Anjo caído -- Capítulo 6
Flávia caminhava pelo campos da universidade. Seguia entusiasmada, pois encontraria não só um professor, mas também alguém que se tornou amigo, principalmente de Angelina.
Henri Mattarelli era um cirurgião aposentado que precisara deixar tudo por ter contraı́do uma doença que lhe tirou os movimentos parciais das mãos.
O homem alto, cabelo totalmente branco e com um enorme sorriso, levantou-se para acolhê-la em um abraço apertado.
-- Menina, que felicidade em vê-la. – Puxou a cadeira para ela sentar. A loira se acomodou.
-- Eu quem estou feliz em vê-lo, mestre. Sei como é ocupado e fiquei super entusiasmada quando aceitou o meu convite.
-- Sabe que mesmo com toda a correria, jamais me negaria a vê-la.
Uma garçonete apareceu sorridente, trazendo dois enormes sorvetes.
-- Lembrei-me do seu sabor favorito e decidi pedir.
-- Nossa! – Tomou a iguaria, levando aos lábios. – Eu adoro sorvetes.
-- Eu sei! Sempre que tinha que me encontrar contigo e com a Angel tinha que pagar sorvetes. – Levou o seu a boca.
– E como ela está?
Flávia levou uma colher, saboreando lentamente, em seguida fitou o professor.
-- Cada vez pior! Está isolada naquele mausoléu, vivendo com seus fantasmas e suas dores.
Henri sabia de toda a história e até tentara falar com a antiga aluna, mas Angelina se negara em vê-lo.
-- Sabemos que não foi fácil o que ela passou. Fora uma tragédia atrás da outra. Tecnicamente ela perdera de uma vez só quatro pessoas que amava muito, sem falar dos problemas em suas mãos.
-- Eu sei. Tem dias que perco totalmente a minha paciência, mas paro e me ponho no lugar dela, não sei se eu teria resistido ou me jogado de um penhasco para acabar com a minha agonia.
Henri tomou-lhe a mão nas suas.
-- Temos que rezar para que isso passe e Angel entenda que precisa continuar a viver.
-- O pior é que a Patrı́cia está procurando por ela. Encontrei-a algumas vezes e ela está disposta a encontrar a esposa.
-- Como alguém pode ser tão desgraçado como essa mulher? – Indagou, alterando-se. – Ela destruiu tudo e o que ela deseja? Uma reconciliação?
-- Quer terminar o que começou. Ela sabe que a Angelina é a única herdeira do bilionário Berlusconi. – Sorriu amarga. – Eu acho que Antônio se arrependeu por tudo que fez a única filha, riscando o nome da amante de sua herança.
O professor conhecera Antônio da época de faculdade. Tiveram, de certa forma, uma amizade.
-- Antônio passara os últimos dias que lhe restaram de vida em um verdadeiro inferno. A ficha pra ele caiu muito tarde. Infelizmente tarde de mais.
-- Eu estive com ele nos últimos momentos. Ele implorou para vê-la, desejava lhe pedir perdão... – Mordeu o lábio inferior. – Ele sofrera muito também.
-- Infelizmente, a maior vı́tima dessa história suja foi a Angel. – Respirou fundo.
Ficaram em silêncio por alguns minutos, olhando o verde que se estendia pela área universitária. Alguns estudantes seguiam de um lado para o outro. Alguns apressados, outros apenas conversando.
-- Há esperanças para que ela possa voltar a operar? – Patrı́cia encarou-o. – Sei como a medicina vem avançando, participei de alguns congressos.
-- Eu não sei com precisão. Passaram-se muito tempo, ela se negou a se submeter as cirurgias.
-- Eu sei! Mas não podı́amos obrigá-la a isso.
-- Eu gostaria de vê-la, examiná-la. Ver o que ainda podemos fazer, porém saiba que quanto mais o tempo passa, mais será difı́cil reverter esse caso. Chegará um tempo que ela perderá totalmente os movimentos das mãos.
