Anjo caído -- Capítulo 9

        O sol raiva tranquilo naquelas terras desertas. A mansão Berlusconi repousava solitária em meio à vegetação serrada. Imponente, reinava soberana e abandonada, passando despercebida, pois poucos se aventuravam a passar por ali. Os que se aproximavam temiam, pois algumas lendas se formaram por lá. Algumas diziam que já viram um ser todo vestido de preto e sem face, outros afirmavam que uma bela mulher assombrava os tijolos daquela construção antiga.
        Eduarda levava Pigmaleão para passear todas as manhãs pelos jardins destruı́dos. O animal corria e brincava, espalhando seu latido pelos enormes ecos daquele lugar.
            Às vezes parava para pensar como aquele lugar deveria ter sido bonito anos atrás.
           Angelina observava tudo da sua janela. Fazia o possível para que não fosse notada e acreditava que obtinha sucesso nesse quesito. Via a jovem se aventurar por todo o espaço tendo ao lado o pequeno pulguento. Há três dias não se falavam, nem mesmo fora perturbada em sua isolada ala.
            Fitou-a com mais atenção.
           Ela parecia sempre tão livre, irresponsável, alguém que não costumava levar nada a sério. Em alguns quesitos recordava de si, não por ser alguém negligente, mas de gostar de brincar, fazer piadas, interagir. Se não fosse trágico, seria comigo as mudanças que ocorreram consigo.
          Viu-a agachar, pegando o filhote nos braços, beijando-o. Em seguida o olhar de esmeralda foi em sua direção. A médica fechou a cortina se afastando.
       Naquele dia começariam as tais aulas e verdadeiramente não desejava mesmo bancar a professora. Pensará em não aparecer, assim, se livraria daquela ideia maluca. Após ponderar muito, percebera que o melhor era se manter o mais distante possível daquela garota.
           Passou as mãos pelos cabelos emaranhados. Os fios estavam grandes, já passavam um pouco do ombro. Não demoraria muito para cortá-los. A tesoura repousava em uma das gavetas do seu quarto e o trabalho como sempre não precisava seguir nenhuma simetria.
          Seguiu até o criado-mudo, pegando um livro que lá repousava. Estava empoeirado, mesmo assim não se importou. Abriu-o e lá estava a única foto que guardava da mãe.
             Fora tirada na formatura. Ângela e Flávia beijavam as faces da mais nova médica, enquanto a graduada relanceava os olhos em demonstração de tédio, exibindo a lı́ngua em protesto.
            Engraçado que quando se chega ao topo tão jovem, pensa-se ser inatingível, invulnerável, insuperável e que nada e nem ninguém poderia macular seu sucesso, porém o destino era traiçoeiro e usava de todas as maneiras para mostrar que um simples mortal nada é nesse enorme universo, é apenas uma minúscula peça de um enorme quebra cabeça. Joguetes manipuláveis a qualquer hora e momento.
             Lembrava-se da mãe e sua intensa fé e devoção... Também fora um dia, mas a sua crença não existia mais, pois se realmente havia um ser que cuidava de todos e nos amava infinitamente, esse não deveria tê-la protegido e livrado de todas essas desgraças?
            


              Flávia  sabia  que  não  deveria  ter  feito  aquele  convite,  mas  precisava  fazer  todo  o  possível  para  não  permitir  que Patrı́cia se aproximasse de Angelina e se fosse necessário pagar, ela estava mais do que disposta a fazer aquilo.
             Tomou um pouco de água. Olhou para o relógio, ela já estava atrasada e já imaginava que não chegaria quando viu a loira exibindo um vestido vermelho curto que se moldava ao seu corpo sexy.
             Ficou enojada só em vê-la.
           Nunca gostara dela, sempre a achara falsa e suas impressões se concretizaram com o tempo, infelizmente.
             -- Olá, doutora Tavares. – Sentou-se cruzando as pernas.
          O lugar escolhido pela médica era um barzinho que ficava em frente uma bonita praça. As mesas eram colocadas nas calçadas e havia uma banda tocando, mesmo durante o dia o som suave invadia as ruas.
