Dolo ferox -- Capítulo 19
Valentina desceu as escadas e só naquele momento todos os olhares se voltaram para si, mas foram os olhos verdes que a desconsertou. Era como se estivessem apenas as duas naquela sala. Sentiu um tremor em seu corpo, tentando manter as pernas firmes, enquanto chegava ao térreo.
Isadora se livrou das mãos dos policiais, seguindo até a trapezista, abraçando-a.
-- A Nathália apareceu… nossa Nathália apareceu!
A morena mantinha as mãos caídas ao lado do corpo, não retribuindo o abraço, enquanto olhava para a amante como que buscando uma explicação sobre tudo aquilo.
A duquesa segurou a face da jovem.
-- Eu te disse que essa desgraçada não era a minha amada neta… -- Falava em lágrimas. -- Quero que venha comigo até o hospital, a minha filha vai ficar tão feliz em te ver… Você vai curá-la!
Os olhos negros estavam confusos e mais uma vez, buscou o olhar da ruiva que simplesmente arqueou a sobrancelha esquerda em zombaria, dando de ombros. Sentiu-se magoada por aquela forma de agir, ainda mais por terem ficado juntas há pouco tempo de forma tão intensa.
Abriu a boca para falar algo quando a voz baixa e rouca se fez ouvir:
-- Bem, policiais, vou acabar de uma vez por todas com as dúvidas de vocês! -- Disse se aproximando dos homens.
-- Filha! -- Antonini lhe segurou o braço delicadamente.
A arquiteta apenas meneou a cabeça.
-- Eu não sou a futura duquesa… -- Estendeu as mãos. -- Sou Natasha Valerie!
Valentina conseguiu se desvencilhar dos braços da Hanminton, enquanto observava a cena com aflição.
Abriu a boca mais uma vez para falar algo, porém a duquesa lhe tomou o braço novamente, exibindo um triunfante sorriso.
Os policiais assentiram, enquanto algemava a mulher, levando-a da cobertura.
Todos pareciam perplexo diante do ocorrido, menos a lady que agia como se estivesse em sua casa.
-- A justiça agora será feita! -- Colocou o braço nos ombros da trapezista. -- Quero que venha comigo, desejo que a Nathália te veja! -- Passou a mão pela face da jovem. -- Imagino como deve ter sofrido nas mãos daquela vagabunda… Mas isso agora acabou, vamos te proteger!
Valentina parecia assustada, os olhos negros estavam tão abertos diante de tudo o que aconteceu, encarava a porta e ficava perdida em seus pensamentos.
Desvencilhou-se do toque de Isadora e se aproximou de Leonardo.
-- O que se passa? -- Questionou apreensiva. -- Explique-me! -- Exigiu.
O arquiteto já se preparava para sair, quando Rick já se afastava, deixando o apartamento. Voltou-se para a jovem:
-- Mais uma vez a Natasha está sendo vítima de uma mentira!
Antonini deu mais uma olhada enviesada para a Isadora.
-- Um dia você vai pagar caro por tudo isso! -- Apontou-lhe o dedo em riste. -- O seu e o da sua sua neta está a caminho.
Valentina observou o homem deixar o apartamento e as perguntas ficaram presas em sua garganta. Desejou ir atrás dele, não queria ficar ali sem saber o que se passava com a ruiva, porém o que lhe restava naquele momento?
Ainda sentia a intensidade dos olhos verdes, conseguia ver o desdém que lhe fora dirigido em sua última mirada. Desejou se aproximar, tocá-la, estreitá-la em seus braços, porém a arrogância já tinha tomado o lugar novamente. Nada pareceu restar da mulher que amara e lhe amara na noite anterior, restou apenas a costumeira frieza e o prepotente sarcasmo.
“ Eu sou Natasha Valerie”
Aquela frase fazia eco em sua mente, recocheteava em seu cérebro, mas não por para ela ser uma surpresa, afinal, já sabia que não se tratava da Nathália há muito tempo, sendo honesto consigo mesma, desde que a ruiva invadira seu trailer soubera que não se tratava da namorada.