Flávia se sentia totalmente frustrada, pois sabia que suas palavras não convenceriam a amiga de se submeter àquele processo. Infelizmente, teria que ver a pessoa que mais amava em todo aquele universo de definhar pouco a pouco.
Angelina e Eduarda por fim conseguiram chegar ao quarto da ala norte. Todo o lento percurso fora feito em total silêncio, ambas estavam mergulhadas em seus próprios pensamentos.
Duda sentou-se na cama.
-- Irei buscar gelo. – A morena seguiu até a cozinha.
A Fercodini fechou os olhos, recordando de algo que estava em sua mente, porém não sabia se fora um delı́rio ou se realmente tivera os lábios da Berlusconi nos seus.
Se sim, decerto fora uma respiração boca a boca, mas porque o sentiu tão quente e doce. Levou a mão a eles.
O que estava acontecendo consigo?
O toque teria sido um devaneio de sua mente conturbada pela queda?
Angelina retornou trazendo algumas coisas, interrompendo assim suas divagações, trazia uma caixa de primeiros socorros.
Colocou a bolsa de gelo sobre o tornozelo, em seguida foi examinar a face onde havia a ferida.
-- Está sentindo dor na cabeça? Enjoo? Tontura? – Iniciou a limpeza no corte.
Duda fez um gesto negativo com a cabeça. Aproveitando a proximidade para examinar a beleza da médica.
Sentiu uma vontade enorme de tocar a cicatriz no lábio superior, mas não o fez, pois sabia que aquele seria uma boa razão para se começar uma briga.
-- Ligue para Flávia. Peça para o José vir te buscar, precisa ir ao hospital. – Dizia enquanto a cuidava.
-- Não preciso, estou bem, e você é uma médica, na verdade, umas das melhores, então, estou em boas mãos.
A morena a encarou, parecendo irritada com o comentário.
-- Eu não sou mais médica e mesmo se fosse aqui não há equipamento para termos certeza de que você não sofreu nenhuma fratura na cabeça ao cair. – Levantou-se. – Onde está o celular? Eu mesma ligarei para aquela irresponsável para mandar te buscar.
-- Não se deixa de ser médico, ainda mais quando se é uma das melhores.
-- Chega! – Levou a mãos aos cabelos em desalinhos. – Dê-me a droga do aparelho.
-- Tudo isso para se livrar da minha presença?
Angelina a ignorou, pegando o celular que estava sobre a mesa. Tentou discar.
-- Está sem sinal! O que houve com essa porcaria?
-- A chuva de ontem. Quando a luz foi embora, o sinal também se foi. – Explicou calmamente.
-- Mas o gerador voltou a funcionar. – Tentou mais uma vez.
-- Bem, relampejou muito, deve ter ocorrido alguma coisa com a antena.
-- E agora? O que vamos fazer?
-- Bem, o procedimento é simples. Vamos fazer da forma primitiva. Você fica aqui me mantendo em observação por vinte e quatro horas, se ver algo errado vamos rezar para que o celular volte a funcionar ou você vai ter que ir a pé a busca de ajuda.
A cirurgiã não demonstrou felicidade com as opções que lhe foram dadas.
Naquele momento não havia nada que pudesse fazer, porém a última coisa que desejava era ficar no mesmo lugar com aquela garota. Ainda mais depois do que fizeram quando estavam na masmorra.
Ainda não sabia como ousara beijá-la, como tivera a coragem de fazer algo assim. Será que ela tinha noção do que tinha passado?
Caminhou até a janela, observando o enorme deserto que se seguia. Vencida, retornou até onde ela estava, voltando a limpar o corte em sua tez.
-- Como está sua mão?
A médica não respondeu, continuando o trabalho.
-- Quem mandou você ir até a fonte? Não se cansa de arrumar problemas? – Indagou assim que terminou o processo.
-- Eu só queria limpar a Galateia. É horrível uma obra como aquela se acabar com tanta sujeira.
