mattarelli e Ester pareceram não acreditar no que estavam vendo.
Esperaram pacientemente que o belo trio chegasse até onde estavam, o que demorara um pouco, pois todos pareciam querer cumprimentar a médica.
-- O que se passa? – Ester questionou, fitando a loira. – Poderia explicar?
Flávia nada disse.
Observou quando o nome da herdeira fora anunciado, fechou os olhos inconscientemente quando apresentaram sua esposa e sua filha.
Naquele momento desejara que um buraco se abrisse no chão e pudesse sumir. Ester e Henri já seguiam em busca de explicação quando o trio subiu ao palco.
Duda recebeu o abraço da amiga, mas pareceu enrijecer quando Mattarelli se aproximou.
Angelina cumprimentou a todos, em seguida seguiu para o microfone, onde saudou a todos, mas não se demorou.
-- O que significa isso? – Ester indagou a Duda em determinado momento.
A Fercodini sabia que aquele não era o lugar para terem aquela conversa.
-- Prometo que falaremos em breve sobre isso!
Patrı́cia ainda estava de queixo caı́do, tendo Bruno ao seu lado.
-- Que brincadeira é essa? – Ela indagava, enquanto seguia para mais perto. – Aproxime-se dela e descubra o que aconteceu, pois não posso crer que todos os esforços que eu fiz foram em vão.
O rapaz sustentou o olhar de Angelina.
A médica seguia com a esposa e a filha para ocupar uma mesa, tendo Flávia, Ester e Henri em sua companhia.
-- Tenho certeza que sua adorável ex deve ter feito algo para forçar essa relação, estive com Duda todos esses dias e vi como ela estava segura de não perdoar a Berlusconi.
-- Então o que houve? – Gritou, mas o som alto da mú sica não permitiu que os outros ouvissem. – Vou matar essa desgraçada! Vou matá-la!
Bruno segurou a psicóloga pelo braço, pois a loira já se dirigia em direção à Fercodini.
-- Calma, porque assim você só vai ser expulsa desse lugar e ainda terá a fúria da Angelina só para si.
Patrı́cia engoliu em seco.
-- E acha que não já temos? – Questionou. – Decerto, sua amada já deve ter contado tudo.
-- Não, ela não fez! – Maneou a cabeça. – Se assim fosse, Angelina já teria partido para cima de nós, você conhece bem a médica, ela não é de mandar recados.
A loira pareceu ponderar.
-- Sim, você está certo! Mas então o que se passou?
-- Tenha calma, iremos descobrir, por enquanto, tente disfarçar sua indignação, assim se manterá longe do ódio mortal do amado anjo.
Ambos seguiam observando tudo, buscando explicações para aquele confuso capı́tulo.
Eduarda moveu as pernas e mais uma vez roçou na coxa da esposa. Os olhares se encontraram.
A mesa que ocupavam, além dos amigos, também estavam presentes alguns acionistas e esse era o motivo para que a conversa não chegasse ao tópico pessoal.
Henri se mostrava cabisbaixo, pois percebia que a filha continuava lhe tratando com ressalvas, não entendia o motivo e isso o estava perturbando em demasia, principalmente porque não sabia se naquele estado que ela se encontrava, saberia lidar bem com o fato dele ser seu pai.
-- Acho que ela está com sono! – Angelina disse à Duda sobre a criança. Eduarda fitou a garotinha que se mostrava chorosa.
-- Sim! – Disse suspirando. – Creio que é muito novinha para participar dessas festas.
A Berlusconi estendeu as mãos, trazendo-a para seus braços.
A Fercodini observava como a médica parecia ter jeito, como com sua voz baixa e rouca conseguia acalmar a pequena.
-- Vou levá-la para a casa. – Levantou-se. – Vem comigo?
Duda assentiu, enquanto aceitava a mão que ela lhe oferecia.
-- Você sabia! – Ester se voltou para a namorada. – Sabia de tudo isso e não falou.
A loira apenas fez um gesto afirmativo, parecendo sem forças para encará-la.
-- Mentiu pra mim! Armou contra a minha amiga quando eu pedi para que não se metesse nessa história.
