Anjo caído -- capítulo 27


            O quarto estava à meia luz.
        Patrı́cia observava a sua obsessão deitava sobre lençóis brancos. Despira-a e lhe colocara o roupão branco.
       Sentou na beirada da cama, encantada com a beleza selvagem que mesmo desmaiada ela demonstrava. Tocou alguns fios de cabelos que caiam sobre sua tez.
           Quando a conheceu na universidade ficara deslumbrada por seu jeito doce e educado, mas fora a forma primitiva que Angelina conduzia uma relação sexual que lhe deixara totalmente perdida.
           Aquele jeito sério escondia uma personalidade passional ao extremo.
         O sexo nunca era o mesmo, sempre uma forma diferente de se amarem, de ser tocada, de ser possuı́da. Tocou-lhe a face.
           O corpo não estava tão frio como quando a jovem desmaiara.
       Tomara todos os cuidados para que a substância usada não fosse de forma alguma nociva. Amava-a!
        Jamais tentaria contra sua vida, mesmo odiando-a por ter sido trocada por outra, mesmo odiando-a profundamente por seu desprezo.
            Mordiscou o lábio inferior.
        Quem sentia as carı́cias da bela morena, a forma inusitada que ela seduzia acabava jamais esquecendo ou sentindo o mesmo com outras.
         Transara com muitas mulheres depois que se deixaram, mas nenhuma delas chegara perto o suficiente para levá-la à loucura.
            Ouviu-a balbuciar algumas palavras. Duda!
           A voz rouca e baixa não deixava dúvidas. Estava chamando por ela, estava implorando por ela! Levantou-se, cobrindo os ouvidos.
            Maldita!
            Maldita!
        Se ela não tivesse entrado em sua vida, com certeza, a médica teria corrido por seus braços assim que ficara sabendo que ela retornara ao paı́s. Sabia que ainda tinham algo, porém a garota estúpida aparecera para destruir tudo.
            Começou a andar pelo quarto.
         Precisava de um plano. Não podia sair pela má, isso faria com que a Angelina se afastasse ainda mais. O que precisava era conduzir a história para que a Eduarda destruı́sse esse sentimento, mas como?
         A decepção teria que partir dela, assim a herdeira de Antônio não poderia culpá-la por nada.  Ouviu batidas na porta, em seguida a presença de Bruno.
            O rapaz se aproximou da cama, mas Patrı́cia ficou a sua frente.
            -- Não toque nela! – Advertiu-o.
            Os olhos do jovem se estreitaram ameaçadoramente.
           -- Essa desgraçada roubou a minha namorada! Essa vagabunda iludiu a Duda com sua conversa mole, com seu papo estúpido. – Disse irritado.
          -- E nós teremos que ser muito espertos para poder dar a volta por cima. – Segurou-o pelo braço, afastando-o. – Se fizer algo contra a Angel, primeiro eu te mato e segundo a sua amada jamais aceitara você depois disso.
              A loira sentia a respiração pesada do garoto.
            Precisava mantê-lo distante da médica, pois sabia que o rapaz herdara a covardia do pai e ele agiria pelas costas sim para se vingar da morena.
             -- Se ela morresse tudo seria bem mais fácil!
        -- Se você encostar nela, eu estraçalho a sua namoradinha idiota. – Ameaçou-o. – Seja inteligente e não me desafie!
             Bruno abriu a boca para retrucar, mas pareceu ter mudado de ideia, apenas fazendo um gesto afirmativo com a cabeça.
              -- Ótimo! Agora me diga como foi com a Eduarda? Ele exibiu um sorriso convencido.
           -- Digamos que foi muito melhor do que pensei... Sabia que a Duda estava aos prantos por causa de um bebê que perdeu a mãe em um acidente e agora a criança foi levada para um orfanato.
               Os olhos claros da loira brilharam.
               -- Uma criança?
               -- Sim!
               A psicóloga mordiscou o lábio inferior, pensativa.
               Ponderava como poderia usar algo assim contra aquela relação.
               -- Eu prometi ajudá-la a ver a garotinha, preciso apenas descobrir onde a levaram.