-- E desde quando isso é da sua conta? – Encarou-a. – Por que tem que se meter em tudo? – Seguiu para o tornozelo.
As pernas longas e torneadas estavam praticamente toda de fora, cobertas por um minúsculo short.
-- Eu que te pergunto como pode viver em um lugar tão sujo? Sombrio?
Angelina a ignorou totalmente, voltando sua atenção para o pé machucado.
Estava inchado, mas não parecia ser algo mais que uma torção. Ela deve ter caı́do sobre ele.
Eduarda mirava, encantada, o jeito que as mãos examinavam. Eram delicadas, mas percebiam que havia uma insegurança que não combinavam com a profissão que ela seguira. Parecia comprometida sua coordenação motora.
As luvas tinham sido recolocadas, escondendo as feridas.
O que tinha se passado de tão terrível na vida daquela mulher? Ainda pensou em perguntar, mas sabia que não haveria respostas.
Colocou o braço sobre os olhos, permanecendo quieta para evitar mais confrontos naquela manhã.
O sol do entardecer iluminava o quarto bem arrumado e limpo.
Angelina estava sentada em uma poltrona e observava a sua indesejável hóspede dormindo.
Várias vezes seguiu até ela para testar a respiração, felizmente até agora não havia sinais de algo mais sério.
Voltou sua atenção para um dos livros que mantinha em seu colo. Passara seu tempo revezada em leitura e tomar conta da jovem que jazia dormindo tranquilamente.
Sempre gostara de ler.
A brochura não era nova, decerto fora comprado de segunda mão, pois havia marcas que tinha quase certeza que não foram feitas pela Fercodini.
Duda despertou e lá estava Angelina sentada e tendo em seu colo um dos volumes que trouxera para estudar. Ela parecia tão compenetrada. Os cabelos lhe caiam sobre a face dando-lhe uma aparência mais jovial. Ainda usava o mesmo casaco preto que lhe chegava até os calcanhares, porém naquele momento, ele estava aberto, deixando ver uma camiseta preta colada ao corpo magros, delineando os seios que se apresentavam médios e formatos redondos.
Lembrava-se bem deles!
Já os vira sem nenhum tipo de proteção e eles eram verdadeiramente lindos.
Baixou mais os olhos e viu a calça de linho no mesmo tom que o resto da vestimenta. Por que só usava tons sombrios?
Luto?
Sabia que ela perdera a mãe seis meses antes da morte do pai. Lembrava-se de que nessa época estava no internato e só soubera do ocorrido tempos mais tarde.
Não tinha intimidade com a doutora Ângela, mas sua mãe costumava dizer que ela era uma pessoa maravilhosa que sempre se mostrara atenciosa e simpática.
Voltou a encarar a doutora e viu os olhos negros em sua direção. Corou!
Eles eram tão penetrantes e mesmo que exibissem sempre aquela fú ria contra si, também havia muita dor e tristeza presentes neles.
-- Como se sente? – Angelina indagou indo até ela e tocando a fronte. – Alguma sensação estranha?
Duda se encolheu um pouco e a Berlusconi interpretou de forma errada, como se a garota estivesse enojada. A morena retirou as luvas do bolso do casaco, recolocando-as.
-- Não sinto dores. – Iniciou, fitando-a de forma confusa. – Apenas meu tornozelo continua incomodando.
-- Ok! – Disse secamente. – Irei buscar algo para você comer.
Eduarda não entendeu a mudança brusca, mas ao abrir a boca para falar algo, a mulher já tinha deixado os aposentos.
O luxuoso restaurante trazia todas as mesas ocupadas.
Um homem vestido elegantemente se levantou para receber a bonita loira que usava um vestido branco ajustado a suas curvas sensuais.
-- Olá, senhora! – Cumprimentou-a encantado.
-- Espero que tenha boas notı́cias! – Ignorou o olhar interessado indo direto ao assunto. O cavalheiro pigarreou.
-- