Dolo Ferox -- Capítulo 10
Bateu forte contra a madeira da escadaria.
Não deveria ter deixado que a caçula se envolvesse com a maldita Valerie, mas estava tão distraído com suas próprias perdas que não conseguira visualizar o risco que todos corriam com aquela relação. Fora desatento, sabendo que tudo dependia de si, sabendo que era sua função cuidar da amada irmã.
Aproximou-se da bancada de vidro que ficavam expostas as fotos da família. Tomou o porta retrato na qual estavam todos reunidos. Pareciam felizes, despreocupados, sem saber que uma terrível desgraça cairia sobre todos.
Sorriu cheio de amargura e saudade.
A mãe morrera quando ele ainda era um jovem cabeça de ventos. A respeitosa condessa condenara com todo seu orgulho e poder a mulher pela qual se apaixona e fora por esse motivo que abandonara o único ser que fizera a diferença em sua vida. Depois disso, nunca mais pensara em ter um relacionamento sério com alguém, nem mesmo casara como era esperado para alguém de tão importância na aristocracia. Mas isso não lhe fazia falta, nem mesmo sentia algum desejo, mesmo diante da pressão de Patrício que se negava a pensar que o sobrenome Vallares morreria com o filho. Seus olhos passaram pela imagem de Verônica. Diferente de si e vinte anos mais jovem, a bela morena de olhos e cabelos negros sempre fora cheia de vida, entusiasmada e cheia de ambições. Inteligente e rica de beleza conhecera a herdeira dos Hanmintons ainda na universidade, a bela Nathália, mas fora pela cópia amaldiçoada que se apaixonara.
Inicialmente não se importara em saber de quem se tratava, pois imaginara que aquela fase de sexualidade era algo até normal na adolescência. Seu pai condenara totalmente, reprovava qualquer tipo de modernidade, porém ao saber que estava a tratar de uma das netas de Isadora, fizera exceções. Mas o conde não sabia que não se tratava da filha amada de Elizabeth e seu respeitado marido, mas sim a filha bastarda que fora renegada por todos ao nascer.
Deixou a moldura sobre o móvel, enquanto tentava manter a calma.
Sua família acabaria sem descendentes…
-- Mil vezes maldita Natasha! Espero que esteja realmente morta, pois se não for verdade, eu mesmo te matarei!
A duquesa ligara há alguns dias pedindo para falar com seu pai, mas devido o estado debilitado, preferiu que não o fizesse. Marcando um encontro para aquele mesmo dia, ele compareceria e ouviria o que aquela mulher desejava. Esperava não ter que perder tempo com as lamentações costumeiras, nem com seus choros intermináveis, como ocorrera no velório da irmã.
Ainda recordava daquele dia tão triste…
Chegara ao cemitério e lá estava a Valerie…
Os olhos verdes não se dirigiram a ninguém, apenas fitava o caixão por intermináveis segundos…
Patrício a chamara de assassina abertamente diante de todos os presentes, mas aquela palavra não pareceu chegar aos seus ouvidos ou sua frieza era tamanha que nem quando a polícia chegara para prendê-la pareceu afetá-la.
Viu com satisfação ela estender os braços para receber as algemas, mas depois de um ano, a miserável tinha saído.
Ouviu passos e o médico logo apareceu descendo as escadas.
Nícolas o esperou pacientemente.
-- O seu pai precisa de descanso e tranquilidade.
O médico era amigo da família e atendia a todos há muito tempo. Baixo, gordo e com escassos cabelos, sempre tentava ser justo e coerente em sua forma de agir.
-- Eu disse a ele… Mas é teimoso!
O mais velho tirou os óculos e ficou limpando as lentes.
-- Ele está obcecado por Natasha… -- Fitou-o. -- Eu sempre disse e repito, não acredito que ela seja culpada… Verônica sempre fora muito instável emocionalmente...
-- Chega! -- Nícolas o interrompeu. -- Sou muito grato pelo que fez e faz por minha família, porém a sua opinião sobre aquela assassina não me interessa… Hoje mesmo pedi para meu advogado entrar com uma nova denúncia, desejo que ela morra na prisão!