               -- Mas o que a Eduarda quer com essa criança? O que isso me ajudará no nosso plano?
               -- Eu não sei, só sei que ganhei até abraços e beijos. – Piscou.
               -- Idiota! – Fitou-o. – Eu preciso de algo para usar, algo mais concreto e poderoso.
               -- Você disse que tinha um plano e que eu deveria me aproximar dela para te ajudar. – Voltou a fitar a médica. – Por que não tira umas fotos constrangedoras com essa aı́ e mandamos para a Duda? A relação acabaria em um instante!
              -- Não é ela que tem que acabar, querido, é a Angel que precisa se decepcionar e não desse jeito. Ela me mataria, eu sei, precisamos fazer algo que ela não suspeite do meu envolvimento, assim vai ser um golpe de mestre.
               -- E como fará isso?
              -- Não sei! – Repetiu impaciente. -- Mas eu vou fazer algo que a Angelina não vai mais atrás da sua namoradinha, vou fazê-la se decepcionar pior do que foi comigo.
                -- Como? Antônio está morto e não acho que a Duda transaria com ele! – Debochou.
                -- Acredite que pode ter coisas piores! – Respondeu ignorando a provocação.
                -- O quê?
               -- Não sei ainda, mas tenho alguns fatos que poderei usar no futuro. Por enquanto, continue ajudando a Duda com essa criança e me mantenha avisada de todos os passos.
                -- Preciso de dinheiro para fazer as coisas. Não tenho mais nada.
                -- Darei um cheque. Agora me traga bons resultados. 
                O jovem fez um gesto afirmativo.
              Ambos tinham um acordo e sabiam o que desejavam. Jogariam todas as cartas e arriscariam todas as fichas para conseguirem o que tanto almejavam.
                 Mais uma vez ouviram batidas na porta. 
                 O advogado.
                 -- E então? – O homem perguntou.
                -- Vou vesti-la e você irá levá-la. Deixe-a no apartamento, melhor, ligue para Flávia e peça que te ajude.
                 -- Mas o que eu falarei? – Marcelo questionou preocupado. – Não quero ter problemas.
                 -- Diga que ela passou mal, mas que o médico já tinha medicado-a, por isso dorme.
                  -- Ela não vai acreditar!
                 Patrı́cia caminhou até a escrivaninha, retirando um papel.
                -- Entregue isso! O médico que a atendeu, decerto vai ligar para saber o que houve, o doutor explicará tudo.
                    -- Se a senhora diz.
             -- Sim, leve o papel do divórcio, isso vai ser bom, vou soar inocente e ninguém será prejudicado. – Voltou a se aproximar do leito. – Agora saiam que irei vesti-la.
                    Os homens se retiraram, deixando-a sozinha com a desmaiada.
                 -- Bem, Angel, não se preocupe, você vai sofrer um pouco, mas eu estarei de braços abertos para te aceitar novamente. – Sentou, aproximando os lábios dos dela. – A sua amada Duda vai te destruir, mas eu estarei lá para te salvar, te salvarei, meu amor, e assim poderemos ser felizes para sempre.


                Flávia seguiu direto para a cobertura da amiga. Entrou e não viu resquı́cios de sua presença.
                Já ligava para Duda novamente quando a porta foi aberta.
                Correu para ajudar o advogado que apoiava Angelina pelo ombro.
             -- O que houve? – Questionou, enquanto o ajudava a deitá-la no sofá. – Angel! – Chamou-a. Os olhos negros estavam abertos, mas demonstravam total confusão.
              -- O que houve? – Voltou a fitar o advogado.
            Antes que o homem respondesse, ela correu até a bolsa para pegar os instrumentos de trabalho. Aferiu a pressão, percebendo que estava baixa.
               -- Ela passou mal no apartamento da dona Patrı́cia, então a levei a um médico amigo meu.
               -- O que ela estava fazendo com a Patrı́cia e o que o médico falou? – Colocou as mãos nos quadris. – Acho melhor levá-la ao hospital.
               -- Não! – Marcelo se adiantou, tirando uma folha de sua pasta. – O médico disse que ela teve uma queda de pressão, deve ter sido por causa do abafado e da música alta, tava rolando uma festa na casa da psicóloga.
             A loira continuava desconfiada, leu o papel assinado por um doutor. Voltou a fitar a amiga, percebendo que ela já parecia voltar a si.
             -- O que foram fazer na casa dela? – Indagou preocupada. 
              Mais uma vez o homem lhe entregou um novo papel.
              A voz da Berlusconi podia ser ouvida, mesmo baixa.
            -- Bem, você foi drogada, mas pelo menos não foi veneno e agora está livre daquela psicopata. 
                Marcelo arregalou os olhos.
             -- Não, isso não aconteceu. – Apressou-se a explicar. – A doutora não aceitou nada que lhe foi oferecido, eu estive o tempo todo com ela.
                Flávia apenas assentiu, mas não parecia convencida.
              -- Eu preciso ir! – Pegou o documento. – Amanhã resolvo tudo quanto ao divórcio. 
               A médica apenas esperou que ele saı́sse, ajoelhando-se diante da amiga.
              -- O que está sentindo?
              Angelina cobriu o rosto com as mãos, demorando um pouco para falar.
              -- Estou tonta...
              -- Ela te drogou, Angel... Só pode.
             -- Eu me senti mal... Mas não me lembro de ter bebido nada... – Parecia confusa. – Por que ela faria isso? Assinou o divórcio... O advogado que você me indicou estava comigo...
             -- Ele me mostrou uma espécie de laudo, espera. – Levantou-se. – Vou ligar para o médico que te atendeu. 
              Flávia foi atendida e rapidamente o homem do outro lado da linha lhe explicava o que tinha se passado. Ao encerrar a chamada, voltou a se ajoelhar diante da morena.
                 -- Bem, ele pareceu convincente, mas eu não confio na Patrı́cia.
              -- Nem eu, mas o importante é que estou livre dela e se me drogou, pelo menos não me matou.
                 A loira sentou ao lado dela.
              -- Será que ela te estuprou? – Disse em tom de brincadeira. – Matar, meu bem, ela não te mata, pois sonha com o momento que você irá tomá-la novamente para si.
             -- Jamais teria algo com ela, está louca, só pode... – Deitou-se, com a cabeça no colo da amiga.
             Flávia sorriu, aquela era uma posição bem familiar. Passavam horas assim em outrora, ela fazia cafuné nos cabelos sedosos da herdeira de Antônio até ela dormir.
                -- Por que ama a Duda?
                Os olhos negros pareciam buscar algo naquele olhar doce que lhe era dirigido.
             -- Sim... Eu a amo muito, estou perdidamente apaixonada por ela e isso está me assustando...                   A jovem lhe tomou a mão que estava coberta por luvas de couro.
                -- Eu tenho certeza que ela te ama muito...
                Angelina permaneceu em silêncio por alguns segundos, ponderando.
              -- Quando tudo aconteceu, eu tentei me apaixonar por ti, sabia que seria a mulher certa na minha vida, mas não se manda no coração... Se alguém merecia ter todo o meu coração, esse alguém é você, meu bem... – Beijou a mão da amiga. – Perdoe-me por toda dor que causei em sua vida.
              Os olhos azuis da Tavares ficaram rasos de lágrimas, mas um lindo sorriso se desenhou no rosto bonito.
              -- Você não manda no seu coração, meu amor, e sabe, eu não me arrependo do amor que senti por ti, não mesmo...
                  -- “ Senti” ? – Questionou com a sobrancelha arqueada. – Não senti mais?
                -- Sim, mas não esse tipo de amor... Estou apaixonada... Por alguém... 
                 O olhar de espanto da Angel pareceu cômico.
                -- Quem?
                -- A Ester!
                A Berlusconi sentou num supetão.
               -- Aquela ruivinha petulante? Aquela que ousou a me desafiar? Aquela que segue os passos da amiga rebelde? 
                Flávia assentiu, tentando não cair na gargalhada.
                Angelina voltou a deitar no colo da amiga.
                -- Eu estou passada com essa... Já transaram? 
                O rosto loiro tingiu de vermelho.
                -- Imaginei... Precisa ser mais incisiva...