-- Está vendo, eu te avisei! -- Isadora dizia cheia de si, interrompendo as divagações da jovem. -- A miserável mandou espancar a nossa Nathália, mas seu intuito não foi completado, -- Tomou as mãos da jovem nas suas. -- Logo, você estará com ela, minha criança. -- Arrumou-lhe uma mecha rebelde por trás da sua orelha. -- Vista-se e arrume suas coisas que te levarei comigo, não ficará mais um único segundo nesse lugar! -- Disse torcendo a boca.
A trapezista nada disse, enquanto seu olhar seguia pelo corredor, fitando-o como se desejasse voltar para o escritório.
Respirou fundo e ainda sentia o cheiro da ruiva em si, seu corpo estava totalmente marcado pelas carícias que recebera, pelos toques selvagens, arrogantes, deliciosos e exigentes.
Sentiu um tremor em toda carne.
Meneou a cabeça para se livrar dos pensamentos, afastando-se um pouco da duquesa, encarou-a:
-- O que realmente aconteceu? Porque a senhora só fala e não explica nada!
A mais velha pareceu surpresa com as palavras, mas disfarçou.
-- O que acontece é que ontem a Nath foi encontrada! -- Levou um lenço aos olhos, secando-os. -- Está machucada, mas viva e desejando que você esteja ao lado dela.
A circense suspirou impaciente.
-- Há muitas coisas que desejo que seja esclarecida, senhora! -- Levantou a cabeça altivamente. -- Irei ao encontro dela, e acredite que estou imensamente feliz pelo retorno, porém desejo explicações sobre tudo o que se passou, principalmente no tocante a minha gravidez.
Isadora fechou os lábios em uma linha fina, mas logo exibiu um sorriso.
-- Tudo será esclarecido, querida, e você e a minha neta poderão ficar juntas.
Valentina nada disse sobre isso, apenas fez um gesto de assentimento com a cabeça, subindo as escadas sem se voltar.
A cada passo que dava apenas um pensamento martelava em seu cérebro, esclarecer de uma vez por todas aquela história.
Na sala da delegacia, o delegado, Augustos Lobato, um homem dos seus cinquenta anos, calvo, barrigudo e com barba bem feita, encarava a arquiteta.
Natasha continuava a mostrar o semblante despreocupado, inflexível diante do seu inquisidor. Já o conhecia bem, fora ele quem a prendera pela morte da Verônica, sem falar que tinha laços estreitos com os nobres da cidade.
-- A única coisa que falou foi admitir que não é a senhora Hanmintom! -- Dizia irritado. -- Tenho dois mandados de prisão contra a vossa nobre pessoa -- Enfatizou mostrando os dois dedos -- e a única coisa que faz é permanecer calada, exibindo esse olhar de total arrogância.
A ruiva arrumou pacientemente os cabelos.
-- É um direito que me assiste, senhor! -- Retrucou calmamente.
O homem bateu com a mão aberta sobre a mesa, derrubando alguns papéis, porém a Valerie não pareceu se amedrontar.
-- Primeiro é acusada da morte da própria esposa, depois responsável por fraudes milionárias, sem falar que se passou por sua irmã que agora aparece quase morta em um terreno de sua propriedade.
Um sorriso desprovido de humor se desenhou na face da neta de Isadora.
-- Achas mesmo que se eu tivesse feito isso com a Nathália não teria me certificado que ela estava morta para não ser uma prova contra mim? -- Meneou a cabeça. -- Quantos anos o senhor tem de experiência? -- Arqueou a sobrancelha esquerda cheia de sarcasmo. -- Um mês?
O delegado ficou rubro de raiva diante da provocação e já abria a boca para esbravejar quando o telefone tocou. Atendeu.
Ficou em silêncio por alguns segundos, enquanto encarava a mulher.
-- OK, mande que entrem! -- Disse por fim.
Em frações de segundos, duas mulheres acompanhadas de um homem entraram.
Natasha os conheciam bem, eram seus representantes legais, os melhores não só do país, mas se podia dizer do próprio mundo.
-- Não deveria ter começado sem a nossa presença, delegado! -- Uma das advogadas falou.
-- Eu apenas estava conversando com a sua cliente. -- Encostou-se na cadeira, girando de um lado para outro. -- Afinal, pesam graves acusações contra ela.
O representante da arquiteta se aproximou.
-- Acusações que precisam serem investigadas e apuradas com cuidado e cautela, pois o senhor mesmo teve uma denúncia do desaparecimento da minha cliente há algum tempo e nada foi feito por sua parte.