A médica se voltou para ela, tomando-lhe as mãos nas suas.
-- Por favor, conversaremos depois sobre isso.
Alguns presentes já pareciam interessados na discussão do jovem casal.
Eduarda seguiu atrás de Angelina.
Nunca entrara na mansão dos Berlusconis, mas podia perceber que ela continuava intacta, os móveis, os retratos, nada fora mexido depois da morte dos donos.
Seu padrinho deixara a casa quando a esposa morrera, mudara-se para um apartamento.
Entraram em um quarto e teve certeza de que se tratava do cômodo da Angelina, não só pela decoração organizada, os livros, as fotos, mas pelo cheiro dela que estava presente ali.
Observou-a colocar cuidadosamente a garota na cama larga. Viu-a depositar um beijo na fronte da criança.
-- Vamos!
A voz da Angel lhe tirou do seu estádio de torpor.
-- Prefiro ficar aqui! – Duda caminhou até a varanda, observando as luzes que iluminavam a festa.
Não desejava voltar para o meio daquelas pessoas, ainda mais porque tinha que demonstrar algo que não sentia, precisava esboçar uma simpatia que não era verdadeira.
Sentiu quando a esposa parou a suas costas, colando-se totalmente a si. Se não tivesse que lidar com o desejo sexual tudo seria bem mais fácil.
-- Desejo que venha comigo, afinal, é a senhora Berlusconi, deve ser vista por todos. – Dizia contra o pescoço dela. – Quero que todos saibam o seu significado em minha vida.
Duda viu as mãos tocarem um pouco abaixo dos seios, mantendo-a cativa.
-- Qual o meu significado em sua vida? Um objeto de vingança?
Angelina decidiu ignorar a provocação.
-- Já disse como você está linda... – Posou as mãos sobre os seios dela. – Helena de Troia não chega aos seus pés.
Eduarda voltou-se para ela, usando os braços para mantê-la distante de si.
-- Acho melhor voltarmos!
-- Eu adoraria fazer outras coisas... – Encarou-a.
-- Acho melhor deixarmos esse teatro para outro momento!
A Fercodini saiu na frente, não esperando a reação da herdeira de Antônio.
A festa transcorria animada.
Muita comida, bebida e música da melhor qualidade.
Angelina conversava com algumas pessoas, enquanto Eduarda parecia se interessar pela bebida. Flávia pediu licença indo até onde estava a amiga.
-- Acho que está exagerando no álcool. – Ester ocupou a cadeira ao seu lado. – Você não é acostumada.
-- Preciso anestesiar meus sentidos, preciso... – Voltou a levar o copo à boca.
A ruiva notou o olhar perdido, a expressão de desalento, os olhos claros pareciam mais escuros, lembrava o mar quando estava agitado.
-- O que houve? – Pediu em tom baixo. – Conte-me!
Duda fitou a esposa que se encontrava em companhia de uma bela loira, conversando de forma animada. Odiou-a mais ainda!
-- O que houve é que eu sou a senhora Berlusconi! – Bebeu mais um pouco. – Fui dopada e quando despertei havia uma certidão de casamento com a minha assinatura.
Ester não imaginou que aquele plano fora tão terrível. Seu rosto demonstrava total espanto pelo fato ocorrido.
-- Não acredito que fizeram isso! – Disse horrorizada. – Vamos denunciá-la... Provaremos que ela usou de meios escusos para conseguir esse enlace.
A Fercodini esboçou um sorriso amargo.
-- Não posso! – Mordiscou o lábio inferior. – Preciso me submeter ao plano sujo da Angelina se eu desejar ficar perto da minha filha.
Ester praguejou tão alto que chamou a atenção de todos. A ruiva parou de falar ao ver quem se aproximava.
Bruno!
Olhou o lugar onde estava a Berlusconi e Flávia, mas não viu sinais de ambas, sentiu-se aliviada, pois sabia que se a herdeira de Antônio visse o rapaz perto da esposa seria uma verdadeira guerra.
-- Estive tão preocupado contigo, meu anjo! – Beijou-lhe a face ao sentar.