                 -- Eu não consigo ser como você e também ela andou com ciúmes de ti.
               -- Ah, sim, lógico, ela tem mesmo que ter ciúmes de mim, sou o primeiro amor, meu bem, então ela vai ter que aguentar.
              -- Unhun, sei... A Duda também não vai muito com a minha cara depois que ficou sabendo da nossa história.
              -- Ela é muito rebelde... Me desafia ao limite da minha paciência e isso me deixa fora de mim. Hoje tivemos um problema.
                -- Problema? Qual? Estive lá e senti cheiro de sexo, como transou com ela no escritório? – Repreendeu-a.
               -- Bem, eu sou a dona! – Piscou ousada. – Na verdade, não era a intenção, mas não resisti, ainda mais porque a garotinha me desafiou...
                 Flávia a repreendeu com o olhar, mas pareceu se interessar por esse talento da amiga.
                 -- Ajude-me com a Ester...
                -- Hun... – Voltou a sentar. – Estou tendo uma ideia e talvez isso ajude você, mas como disse precisa ser mais atrevida...
                  -- Como atrevida?
                -- Safada... Bem safada... – Riu. – Não to brincando... Mas não é só safada, é uma mistura com romantismo...
                  -- Angel, você é especialista nessas coisas, ajude-me.
                  -- Sim e depois disso você vai domar a ruivinha.
                Flávia ouvia com atenção o que a amiga dizia e em muitos momentos morria de rir, ainda mais quando a morena falava sobre as conquistas que tivera na faculdade.




                 Eduarda tinha tomado banho e já estava em sua cama. Pigmaleão jazia deitado ao seu lado.
                 Fitou o celular mais uma vez e nada da Angelina dá sinal de vida.
                Não faria mais nenhuma ligação, pois não fora atendida e tampouco teve nenhum dos seus contatos retornados.
             Henri tinha ligado há algum tempo, conversaram por alguns minutos. Ele fora muito atencioso em ligar para saber como fora o seu dia, agia como alguém que realmente se importava consigo, mas por quê?
                Lembrou-se do padrinho, ele que agia daquele jeito consigo.
               Ainda não conseguia acreditar em como ele fora cruel com a única filha, como terá coragem de se envolver com a mulher que ela amava.
               Ouviu o som do celular.
               Era uma chamada de vı́deo.
               Angel!
              Pensou em não atender, mas acabou cedendo, pois realmente desejava uma explicação para o sumiço. Ligou a luz do abajur.
               Atendeu.
           A médica tinha acabado de sair do banho, os cabelos estavam molhados, usava um roupão preto. Viu o sorriso enorme que ela exibiu e sentiu vontade de xingá-la muito.
              Respirou fundo!
           -- Por que sumiu? – Indagou irritada. – Fiquei preocupada contigo, pensei que tivesse acontecido algo.
             -- Oh, meu amor, desculpe-me, não quis lhe fazer passar por isso, porém tive uns problemas para resolver.
              -- Certo! – Disse em um suspiro impaciente. – Preciso dormir agora.
             -- E eu gostaria de passar a noite fazendo amor bem gostoso contigo. – Provocou-a. – Passar a noite te amando...
              -- Que pena, mas eu estou com muito sono, doutora!
              Duda ficou ainda mais brava ao ver o sorriso de incredulidade que ela exibiu.
             Pigmaleão despertou ao ouvir o som da Angelina, agitado, parecia querer ver onde estava sua amada.
           -- Olá, garotão! – Cumprimentou-o. – Vejo que pelo menos alguém parece muito feliz com a minha pessoa.
             -- É que ele não passou o dia todo querendo falar contigo e sem obter nenhuma resposta.
             -- Eu vou trazer o Pig para passar uns dias comigo, ele vai adorar. – Disse, ignorando-a.
              -- O meu cachorro não vai a lugar nenhum sem mim.
              -- Esse é o plano, meu bem... – Passou a lı́ngua no lábio superior de forma lenta. – Ter você ao meu lado.
            Mais uma vez a Fercodini pareceu desejar manter o controle, porém não era só raiva, mas desejo de ficar ao lado daquela mulher.
              -- Nos falamos depois, agora preciso descansar.
            Antes que Angelina falasse mais alguma coisa, a jovem desligou a chamada. Pigmaleão reclamou, mas ela não deu importância.
              Levantou-se para colocá-lo na caminha dele, retornando em seguida para o leito.
              Fechou os olhos e a imagem da médica parecia não ter pretensão de abandoná-la.
            Pensou em ligar para o Bruno, saber se ele tinha descoberto algo, mas já estava tarde, no dia seguinte o faria. Como estaria o bebê?
              Ainda lhe doı́a o peito imaginá-lo tão inofensivo, tão sozinho e desprotegido.
           Pensou em falar com a Angel sobre ele, porém mais uma vez não se sentiu bem para isso. Fechou os olhos tentando descansar.
    


               No dia seguinte...
               Angelina precisou viajar às pressas para outra cidade.
            Ocorrera um problema em um dos hospitais e como Flávia estava coordenando uma das equipes, a filha de Antônio fora a escolhida para solucionar o caso.
            Eduarda não entendeu bem, nem mesmo querendo ouvir a explicação da médica que telefonara logo cedo para avisar do ocorrido.
            Flávia entrou na ala de pediatria, encontrando a Fercodini. A jovem examinava um prontuário.
                  -- Oi!
                Duda se virou e viu a loira a observando.
                -- Sim, doutora, algum problema?
                -- Apenas gostaria de conversar contigo um pouco.
                 A garota fitou o relógio e depois voltou sua atenção para a loira.
                -- Não posso demorar.
           -- Não vai demorar. – Tomou-lhe a prancheta delicadamente, colocando-o sobre a escrivaninha. – Estou apaixonada pela Ester e vim aqui para que saiba que se ela me der uma chance, farei tudo para fazê-la muito feliz.
                Os olhos da Fercodini exibiam total surpresas com a declaração.
                -- Acho que é para ela que deve dizer isso.
          -- Sim, porém sei como são amigas e também sei que deva imaginar que ainda ame a Angelina.  
                O maxilar de Eduarda enrijeceu.
                Antes que pudesse falar algo, Flávia a interrompeu.
            -- Amei-a muito, apaixonei-me por ela quando éramos apenas adolescentes. – Exibiu um sorriso saudoso. – Mas eu fico a pensar agora que fora a coisa mais natural a acontecer. Ela não era só linda, mas tinha uma áurea tão atraente, um sorriso tão fácil...
                 Eduarda pareceu interessada na conversa.
                 -- Nunca ficaram?
              -- Sim... Uma vez... Eu me aproveitei da situação. – Engoliu em seco. – Aproveitei-me da fragilidade da Angel e sei que ela sofreu por não ter podido me corresponder.
                 -- O meu padrinho sempre falava que você a protegia.
                 -- Sim, Duda! Porém não era algo sem recompensas... Meus pais quando morreram não me deixaram nada, só herdei dívidas, muitas... Além de Angelina ter ficado ao meu lado o tempo todo, ela também doava grande parte do salário para me ajudar a saldar as dívidas. Naquela época não pedia nada ao pai. Então, se eu fazia e faço tudo por ela, é porque ela sempre fizera o mesmo por mim.
                  A loira lhe segurou pelos ombros.
                -- Estou dizendo isso para que saiba que continuo a amá-la, mas como uma irmã e que o que mais desejo de todo o meu coração é que ela possa ser feliz. – Os pares de olhos claros se fitaram intensamente. – Ela te ama, ama-te tanto que se assusta com o sentimento, ama-te tanto que talvez ainda não consiga demonstrar da forma que você deseja, porém não duvide jamais do amor que ela tem por ti.
                  -- A Patrı́cia...
              -- A Patrı́cia não representa nada! – Interrompeu-a. – Ela teve tudo e jogou fora como se fosse algo descartável. A ambição dela destruiu um ser humano maravilhoso... A Angel mudou muito, talvez seja muito arrogante, fria, mas eu sei que debaixo daquela armadura ainda existe aquela doce menina de olhar sonhador.
                  -- Por que está me dizendo isso?
                -- Por que se você a ama mesmo, precisará ser forte para trazê-la totalmente para si, porém se é apenas um caso passageiro, peço que se afaste.
             Duda desvencilhou-se do toque da médica, dando-lhe as costas. Era possível ver a respiração pesada da garota.
              Flávia já  se prepara para sair, quando a afilhada de Antônio virou para si. Era possível ver a emoção em formas de lágrimas.
               -- Eu a amo mais do que a mim mesma... – disse com os dentes cerrados – Não sabe como tenho medo de me ferir, ainda mais com esse sentimento, não sabe como já prometi inúmeras vezes manter distância dela, manter distância desse amor, porém não tenho forças para isso... Não tenho...
                 A loira a abraçou forte.
               -- Não precisa lutar para isso, meu bem, ela te ama. – Sussurrava em seu ouvido. – Apenas tenha paciência com as feridas que ainda não cicatrizaram.
                Permaneceram lá, abraçadas, Duda chorava, enquanto era consolada pela doutora.
              Flávia acariciava os cabelos sedosos da garota e rezava baixinho para que a amiga pudesse realmente ser feliz com a jovem, que pudessem viver aquele lindo amor...


                A semana passava rápido...
             Angelina ficara presa na outra cidade, pois os problemas parecia multiplicassem. Eduarda tentou não se irritar com a situação, mas acabaram tendo uma discussão, ainda mais quando a Berlusconi descobriu que a garota andava na companhia de Bruno.
             A Fercodini ainda tentou contar sobre o motivo de estar saindo com o rapaz, mas a médica desligara em sua cara e não se falaram mais.
           Duda sempre ia visitar a pequena órfã. Cada dia que passava parecia mais apaixonada pela criança. Patrı́cia acompanhava tudo de perto e ficava a imaginar como tirar vantagem daquele fato.
               Henri se aproximava ainda mais da filha.
                Ele sempre a levava para casa, inventando a desculpa que era parte do seu caminho.
        A garota o convidava para ir até seu apartamento, jantavam juntos e passavam horas conversando sobre os pacientes que ela atendia.
             Em certo momento a jovem confessara para a amiga que via o professor como uma espécie de pai, a ruiva até falara sobre a semelhança que ambos tinham, principalmente o tipo de tonalidade dos olhos, a forma como o olhar dela lembrava o dele.
           Lógico que não levaram muito a sério, pois imaginavam que essa paternidade seria impossível.
        Flávia e Ester andavam mais grudadas. Alguns beijinhos, uns abraços, mas a ruiva ainda demonstrava resistência.
            O jantar que a loira prometera não pôde acontecer ainda, pois com a viagem da Berlusconi, o trabalho para a Tavares praticamente triplicou.




                Era um sábado de manhã,
                Eduarda tinha ido dormir muito tarde e Ester ficara em seu apartamento.
             -- Acorda, Duda! – A ruiva lhe puxava as cobertas, enquanto Pigmaleão subia na cama. – Duda! – Insistia.
           -- Deixe-me dormir! – Pediu preguiçosamente. – Estou morta... A ruiva pulou sobre ela, montando-a.
               -- Você disse que iria comigo, falou que iria ao passeio comigo. 
               A jovem cobriu o rosto com as mãos, depois fitou a outra.
           Flávia tinha convidado a namorada para um passeio de iate, porém Ester não desejava ir sozinha, então chamara a Fercodini.
               -- Eu não disse que iria, apenas falei que pensaria no seu caso. 
               O pug começou a latir.
         -- Não posso ir, preciso dar atenção ao Pig. – Acariciou o animalzinho. – Ele anda muito abandonado.
              -- Ele pode ir com a gente, já falei com a Flávia. 
              Eduarda relanceou os olhos.
              -- Deus, por que não vai sozinha com ela? São namoradas! Não acredito que a doutora vá te atacar, ela parece muito civilizada. 
            Ester demonstrou estar magoada, saindo do leito e caminhando até a porta, mas antes se voltou para a garota.
            -- É assim mesmo, mas quando a doutora Angel quase me bateu lá no restaurante eu a enfrentei, te defendendo... ela nem gosta de mim e eu sempre uma amiga presente, mas é assim mesmo...