O homem se levantou:
-- Isso não justifica ela ter tomado o lugar da irmã!
-- Para o excelentíssimo juiz sim! Primeiro apure os fatos que se seguem! Uma vez cometeu um erro e dessa vez entraremos com um processo contra o senhor!
O delegado parecia ainda mais exasperado.
-- Sua cliente está presa, há dois mandados de prisão contra ela.
Os advogados sabiam disso e percebiam que a situação da arquiteta estava cada vez mais complicada, porém entendiam que a mulher que parecia totalmente inatingível ali sentada não representava perigo e se conseguissem convencer o judiciário disso, seria mais fácil conseguir o habeas corpus que tinha sido negado no primeiro momento.
-- Isso não lhe dá direito de interrogar a senhora Valerie sem a nossa presença.
-- Bem, ela permaneceu calada! -- Sentou na cadeira e começou a girar.
-- Aproveitemos agora para oficialmente denunciar Nathália Hanminton por falsidade biológica e fraude milionário contra a receita, além de ter se apossado de material genético alheio para inseminar a namorada, Valentina Rodrigues.
O delegado assentiu, enquanto fazia o sinal para o escrivão começar a digitar os depoimentos.
Natasha permaneceu calada, parecia desconfortável ao ouvir o nome da trapezista.
Recordou-se de vê-la mais cedo, estava ainda mais linda que na noite anterior.
Decerto, tinha corrido para os braços da Nathália, entregue ao relacionamento de conto de fadas.
Respirou fundo, tentando tirar da sua mente tudo o que estivesse relacionado àquela mulher, tudo que fora vivido.
Os corredores do hospital estavam vazios. As paredes brancas e frias contavam com policiais que ficavam na porta da UTI guardando a bela paciente.
Os médicos tinham acabado de deixar o quarto quando Isadora e Valentina se aproximavam vestidas adequadamente.
A duquesa se aproximou com seu conhecido drama:
-- Doutor, como está a minha menina?
A trapezista observava tudo, mas tinha os pensamentos longe dali. Na verdade a única coisa que lhe interessava era saber como estava a Valerie.
Demorou no banho para que assim pudesse conseguir falar com Leonardo, mas o celular dele estava desligado.
-- Nathália ainda está sedada, mas logo despertará. Os machucados estão sendo bem cuidados.
A voz do médico despertou a trapezista.
-- Podemos vê-la? -- A mais velha tomou a mão da circense na sua. -- A namorada da Nath deseja vê-la.
Valentina se sentiu desconfortável ao ouvir a forma que a outra se referia a si, mas apenas permaneceu calada.
-- Sim, com certeza! -- Um dos homens disse com um sorriso. -- Agora precisamos ver outros pacientes.
Ambas as mulheres assentiram, enquanto os doutores de afastavam.
Isadora lhe tomou as mãos, encarando-a demoradamente.
-- Entre primeiro, filha, tenho certeza que a sua presença será um verdadeiro bálsamo para as chagas da minha netinha. -- Acariciou-lhe a face. -- Ela não parava de chamar seu nome, ela precisa de você nesse momento.
A trapezista encarava os olhos claros e via como eles eram tão idênticos ao da neta predileta, porém tão distintos dos da Valerie, mesmo com a mesma tonalidade. Os da Natasha escureciam de acordo com o humor, sem falar que na maioria das vezes, eles pareciam tão vazios, frios, como se fossem destituídos de qualquer sentimento, até que em alguns momentos eles dilatavam como de um felino que via algo que lhe interessava e só naquelas ocasiões é que conseguia ver a luz tão forte em seu interior que iluminavam as trevas que pareciam tão presentes nela.
Viu o olhar curioso da mulher, parecia impaciente.
Fez um gesto de assentimento com a cabeça, seguindo pelo corredor, até parar diante da porta. Hesitou por alguns segundos, temerosa, assustada com as emoções que poderia sentir diante da mulher que fora apaixonada um dia.
Segurou forte a maçaneta, sentindo-a fria, gelada como seu interior naquele momento. As coisas estavam acontecendo de forma tão estranhas… Antes o que mais desejava era o retorno da namorada, agora sentia-se dividida entre dois poderosos sentimentos.