            -- Espero que tenha decidido me dar a informação que necessito. – Sorriu provocante. – Não desejo ter dado a viagem perdida, afinal, nem amigas somos para encontros como esses.
              Flávia a ignorou, retirando da bolsa um talão de cheques.
             -- Diga quanto você quer para sair totalmente das nossas vidas. – Fitou-a implacável.
          Inicialmente Patrı́cia demonstrou surpresa e pareceu ponderar, mas em seguida mascarou a raiva, gargalhando alto de forma debochada.
             -- E de quem é o dinheiro que me oferece? Tenho certeza que é da minha esposa, então ele também me pertence.
              -- Não seja ridı́cula. Depois de tudo o que você fez ainda ousa sonhar em chamar a Angel de esposa. Você não tem noção do que fez? Das coisas terríveis que causou?
             -- Eu fui tão vı́tima quanto a Angel. – Falou por entre os dentes. – Eu fui estuprada, assediada por Antônio Berlusconi e nunca pude dizer nada porque vivia sob a ameaça dele destruir a vida da própria filha.
              Flávia estreitou os olhos.
             -- Eu não acredito em nada do que você diz.
             -- Não preciso que acredite, eu preciso apenas que a minha mulher acredite. Eu tenho provas e assim que encontrá- la mostrarei e provarei minha inocência e como fui vı́tima dessa história tanto quanto ela.
              -- Ela jamais acreditará em você... – Falou baixinho. – Jamais...
             -- Por que tem tanta certeza? Já deu para ela foi? Realizou o seu sonho de transar com a minha mulher? – Acusou-a irritada. – Coitada de ti...
                A médica se levantou indignada com as palavras.
               -- Você não passa de uma miserável. Patrı́cia também ficou de pé.
             -- Acha que eu não sei que você sempre foi apaixonada pela Angel? Acha que eu não sei que vocês foram para cama algumas vezes? Ah, por favor, me poupe. A Angelina fez todo esse alarde, mas ela nunca foi nenhuma santa ou você acha que eu acredito que aquele tempo todo que ela passou na Alemanha foi pura e fiel? Eu a conhecia bem, aquele jeitinho sério de doutora brilhante seduzia todas as mulheres que cruzavam o caminho.
             As pessoas que estavam nas mesas próximas começaram a prestar atenção, pois o tom de voz de ambas estava alto.
                -- Pelo menos ela não transou com o próprio sogro.
           Flávia não esperou que ela respondesse, aproveitou a surpresa que ela tinha no olhar, deixando-a sozinha no barzinho.
                Seguiu até o carro, dando partida.
                Aquela mulher não tina vergonha na cara.
              Ficara sabendo de toda aquela história podre através de Antônio. Ele mesmo contara tudo o que se passou.
              Detalhou todo o caso sórdido e se mostrou arrependido em seus últimos meses de vida, mas ele já tinha destruı́do a vida da filha.





              A ala norte estava sendo arrumada mais uma vez.
           Duda desejava deixar o ambiente perfeito para suas aulas que se iniciariam naquele dia, em poucos minutos para ser mais exata.
           Tomou banho, em seguida fez o higiene do cachorro, deixando apresentável com uma blusa que comprara e uma fralda descartável para que ele não sujasse o lugar.
          Seguiu até o espelho, prendendo os cabelos em um rabo de cavalo. Tentou por a franja para trás, mas não obteve êxito, pois ela estava curta.
            Passou um pouco de batom, nada muito chamativo, só para hidratar os lábios rosados. Fitou os olhos e percebeu que eles brilhavam mais do que de costume.
            Bem, estava ansiosa para ter a brilhante doutora como mestre. Sabia como ela era inteligente, ouviu e leu sobre a talentosa Angel. Sua mãe falava muito sobre ela, dizia como a jovem era aplicada e disciplinada. Seu padrinho também falava, principalmente nos últimos meses que antecederam sua morte.
            Arrumou o macacão que usava. Era jeans, a cor era de um azul desgastado, a camiseta branca completava o estilo.
          Mirou a face e percebeu que estava demasiadamente branca, até os cabelos voltavam a cor castanho claro, a coloração preta já abandonava as madeixas.
