Dolo ferox -- Capítulo 14



        O carro parou no estacionamento do prédio. Era muito tarde, passava da duas da madrugada.
Encontrara-se com Rebeka e foram a uma danceteria… Depois seguiram até um motel.
Inclinou a cabeça para trás, enquanto soltava o cinto de segurança.
O sexo não fora ruim… A loira era uma mulher que se entregava totalmente e não se importava a forma de ser tocada… Mas sabia que ela tinha estranhado a forma que fora possuída, mas não havia dúvida que gostara.
Pegou o celular, enviando para Rick o nome que a loira citara…
Esperava que aquela fosse uma informação valiosa, pois não aguentava mais continuar naquele papel ridículo.
        Tamborilou os dedos no volante, enquanto pensava se era uma boa ideia voltar para aquele lugar.
Decidida, abriu a porta do veículo, saindo.
Desde que retornara do cruzeiro, aquela era a primeira vez que voltava ao apartamento.
Exatamente uma semana se passara e não sentira uma única vontade de ter um novo confronto com a trapezista. Ainda conseguia ver o olhar de desprezo que lhe fora dirigido na enfermaria, mas ainda não conseguia entender o motivo daquilo ter afetado tanto.
Prendeu a respiração ao pensar nela.
A morena andava permeando seus pensamentos perigosamente, deixando-a desconsertada e até desejosa de mais do seu contato.
Encostou-se ao automóvel.
       O estacionamento estava cheio de carros, mas nenhuma pessoa se encontrava por ali. Observou as luzes acesas e chegou a cogitar a possibilidade de ficar por ali mesmo.
        Ficou a pensar na circense... De que forma ela participara de toda aquela história?
     Cerrou os dentes ao recordar da loira falando sobre o relacionamento que Nathália tinha com Valentina. 
Assim que tudo estivesse esclarecido, a morena também pagaria sua parcela de culpa em toda aquele enredo macabro. Não daria tréguas, enquanto todos não fossem castigados por seus pecados.
Seguiu lentamente em direção ao elevador, enquanto fazia tudo para esquecer que a maldita mulher estava presente naquele apartamento e morria de vontade de encontrá-la e tocá-la.


Valentina ouviu batidas na porta.
Despertara ainda desejosa de dormir.
Não tivera uma noite boa. Seus enjoos estavam piores e praticamente tudo o que comia colocava para fora.
Desde que tivera a conversa com Isadora sua mente não parava de fervilhar de teorias.
Se tudo aquilo fosse verdade estava correndo riscos e o seu bebê?  Aquela mulher seria capaz de fazer mal a uma criança? Mas a duquesa falara que ela fora capaz de matar a própria esposa e tinha dado o fim na irmã, por que seria diferente consigo?
E se fosse a polícia? E se contasse toda aquela história? Decerto pensariam que estava louca…
A porta se abriu e lá estava a ruiva vestida elegantemente.
Usava calça skinner preta colada em suas pernas vigorosas, camisa branca de seda, fechado com cordões e jaqueta de couro preta.
         Fitou-a demoradamente, buscava os sinais e não sabia se tratar de paranoias, mas realmente não havia nada da Nathália presente, mesmo que fossem iguais fisicamente.
Os cabelos estavam soltos e brilhantes.
-- Não pode reclamar que entrei sem bater… -- Disse com um sorriso de canto de boca. -- Bom dia, bela adormecida!
A morena fitou-a por intermináveis segundos, buscando encontrar ali as provas de que realmente não se tratava da amada.
-- Está me achando bonita? -- A ruiva a provocou. -- Quer que eu dê uma rodadinha? -- Indagou cheia de deboche.
A trapezista deu de ombros.
        Gostaria de não a ver nunca mais, ainda se recordava de quando a viu com a amante...
-- O que quer aqui? -- Puxou o lençol mais para cima ao notar o olhar sobre seus seios. -- Mesmo que tenha batido, não lembro de ter dado permissão para que entrasse, sua presença não me faz bem.
Natasha mordiscou o lábio inferior demoradamente e depois se aproximou, sentando-se na beira da cama.
-- Então desculpe meus modos, mas estava ansiosa para vê-la e não resisti… -- Encarou-a. -- Na verdade temos consulta com o médico e vim te buscar, precisamos ser rotineiras nessas consultas. -- Esboçou um sorriso. -- Estou ansiosa para ver nosso bebê pela primeira vez.
-- Não vou a lugar nenhum contigo! -- Disse cruzando os braços. -- Saia agora mesmo daqui!
A ruiva a fitou com mais atenção.
Havia olheiras maltratando a pele tão bela, mas não estava tão pálida como na noite que ficara em observação.
-- Meu bem, eu não quero brigar contigo… Estou fazendo tudo para que possamos nos entender, estou disposta a isso pelo nosso filho.
Valentina parecia buscar naquele verde tão intenso algo mais…
       -- Peça pra sua amante engravida e você faz esse papel idiota com ela, porque comigo vai perder seu precioso tempo, pois a última coisa que desejo é que essa criança que estou a esperar tenha qualquer tipo de contato com um ser tão sujo como você!
        A arquiteta respirou fundo, enquanto olhava para as próprias mãos sobre o colo.
        -- Valentina... -- Fitou-a, mirando profundamente aquela raiva -- Você vai fazer o que eu falar e o que eu ordenar... -- Falou calmamente.
        A circense se inclinou para mais perto dela. Franziu a testa, enquanto mirava cada detalhe...
        Não... Ela não tinha nada da mulher que se apaixonou um dia.
Mirou os lábios carnudos…
Levada por suas suspeitas, segurou-lhe a nuca, trazendo a boca na sua.
Natasha foi pega desprevenida, estreitou os olhos ameaçadoramente, mas não resistiu a sedosidade do toque.
Aproximou-se mais, tomando o controle da carícia. Abraçou-a, trazendo-a para seu colo…
A circense protestou, mas acabou cedendo ao sentir a língua encontrar a sua. Chupou-a com ânsia, porém de forma lenta, buscando naquele sabor uma pista para elucidar suas crescentes dúvidas.    
        Sentindo a boca molhada tão entregue a intensidade da outra, sabendo que estava prestes a perder o controle, afastou-a bruscamente!
-- Solte-me! -- Levantou-se.
A ruiva apenas a observava surpresa.
-- Não volte a encostar em mim! -- Apontou-lhe o dedo. -- Nunca mais toque em mim!
A Valerie se levantou.
-- Você só pode tá ficando louca! -- Passou a mão pelos cabelos. -- Você me beijou!
Valentina foi até a porta, abrindo-a.
-- Saia! -- Gritou. -- Saia!
A arquiteta estava tentando manter a calma, fizera essa promessa a si mesma, mas diante daquilo seu controle estava por um fio.
-- Estou esperando você lá embaixo -- apontou-lhe o indicador -- não me faça vir aqui novamente, porque dessa vez eu levarei a culpa por realmente fazer algo, te arrasto até o médico…
A circense a viu sair, fechando a porta em seguida, encostou-se a ela, enquanto escorregava até o chão, acocorando-se.
Não, aquele não era o beijo de Nathália, agora tinha certeza que se tratava de alguém totalmente diferente.
Levou as mãos ao rosto.
Estava vivendo com uma assassina…Fora isso que Isadora falara...
Deus do céu… Se a história que a duquesa contou for verdadeira, Nathália não fizera nada de errado… Fora totalmente tramado por aquela mulher que acabara de beijar…
-- Meu Deus, o que vou fazer agora?
Teria coragem de levar a frente aquele plano da avó da mulher que chegou a amar? E por que seu coração batia tão forte em pensar naquela desconhecida?





Natasha tinha decidido não acompanhar a morena. Percebia que o melhor a fazer era se manter distante.
Leonardo chegara ainda pouco e lhe trouxera notícias.
Na ultrassom ainda não fora possível ver o sexo da criança, mas o médico passara algumas vitaminas para a trapezista e foram feitos alguns exames para constatar que tudo estava bem realmente.
Seguiu até o escritório, vendo o piano…
Desejou tocar até o sol raiar…
Sentou no banco…
Fitou o relógio do pulso… Meia noite…
O tempo estava passando tão devagar e cada dia parecia que não havia mais esperanças para descobrir o que realmente se passara…
Tirou do bolso do roupão a intimação para mais uma vez depor sobre a morte da esposa…
      Rick estivera consigo mais cedo, trouxe-lhe as boas notícias, pressionando-a mais uma vez a continuar com aquele maldito plano.
        Lembrou-se do beijo que trocara com Valentina...
     Umedeceu os lábios demoradamente, sentindo ainda a maciez do toque dela. Fora tão lento e torturante que seu corpo se incendiou imediatamente e ainda continuava a pegar fogo.
       Fora um teste... Tinha certeza disso, pois se fosse o contrário, ela jamais a teria tocado, ainda mais depois do que acontecera com Rebeka... 
         Estava cansada de fingir ser Nathália para ela! Desejava acabar com aquela agonia… Assim, de uma vez por todas nenhuma das duas voltariam a repetir aquelas cenas tão fora do roteiro. 


Valentina pegou um resfriado forte e passou um tempo de cama.
Há alguns dias conseguira o telefone de Isadora e podera falar com ela e mesmo que ainda não estivesse convencida de toda aquela história, decidiu que tentaria investigar tudo com mais atenção e cuidado, pois pelo que percebia, a duquesa não tinha provas daquilo, apenas cogitava.
Poderia ser tratar de um delírio ou ela não conhecia a neta suficiente e agora se espantava com a personalidade demoníaca que ela exibia.
Suspirou.
Nathália nunca falara sobre ter uma irmã, ainda mais gêmeas.
        Sentia a pele arrepiada ao lembrar das coisas que a duquesa contara sobre a ruiva que estava a conviver consigo.
Meneou a cabeça tentando se livrar daqueles pensamentos alarmantes.
Ouviu batidas na porta e esperou pelo assessor da empresária entrar com seu remédio. Ele quem vinha cuidando de si, era sempre muito gentil e atencioso, saberia de toda aquela armação também?
Prendeu a respiração ao ver o ser que povoava seus pensamentos aparecer.
Fazia dias que não a via…
Mexeu-se incomodada na cama, pressionando as costas contra a cabeceira.
Seria realmente outra?
Natasha usava apenas um roupão e os cabelos estavam úmidos.
Leonardo insistiu para que ela tentasse uma reaproximação, pois há dias as duas mulheres não se encontravam.
A arquiteta nem tinha interesse quanto a isso, por ela, já teria colocado fim àquela farsa, sabia que a garota que estava naqueles aposentos suspeitava, não havia apenas desprezo em sua face naquele momento, mas também temor. 
        Suspirou impaciente. 
-- Trouxe suas vitaminas! -- Entregou-lhe o copo com os comprimidos.
A morena tentou não mirar seus olhos e evitou tocar sua mão quando recebeu.Viu-a seguir até a porta e desejou prolongar a visita.
Meu Deus!
Gostaria de saber onde estava a mulher pela qual se apaixonou.
-- Onde está o Leonardo? -- Indagou antes que ela deixasse o quarto.
A ruiva se virou para ela e pareceu estranhar aquela atitude.
Não era segredo para ninguém que a trapezista não a queria por perto e tampouco mantinham conversas triviais.
        Estreitou os olhos em desconfiança. 
-- Precisou resolver algumas coisas, então pediu para que trouxesse seus remédios.
Valentina mirou os dentes tão alvos. O nariz arrebitado…
Era uma cópia…Idêntica…
Natasha já segurava a maçaneta quando fora detida novamente.
-- Lembra a primeira vez que nos encontramos? -- Questionou.
Os olhos negros pareciam querer mergulhar no verdejante mar vazio.
A Valerie observou-a com atenção.
Não tinha ideia do que ela estava a falar. Apenas se recordou de quando a encontrou pela primeira vez no trailer… Surpreendera-se com sua beleza… Com a voz...
Natasha apenas meneou a cabeça afirmativamente.
A circense se levantou da cama, caminhou lentamente até onde estava a ruiva.
Natasha a fitava com atenção.
A camisola de seda chegava no meio das coxas… Percebeu que os seios estavam maiores, decerto devido à gravidez… Ainda não conseguia ver a barriga…
A morena parou bem perto dela.
-- Lembra do nosso primeiro beijo?
A ruiva esboçou um sorriso sensual.
-- Lembro sim… -- Esticou a mão, alisando sua face. -- Você não lembra, meu amor?
Valentina a encarava…
Desejava descobrir a verdade, mas também não era fácil tentar se aproximar daquela mulher… Se fosse a Nathália havia tudo o que tinha feito… Mas se realmente se tratasse de uma impostora, haveria muito mais coisa além da sua raiva.
-- Mesmo?
A ruiva apenas assentiu com um sorriso misterioso, enquanto deixava o quarto.


Leonardo estava em sua casa.
Naquele final de semana passara todo o tempo em seu escritório.
Examinava os papéis buscando alguma alternativa para poder ajudar Natasha. 
Sabia que a situação estava cada vez mais complicada e não demoraria para ela mesma seguir atrás das pistas para provar a inocência.
Se não fosse provado tudo o que Nathália fez, a ruiva levaria nas costas mais uma acusação de assassinato…
Passou a mão nos cabelos.
Ouviu a porta abrir e lá estava sua amada esposa trazendo uma xícara de chá.
Helena era uma mulher maravilhosa, estava sempre lhe apoiando em tudo. Infelizmente não tiveram filhos e ambos teriam sido muito felizes se a Valerie, na época, tivesse aceitado viver com eles.
-- Vai passar a noite toda aqui, querido? -- Colocou a louça perto dele, depois se posicionou às suas costas, massageando-lhe os ombros. -- Está tarde… Passou esses dias debruçados sobre esse amontoado de papéis.
O homem suspirou, enquanto tomava um pouco do líquido.
-- Estou muito preocupado com a Nath. A família da Verônica reabriram o caso…
-- Mas enquanto ela se passar pela irmã não terá problemas.
Leonardo segurou as mãos da esposa, depois levou aos lábios.
-- Eu sei, meu bem, mas esse é um problema…
Helena deu a volta, puxando uma cadeira sentando ao lado do marido.
-- Você conhece bem a Natasha, sabe que seria quase impossível ela se passar pela irmã… Isadora está rondando… E tem a Valentina…
-- A moça que está grávida? Achas que ela pode pensar que está lidando com outra?
Ele assentiu.
-- Sei que ela desconfia… E temo por isso… A nossa menina é tão arredia… Tenho a impressão que não há alma dentro dela…
-- Ela passou por coisas terríveis e depois veio aquela mulher que a destruiu ainda mais… Mas quem sabe o nascimento dessa criança não mude as coisas… -- Esboçou um sorriso. -- Vai ter um filho… Vai sentir que pertence a alguém…
-- Deus queira que sim… -- Abraçou a esposa.
Leonardo não queria preocupá-la, mas achava que seria quase impossível algo assim acontecer…
Pensara que entre a trapezista e a ruiva pudesse haver algo… Natasha é uma mulher linda… Mas a circense demonstrava cada vez mais sua raiva e indignação,ainda mais depois do que se passara no cruzeiro… e arquiteta não fazia nada para mudar aquilo.



O domingo fora todo de chuva…
Um implacável temporal deixara mesmo boa parte da cidade sem energia elétrica. Ventos fortes, trovões e relâmpagos podiam ser ouvidos em sua magnitude.
Natasha tomou banho e desceu para a sala do piano.
Tinha bebido muito e parecia não ter saciado ainda a vontade, pois levou consigo a garrafa pela metade de vinho.
O apartamento estava mergulhado em uma total penumbra, mas ela parecia conseguir se guiar sem nenhum problema.
Havia uma candelabro antigo contado com castiçais para três velas, ela acendeu-as, depois sentou diante do instrumento musical.
Sentia-se cansada…
Aquela situação chegava a ser desesperadora…
Estava na cara para qualquer um que conheceu Nathália, que ela não era irmã. Ambas eram como o dia e a noite… Apenas na aparência externa eram idênticas… No resto não havia a mera semelhança…
De repente lembrou-se da esposa…
Sua maior decepção fora pensar que poderia se envolver com uma lady… 
Sorriu tristemente, enquanto bebia no gargalo grande quantidade do líquido.
Isadora sempre esteve certa…
Era um animal… um ser selvagem… Nem todo o dinheiro que ganhou fora suficiente para lhe domesticar… Era tão fina aquela camada de verniz que tinha na pele…
Lembrou-se das palavras de Verônica… De como a rebaixava… De como a fazia se sentir aquela garotinha que vivia trancafiada nas paredes daquele convento…
Começou a tocar… O seu fantasma… Os seus fantasmas…



Valentina virava de um lado para o outro na enorme cama.
Despertara de um terrível pesadelo…
Na sua inconsciência encontrava Nathália e ela lhe pedia ajuda, implorava que lhe salvasse, porém quando tentava fazê-lo, aparecia outra pessoa, idêntica a ela, mas com um sorriso demoníaco.
Sentou-se na cama, levando a mão ao peito, tentando controlar as batidas do coração.
O quarto estava sombrio… Frio…
Teve um sobressalto ao ouvir um trovão.
-- Deus!
Lentamente, levantou-se.
Usava como pijama um short curto e algodão e uma camiseta folgada. Preferiu usar suas próprias roupas naquela noite e não aquelas imensa quantidade de trajes sofisticados que estavam no closet.
Foi até a janela…
A chuva caia implacável.
Lembrou-se da dona do apartamento…
Desde a última manhã, não a viu mais…
Nathália ou Natasha?
Em seu cérebro aquelas dúvidas ficavam cada vez mais consistentes… E se Isadora estivesse falando a verdade?
Então aquela mulher que lhe beijava de forma tão dominadora e sensual era uma assassina?
Sentiu a boca seca ao lembrar das carícias atrevidas…
Nunca sentira nada parecido com aquilo… Tinha a impressão que seu corpo estava queimando quando ela lhe tocava...
Passou a mão pelo pescoço, sentindo-o suar.
Fitou a jarra, já estava vazia…
Mordiscou o lábio inferior…
Vencida pela vontade de tomar água, abriu a porta e caminhou pelos corredores. Estava pardo.
Ao seguir ao topo da escada ouviu aquele som…
Ela estava ali… Sabia…
Permaneceu no alto apenas ouvindo o som do piano… Forte… Tinha a impressão que aqueles acordes penetravam em sua alma…
Desejou vê-la diante do instrumento musical… Da mesma forma que presenciara pela primeira vez…
Lentamente desceu cada um dos degraus, caminhando pé a pé até a porta…
A melodia estava cada vez mais alta…
Encostou-se a madeira…
Tinha a impressão que conseguia sentir aquele toque…
Fechou os olhos e continuou ali, apenas ouvindo…
Deveria ir embora pegar a água, mas sua curiosidade estava cada vez mais aguçada… Afinal, se realmente aquela mulher se tratasse de uma impostora, deveria ser presa… Nathália estaria correndo perigo ou já estaria morta…
Aquele pensamento de repente parecia fazer tanto sentido… Como se a ficha de tudo que a duquesa lhe falara estivesse a cair naquele momento…
Respirando fundo, segurou na maçaneta…
Fria… 
Abriu apenas uma fresta…
Tinha a impressão que seu coração acabaria saindo do peito por bater tão descompassado…Talvez se não fosse a música, a arquiteta ouviria…
Observou o interior da sala…
Escuro… Apenas velas iluminavam o lugar…
Fitou a mulher sentada diante do piano…
A postura ereta…
A cabeça inclinada, seguindo o ritmo da música…
Percebeu que ela usava apenas um roupão atoalhado… Os cabelos pareciam úmidos…
Sentiu o cheiro forte… 
O perfume dela… 
Meneou a cabeça negativamente… Aquele não era o cheiro floral da Nathália…
Observou o perfil forte… Parecia ainda mais inflexível e arrogante…
Lembrou-se quando ela entrou em seu trailer…
Quando esbofeteou… 
Ainda sentia a pressão em seus dedos…
A melodia se repetia incansavelmente… A chuva parecia ficar ainda mais forte…
Um relâmpago seguindo por um forte estrondo de trovão clareou o ambiente.
Os olhos verdes fitaram a porta e cruzou com os negros...
Natasha continuou a tocar, enquanto mirava a intrusa que a encarava com um ar assutado, mas desafiador.
Era estranho vê-la ali…
Terminou a música e um total silêncio era apenas maculado pela respiração de ambas.
Sabia que Leonardo avisara a ela evitar o piano enquanto a trapezista estivesse ali, mas era algo quase impossível de fazer. Aquilo sempre fora seu refúgio.
Aprendera a tocar sozinha enquanto vivia enclausurada nas paredes frias do convento… Havia um piano antigo, todo deteriorado pelo tempo, mas que mesmo assim servira para superar aquela época.
Às vezes tinha a impressão que ainda estava naquele lugar, que ainda era a mesma garotinha que subia nas pedras e ficava vendo o mar por aquelas frestas do portão.
Baixou os olhos por alguns segundos, parecia querer esconder as emoções que pareciam desejar reinar naquele momento. 
Valentina sabia que deveria retornar ao quarto, mas sentiu que poderia descobrir alguma coisa se tentasse agir de forma diferente.
Mirou-a por indetermináveis momentos, viu-a interromper o contato visual...
Por que era tão estranho está diante dela?
-- O que quer, senhorita? 
A pergunta feita em voz baixa e em tom um pouco carregado e rouco a distraíram dos seus pensamentos.
A morena pigarreou, a garganta parecia ainda mais seca.
Natasha a fitou, observando-a detalhadamente. Arqueou a sobrancelha esquerda em interrogação.
Valentina cruzou os braços sobre os seios, vendo a impaciência no olhar ruivo.
-- Estava com sede! -- Disse em um suspiro.
A Valerie parecia não acreditar na explicação.
As velas projetavam sombras na face de ambas e nas paredes.
-- E a jarra?
-- Acabou… Mas pode continuar com sua música, já estou indo…
A arquiteta ponderava sobre o que fora dito e já via a jovem se afastar, quando lentamente saiu do banquinho e foi até ela, surpreendendo-a, segurou-a pelo braço.
A circense teve um susto ao sentir as mãos quentes sobre sua pele. Encarou-a.
-- Calma, mocinha, não precisa decorar meu rosto com seus cinco dedos ainda… -- Disse com um sorriso cheio de sarcasmo. -- Quero conversar contigo… -- Umedeceu o lábio inferior com a ponta da língua. -- Precisamos conversar!
        Valentina sentiu o já conhecido incômodo em sua nuca devido à proximidade.
-- Você está bêbada? -- Questionou sem deixar de fitá-la. -- Está com cheiro de álcool… -- Torceu o nariz em desagrado. -- Parece que mergulhou em uma banheira de bebida...
Natasha aproveitou da distração dela, trazendo-a consigo para o interior e fechando a porta. Levou até o piano, encostando-a a ele.
Valentina sentiu o corpo feminino totalmente colado ao dela e já pensava em protestar quando a neta da duquesa, sentou no banquinho, ficando na altura do seu busto.
-- Não é só álcool… -- Levantou a cabeça para vê-la. -- É vinho… melhor safra… -- Parecia indignada. -- Uma ofensa!
A morena a mirava…
Viu o nariz arrebitado, estava avermelhado… Os cabelos afogueados em desalinhos… Os olhos pareciam duas esmeraldas.
-- Não entendo de bebidas… Só tomo água e sucos…
-- Tem coisas que são bem gostosas de provar… Deveria experimentar… Eu mesma ando desejando um sabor proibido... 
Valentina teve mais uma vez a impressão que seu corpo reagia a forma que ela falava.Deveria sair dali o mais rápido possível, mas algo a prendia.
-- Não sabia que tocava… Sempre falava que não gostava de música… 
Natasha não respondeu de imediato, apenas começou a usar o dedo do meio para produzir som.
Valentina permanecia parada no mesmo lugar…
Sentia a presença forte… E não só o cheiro de vinho, mas também o perfume amadeirado.
Pensou em sair dali novamente, mas estava praticamente presa no meio das pernas delas.
-- Conheces o fantasma da ópera? -- Indagou sem se voltar.
A morena fez um gesto negativo com a cabeça, mas precisou verbalizar já que a outra não a olhava.
-- Não…
A ruiva deixou de tocar e voltou a fitá-la.
-- Ninguém deveria passar por essa vida sem ler essa obra…
-- Por quê?
Natasha mordiscou o lábio inferior demoradamente.
Valentina não perdia um movimento daquele rosto.
Sentia a coxa roçar o joelho dela…
Ouvia a respiração forte…
-- Porque a Literatura deixa o ser humano civilizado… Suaviza a selvageria inerente a nossa raça…
        Por que ela parecia tão frágil naquele momento?
        Desejou tirar uma madeixa que caia sobre a testa dela.
        Fitou os lábios entreabertos... O de cima era mais carnudo... Desejou passar a língua sobre ele, contornando o bonito desenho.
        Suspirou, irritada com o rumos dos pensamentos.
-- Você ainda não leu o suficiente então…
A ruiva abriu um enorme sorriso… Tão diabólico e sexy… Valentina sentiu aquele calafrio característico.
O som rouco do riso invadia o ambiente e se mesclava ao barulho da chuva.
-- Você não achava isso de mim antes… -- Reclamou ironicamente.
-- Porque você não era assim… Não agia dessa forma… Tinha delicadezas… Educação… O que houve? Tiraram a Nathália e colocaram outra no lugar? -- Indagou arqueando a sobrancelha.
Natasha não pareceu se abalar com os questionamentos que foram feitos, ao contrário, permanecia com aquele olhar cheio de sarcasmo e nada preocupado com o que fora dito, mas em seu íntimo não era bem assim. Tinha cada vez mais certeza das suspeitas da trapezista, tinha ciência de tudo.
Levantou-se, observando cada detalhe daquele rosto bonito.
Valentina apoiou os braços no piano, produzindo um som aleatório, enquanto tentava manter distância, mesmo sabendo que seria inútil, pois os corpos estavam colados.
-- E se eu não fosse ela? -- Perguntou em um sussurro bem perto dela. -- E se eu não fosse a futura duquesa que você se apaixonara? O que faria, senhorita?
A trapezista pareceu desejar mergulhar naqueles olhos tão verdes. Desejou que estivesse claro para poder examinar toda a expressão daquela face bonita, mas apenas via o que o fogo das velas projetavam.
-- Estaria a cometer um crime, estaria a fazer algo que vai contra as nossas leis… Iria presa e pagaria caro por isso…
-- Só isso? -- Disse fazendo pouco caso. -- Nada de queimar no fogo de inferno e sentir a ira do todo poderoso sobre mim?
A circense tentou se afastar, mas foi detida, ficando presa entre o corpo quente e o instrumento musical.
-- Quero voltar para o meu quarto!
-- Por quê? Estava tão bem me espionando… Agora você pode fazer melhor… Espione de perto… Veja de perto o que tem aqui… -- Aproximou a boca dela.
A morena lhe fitava, enquanto mirava os lábios rosados… O hálito de vinho parecia tão delicioso que sentiu vontade de provar.
Por que tinha a impressão que havia um imã que a atraia perigosamente…
Nunca em toda vida sentira algo de tamanha magnitude, parecia que estava sendo atraída para um precipício.
Mas e se Isadora estivesse certa?
        -- Quem é você? -- Questionou temerosa.
        a Valerie colou os lábios em sua face e lentamente seguiu até a orelha, mordiscou-lhe a pontinha, enquanto lhe sussurrava:
        -- Beije-me e descubra...

Comentários

  1. Será que vão conseguir apaga esse fogo todo no próximo capítulo ou vai aparecer alguém para atrapalhar.cada dia mais enamorada dessa história 😘😘😘😘😘😘

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    1. realmente o desejo entre essas duas só faz crescer e as duas mulheres apenas mesclam essa ânsia com a raiva que as domina.
      Um grande abraço.

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  2. A Valentia deveria descobrir de fato,talvez ela até ficar do lado da Natacha,pois é óbvio que ela já gosta da pianista,ainda não sabe mas gosta.
    Essa velha maldita tem que sofrer antes de ir para o inferno, por tudo que faz contra a própria neta.
    A cada capítulo essa história fica melhor.
    Beijos autora.

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    1. Olá, querida, a Valentina está cada vez mais confusa diante de tudo, deseja com todas as forças descobrir a verdade, mas mesmo assim se assusta com isso. Dentro dela, nunca houve dúvidas de que não estava com Nathália, mas a questão é: como sentia tudo isso por outra se pensava estar apaixonada pela futura duquesa?

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