Passou as mãos pelos cabelos. Com um suspiro, adentrou o quarto.
Observou o leito verde, os tubos que estavam ligados, o monitor dos batimentos cardíacos.
Havia uma poltrona e duas cadeiras. As luzes estavam acesas.
Lentamente se aproximou, mas parou a alguns centímetros.
Engoliu em seco, enquanto seguia até ela.
Fitou a face bonita e toda machucada.
Condoeu-se pela futura duquesa...
“ Deus, quem tinha feito tanta maldade?”
Mirou o corte no lábio inferior, os hematomas que se espalhavam por todas as partes.
Estendeu o braço e lentamente tocando-lhe a mão, estavam tão frias.
Fitou os cabelos negros contrastando com a pele branca. Mesmo com todos os machucados, continuava muito linda.
Fechou os olhos por alguns segundos e de repente os momentos que viveram com a jovem começaram a passar em sua mente como um filme em câmera lenta,mas não demorou para seu cérebro desviar das madeixas negras para as flamejantes.
Cerrou os dentes com tanta força que sentiu dor, precisando aliviar a pressão.
Abriu os olhos e para sua surpresa, encontrou os verdes brilhantes e cheio de vida a lhe encarar.
A expressão da trapezista demonstrava surpresa, mas havia muito mais emoção no olhar negro.
Umedeceu os lábios.
Observou Nathália mover a boca e logo ouvia a voz baixa e fraca.
-- Valentina… Meu amor…
Viu uma lágrima solitária lhe banhar a face.
-- Pensei que… -- Tomou fôlego -- que nunca mais iria te ver…
A circense sentiu a mão segurar a sua, apertou-a de leve.
Tinha tanta coisa para falar, mas sabia que aquele não era o momento para isso. Porém algo a inquietava bastante, ainda mais depois das acusações que ouvira da duquesa.
-- O que houve? Quem te fez isso?
A neta preferida da duquesa nada disse, enquanto voltava a fechar os olhos e mergulhava mais uma vez em um profundo sono.
Valentina suspirou, tentando manter a tranquilidade, mas sua cabeça estava um caos, ainda mais quando não conseguia ter pensamentos sem que sua mente a levasse até a Natasha.
Precisava falar com alguém que lhe falasse o que se passava com a ruiva, necessitava disso, pois estava quase enlouquecendo diante desse silêncio.
Não, não, não…
Olhava para Nathália e algo parecia faltar, parecia que tudo tinha sido arrancado de si como um pedaço essencial da sua alma.
Sentia-se mal por não sentir a emoção que uma pessoa apaixonada sentiria ao reencontrar a mulher que amava… Porém aquelas mentiras, tudo que fora dito a machucou tanto, feriu-a, deixando-a imersa em dúvidas.
A cela especial que a Valerie tinha sido levada tinha um sofá que se transformava em uma cama, uma mesinha com uma cadeira, um armário pequeno para ser colocado os pertences, uma TV suspensa.
A arquiteta estava sentada de cabeça baixa, enquanto Leonardo a fitava.
Os advogados conseguiram uma ordem com o juiz para que o homem falasse com ela.
-- Precisamos provar que sua irmã tramou tudo isso -- Antonini dizia -- Rick continua as investigações, agora que a Nathália apareceu, ela vai ter que esclarecer as coisas.
A ruiva permaneceu de cabeça baixa por alguns segundos até fitá-lo com um sorriso cheio de sarcasmo.
-- Ela não vai esclarecer, não se iluda, jamais a minha amada irmã faria algo assim. -- Desviou o olhar, fitando um ponto imaginário, depois voltou a mirá-lo.
-- Onde está a Valentina?
O empresário sabia que ela ficaria furiosa com o que falaria, mas mentir não seria uma boa solução naquele momento. Não sabia o que ligava as duas mulheres, porém tinha certeza que havia algo bastante intenso que ambas lutavam para negar.
-- Isadora a levou consigo. Liguei para a cobertura e fiquei sabendo disso.
O maxilar da ruiva se contraiu, enquanto os olhos se estreitavam ameaçadoramente. Agoniada, levantou-se, passando a mão pelos cabelos.
Nada disse, apenas ficou calada, mas era possível ver a tensão em seus ombros.
Não demorou para o guarda avisar que a visita tinha acabado.
Leonardo a fitou demoradamente, era possível ver o pesar em seu olhar, pois sabia que não seria fácil provar sua inocência diante de tantas evidências.
Abraçou-a, mesmo não sendo retribuído, estreitou-a em seus braços por alguns segundos, depois depositou um beijo em sua testa.
-- Lutarei por você…
Natasha nada disse, enquanto via a grade ser aberta e logo o arquiteto seguia pelos corredores e a cada passo olhava para trás. Ela simplesmente deu as costas e seguiu até a cama, deitando-se. Cobriu os olhos com o braço, enquanto tentava não pensar em Valentina, mas esse intuito parecia impossível, pois sua mente estava paralisada diante dos olhos tão negros.
Por que imaginá-la com a irmã era algo tão doloroso para si se sempre soube que logo isso aconteceria?
Sempre estivera claro que assim que Nathália aparecesse, a trapezista seguiria para os braços dela, mesmo diante de tudo o que aconteceu, nunca duvidou que a neta preferida de Isadora conseguiria contornar a situação e manter ao seu lado a bela morena.
Levantou-se irritada, enquanto seguia até as grades, segurando-a, desejando sair daquele lugar.
Respirou fundo!
Por que antes quando ficara presa pela morte da esposa não se importou com a reclusão?
A duquesa e a irmã pagariam caro por tudo aquilo, nem que levasse a vida toda, fariam-nas pagar por tudo aquilo e se Valentina estivesse envolvida, não teria dó nenhuma dela, mesmo sendo a mãe do seu filho.
Cerrou os dentes fortemente, pois sabia que sua raiva tinha a ver com o fato de imaginar as duas mulheres juntas, da mesma forma como acontecera na noite passada.
Ainda tinha na boca o sabor dela, as carícias que trocaram, a forma inocente de ela se entregar, tudo ainda estava tão vivo que parecia senti-la a cada segundo.
Meneou a cabeça para se livrar dos incômodos pensamentos.
Leonardo chegou ao hospital.
Tinha certeza de que encontraria Valentina lá e ansiava muito por falar com ela.
Aproximou-se da recepção e já buscava informações quando ouviu a voz esganiçada da duquesa.
-- O que faz aqui? Veio acabar com o que a sua querida Natasha começou? -- Gritou, aproximando-se.
As pessoas que estavam presentes ficavam a observar curiosamente a cena que se desenrolava.
Antonini baixou a cabeça e observou a hora no relógio de ouro, sabendo que não tinha muito tempo, mas mesmo assim decidiu ir em busca da circense.
-- Vejo que sua falsa classe de duquesa está indo pelos ares, como o seu caráter que nunca existiu. -- Retrucou calmamente. -- Porém não tenho tempo para perder contigo, vim falar com a senhorita Rodrigues, só ela me interessa aqui.
-- Pois deu a viagem perdida, pois ela está ao lado da Nathália e não vai sair de perto dela por nada!
Não demorou muito para a morena aparecer.
O arquiteto ignorou Isadora e caminhou até a trapezista.
Valentina tinha acabado de deixar o quarto.
A jovem enferma despertara algumas vezes, mas apenas chamava por seu nome e logo voltava a dormir, então decidiu tomar um café e tentar relaxar um pouco.
-- Preciso falar com a senhorita! -- Leonardo se aproximou.
A Rodrigues sentiu que suas preces tinham sido ouvidas ao ver o homem.
-- Ela não irá a lugar nenhum contigo! -- Isadora se aproximou tomando a frente. -- Não escute esse homem, filha, acredite quando te digo que ele e Natasha são verdadeiros demônios. Sei bem o que Verônica sofreu na mão desses miseráveis, ambos a mataram.
-- Chega! -- O arquiteto a advertiu com o olhar duro.
-- Chega nada! -- Voltou-se para a garota. -- Ela tentou matar a nossa Nathália e dessa vez vai passar o resto da vida lá… Dessa vez Deus fará justiça.
A morena parecia assustada diante do que ouvia e buscava em seu interior algo que a fizesse não acreditar em tudo aquilo que ouvia.
Respirou fundo!
-- Deixe-me falar com ele, senhora, não demorarei! -- Disse impaciente.
Isadora não teve nem tempo de protestar e já via a jovem sair acompanhada de Leonardo.
Estreitou os olhos cheia de ódio, pois sabia que havia algo a mais naquela história, tinha quase certeza que Valentina já sabia que estava a lidar com a gêmea errada há algum tempo, mas se era assim, qual a razão de não ter falado nada? Ontem na festa suspeitara de algo, pois estava estampado o ciúmes que sentia ao ver Rebeka junto a ruiva…
Deu um sorriso sádico.
Sabia muito bem o que deveria fazer e não perderia tempo para isso.
A cafeteria do hospital estava cheia naquele horário, mas foi possível encontrar uma mesa vaga mais ao fundo.
Leonardo puxou a cadeira de forma atenciosa e só sentou quando a jovem se acomodou, a qual exibia um sorriso.
Antes que pudessem falar alguma coisa, a atendente se aproximou para anotar o pedido.
Havia um verdadeiro burburinho de pessoas conversando entusiasmadamente, nem parecendo que estavam em um hospital.
Valentina optou apenas por um suco, pois estava um pouco enjoada. Antonini pediu um café.
Quando estavam sozinhos, o arquiteto falou:
-- Não deveria ter deixado a cobertura, deveria ter me esperado para que pudéssemos conversar.
A circense soltou um suspiro cansado e profundo.
Aquele fora um dia cansativo. Ficou a mercê da duquesa sem saber qual ação deveria tomar. Na verdade, deixara-se conduzir pela matriarca, afinal, o olhar que a ruiva lhe dirigira naquela manhã foi o suficiente para mostrá-lhe que entre elas só havia acontecido sexo.
Tamborilava os dedos de forma impaciente contra a mesa. Seu ato demonstrava a total impaciência que lhe afetava o emocional.
-- O que o senhor queria que eu fizesse? -- Indagou sem esconder a irritação. -- Eu nem mesma fui levada em conta por sua adorada Natasha. Eu vi bem o deboche que tinha presente naquele olhar destruidor… -- Levou as mãos ao rosto, cobrindo-o. -- Onde ela está? -- Indagou depois de alguns segundos.
Leonardo entendia a indignação que a garota estava sentindo. Ele mesmo não entendia aquela forma de lidar da arquiteta, mesmo diante do passar dos anos, ainda não compreendia aquela forma incomum da mulher lidar com as emoções.
A atendente se aproximou trazendo os pedidos, logo em seguida, afastou-se.
O mais velho tomou um gole da bebida, enquanto observava a trapezista passar o dedo na borda do copo, fazia-o distraidamente, perdida em seus pensamentos.
-- Filha, a Natasha está presa, há muitas acusações, mas vamos conseguir livrá-la disso tudo. -- Falou tentando colocar entusiasmo na voz.
A jovem sentiu a garganta seca, enquanto sentia dentro de si aquela apreensão forte, aquela pontada em seu peito que fazia doer mais que o suportável.
-- Ela fez tudo isso mesmo que a Isadora disse? -- Indagou com os dentes cerrados. -- Por favor, diga-me a verdade, eu juro que não aguento mais todas essas histórias. -- Colocou uma madeixa rebelde por trás da orelha. -- A Valerie é um monstro que todos dizem? Qual a razão dela ter assumido o lugar da irmã?
Antonini estendeu a mão, tomando a dela nas suas.
-- Filha, você conviveu com a Natasha durante meses, viu-a, sentiu-a, diga-me você se acredita que ela seria capaz das barbaridades que a duquesa e a Nathália dizem? -- Observou as pessoas ao redor e logo voltou a encará-la. -- A ideia fora minha e começo a me arrepender de ter feito isso, mas só o fiz para livrá-la de toda a armação.
O maxilar da morena se moveu, enquanto os olhos negros se enchiam de lágrimas. Meneou a cabeça de um lado para o outro.
-- Eu não sei, eu juro que não sei mais o que pensar sobre tudo isso! -- Deu uma pausa e continuou. -- Sinto-me cansada, confusa e não sei mais quem mente ou quem fala a verdade, apenas sei o que meus olhos veem e o que vi hoje foi a Nathália toda arrebentada, cheia de hematomas, ferida e entubada e todas as provas apontam apenas para uma pessoa: Natasha Valerie!
Leonardo apenas a encarou, permanecia calado, pensativo diante do que estava a ouvir. Entendia o que ela dizia, afinal, por que ela acreditaria na ruiva? A arquiteta sempre agia de forma inadequada e não parecia se preocupar em mostrar essa personalidade que aparentava ser tão perigosa. Ela nunca se importou em justificar seus atos ou explicá-los, apenas agia da forma que achava correta.
-- Volte comigo para a cobertura, vai ser melhor, não deve esquecer que está esperando um filho da Natasha. -- Apelou.
A morena colocou instintivamente as mãos na barriga, como se buscasse proteger a criança que crescia ali.
-- Não! -- Negou-se. -- Irei voltar para o circo ou vou para uma pousada, não sei, apenas não voltarei para o apartamento da Valerie.
-- Se você ficar com a Isadora terá problemas! -- Advertiu-a.
Valentina exibiu um sorriso incrédulo.
-- Isso é uma ameaça?
Antonini meneou a cabeça negativamente.
-- Jamais faria algo algo assim! Sei que não acredita em nada que eu fale, não vai acreditar em Natasha, mas mesmo assim te darei um conselho: tome cuidado com a duquesa e com a gêmea que aparenta ser boazinha. -- Pegou a pasta, abrindo-a, entregou-lhe um aparelho de telefone móvel. -- Você deve me ligar se precisar de qualquer coisa, pedirei que o motorista te leve de volta ao circo ou se desejar pode ficar e alugo um apartamento para ti.
-- Agradeço a intenção, mas realmente não vai ser necessário! -- Levantou-se, deixando o recinto.
Natasha passara toda noite em claro. Chegara a imaginar que o dia não nasceria.
Observou o livro que tinha jogado no chão em determinado momento, pois as palavras começaram a não fazer sentido.
Seguiu até as grades, segurando nelas e imaginando como teria um dia ruim.
Sentou-se e ficou a olhar para os próprios pés.
Valentina tinha passado a noite no hospital.
Não conseguira se negar a fazê-lo, ainda mais quando Nathália apresentou um quadro de infecção e a febre quase não cedia, só de madrugada as coisas se estabilizaram.
A gêmea preferida abriu os olhos e viu a trapezista a dormir na poltrona.
Era impressão ou ela estava ainda mais bonita?
Fitou a própria mão e viu o soro que estava aplicado. sentia-se bem melhor e sabia que agora as coisas seriam difíceis, pois teria que enfrentar a irmã.
Cerrou os dentes cheia de irritação.
Odiava Natasha e chegava o momento de destruí-la de uma vez por todas.
Vamos ver como a ruivinha iria se defender de tudo que estava por vir!
Os advogados chegaram com o Habeas corpus.
Sabiam que aquilo seria um paliativo, pois logo a cliente corria risco de ser presa novamente, porém como ela não oferecia um risco e tinha endereço fixo, conseguira convencer o juiz de que seria desnecessário mantê-la detida enquanto as investigações prosseguem.
A Valerie entrou no veículo de Leonardo.
Permaneceram em silêncio durante longos segundos até que foi possível ouvir a voz da mulher.
-- Preciso descobrir quem matou a Verônica… -- Inclinou a cabeça para trás.
O arquiteto prestava atenção a avenida movimentada.
-- Não deve se preocupar com isso agora, pois mesmo com as acusações do conde, não há provas, sem falar que você já ficou muito tempo pagando por algo que não fez. -- Parou no semáforo, fitou-a. -- Agora é preciso que provemos que a Nathália cometeu todas as fraudes, isso que deve ser feito.
Natasha bateu forte contra o encosto do braço.
-- Eu sou capaz de matar a miserável, capaz de destruí-la com as minhas mãos!
-- Acalme-se! -- Pediu, enquanto colocava o carro em movimento. -- Se perder a frieza nesse momento, perderá a guerra.
A ruiva olhou para o lado, mirando os outros veículos e sabendo que Leonardo estava certo, mas desde que sua vida cruzou com a da trapezista, estava se sentindo mais humana, mais fora do controle.
Passaram-se alguns segundos até que a voz feminina se fez ouvir novamente.
-- Onde está a palhaça de circo? -- Indagou com sarcasmo.
Antonini entrou na rua onde estava localizada a cobertura e só ao estacionar diante do prédio respondeu:
Fitou-a.