              Pegou o celular e viu que já se passaram dez minutos do horário combinado.
           Angelina Berlusconi não aparentava ser aqueles tipos de mulheres que costumavam se atrasar e uma certeza começava a se formar em sua cabeça.
             Ela não viria!
             Desanimada sentou-se à mesa, baixando a cabeça, apoiando-a nos braços.
             Passara todos aqueles dias ansiando pelas aulas... Ansiando, na verdade, por vê-la, mesmo que fosse com aquele ar irritado que já era de costume...
              Ouviu os latidos de Pigmaleão e ao levantar a cabeça lá estava a médica.
           Engraçado como seu estômago reagia à presença dela, era como se estivesse em uma montanha russa ou quando o avião decolava.
               Observou-a minuciosamente.
             A cor era a mesma, preto, mas os trajes eram outros. O enorme sobretudo estava aberto, havia uma camisa de botões e a calça era mais justa. As luvas de couro estavam lá, um capuz caia por trás de sua cabeça.
              Fitou o rosto.
          Ele era forte, quadrado, tendo aquele queixo médio, o nariz arrebitado, os olhos não denotavam muita coisa, pareciam difı́ceis de serem decifrados naquele dia, os lábios exibiam indiferença.
             -- Está atrasada!
              Foi a única coisa que conseguiu dizer.
              Angelina arqueou a sobrancelha esquerda em zombaria.
             -- Deveria estar grata por eu ter vindo e não questionar a demora.
           O olhar da médica desviou da jovem, pousando em Pigmaleão que estava aos seus pés. Ele estava parecendo uma criança com aquela arrumação.
             -- O que significa isso? – Apontou para o filhote. 
               Duda se levantou, em seguida pegou o pug.
             -- Isso o quê?
             A Berlusconi maneou a cabeça.
             -- Nada! – Respirou fundo. – Acho que vou acabar louca se continuar convivendo contigo.
             -- Por esse motivo está  aqui, senhora, para me fazer tirar notas boas e ir embora o mais rápido possível.
           Angelina a fitou por alguns segundos. Mesmo que negasse, ansiara por vê-la, por ouvir seu tagarelar infinito...
              Ultimamente se dividia entre a raiva e o desejo de tê-la por perto.
               Deu de ombros, sentando-se.
             -- Mostre-me os assuntos que temos que estudar e não fale nada a não ser sobre isso.
          Eduarda deixou o filhote sobre a cadeira, em seguida, foi até a cômoda para pegar alguns livros. Acomodou-se.
             -- Estou fazendo as últimas avaliações do ciclo clı́nico.
          -- Pensei que estivesse no inı́cio do curso, não imaginei que já seguisse para o internato. – Comentou surpresa.
            -- Pois é. – Abriu o caderno, lendo os assuntos que cairiam na prova. – Já me encaminho para a residência.
             -- Já pensou qual especialidade vai seguir? – Indagou observando as anotações.
            -- Quero ser pediatra. – Respondeu sorridente. – Adoro crianças e vou adorar estar cercada por elas.
             A médica recordou que também desejara ser pediatra. Adorava ir a ala infantil no hospital e ficar lá observando os pequenos.
            Meneou a cabeça para se livrar dos pensamentos, pois suas memórias dolorosas começaram a perturbar. Duda era perspicaz e percebeu tal fato, mas sabia que nada deveria ser dito.
           Angelina se levantou e a Fercodini imaginou que ela fosse embora, mas a Berlusconi começou a discorrer sobre um dos assuntos da prova. Ela fazia tudo com tanta segurança. O som das palavras era rouco, fascinante...
          Ela trazia exemplos, caminhava de um lado para o outro, mostrava as figuras nos livros, demonstrando o vasto conhecimento que possuı́a.
        -- Mas essa teoria é inviável... – Questionou pensativa em determinado momento da explanação. – Os componentes quı́micos não reagiriam se fosse assim.
             A morena sentou bem junto a ela, mostrando-lhe um gráfico.
         -- Observe. Não pense como um leigo, use seu cérebro como futura médica e perceba que as combinações não só se completam, mas que se algum desses componentes faltarem uma pandemia ocorreria.
          Duda a encarou, sentiu o cheiro dela. Ao se movimentar na cadeira, as coxas nuas se tocaram com o tecido da calça, mas não se afastou, permaneceu sentindo o frenesi.
            -- Mas doutora... E' muito complexo essa matéria.
      -- Você está apenas estudando o lado clı́nico em hipótese, mas precisa dominar esses conhecimentos para poder colocá-los na prática.
         A Fercodini assentiu e assim continuaram com os estudos. Angelina mostrava grande entusiasmo, tanto que nem prestavam atenção a hora, porém o filhote choramingou em determinada momento.
               -- Dê-me uma pausa. O Pig está com fome. 
                Angelina assentiu.
              -- Acredito que nossas duas horas estão chegando ao fim. 
                 Eduarda nada disse, apenas seguiu até a cozinha.
           A médica permaneceu lá, observando os livros, enquanto o filhote estava sobre a mesa, observando-a.
           A morena esticou os braços, hesitando, tocou a cabeça dele. Temerosa, mas o pequeno se aproximou mais, parecendo pedir por mais carinho.
              -- Você até que é bonitinho, pulguento.
            Examinou melhor os trajes que ele usava. Ele era tão pequeno que caberia na palma de sua mão. Sorriu quando ele deitou de barriga para cima.
              Tocou-a. Ele pareceu gostar e ela fez novamente.
              -- Você tá muito fofinho...
              -- Hun, foi seduzida por ele, doutora?
            Angelina levantou a cabeça e lá estava a garota que entrara em sua vida e em pouco tempo fizera uma enorme confusão.
             Ela trazia uma bandeja com algo que cheirava muito bem. Já era hora do almoço e nem se deu conta.
              -- Acho que a aula por hoje acabou. – Levantou-se.
            -- Não mesmo! – Colocou os pratos sobre a mesa. – A senhora me deve alguns minutos pelo atraso e devido a isso, convido-a para almoçar comigo.
              Por que era sempre tão difı́cil se negar aos pedidos dela?
             Observou a macarronada que se desenhava em seus olhos. Parecia mais deliciosa do que nunca. Há tempos não provava uma massa tão suculenta.
               Por fim, acabou assentindo, sentando-se.
              -- Eu sabia que não resistiria.
            A Berlusconi não falou nada, apenas degustou a deliciosa receita, sentindo o sabor e o cheiro lhe embriagarem os sentidos.
              Duda apenas a fitava com atenção.
             Ela tinha classe, fora moldada com muita educação. Percebia-se pela forma de se comportar a mesa. Era uma dama!
           Sentiu vontade de rir por ter lhe oferecido um simples sanduı́che na última vez que se viram. Quantos anos tinham? Vinte e oito?
             Mirou os lábios e mais uma vez desejou senti-los.
             -- Não vai comer?
             O som rouco a despertou de suas divagações.
            -- Posso te fazer uma pergunta? – Apoiou os cotovelos sobre a mesa.
            -- Não! – A resposta foi seca.
            -- Por quê? E' apenas uma pergunta. 
              Angelina a encarou.
             -- Eu já disse que não responderei nada sobre a minha vida.
             -- Por quê?
              A médica se levantou.
             -- Porque não é da sua conta!
         -- Por que se esconde? Deveria estar no hospital cuidando das pessoas. Honrando a sua profissão... O que houve com as suas mãos?
               -- Não é da sua conta!
            -- Eu li algumas coisas na internet... Vi inúmeras fotos suas com uma bela loira...—Pensou em pouco. – Acho que é Patrı́cia o nome dela.
            Duda viu o rosto se transformar totalmente em um misto de fú ria e surpresa. Chegou a pensar que ela lhe atacaria, mas a viu sair pisando duro.
             Tentou não se deixar abalar. Já esperava pela negativa, mesmo assim isso não fora suficiente para sanar sua vontade de descobrir o que se passara com aquela mulher.
               Deixou a comida de lado, imaginando o que poderia ter se passado.
            Naquela manhã encontrara uma matéria sobre a Berlusconi. Não sabia se eram fofocas da imprensa, mas a imagem dela com a loira não saia de sua cabeça. Talvez não devesse ter falado sobre o assunto, mas não fazia parte de sua personalidade se manter calada quando algo a intrigava.
              Ouviu o som do celular. Bruno!
              Pensou em atendê-lo, mas não o fez.
              Desligou, em seguida discou o número da doutora Flávia. Ela atendeu prontamente.
             -- Oi, Duda, Algum problema?
             -- Sim! Quero que me conte o que ocorreu com a doutora Angelina.
           O silêncio imperou e Eduarda chegou a pensar que a ligação tivesse caı́do, mas conseguiu ouvir a respiração da médica.
             -- Responda! Por que ela mora nesse lugar? Por que não está no hospital? Diga-me por que ela sumiu e se isolou aqui?
           -- Isso não é da sua conta! Deixe a vida da Angel em paz e se concentre no que você precisa fazer.
            -- E o que eu preciso fazer? Apenas seguir suas ordens idiotas? Jogou-me aqui nesse lugar perdido e nunca me diz nada.
          -- Em breve você sairá daı́. – Tentava manter a calma. – Tenha paciência... Antes que ela terminasse a frase, Duda desligou a ligação.
               Precisava sair ou acabaria ficando louca.
            Sua mente estava a mil, precisava espairecer, relaxar e aquela casa era o último lugar que conseguia algo assim. Seguindo seus instintos, discou o número do namorado.


               Angelina se trancou em seu escritório durante o resto do dia
          Desejava apenas se manter distante de qualquer contato com a maldita Fercodini. Suas perguntas intermináveis, sua forma doce de tratar a estava deixando louca.
               Bateu forte sobre a escrivaninha, sentindo a dor tomar conta imediatamente de sua mão, mas aquilo não era importante. Outras feridas sangravam por mais tempo e continuavam a doer como se tivessem sido feitas naquele momento.
             -- Patrı́cia...
             Seguiu até a porta escorregando até o chão.
           -- Maldita seja... Um milhão de vezes seja amaldiçoada... Por que tinha que fazer isso comigo... 
                 As lágrimas começaram lhe banhar o rosto.
              Mesmo depois de tudo que passara ainda era assombrada pela imagem dela... Pelo desejo que sentira e isso a enojava...
               A decisão de seguir para longe não fora apenas para fugir do sofrimento, mas também para se esconder dela, pois sempre temera não resistir a paixão que sempre lhe queimara intensamente, de não conseguir se negar aos apelos dela...
               O grito de raiva e agonia poderia ser ouvido por toda a mansão.




            Eduarda caminhou por um bom tempo até encontrar o namorado. Preferiu não se arriscar em ter uma guerra se o carro de Bruno parasse em frente a mansão.
             O jovem a beijou demoradamente, antes que ambos entrassem no veı́culo.
            -- Você quer me matar de saudades é? – Depositou a mão sobre a coxa dela. – Estou morrendo de vontade de ficar a sós contigo.
             Ela deteve-lhe o movimento.
             -- Leve-me para dançar.
              -- Como você desejar, princesa.
           Duda observava o carro se afastar pela estrada deserta, deixando para trás algo que não desejava lembrar naquele momento.
              -- O que está fazendo tão longe da cidade?
              -- A doutora Flávia achou melhor eu me afastar para estudar e fazer as provas.
               -- Mas você não tinha decidido largar o curso? – Acelerou ainda mais.
              -- Ela me obrigou a retornar, na verdade, o promotor o fez ou nos levaria todos presos.
               Bruno gargalhou.
             -- Lógico, ele só não o fez devido ao prestı́gio do nome Berlusconi. – Bateu forte na direção. – Bando de hipócritas!
              A jovem ligou o aparelho de som. A última coisa que desejava era falar sobre aquela famı́lia, ainda mais porque a sua unica representante parecia não querer sair da sua cabeça.


              A noite já estava alta, mas a doutora Angelina permanecia no mesmo lugar. Sentada, sem forças para sair dali e sem vontade de fazê-lo.
                 Apoiava a cabeça em seus joelhos dobrados.
              Ouviu um som que vinha do corredor. Apurou mais o ouvido e percebeu se tratar do filhote chorando. Seria mais um dos truques da Eduarda?
            Não se mexeu, permanecendo no mesmo lugar, mas o som se tornava cada vez mais insistente. Pronta para arrumar uma nova briga, levantou-se, seguiu para fora do escritório.
                Estava tudo escuro, mas o pequeno Pigmaleão se enroscou em suas pernas.
            -- Duda! – Chamou pela jovem. – Ou você pega esse pulguento ou o jogarei na masmorra para que morra. 
             Sabia que se ela estivesse por perto, aquelas palavras seriam suficientes para desencadear uma guerra. 
              Agachou-se.
              -- Onde está sua dona? – Indagou ao bichinho.
      Ele chorava tanto que se penalizou dele, esquecendo até do próprio medo, tomou-o cuidadosamente nos braços. Seguiu para ala norte, chamando-a mais uma vez. Após uma inspeção rápida, descobriu que o lugar estava vazio. Onde ela podia ter ido?
             Encontrou o celular sobre a mesa.
             Observou que não havia bloqueio, então acabou acessando as últimas ligações.
             Havia uma chamada feita para Flávia e outra para um tal de Bruno quase sete horas atrás.
              Entrou em um aplicativo de conversas e viu que ela tinha combinado de encontrar o rapaz alguns quilômetros longe da mansão.
                Ainda pensou em quebrar o celular, mas antes decidiu discar para a Tavares.
             -- Alô!
             -- A sua protegida fugiu. – Foi direto ao assunto. – Agora o que me deixa fora de mim é saber que você permitiu que essa menina viesse para cá e pior, agora todos vão saber onde estou.
             -- Do que está falando?
           -- Você está surda? – Aumentou o tom de voz. – Aquela delinquente mirim fugiu com um rapaz chamado Bruno.
            Flávia já estava dormindo quando foi despertada pelo telefone. Em um pulo, sentou-se na cama.
                -- Como sabe que ela está com ele?
            -- Porque vi algumas conversas no celular. – Explicou impaciente. – Quem é ele? 
            A loira ficou em silêncio.
            -- Diga logo quem é ele. – Gritou.
            -- Namorado dela.
            Angelina não entendeu porque aquela informação a deixou ainda mais irritada.
            Flávia abriu a boca para explicar o fato, mas como de costume a ligação fora encerrada em sua cara. Cobriu o rosto com as mãos.
           Esperava que Eduarda não falasse sobre a Angelina para Bruno e rezava para que a Berlusconi não descobrisse quem era aquele personagem naquela história.
            Não sabia o que fazer naquele momento, mas decidiu ligar para José e pedir que ele fosse até o apartamento da Fercodini, quem sabe não a encontraria por lá.




             As horas passavam e a madrugada já chegava.
             Angelina observou o filhote dormindo sobre a enorme cama. Maldita irresponsável!
            Esperava não ter que vê-la nunca mais, pois sabia que não se controlaria se a encontrasse mais uma vez. Nem quando imagina que ela fosse filha de Antônio tivera tanta raiva de um ser humano.
             Fechou a porta voltando para o seu lado da mansão.
           Passava pelo hall quando viu a enorme porta abrir. A luz do amanhecer já começava a iluminar o espaço e lá estava a jovem fujona.
             Os olhares de ambas se encontraram.
         Duda tinha bebido um pouco e como não era acostumada, sentia um pouco de tontura e uma maior leveza. Decidiu passa direto para a ala Norte, mas seu braço foi segurado violentamente pela médica.
          -- Quem te deu permissão para trazer seu namoradinho na minha casa? – Indagou por entre os dentes. – Quem você pensa que é?
               Eduarda não se iludia com o tom baixo que estava sendo usado, pois conseguia sentir a raiva em cada palavra dita.
            -- Eu não trouxe ninguém aqui. – Respondeu tentando se desvencilhar. – Encontrei o Bruno distante da “sua casa”. – Enfatizou as últimas palavras.
              Angelina a segurou pelos ombros e furiosamente empurrou-a contra parede.
             -- Por que voltou? Que ficasse onde estava, que nunca mais colocasse os pés aqui, poupasse-me de ver a sua cara novamente.
              Mesmo com o ambiente pardo, podia ver os olhos estreitos fuzilando-a.
            -- Olha, doutora, o Bruno não veio até aqui, o encontrei longe da sua casa e do mesmo jeito quando retornei. – Espalmou as mãos para empurrá-la, mas talvez o álcool em seu sangue não lhe desse forças suficiente para aquilo. – Por favor, deixe-me ir para o meu quarto. Não fiz nada de errado, apenas desejei sair, não é fácil ficar isolada nesse lugar, ainda mais com a companhia.
               Angelina sentiu o cheiro de bebida.
              -- Está bêbada! – Acusou-a. – Não passa de uma pirralha!
            -- Não, não estou. – Tentou empurrá-la, mas seus dedos pareceram se distrair ao sentir os seios redondos sobre a camiseta.
               -- Vou jogá-la no meio da rua, fazê-la se arrepender por ter entrado em minha vida.
           -- Por que está tão brava, doutora Angel? O que tem de mal em eu ter saı́do com o meu namorado?
                -- Não me chame assim. – Apertou-a mais.
                -- Por quê? Ah,ta, lembrei, sua vida é um segredo que não deve ser discutido, nem mesmo seu nome pode ser pronunciado. Agora a pergunta é: Por quê?
                 -- A minha vida não é da sua conta! – Soltou-a, afastando-se alguns centı́metros.
             -- Nem a minha é da sua! Posso sair com o meu namorado ou com quem sentir vontade...                     Angelina se aproximou novamente.
             -- Está em minha casa e enquanto eu estiver bancando sua vida, deverá todas as satisfações do mundo.
              -- Eu nunca quis o seu maldito dinheiro.
             -- Ah, não diga! – Debochou. – A sua mãe não se tornou mais uma puta do meu pai por amor... 
                Antes que a frase fosse terminada, Maria Eduarda desferiu uma bofetada na médica.
            -- Não ouse sujar a memória da minha mãe. – Disse, apontando-lhe o dedo em riste. 
               A morena levou a mão a face onde recebera a pancada. Sentia-a queimar.
               Fechou a mão esquerda com demasiada força que sentia as unhas afundarem em sua palma.
             A única pessoa que batera em seu rosto fora Antônio. Ele o fizera no dia que ela assumira para os pais seu relacionamento com Patrı́cia. Naquele dia não pode reagir, devido ao respeito que tinha, mas fora aquela a única vez que permitira que alguém a ferisse fisicamente.
           Eduarda gritou quando a mulher praticamente voou sobre ela. Segurando-lhe o pulso, arrastando-a por entre as trevas da enorme mansão. Duda tentava se desvencilhar do toque, mas a velocidade que ela andava, deixava-a ainda mais tonta. Decidiu-se permitir ser levada, pois uma sonolência parecia querer se apossar de si.
             Angelina estava totalmente fora de si. A raiva que ficara trancafiada durante tantos anos estavam pronta para jorrar como um vulcão quando entrava em erupção. Nos recônditos da mente perturbada ela sabia que toda aquela cólera estava sendo direcionada a pessoa errada, mas isso não era suficiente para que parasse.
                 Seguiram pelo corredor, subiram as escadas até chegar a uma enorme porta.
             A médica empurrou-a com o pé, escancarando-a, trazendo consigo sua presa como um leão arrastando um cordeiro para o abate.
               Duda observou o lugar escuro.
            -- Está louca! – Desvencilhou-se do toque, massageando o pulso. 
             A Berlusconi retirou o sobretudo, jogando-o ao chão.
            Algumas velas iluminavam o ambiente.
             A morena seguiu mais uma vez até ela, empurrando-a fortemente contra o concreto.
             -- Quem te deu permissão para deixar a mansão? – Indagou por entre os dentes.
       Duda sentiu os corpos se moldarem. Pareciam terem sidos feitos para se unirem, se complementarem. O cheiro dela era delicioso, forte...
            -- Já respondi essa pergunta. – Tentava se concentrar nas palavras, mas os lábios da médica estavam bem perto dos seus, desconcentrando-a.
             -- Não sabe que ninguém deve vir aqui. A Flávia não lhe disse, não lhe avisou? 
              A Fercodini apenas assentiu.
              -- Então por que trouxe o maldito do seu namorado? – Apertou-lhe o ombro.
          Eduarda tentou se soltar, mas Angelina a pressionou ainda mais, colocando a perna entre as suas.
             A jovem fitava os olhos negros, percebendo que as luzes artificiais lhe davam uma expressão demonı́aca.
              -- Deixe-me ir para o meu quarto. – Pediu.
               -- Só quando responder a minha pergunta, maldita pirralha. – Gritou. 
               Tentou se soltar mais uma vez, mas foi inú til.
            -- Ok! Saı́ porque estava com saudades do Bruno, eu não sei a senhora, mas eu adoro namorar... Adoro sentir carinho, carı́cias... Paixão.
           Angelina estreitou os olhos, afastando-se alguns centı́metros, porém retornou impetuosamente, tomando os lábios nos seus.
              Duda gritou, mas seu protesto foi abafado pela boca que a esmagava, que a violava.
Inicialmente, tentou não corresponder, mas aos poucos acabou cedendo, acolhendo-a, afinal, fora nisso que pensara em todos aqueles dias. Fora nela que pensara quando o namorado a beijara algumas horas antes.
            Ela era forte, bruta, mas quando as lı́nguas se uniram, a médica também pareceu perder um pouco do rumo.
               Permitindo-se ser chupada, mordida... Ser experimentada em toda sua essência.
              Gemeu!
            As mãos que antes lhe seguravam os pulsos, agora buscavam sob a camiseta os seios redondos e macios, percebeu- os responder com paixão, apertou-os, sentindo os mamilos reagirem.
            Sentia raiva por imaginá-la com outro, sentia raiva por ser desafiada. Descontrolada, rasgou o tecido fino, em seguida fez o mesmo com o delicado sutiã. Odiava a sensação que ela lhe fazia sentir, mas ansiava por satisfazê-la.
           Eduarda parecia fascinada e entregue a perı́cia dos toques. Sentiu-a abandonar os lábios, descendo por seu pescoço esguio, mordiscando-o, até chegar ao colo. A lı́ngua pareceu examinar toda a extensão dos belos montes, saboreando.
             A Fercodini inclinou a cabeça para trás, dando-lhe um maior acesso. Mordiscou o lábio inferior ao senti-la devorar como uma criança faminta fazia com o peito da mãe.
                Apoiou-se em seu ombro ao sentir uma intensa chama se apossar do seu corpo, espalhando-se por seus recantos mais ı́ntimos.
             Ouvia os sons que saiam dos lábios da morena, sua respiração acelerada. Tocou-lhe as sedosas madeixas, trazendo-a mais para junto de si.
             Hesitante, baixou a mão  até  o cós  da calça, tocando-a sobre a veste, desejando que nada daquilo existisse em seu caminho.
               Não era uma garota ingênua, sabia o que acontecia quando se desejava alguém. Há  tempos seu namorado insistia para que tivessem algo mais ı́ntimo, até cedera em alguns quesitos, mas nunca em sua vida sentira aquele desejo perigoso por ele. Nunca sentira o corpo arder como sentia naquele momento, implorando por algo que sabia que não deveria desejar.
               De repente, sentiu Angelina se afastar, parecendo desnorteada. Cobriu os seios com as mãos, corada.
               -- É igual a todas as outras!
               Duda parecia confusa.
              -- De que está falando?
              A médica seguiu até a porta.
          -- Ficará presa aqui até que não represente nenhum risco a minha tranquilidade. – Já saia, quando se voltou. – Ah, essa é a ala leste e faz parte da masmorra.
               Antes de sair conseguiu ver o olhar estrangulado da indesejável hóspede.


Comentários

  1. Uma das Melhores histórias que tive o prazer de ler. Fantástico enredo.

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    1. Olá, querida Val, realmente a história da doutora Angel é bastante tocante, eu mesma tenho um carinho especial por ela, ainda mais devido ao momento que a criei.
      Um beijo.

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