                Eduarda ouvia tudo impacientemente. Pegou um travesseiro, jogando na amiga.
             -- Chega, Ok? Irei contigo! – Disse em um longo suspiro. – Não precisa falar na Angel, prefiro esquecer que ela existe por esses dias. – Levantou-se. – Arrumarei minhas coisas. O Pigmaleão pode ir mesmo? Pelo menos ele me faz companhia.
              -- Sim! – Ester foi até ela, abraçando-a. – A Flávia disse que ele podia e quanto as suas coisas, já arrumei tudo o que você vai precisar.
                 Duda a encarou.
                -- Você é uma filha da mãe! Sabia que iria me convencer... – Derrubou-a na cama.
           Ester gritava, enquanto tentava se livrar das cócegas que a jovem lhe fazia, enquanto o cachorro latia feliz.






                José fora incumbido de ir buscar as jovens.
               Eduarda ficara muito feliz em vê-lo, gostava muito do motorista. A viagem fora tranquila até a praia.
             Ambas  foram  conduzidas  até  a  enorme  embarcação  branca  de  três  andares.  Era  possível  perceber  o  quanto  era luxuosa.
               Eduarda reconheceu o brasão da famı́lia Berlusconi e hesitou por um segundo, mas acabou seguindo, pois sabia que a Angelina estava viajando resolvendo os problemas do hospital.
               Estava triste com ela, chateada pela forma que fora tratada, pelo jeito que a médica agira na última ligação, ainda mais por ela não ter voltado a ligar, como se não se importasse, como se a relação de ambas não fosse tão importante.
             Flávia recepcionou as visitas quando a balsa parou. Beijou a namorada e abraçou a afilhada de Antônio. Seguiram pela escada até a proa.
          -- Fico muito feliz que tenha vindo, Duda. – Alisou a cabeça do pug. – E você também, camaradinha. Vamos ter um final de semana perfeito.
               A surpresa estava estampada no rosto da Fercodini.
             -- Não sabia que era o final de semana todo... – Fitou Ester que baixou a cabeça. – Não trouxe roupa para isso.
               -- Você pode ficar nua, meu bem, eu vou adorar!
            Aquele tom rouco, baixo, sensual e carregado de arrogância era bem conhecido.
             Eduarda virou, deparando-se com uma visão de tirar o fôlego.
          Angelina estava apoiada na barra de proteção, usava um minúsculo biquíni preto. O meio sorriso que exibia era por de mais charmoso e atrevido.
          Os seios fartos e bonitos se mostravam quase totalmente. O abdome liso e definido estava bronzeado, a pequena calcinha era amarrada ao quadril.
              Mirou as pernas bem feitas, os pés descalços...
              Voltou a fitar a face dela, sentindo o rosto afogueado.
              A médica usava uma saı́da de praia, aberta frontalmente, na cor preta, diáfana...
             O vento emaranhava os cabelos negros, os óculos grandes de sol escondiam os bonitos olhos.
             -- Por que não vão guardar as coisas? – Flávia se intrometeu. – Eu as acompanho.
         Pigmaleão reconheceu a amada, debatendo-se nos braços da dona. Angelina se aproximou, ficando poucos centı́metros de distancia. O cheiro dela era sufocante e inebriante...
             Acariciou a cabeça do pug, enquanto mirava a Fercodini.
             -- Deixe-o comigo, enquanto troca de roupa.
              Duda a observava, parecia querer falar algo, mas preferiu não fazê-lo.
              Não estava pronta para vê-la, ainda mais quando ela exibia aquele meio sorriso sedutor.
           Sentia os pelos da nuca arrepiar e quando as mãos que acariciavam o cachorro bateram por acidente em seu braço, sentiu aquele desejo que sempre dominava seu corpo com total urgência.
             Irritada, entregou-o a ela, virando-se para Ester. 
              A ruiva baixou a cabeça.
              -- Onde é o lugar onde vamos ficar?
              Flávia se antecipou, enquanto dirigia um olhar de advertência para a amiga.

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