Anjo caído -- Capítulo 22


           O auditório estava lotado.
        Mesmo sem a presença de Antônio, a tradição se perpetuava e fincava mais forte suas raı́zes com o passar dos anos. Não tinha como esperar menos e todos que estavam ali sabiam ser privilegiados por terem conseguido alcançar aquele lugar de destaque.
         Os melhores e mais bem pagos profissionais estavam presentes. Professores, reitor e algumas figuras polı́ticas marcavam presença.
      Todos os sócios ostentavam seu poder e superioridade ocupando as cadeiras que lhe foram designadas naquele ritual de acolhimento.
       Flávia deu boas-vindas a todos, deixando claro seu orgulho e felicidade por tantos desejarem ocupar um lugar ali. Falou um pouco sobre a história do nome daquela poderosa famı́lia que se dedicara por toda a existência ao ato de salvar vidas, sempre tendo um fiel representante por quatro gerações.
        Sem esconder a enorme emoção e infinito orgulho, anunciara a herdeira de Antônio. Todos de pés aclamaram a jovem de cabelos negros.
        Angelina hesitara antes de aceitar o convite, mas ao ver todos aqueles estudantes expressando entusiasmos, demonstrando a felicidade por estarem vivendo aquele momento, acabou se lembrando do mesmo que lhe ocorrera há tempos.
        Naquele dia escolhera usar o jaleco que ganhara de presente da sua amada mãe. Deixara de lado, naquela ocasião, o tom escuro, desejando em seu coração poder homenagear sua querida A^ ngela que sempre amara aquele tom alvı́ssimo, como ela costumava dizer: Aquela era sua capa de super-herói.
         Seguiu até onde estava a loira, abraçando-a.
         Flávia lhe depositou um beijo na face, entregando-lhe o microfone.
       Os olhos da Angel percorreram cada rosto presente ali, conseguia ver a admiração, conseguia ver o orgulho que demonstravam.
         Já abria a boca para começar a discursar quando um brilho doce e insistente lhe atraiu. Duda...
     Não acreditara que ela estaria presente, chegara a imaginar que a afilhada de Antônio não aceitaria estar naquele lugar, chegara a pensar que ela se negaria, se rebelaria depois de tudo o que aconteceu.
       Sofrera com isso e passara todos aqueles dias se conformando em não vê-la mais, em não tê-la mais em seus braços...
         Não conseguiu evitar o sorriso... Não conseguiu evitar as batidas frenéticas do coração... Linda!
Como podia se sentir daquele jeito só em vê-la? Sua vontade era abrir caminho em meio à multidão e ir até ela, abraçá-la, quem sabe assim, amenizaria aquela saudade que lhe destruı́ra o peito, que tirara seu sono durante todas aquelas solitárias noites.
          Viu o olhar impaciente que Flávia lhe dirigiu. Fez um gesto afirmativo com a cabeça.
       -- Boa tarde a todos os presentes... – O som rouco, firme se fazia ouvir – Posso imaginar como devem estar ansiosos, afinal, passaram todos esses anos imaginando esse dia. – Deu alguns passos. – Tiveram uma batalha árdua e os que aqui estão devem honrar esse momento... Comemorem... Mas não pensem que a guerra já fora vencida.
      Os presentes pareciam fascinados com as sentenças proferidas por Angelina, muitas ali conheciam bem a vida daquela mulher e o sucesso que ela alcançara tão prematuramente.
       -- Ser um profissional da saúde não é uma brincadeira... Então se muitos que se encontram aqui visam apenas o status... Sigam por outro caminho. – Mordiscou o lábio inferior. – Lembro-me bem da minha mãe fazendo esse questionamento e deixando claro, quando eu ainda era uma criança, que alguém se estudava para salvar vidas, deveria fazê- la... E em muitos casos, infelizmente, perdemos a matéria, mas isso não significa que não devamos nos esforçar para salvar também a alma... Sejam dignos, honrem o juramento que farão, honrem as pessoas que acreditam em vocês e independente do lugar, da situação e do paciente que terão em suas mãos, lutem até o fim para preservar a vida e a dignidade dos que estarão ali, porque em muitos momentos, eles só terão aquilo para lhes oferecerem.
       Eduarda sentia a emoção presente naquelas palavras, via a paixão que sempre fora relatada por  Cecı́lia, mas também via a dor por não poder estar mais no lugar que um dia ocupara.
        Fitou os olhos negros, viu-os brilharem.
       Observou-a se despedir, convidando Henri Mattarelli para assumir o seu lugar. Encarou o homem que abraçava carinhosamente a morena.
      Retribuiu o sorriso que ele lhe direcionara, porém sua atenção se voltou mais uma vez para o olhar insistente da médica.
      Ela era uma mulher instigante, arrogante, orgulhosa, porém também trazia algo a mais que a fazia se perder naquele jeito perturbador de ser.
       Respirou impaciente, chamando a atenção de Ester.
       -- Você vai acabar afundando a cadeira de tanto remexer. – A ruiva sussurrou em seu ouvido. – A sua médica não para de te olhar e está soltando chispas de raiva por eu ter me aproximado de ti.
      -- Eu não tenho médica e não estou me importando com o que a doutora Berlusconi pensa ou deixa de pensar. – Retrucou irritada.
       -- Foi impressão minha ou aquele sorriso seguido de um delicioso olhar fora para ti na hora do discurso eloquente? – Provocou-a. – Eu mesma fiquei enamorada... – Gargalhou baixinho.
       -- Chega! – Disse por entre os dentes. – As pessoas estão olhando, vamos prestar atenção. – Repreendeu-a. 
          A ruiva apenas sorriu, voltando ao seu lugar.
          Duda voltou sua atenção para Henri.
        Admirava-o muito e depois daqueles dias aprendera a conhecer melhor aquele homem tão altivo, mas que demonstrava ter um enorme coração.
        Sempre saiam para jantar e nesses momentos costumavam falar sobre suas vidas, ele sempre a incentivava a falar mais de Cecı́lia e parecia embevecido por suas narrativas.
       Lembrava-se de em algumas daquelas conversas ele ter tocado no nome de Angelina, falando sobre como se sentira honrada em ter sido professor dela, da forma sempre disciplinada que ela agia. Engraçado, não conseguia ver naquela mulher a humildade que o antigo mestre dizia que ela sempre demonstrava.
       Passou a mão nos cabelos, colocando uns fios rebeldes por trás da orelha. Voltou a fitar a morena.
         Lutara muito contra a vontade de não estar ali, no último momento que decidira fazer parte de tudo aquilo. Estava cansada do estigma que lhe fora dado sobre ser a filha da amante de Antônio, estava cansada das acusações que Angelina sempre fazia. Ainda estava muito irritada pela demissão que ela provocara, muito triste por perceber que aqueles olhos que a fitavam tão insistentemente naquele momento, podiam queimar de paixão em uma hora, enquanto planejavam traições terríveis.




           Flávia fitou de soslaio a amiga que estava ao seu lado.
          Observava o olhar fixo dela em direção conhecida e pela primeira vez aquilo não doera tanta.
       Aqueles dias estavam sendo diferentes, sublimes, calmos e seu interesse estava voltado para a bonita jovem de cabelo flamejante.
       Infelizmente tivera dias corridos e não voltara a vê-la depois do singelo beijo que trocaram, porém conversaram incansavelmente por um aplicativo de conversas e mesmo que não assumisse, tivera a impressão que retornara a adolescência, pois não era só seu corpo que estava em estado de êxtase, mas sua cabeça criava enredos maravilhosos que lhe servia de travesseiro durante as longas e solitárias noites.
        Sua atenção fora tomada ao ver Angelina levantar, deixando o espaço que fora reservado para eles.
         Pensou se ela seguiria até Eduarda, mas a médica tomara direção oposta a da jovem que naquele momento parecia se concentrar nas palavras de Henri.
         Observou o sorriso doce que Ester lhe dirigiu, retribuindo imediatamente.
        Um coquetel seria servido ao fim do acolhimento e assim que isso começasse, iria até a garota, cumprimentá-la.



        A acolhida continuou com mais algumas pessoas se pronunciando, até que os comes e bebes foram iniciados.
        Os estudantes pareciam se divertir com a música que começara tocar. Pousavam para fotos, tiravam autorretratos, aproveitando o momento único na vida deles.
        Duda não parecia muito animada. Desejava ir embora, mas percebeu quando Ester se aproximou de Flávia e ambas começaram a conversar.
      Ficou parada, observando a cena que pareceu estranha a seus olhos, ainda mais quando a loira sempre deixara claro seu desagrado por Eduarda ter certas amizades.
     Estava ponderando sobre o fato quando sentiu alguém lhe puxando bruscamente pelo braço. Surpresa, deparou-se com Patrı́cia.
        Desvencilhou-se do toque.
     -- Você não passa de uma vagabunda que ousa a se envolver com uma mulher casada! – A psicóloga a acusou.
        Como a música estava alto, o arroubo da loira não fora ouvido por todos, apenas pelas pessoas que estavam mais próximas, que pareciam curiosos com o diálogo.
       -- Está louca?! – Eduarda chegou mais perto. – Quem pensa que é para me acusar assim, pior, quem pensa ser para fazer escândalos aqui?
        -- Sou a mulher da Angelina Berlusconi! – Encarou os olhos claros. – E não permitirei que uma fedelha como você fique dando em cima dela.
         -- Infelizmente não é ela que dá em cima de mim... – A voz rouca e firme se fez ouvir. 
        Ambas se voltaram ao mesmo tempo para a mulher que as encaravam.
         Eduarda observou os olhos negros se estreitarem ameaçadoramente.
     -- Quem te convidou aqui? – Segurou Patrı́cia pelo braço. – Quando vai entender que sua presença não é agradável?
     A Fercodini podia ver bem a fúria oculta naquela frase controlada. Receosa do que pudesse acontecer, Duda tocou-lhe o ombro.
        -- Aqui não é momento para isso! Deixe-a! – Pediu.
       Angelina encarou a jovem, observando a expressão temerosa que demonstrava. Vencida, soltou a ex- esposa. Duda observou a herdeira do padrinho, observou o olhar se abrandar, perdeu-se naquele mar negro.
         Patrı́cia gargalhou de forma debochada.
         -- Não me diga que agora recebe ordens da filha da amante do seu querido papai?
         A Fercodini observou o maxilar forte enrijecer
     -- E quem é você para falar isso? – Voltou a tomá-la pelo braço. 
        Flávia, Ester e Henri se aproximaram ao ver o que passava.
      -- Veja, Maria Eduarda, é assim que sua amada doutora te trata? – Provocava – Pena que o Antônio morreu, pois se estivesse vivo, essa garotinha estúpida seria bem treinada nas mãos dele.
        Duda voltou a se intrometer, tentando ficar entre as duas, porém daquela vez, Angel a manteve distante.
       -- Quem é você para falar algo assim? – Questionou com os dentes cerrados-- Você ostentava para todos ser a minha esposa, enquanto transava com meu pai quando eu não estava por perto. – Soltou-a, afastando-se entre os presentes.
       Eduarda ficou perplexa com o que tinha acabado de ouvir. Será que fora realmente aquilo que tinha entendido ou tudo não passara de uma confusão da sua mente.
         Os olhos se abriram em total surpresa.
        -- Saia daqui! – A Tavares falou. – Quando vai deixar a Angel em paz?
        -- Isso não é da sua conta! – Fitou a todos. – Engraçado você que não está vendo essa estúpida... – Apontou para Duda. – Transar com a minha mulher.
         Henri tomou delicadamente a psicóloga pelo braço.
         -- Acho melhor a senhora vir comigo.
         Mesmo diante dos protestos esboçados, Patrı́cia seguiu com o médico. 
         Eduarda fitou Flávia.
        -- O que a Angelina quis dizer com as ú ltimas palavras?
        A loira observou Ester se posicionar ao lado da melhor amiga.
        -- Explique o que ela quis dizer! – Exigiu. 
         Flávia respirou impaciente.
        -- Sim, foi isso que você ouviu. A Angel estava voltando de viagem e queria fazer uma surpresa para a esposa... – Maneou a cabeça. – Ao chegar a casa, encontrou a Patrı́cia transando com o senhor Antônio.
         Duda levou a mão à boca, tentando controlar a ânsia que se apossou de si. 
          Não!
         Deus, como alguém poderia fazer uma coisa tão cruel?
      Jamais em sua vida chegara a imaginar algo tão podre, ainda mais envolvendo o padrinho, homem que admirava e respeitava como se fosse seu pai.
          A ruiva colocou a mão sobre o ombro da amiga de forma protetora.
       -- Nesse mesmo dia ela sofrera o terrível acidente... Lutara para salvar a vida da mãe, mas acabara sendo atingida pela explosão dos vidros...
         -- Ela perdeu a mãe naquele mesmo dia... – Constatou horrorizada. 
         A loira mordiscou o lábio inferior.
        Via a dor que transparecia na face da jovem e mesmo que arrumasse uma guerra com a amiga de infância, precisava falar tudo, talvez assim, aquela garota entendesse como fora difı́cil tudo que a herdeira dos Berlusconis passara.
         -- Ela não perdera apenas a tia Ângela... Perdera também a criança que esperava...
         Era possível ver o pesar estampado na face das garotas que pareciam não acreditar em tudo que ouviram.
        -- Preciso ver como a Angel está. – Flávia despediu-se de Ester com um beijo na face, afastando-se às pressas.




        Naquele dia, Angelina deixara a festa sem se despedir ou sequer falar com ninguém. Flávia tentou ligar para ela, mas o número se encontrava desligado.
          Felizmente José a levara para a cobertura.
          Decidiu dar uma carona para Duda e Ester, deixando ambas no apartamento da Fercodini.
         Pigmaleão recebeu-as com muito entusiasmo.
       -- Sente-se, doutora! – Eduarda apontou o sofá para a loira. – Deseja alguma coisa? – Indagou ainda de pé, acariciando os pelos ralos do animal.
         Flavia fitou Ester.
         -- Não, acho melhor ir embora, preciso ver como está a Angel.
         -- Ela não retornou as chamadas? –Duda indagou preocupada.
         -- Não, mas José disse que ela está no apartamento. 
           A Fercodini permaneceu calada.
        Deveria ter ido atrás dela, porém ficara demasiadamente chocada com tudo o que ouviu, sem falar na sua própria raiva que ainda a corroia.
       -- Certo... Acho que vou tomar um banho. Poderia me avisar quando estiver com a Angelina? Desejo saber como ela está.
          A loira apenas assentiu, enquanto Duda seguia para o quarto.
          Assim que percebeu que estavam sozinhas, Ester se aproximou, sentando ao lado da médica.
        -- Horrível o que ocorreu com a sua amiga. – Encarou-a. – Como alguém tem coragem para fazer algo assim? 
          Flávia ficou de lado, tomando a mão da jovem entra as suas, acariciando-a.
           -- Nem todo mundo tem sentimentos e Patrı́cia sempre se mostrara assim.
           -- Como ela pode ser tão doente em pensar que teria uma chance de retomar essa relação? Não percebe o mal que causou?
           A loira se aproximou mais, ficando bem próximo dos lábios da garota.
         -- Eu não sei, meu bem... – Tocou-lhe a face. – Você está ainda mais linda do que de costume.             Antes que Ester pudesse responder algo, sentiu o beijo delicado em seus lábios.
         Inicialmente ficou temerosa de que Eduarda aparecesse, mas seu medo fora driblado pela forma envolvente e deliciosa que era acariciada.
        Gostava de tê-la nos braços, apertando-a mais junto a si, sentindo a lı́ngua procurar a sua de forma exigente... Um pigarrear assustou-as, ambas se afastaram, deparando-se com uma Eduarda exibindo surpresa em seu olhar.
        -- Qual foi a parte dessa história que eu perdi? – Disse arqueando a sobrancelha. 
        Flávia se levantou, tendo o rosto em chamas.
        -- Eu preciso... Preciso ir...
        Duda observou-as, percebendo-as demasiadamente constrangidas com o flagra.
       -- Eu só vim avisar que vou sair. – Pegou a bolsa que estava sobre o sofá. – Quero ver a Angel, saber como ela está depois da explosão de hoje.
         Agora fora o momento da ruiva e a loira exibirem total espanto.
        -- Não acho que seja uma boa ideia – Flávia falou encarando-a – Não acho que sua presença seja boa nesse momento, ainda mais quando ainda tem um assunto inacabado.
    -- Isso não vem ao caso agora, pois esse assunto já está encerrado. – Levantou a cabeça desafiadoramente. – Não gosto da sua forma e nem da forma da sua amiga de resolver as coisas, porém depois do que fiquei sabendo hoje, não posso simplesmente ignorar tudo, eu vi o olhar que ela expressou, vi a dor, vi o desespero que estava presente de forma tão clara.
        A loira não pareceu gostar muito da situação que se desenvolvia e tampouco do desafio que brilhava nos olhos da afilhada de Antônio.
       -- Eu disse que iria para lá, deixei claro que ficarei ao lado dela como sempre fiquei.
          Flávia percebeu a expressão de Ester mudar e teve certeza que falara demais.
        -- Somos amigas... – Passou a mão pelos cabelos dourados. – Eu que devo estar ao lado dela.
      -- Eu estou indo, o táxi já chegou. – Disse ao ouvir o som do interfone. – Boa noite. – Aproximou-se da amiga, beijando-lhe a face. – Cuidado, não desejo que se machuque. – Voltou-se para Flávia. – Espero que não dê uma de engraçadinha com a Ester.
       Eduarda seguiu decididamente, enquanto as duas mulheres se fitavam infinitamente.
     A ruiva não exibia a mesma alegria que fora vista naquele dia, seus olhos não traziam mais o brilho de minutos atrás.
        A médica estendeu a mão para tocá-la, mas a jovem se encolheu.
      -- Acho melhor que vá! – Apontou a porta para a loira. – Não quero ficar entre ti e a senhora Berlusconi. Flávia aproximou-se, segurando-a delicadamente pelos ombros.
       -- Quando disse que ficaria ao lado da Angel, disse devido à amizade que sempre nos uniu. – Acariciou-lhe a face com a costa da mão. – Não pense nada diferente, princesa. – Observou os lábios rosados. – Você é linda!
         Ester encostou a boca na dela.
       -- Fique! – Exibiu um sorriso doce e ousado. – Prepararei algo para jantarmos. 
         A loira mordiscou o lábio inferior.
        -- Só se eu puder te ajudar nessa empreitada. – Segurou-lhe a nuca, trazendo-a para si. – Posso?
      Antes que a ruiva respondesse, teve seus lábios tomados em um delicioso beijo. Deixando-a totalmente arrepiada. Inicialmente hesitou, mas acabou segurando o pescoço esguio, diminuindo ainda mais o espaço entre ambas.




          José permanecia de braços cruzados, encostado à porta da frente.
         Trouxera Angelina para casa e desde então decidiu ficar ali, até que a doutora Flávia aparecesse. Observou a herdeira de Antônio sentada na poltrona, tendo uma taça de vinho em sua mão.
          Havia vidros por todos os lados.
          -- Vá embora! – Gritou mais uma vez. – Deixe-me em paz!
        O motorista nada disse e tampouco se mexeu, apenas a fitava. Estava bêbada! Porém o álcool ainda não fora suficiente para anestesiá-la.
         Viu-a caminhar de forma trôpega até o parelho de som, ligando-o, uma doce melodia invadiu o ambiente.
        A médica tropeçou, mas não foi ao chão. Naquele momento já se acomodava no sofá com a garrafa em suas mãos.
        -- José, você  tem sorte de não ter casado. – Bebeu no gargalho. – Mulheres são terríveis... Ainda mais as que são mais tagarelas...
       José ouviu a campanhia, percebendo que a morena estava muito envolvida com sua bebida, não percebendo a visita.
         Abriu a porta e se sentiu aliviada ao ver o rosto sorridente de Eduarda. Com um gesto apontou à Angelina.
         Duda pareceu horrorizada com a bagunça que imperava naquele lugar.
        -- O que houve? – Sussurrou.
        -- Desde que chegamos ela bebe sem parar.
        -- E imagino que também está redecorando o lugar... 
           A jovem maneou a cabeça negativamente.
          -- Pode ir, ficarei com ela.
        -- Tem certeza? Posso ficar também, acredito que precisará carregá-la para o quarto. 
          Eduarda depositou um beijo no rosto simpático.
          -- Não se preocupe. Vá e descanse, assumo agora! 
           O motorista assentiu, deixando a cobertura.
          A Fercodini continuou lá, observando a doutora de cabelos negros.
        Hesitara muito em ir até  ali, mas depois do que ficara sabendo fora quase impossível não desejar vê-la, confortá- la, mesmo desejando não ceder aos apelos do seu coração, mesmo ansiando por uma distância entre elas, não poderá resistir ao impulso de estar ao lado dela.
             Aproximou-se a passos lentos.
         Viu-a de cabeça baixa, mirando o lı́quido âmbar que podia ser visto pelo vidro transparente. Ainda usava a mesma roupa da recepção, porém alguns botões da blusa estavam abertos.
          Os olhos negros voltaram para si.
        Eram tão penetrantes, como se desejassem invadir sua alma, desnudá-la totalmente. Viu-a fechar as duas pérolas negras, em seguida abrindo-as novamente.
           Angelina levou a garrafa novamente aos lábios. Duda se aproximou, tirando-a de suas mãos.
          -- Chega por hoje! – Depositou sobre o centro.
          -- Estou muito bêbada, José! – Angelina mirou a porta. – Já estou imaginando coisas. 
          Eduarda esboçou um sorriso, sentando ao lado dela.
          -- Não tem como discordar do seu porre, mas realmente estou aqui.
         Angelina estreitou os olhos, estendendo a mão, tocando-lhe o rosto. Tocou a franja, as madeixas que estavam soltas.
         -- Dudinha... – falou baixinho – está aqui mesmo? 
         A jovem observou a expressão perdida.
          -- Perdoe-me...
         Agora não fora apenas uma mensagem sem voz, mas ali estavam as duas palavras sendo ditas em som baixo e doce.
          Viu o arrependimento mesclado à dor.
           Observou-a apoiar os cotovelos nas coxas, baixando a cabeça, fitando os próprios pés.
         -- Eu não deveria... Não deveria ter agido errado... – Maneou a cabeça negativamente. – Sabe... – Olhou-a de soslaio – Eu senti demasiadamente sua falta...
          -- Sentiu? – Indagou achando interessante aquela conversa.
         -- Senti, meu amor... – Umedeceu o lábio superior – Cada dia longe de ti... Cada dia sem te ver, sem ouvir sua voz... – Apontou para o próprio peito com o indicador – Sofri como uma desgraçada.
          -- Sofreu?
         Angelina encostou-se à poltrona, inclinando a cabeça para trás, fechou os olhos.
        Eduarda pensou que ela tinha adormecido, então permaneceu lá, examinando os traços fortes, os lábios entreabertos.
        Sentiu um desejo enorme de estreite-la em seus braços, mimá-la, curá-la de todas as dores. Sim, amava-a!
        Amava Angelina Berlusconi, amava-a com todo o seu ser, com tudo o que era... Amava-a, mesmo que tivesse de lidar com todos os demônios do universo.
         Viu os olhos negros se abrirem, viu as lágrimas brilhando, frágeis... Intensos.
      -- Estou apaixonada... – Voltou a fechar os olhos – Estou apaixonada por ti... – Completou baixinho.
        Duda se levantou de supetão ao ouvir aquelas palavras, parando diante dela, mirando-a, mas ela dormia tranquilamente.
         Colocou as mãos no bolso da calça, suspirando. Ouvira realmente aquilo?
         Ela disse apaixonada?
         Sentiu uma vontade enorme de sacudi-la, mas acabou permanecendo parada lá, fitando-a.

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