A ruiva não sabia o que era pior: O plano de Angelina ou aquele rapaz que parecia tão dissimulado. Tinha certeza que ele estava unido a Patrı́cia para destruir a amiga.
Flávia acompanhava a morena ao interior da mansão. Seguiram para o escritório.
A loira sentou, enquanto observava Angelina caminhar de um lado para o outro.
Sabia que tudo aquilo estava sendo muito difı́cil, sabia que ela lutava contra o poderoso sentimento que sentia pela
Esperou pacientemente que ela falasse, pois sabia que se perguntasse, ela se desvencilharia das indagações. Observou-a parar diante de um porta-retratos onde tinha sua mãe e ela quando ainda era apenas uma menina. Viu a tensão em suas costas.
-- Eu juro que continuo a fazer a mesma pergunta: Por que eu tive que ficar viva daquele maldito acidente? – Fitou a loira. – A minha vida desde aquele fatı́dico dia se resume a dor, a desespero...
Flávia viu as lágrimas lhe molharem a face. Seguiu até ela, mas foi repelida.
-- Por favor, afaste-se de mim... Deixe-me aqui...
-- Angel, sabe que sempre estarei ao seu lado, mesmo quando comete atos que não concordo...
Ouviu o sonoro sorriso nervoso dela.
-- Forcei alguém que não desejava estar ao meu lado a um casamento... Usei uma criança inocente para isso e sabe o que eu ganhei até agora? Dor!
Flávia a abraçou, sentindo-a sufocar o soluço em seu ombro.
-- Acho que mereço a Patrı́cia...
-- Não, você não merece aquela vı́bora, infelizmente está se deixando dominar pelo rancor, pela raiva... E' um ser humano, meu bem, um ser humano que fora ferido repetidas vezes e não sabe como agir diante disso.
-- Eu a amo tanto... Amo-a com todo o meu ser... Mas a odeio com a mesma intensidade.
A Tavares não sabia o que dizer, apenas torcia para que a amiga conseguisse exorcizar os demônios, que pudesse pensar no que estava fazendo, vendo que aquele não era o melhor caminho para seguir.
Patrı́cia observava o momento que Angelina deixava a mansão e teve sorte de que a médica não retornava à festa ao lado da Flávia.
Interceptou-a.
-- O que você quer?
-- Nossa, isso é jeito de falar comigo?
-- Não tenho tempo para seus teatros e tampouco para olhar para sua cara! – Passou as mãos pelos cabelos. – Quem te convidou hein?
A loira exibiu um sorriso.
-- Estou na companhia de um deputado, meu bem, ele me convidou e devo parabenizá-la, a festa está maravilhosa.
-- Então aproveite!
Já seguia quando a outra a segurou pelo braço, detendo-a.
-- Calma, eu também desejo lhe felicitar pela bonita famı́lia! – Desdenhou. – Só não acredito muito no amor da sua esposa, afinal, vocês ainda estão em lua de mel e ela já parece cair de encantos pelo ex-namoradinho.
A Berlusconi se desvencilhou bruscamente do toque e ao fitar na direção da mesa, comprovou que o rapaz parecia bastante à vontade.
Seguiu a passos largos, parando diante deles. Tomou a esposa pela mão.
-- Creio que me deve uma dança!
Antes que a jovem pudesse protestar, seguiu com ela até a pista. Uma balada romântica tocava.
-- Não sei mais o que faço para que entenda que não aceito que se aproxime desse idiota. – Dizia ao ouvido dela. – Sinta-se feliz por eu não ter feito um escândalo diante de todos.
Eduarda a encarou, levantando o nariz de forma petulante e atrevida.
-- Não estava fazendo nada de errado, ao contrário de você que parecia se derreter diante da morena que estava ao seu lado ainda pouco!
Angelina a apertou com mais força. Os seios se roçavam sobre os tecidos.
-- Não me importa o que estava fazendo, o que me importa é que não a desejo perto dele. – Tentou beijá-la, mas a jovem virou a face e a carı́cia foi em seu rosto. – Não me diga que já está com ciúmes? Eu ainda não fiz nada!