-- Pelo que eu sei, a Valerie está desaparecida e para alguns, até morta…
-- Só acredito se ver o corpo na minha frente!
O médico assentiu com um suspiro.
-- Faça o seu pai tomar os remédios nas horas certas e seguir todas as orientações que deixei com a empregada.
Nícolas assentiu, enquanto lhe apertava a mão.
-- Doutor, mais uma coisa… -- Baixou o tom de voz. -- Antes da minha irmã ser assassinada, ela estava planejando ter um filho com a desgraçada da Natasha… O senhor sabe disso? Foi informado?
-- Não, não, mas me recordo que Verônica me procurara para saber sobre esses meios, até tinha recomendado uma clínica de fertilização, posso tentar entrar em contato com eles.
-- Fico agradecido desde já.
O herdeiro dos Vallares acompanhou o médico até a porta.
Natasha a trouxe mais para perto… Deixou de abraçá-la para agora lhe tomar as mãos nas suas, tirando a barreira entre seus corpos… Eram macias, mas havia marcas, deixando-as ásperas… Uma contradição que combinava com a personalidade da bela mulher.
Sentiu os seios redondos contra os seus… Eram firmes… Uma barreira que se chocava consigo… Sentiu os próprios mamilos reclamarem, ansiando por tê-la em pelo contra si.
Excitava-se perigosamente…
Ouvia a respiração acelerada… Mas não sabia de quem era...
Colocou uma das pernas entre as dela… Fê-la praticamente montar em sua coxa… Mexia… Roçava… Sua mente recordou de outra vez… Mas naquele dia, ela não estava sem a calcinha, pois sentia a peça de roupa… Desejou tirá-la com a boca...
Ouviu o gemido sufocado contra seus lábios. Segurou-lhe a nuca para não quebrar o contato. Não imaginara que se sentiria assim em relação a outra pessoa, pois em toda sua vida sempre agira em total controle das emoções, mesmo sempre se entregando ao prazer intensamente, costumava tirar mais vantagens dos contatos íntimos e não ser tão manipulada pelo desejo alheio.
Valentina se segurou mais a ela, temendo perder o equilíbrio. Ouvia a respiração e tinha a impressão que estava mergulhada em um sonho. Sentia-a e tinha a impressão que nunca tivera tão perdida, tão desejosa de tocar e ser tocada. Apertou-a mais forte, sentindo os seios comprimidos contra o dela.
Sentia o cheiro da ruiva como se estivesse a violar seus sentidos, tomando-a e conduzindo-a a um precipício.
Natasha abriu os olhos, fitando-a e teve a impressão que estava a tocar Verônica.
Ouvia o som da boca dela devorando a sua… Chupando… Estalando…
Empurrou-a!
Valentina cambaleou, mas conseguiu se equilibrar… Encarou-a com os olhos arregalados… Sua face queimava… Sentiu como se em sua garganta houvesse algo, engasgando-a, impedindo-a de falar...
Miraram-se por longos segundos, até que a trapezista deixou o quarto, parecendo não se importar por estar a vestir apenas um roupão de seda.
A Valerie permaneceu ali parada por alguns…
“ Você será sempre a sombra da Nathália…" A frase preferida da avó e da esposa martelavam em sua mente depois de tantos anos…
Engraçado como fazia tempo que não recordava da ladainha infantil…
O maxilar enrijeceu… Fitou a porta e pensou em ir atrás da morena…
Mordiscou o lábio inferior demoradamente e era como se o sabor da boca da namoradinha da irmã ainda estivesse ali.
Cerrou os dentes, enquanto tentava se distrair daquela imagem.
Observou o arranjo de café da manhã, aproximou-se. Pegou o cartão e viu o nome da loira.
Mirou o conteúdo da cesta. Frutas, biscoitos,bombons e flores…
Pegou uma maçã que parecia mais vermelha que a da Branca de Neve, mas desistiu de comer, afinal o que uma mulher despeitada poderia fazer?
Sentiu o incômodo na perna. Ligaria para a recepção e pediria que um médico fosse até ali, apenas para ser medicada com algo que pudesse amenizar a dor.
Passou a mão pelos cabelos e voltou a fitar a porta…
Onde a trapezistazinha tinha ido?
O que aconteceria quando ela ficasse sabendo que não estava a lidar com sua dama da aristocracia? Com certeza seria desprezada, ainda mais quando Isadora gritasse em pulmões quem era a Valerie…
Assumira o nome do pai quando no exame de DNA ficara provado que as gêmeas tinham material paterno diferente. Nathália realmente era filha legítima do marido de Elizabeth, enquanto a ruiva tinha em seu sangue os genes do amante vermelho da mãe.
Sorriu com amargura.
Como algo tão surreal e raro pôde ocorrer logo consigo? Se fosse dada a drama, escreveria um romance açucarado, porém sem final feliz… Talvez uma tragédia grega se igualasse mais a sua natureza. Sófocles ficaria tão entusiasmado em escrever algo assim, como quando fizera o Édipo rei...
Os corredores no transatlântico estava vazio.
Os passos da Valentina eram abafados pelos carpete vermelho. Ela seguia sem olhar para os lados nem parecendo recordar que estava com um robe curto e sexy. De repente parou diante de uma enorme obra de artes. Um quadro retratava o pôr do sol visto do mar… Era tão delicada a pintura que a distraiu da sua agonia.
Viu as gaivotas… As ondas batendo nas pedras e logo o astro rei parecendo cegar a beleza real com sua pompa.
Com os dedos tracejou as linhas… Respirou fundo, enquanto passava a mão nos cabelos.
Nathália…
O que se passara com aquela mulher? O que se passara consigo e com seu corpo alguns minutos atrás? Desde que trocaram o beijo forçado no trailer, tudo parecia tão diferente. Havia um descontrole emocional dentro de si, uma fogueira que incendiava sua raiva e uma violenta paixão.
Não!
Na época em que se relacionaram, tudo parecia tão tranquilo…Não havia aquela loucura de sentidos misturados… Era tão sublime, tão… Amor… Sim, era isso que sentia… Um amor puro, doce, livre das agonias do corpo… Era tudo tão diferente… Mas e agora? exasperação? Ódio?
Passou os dedos nos lábios, sentindo-os inchados… Ela era sempre tão ríspida e de repente quando parecia que não haveria retorno, seduzia-a…
Respirou fundo, desejando que o oxigênio preenchesse todos os seus espaços.
“Deus, como depois de tudo que fora feito, poderia querê-la com tamanha força, como nunca quisera nada antes?”
Podia ser a gravidez…Já leu em revistas que os hormônios ficam aflorados neste período.
Mordiscou o lábio inferior demoradamente e era como se tivesse ali o gosto dela… Mas por que era tão diferente?
-- A senhorita está bem?
A trapezista se virou e viu um belo homem vestido todo de branco. Os cabelos pareciam ouro, um pouco grande, usava kep… Alto, barba rala, corpo forte e ombros largos.
Teria falado alto seus pensamentos e por essa razão teria chamado a atenção do estranho?
Era o que faltava!
-- Sim… -- Disse baixo. -- Está tudo bem!
Só naquele momento a jovem se deu conta dos trajes que usava.
Cruzou os braços sobre os seios.
-- Eu sou Alessandro, o capitão desse navio! -- Estendeu a mão.
Valentina mirou por alguns segundos, até decidir aceitar o cumprimento.
A circense esboçou um sorriso de canto.
-- Sou Valentina Rodrigues.
O homem fitava-a demoradamente sem lhe soltar a mão. Parecia encantado e curioso com a figura da mulher.
A viu quando embarcara com alguns homens, mas não tinha tido a sorte de vê-la depois disso, só naquele momento.
-- Tem certeza de que está bem, senhorita?
A morena afastou-se um pouco.
-- Estou sim…
Alessandro observou a roupa usada, os cabelos em desalinhos e a pele rosada das bochechas…
O que teria se passado?
-- Se desejar, posso acompanhá-la… Em qual suíte está hospedada? -- Fitou o longo corredor e depois a observou novamente. -- Veja-me como alguém que deseja ajudá-la.
A circense lhe encarou demoradamente, parecia analisar aquelas palavras. Por fim, respondeu:
-- Na 312…
O homem pareceu surpreso, mas acabou exibindo um sorriso.
-- A futura duquesa tem muito bom gosto… Mas é a primeira vez que a acompanhante exibe tanta inocência.
A jovem estreitou os olhos, parecendo ponderar sobre o que lhe era dito, recordando da loira da noite anterior. Com certeza aquela era o tipo de acompanhante que a ruiva tinha.
-- Sempre a encontra nesses cruzeiros? -- Questionou exasperada.
O loiro sorriu, exibindo os dentes de comercial de creme dental.
-- Por que não pergunta a ela? talvez a resposta seja mais interessante que ouvir dos meus lábios. -- Tomou-lhe a mão. -- Mas eu serei sincero, jamais vi outra acompanhante tão encantadora… Se desejar, posso lhe convidar para tomar um suco, chá ou café… Diga o que deseja...
Valentina assentiu, livrando-se do toque.
-- Quem sabe outro dia! -- Sorriu. -- Nesse momento preciso ir!
A morena se afastou pisando duro. Seguiu em direção contrária, pois não desejava falar com aquele homem e tampouco retornar para o quarto.
Natasha tomou banho, depois deitou na cama enorme.
Cobriu-se!
Tomou um analgésico forte para tentar amenizar a dor que sentia na perna.
Precisava urgentemente se submeter a uma cirurgia… Mas havia o fato de Isadora ter todas os fatos que precisaria para provar que ela estava assumindo o lugar da irmã.
Bateu com a mão aberta ao lado do leito.
Precisava chegar a verdade, precisava provar que tudo fora uma armação…
Viu a porta se abrir…
Suspirou ao ver a trapezista. Começariam a brigar novamente e realmente sua paciência já não existia mais para aquilo naquele momento.
Não acreditava que ela estava por aí usando apenas aqueles trajes. Ninguém ativo sexualmente veria algo assim e não ficaria a desejar seduzi-la...
Viu-a passar direto, sentiu-se aliviada, mas a garota pareceu mudar de ideia, parando no meio do quarto com as mãos na cintura.
Natasha a encarou e lembrou do beijo que trocaram há pouco tempo. Fitou os cabelos negros presos em um coque frouxo…
Ela era muito bonita...
-- Quem é você?
Os olhos negros estavam estreitos, enquanto os verdes pareciam surpresos com a pergunta.
A Valerie suspirou impaciente… Deveria transar com aquele circense de uma vez por todas, assim, quem sabe, não a distraia das suas suspeitas.
-- Quem é você? -- Repetiu a pergunta.
Não bastava estar cheia de dor, ainda tinha que ser confrontada por aquela palhaça de circo de quinta categoria?
-- De que está falando agora? -- Indagou tentando manter a serenidade. -- Eu não acredito que vamos iniciar com isso novamente… -- Começou a massagear as têmporas com os polegares.
-- Você não parece ser a Nathália… -- Falou por entre os dentes. -- Olho para ti e vejo o físico, mas não a sinto… -- Passou a mão pelos cabelos. -- Certo que você fingia tudo aquilo, mas eu não consigo te ver como aquela mulher que me encantou um dia… -- Aproximou-se com o cenho franzido. -- Quem é você, senhorita? Com quem eu estou a falar?
Naquele momento a Valerie desejou contar toda a história, desejou dizer que realmente não era a irmã, desejou poder mostrar quem realmente era, fazer aquela garotinha topetuda descobrir que não tinha os modos da nobreza, mostrar-lhe que não fora criada nas melhores escolas de Londres, fazê-la ver que não tinha o requinte da mulher pela qual se apaixonou.
Mordiscou o lábio inferior enquanto ponderava diante do olhar acusador da jovem.
Cruzou os braços sobre os seios.
Fitava aquela garota e via em seus olhos as dúvidas.
Valentina começou a caminhar de um lado para o outro. Seus passos demonstravam sua falta de paciência. Sua agonia… Vez e outra, ela parava para mirá-la e fazia com total descrença que parecia que já sabia de tudo.
-- Responda-me de uma vez! -- Exigiu parando diante dela.
Natasha mirou em seus olhos demoradamente. Via o fogo queimar ali. Respirando fundo falou:
-- Eu sou Nathália… A futura duquesa dos Hanmintons. -- Disse com o queixo levantado. -- Já disse que tive muitos problemas nos últimos meses… -- Tentou levantar para ir até ela, mas cerrou os dentes diante da dor na perna. -- Ainda estou confusa, há coisas que não parecem claras na minha cabeça.
Valentina observou e rapidamente se aproximou, sentando-se na beirada da cama, puxou o lençol para examinar.
Havia uma cicatriz que partia do calcanhar e seguia bem além da panturrilha.
Estendeu a mão para tocar, mas a ruiva segurou-a, detendo-a.
Encararam-se… Miraram-se demoradamente… Mediam-se…
A morena fitou os lábios rosados e entreabertos.
Eram tão lindos…
Cerrou os dentes para conter a vontade de tocá-la, voltando a atenção para a marca na perna esquerda.
-- O que houve? -- questionou voltando a mirá-la.
A ruiva ainda tinha a mão delicada junto a sua. Sentiu-a, desejando prolongar o toque por mais tempo.
Recordou-se do acidente que sofrera no início da adolescência e machucara gravemente a perna. Recordou de como a avó se negou a custear a cirurgia… Depois tudo ficara pior…
Sentiu algo preso em sua garganta, algo que a impedia de falar, porém tentou mais uma vez, falando baixo, fitando-a:
-- Já disse que passei… -- Mordiscou o lábio inferior-- Passei por coisas horríveis…Isso faz parte…
Os olhos negros se estreitaram em um misto de desconfiança e pesar.
Valentina olhava-a, parecendo buscar naquelas palavras a verdade. Mergulhava naquele verde, desejando encontrar algo que a fizesse poder sanar suas dúvidas.
-- Precisa de um médico… -- Disse sem deixar de fitá-la. -- E eu quero ir embora desse lugar… Estou sufocando!
A senhorita Rodrigues tentou se desvencilhar do toque, mas a ruiva deteve o pulso da jovem, mas acabou soltando-a.
Viu-a voltar a se distanciar e mais uma vez a expressão fechada ser exibida.
-- Você está esperando meu filho e o que mais desejo é que nos entendamos…
A circense parecia desejar mergulhar naquela intensa joia verde que a encarava.
Sentia que algo não estava certo, tinha certeza de que a história estava mal colocado naquele enredo, mas o que seria?
-- O que você realmente deseja? Pois eu tenho total certeza de que eu não sou…Tampouco essa criança...
Natasha mirou os lábios carnudos da morena. Observava como eles pareciam sedosos… Recordou-se do sabor deles… Engoliu em seco.
Antes que pudesse falar algo, batidas interromperam a conversa.
Valentina suspirou, enquanto seguia até a porta, abrindo-a.
Um homem de pouco mais de cinquenta anos, todo vestido de branco cumprimentou-a com um sorriso.
Trazia na mão uma pequena maleta de couro preta.
-- Sou o médico do navio! -- Estendeu-lhe a mão. -- Heitor Vilela. -- Me mandaram ver a senhorita Nathália.
Valentina apenas fez um gesto com a cabeça, enquanto se afastava para ele adentrar.
Viu-a se aproximar da herdeira da duquesa Haminton…Cruzou os braços e apenas observava tudo a distância.
Sua cabeça ainda estava um caos…
Ouviu o médico falar sobre um repouso para não machucar mais a perna… Achou estranho quando ele disse que ela já devia ter se submetido à cirurgia há tempos…
A ruiva voltou a encará-la… Flagrando-lhe o olhar. Imediatamente a trapezista focou em outro ponto.
Cerrou dos dentes. Estava cansada. Pegou uma roupa e seguiu para o banheiro.
O dia transcorreu tranquilo.
Natasha passou todo o período deitada. Tomou uma forte medicação o que lhe causou sonolência.
Valentina caminhou pelo navio e ficou encantada ao encontrar uma aconchegante biblioteca.
O lugar era amplo e havia divãs para os leitores se acomodarem. Havia carpetes vermelhos por toda a extensão e tudo bem elegante. Antes dos visitantes adentrarem, os calçados eram deixados fora da sala, devido ao silêncio e a limpeza.
Os livros estavam por todos os lados, arrumados em fileiras alfabeticamente organizados, respeitando o gênero e o ano das obras. Seguiam até o teto, tendo mecanismos que podiam baixar o livro desejado.
A morena encontrou um romance, adorava.
Deitou em um dos confortáveis sofá e mergulhou na leitura.
O silêncio reinava no ambiente. Havia poucas pessoas ali, percebeu também que havia alguns lugares reservados para leitura a dois.
O lugar era tranquilo, trazia paz…
Mergulhou no texto, tentando esquecer os últimos acontecimentos.
A Valerie virava de um lado para o outro…Pingos de suor molhava sua face… Seu sono era perturbado por lembranças dolorosas…
Quatro anos antes…
Natasha se arrumava em seu quarto… O vestido branco e longo se moldava às suas curvas.
O espaço era bem decorado.
Uma cama enorme ocupava o meio dos aposentos nupciais. O som dos saltos eram abafados pelo carpete felpudo…
Seguiu até o espelho… Mirou o reflexo e sentiu-se satisfeita com o que via…
Não havia dúvidas que era uma bela mulher…
Os cabelos afogueados brilhavam… Estavam presos e alguns fios moldavam a bela face.
Mirou o colo que o decote do vestido valorizava ainda mais… Observou as sardas…Tocou o cordão que usava com o símbolo viking…
Viu a taça que estava sobre a banqueta… Seria uma oferta de paz da esposa? Há alguns dias fora à clínica e cedera o material pedido para o processo de inseminação. Talvez aquilo pudesse fazer alguma mudança naquela relação, um novo recomeço para as duas.
Sorriu!
Ouviu a música…
Antes de pegar o copo, sua atenção fora desviada para a moldura com sua foto e a da Verônica…
O maxilar enrijeceu…
Tomou o delicado cristal na mão, tomando de uma só vez todo o conteúdo…
Ouviu passos, mas antes que a porta se abrisse, sua vista ficou turva…
O grito ensurdecedor escapou da garganta da ruiva.
Despertou…
Os olhos verdes arregalados…
Mas nada via ao redor… Apenas o sangue… O sangue que estava em suas mãos… Em seu traje de festa… O corpo da esposa descansava ao seu lado… Inerte… A vida tinha deixado-o…
Valentina despertara ainda pouco e fora direto para o banho, ao ouvir os gritos da arquiteta saiu enrolada em uma toalha.
Aproximou-se!
Na noite seguinte chegara tarde e acabou por dormir no sofá, pois só em pensar em deitar ao lado da ruiva lhe causava uma sensação estranha em seu corpo.
Mirou os olhos tão abertos. Os cabelos vermelhos em desalinhos. O rosto muito corado… O robe de seda estava frouxo, deixando à mostra os ombros cheio de sardas.
De repente a Natasha se deu conta de sua presença.
O quarto estava claro, pois as persianas tinham sido abertas.
Ambas se encaravam…
A Valerie ainda tinha as imagens vivas… O sangue… O desespero que tinha possuído seu peito… A dor que ainda continuava viva...
Ainda sentia as batidas do coração aceleradas… Ainda lhe faltava o ar…
Cerrou os dentes… Quando sua atenção fora chamada pela bela morena parada ali a lhe olhar.
Os cabelos negros estavam úmidos… Ela usava um roupão branco que mal chegava ao meio das coxas… Os pés estavam descalços…
Fitou-lhe os olhos estreitados e antes que pudesse falar algo, ouviu o som firme.
-- Quem é Verônica?
O maxilar de Natasha se retesou. As mãos que descansavam ao lado do corpo se fecharam.
Como a amantezinha da sua irmã ousava profanar o nome da sua esposa?
O semblante que antes demonstrava angústia, agora era uma máscara de puro ódio.
-- Isso não é da sua conta! -- Disse por entre os dentes.
A circense não pareceu abalada com a resposta. Apenas a mirava com atenção e crescente curiosidade.
-- E por que tava chamando por si mesma? Berrava que odiava a Nathália… O que se passa? Está louca por acaso?
A ruiva desviou o olhar, enquanto mexia a perna sob o cobertor, sentindo a dor mais suportável. Não desejava falar sobre o que se passou, queria apenas permanecer quieta em seu canto, pensando e refletindo sobre aquelas peças de quebra cabeça que não se encaixavam de forma nenhuma.
Passara um ano presa com a única certeza de não ter cometido aquele crime tão bárbaro, mesmo que apenas Leonardo e a esposa acreditassem em si, ainda sabia que a égide de assassina estava vinculado ao seu nome.
Viu a muleta.
Apoiou-se nos braços até colocar as pernas para fora, pegou o apoio, levantando-se. Não caminhou imediatamente e quando foi dar um passo, sentiu-se tonta.
Valentina se antecipou, segurando-a pela cintura antes que ela caísse.
Natasha sentiu o cheiro dela…
Fresco… As mãos que lhe apoiavam eram macias, estavam próximas dos seus seios. Sentiu o corpo reagir… Mesmo se sentindo tão fraca.
Cerrou os dentes.
Permaneceu nos braços da circense durante algum tempo, fitando-lhe o rosto tão próximo...Mirou os olhos tão negros e a voz baixa:
-- Cuidado, pode cair e se machucar, Nathália. -- Enfatizou o nome dela.
Era possível decifrar a ironia no som e no olhar da trapezista.
-- Eu estou muito grata por ter sido tão rápida e me salvado do cruel destino… -- Disse em tom de deboche. -- Poderia trabalhar como salva-vidas… Melhor que trapezista e palhaça de circo de esquina.
Valentina observou os dentes alvos e a boca tão rosada, fitou as sardas do colo.
De quem ela estava a falar naquele sonho tão perturbador? Viu a agonia, o desespero… Voltou a encará-la, mantendo-a cativa em seus braços.
-- Quem é Verônica? Uma das tantas mulheres que você iludiu? Uma das inúmeras acompanhantes que levou as suas viagens de cruzeiro?
A face da ruiva ficou ainda mais rosada… Com um safanão se livrou dos braços que a sustentavam.
Valentina cambaleou, mas conseguiu se equilibrar.
-- Não admite que fale dela ou a compare com você… Uma pobretona de circo… Uma qualquer que dançava seminua para um monte homens… A puta da minha… -- Parou abruptamente a frase.
A trapezista ainda abriu a boca para retrucar, viu a raiva brilhar no mar verde mesclado a algum tipo de dor, mas acabou desistindo, seguiu até o armário em busca de uma roupa.
Natasha a fitou por intermináveis segundos…
Passou a mão pelas madeixas ruivas…
Cerrou os dentes tão forte que precisou aliviar, pois o maxilar reclamou da pressão.
Tinha noção das palavras que proferira, sabia que agira por um impulso que raramente lhe dominava, mas não conseguiu evitar. Sempre que se referia à Verônica tudo mudava…
Passara um ano dentro de uma penitenciária sendo acusada de um crime que nem mesmo sabia como ocorrera, porém tinha certeza de que não o cometeu.
Tudo o que se passara com a esposa ainda continuava sendo um terreno bastante delicado. Ainda perdia horas de sono recordando dos anos que vivera com ela… Ainda recordava do desprezo em seu olhar bonito depois da noite de núpcias…
Voltou a fitar a circense e pela primeira vez em sua vida, desejou se desculpar, porém não o fez.
Capítulo maravilhoso como sempre!!
ResponderExcluirEssa viagem ainda terá um bom proveito,elas uma hora acabarão na cama,pois esse ódio todo já pode ser um sentimento inesperado por ambas.
ResponderExcluirCaramba com tantos mistérios,mas acho que tudo tem o dedo da vodrasta da Natacha.
Até mais autora.
Sem demagogia,você é uma autora sem igual,sou sua fã garota.