-- Está no hospital com a Nathália!
A Valerie nada disse, enquanto deixava o veículo sem falar mais uma única palavra.
Valentina abriu os olhos lentamente e viu os olhos tão verdes a lhe encarar.
Levantou-se rapidamente e seguiu até a enferma.
Já abria a boca para questionar quando viu os lábios pálidos se abrirem em um sorriso.
-- Se eu morresse sem voltar a ver sua face, a vida que vivi não teria sentido.
A circense lhe tocou a testa, enquanto via o olhar não lhe abandonar os movimentos.
-- Graças a Deus a febre cedeu! -- Disse com um suspiro de alívio.
Ficara tão preocupada, ainda mais por que o médico falara que ela estava muito fraca e poderia ter o estado piorado se o corpo não reagisse à medicação.
Sabia que havia muita coisa a esclarecer, mas temera pela vida da mulher.
Nathália lhe tocou a mão e lentamente levou aos lábios, beijando-a.
-- Eu sei que tenho muita coisa para explicar, eu sei e sei que você deseja as respostas para as suas perguntas, mas preciso de tempo… Sinto-me tão cansada, meu amor… -- Fechou os olhos e ao abrir havia lágrimas. -- Mas eu prometo que mesmo que eu morra, protegerei você da fúria da minha irmã.
Valentina já abria a boca para protestar quando percebeu que a gêmea voltava a dormir.
Afastou-se, enquanto passava a mão pelos cabelos.
Quem estava a mentir em toda aquela história?
Sua mente fervilhava com tantas dúvidas.
Agoniada, deixou o quarto.
Natasha tinha acabado de tomar banho quando ouviu uma gritaria vindo da sala.
Vestiu o roupão preto que estava sobre a cama e deixou o quarto. Ao chegar ao topo das escadas viu a empregada tentando colocar a duquesa para fora.
Suspirou pesadamente.
Aquela velha nunca a deixaria em paz!
Desceu lentamente os degraus e logo os olhares se voltaram para si.
-- Então, estás livre, uma desgraçada mesmo! -- Esbravejava Isadora. -- Queria que morresse de uma vez!
A ruiva nada disse até chegar ao térreo. Com um olhar dispensou a empregada.
-- O que você quer, vovozinha? -- Indagou com um sorriso.
-- Não me chame assim, sua maldita!
Natasha continuou com o sorriso no rosto, seguiu até a poltrona, sentou-se com as pernas cruzadas.
-- A que devo a sua adorável visita? Veio ver como foi meu dia na prisão?
-- Pena que saiu, mas logo passará o resto da vida lá! -- Aproximou-se com o indicador apontado em riste. -- Exijo que mantenha distância da Valentina… -- Colocou as mãos nos quadris. -- Você não imagina como ela está ao lado da minha Nathália, cuidando, passou a noite ao lado dela e não quer deixá-la sozinha por nada.
O maxilar da Valerie enrijeceu, enquanto continuava a exibir o sorriso, mesmo os olhos tendo ficado ainda mais escuros.
-- A mim não interessa o que a palhaça de circo está ou não fazendo! -- Disse calmamente. -- Porém ela não ficará com a criança que está esperando… Dê o recado para ela!
Isadora esboçou um ar de superioridade.
-- Por que não? A criança é sua e da Verônica, então já que é a sobrinha dela que está servindo de barriga de aluguel…
Antes que ela terminasse de falar, a arquiteta praticamente voou sobre ela, segurando-lhes os ombros.
Os olhos estavam tão abertos e as bochechas rubras de raiva.
-- Que Diabos você está falando, sua miserável?
-- Ah, você não sabia que a Valentina é sobrinha da sua amada esposinha, sua sobrinha também? -- Falava com falsa inocência. - Imagina quando ela ficar sabendo disso… Você assassina da tia dela… Eu imagino a reação que ela vai ter...
A duquesa se livrou dos braços que a prendiam, enquanto deixava a cobertura com um olhar triunfal.
Capítulo como sempre maravilhoso. Qual sera reação da natasha com essa revelação de isadora que Valentina e sobrinha de seu falecida esposa!!
ResponderExcluirEssa velha tem que levar uns tapas e sofrer muito,coisa ruim é essa.
ResponderExcluirCoitada da Natacha.
Beijos autora.