Viu as faı́scas saı́rem dos olhos claros.
-- Quero ir embora daqui! – Duda tentou empurrá-la. – Estou cansada!
-- Não seja por isso! – Tomou-lhe a mão. – Vamos agora mesmo!
-- E a Ceci?
-- A babá já deve estar em casa nesse momento com ela.
Duda não achou ser uma boa ideia estar em carro sozinha em companhia da esposa.
-- Não vai se despedir das pessoas?
Viu-a discar um número, percebeu que estava avisando ao motorista que já estava indo para o carro.
-- Não tenho motivos para isso!
Eduarda ainda abriu a boca para protestar, mas acabou seguindo em meio aos convidados. Caminharam em silêncio, dando a volta no jardim.
O carro estava estacionado no portão traseiro, assim não teriam problemas para deixar o local.
Viu José parado, esperando-a com a porta do veı́culo aberta, mas o que a deixou mais transtornada foi ver que se tratava da mesma limusine onde fora tocada pela primeira vez pela médica.
Cumprimentou o motorista com um abraço, depois adentrou o espaço, sentando, encostando-se à porta, fitando pela janela, tentando não encarar a mulher que se posicionara no banco diante do seu, sentia o olhar dela sobre si.
Ao fitá-la de soslaio, percebeu que estava com os olhos fechados, apoiando a cabeça ao banco. Fitou-a, aproveitando para ver como ela estava mais linda do que de costume naquela noite.
Sabia que não haveria um único ser em todo aquele mundo que não desejasse ter Angelina Berlusconi ao seu lado, ela mesma sentia o corpo clamar por ela, decerto o champanhe que tomara estava mexendo com sua libido.
Fechou os olhos tentando conter o desejo, mas sua mente estava sendo invadida por flashes dos momentos que fora deliciosamente amada pela doutora.
Ao voltar a mirá-la, os olhos negros estavam abertos, encarando-a.
-- Peça a anulação do casamento, denuncie-me por ter te obrigado a esse enlace.
Eduarda parecia confusa com o que estava ouvindo e temeu ser aquilo parte da sua imaginação.
-- Está brincando!
-- Não deseja se livrar de mim?
Eduarda desejou por tudo em sua vida que jamais tivesse cruzado o caminho daquela mulher, desejara nunca ter olhando naqueles olhos.
-- Não desejo ficar longe da minha filha e se aceito ficar contigo é por ela.
-- Eu juro que ainda não consigo acreditar que você apenas quis me usar, existe uma fagulha de esperança que ainda insiste em queimar dentro de mim, que ainda insiste em não acreditar nas palavras que me disse naquele dia.
Duda engoliu em seco.
Lembrava-se de cada frase que dissera, recordava-se da expressão de desalento que tomara o olhar da médica, mas também se lembrava das cenas que viu naquele vı́deo. Recordava-se das palavras do advogado, do que Bruno falara para si e isso fora o suficiente para despertá-la do amor que parecia dominá-la novamente.
Angelina seguiu até o banco onde ela ocupava, tomou-lhe as mãos nas suas, fazendo-a olhá-la.
-- Diga-me a verdade... Por que falara tudo aquilo? – Pediu, questionando-a em seguida.
-- Aquela é a verdade... A única verdade que existe, sei que deve ser difı́cil para alguém com seu ego aceitar que eu não morra de amores por ti, porém é isso.
A Fercodini viu o maxilar da médica enrijecer, percebendo a transformação em seu rosto, viu a linha fina que os lábios formavam.
-- Então permanecerá casada comigo? – Questionou-a não escondendo a irritação.
-- Já disse que ficarei ao seu lado pela Cecı́lia.
Sentiu a mão dela se fechar sobre o seu pulso, forçando-a a sentar em seu colo.
-- Acho que já que nosso matrimônio não será anulado, deve ser consumado...
Duda ainda tentou protestar, mas a boca fora tomada impetuosamente em um beijo.
eu amo muito essa história
ResponderExcluirSofrendo junto...
ResponderExcluirAhhh... estou viciada. Rsrs
ResponderExcluirMuito bacana a história.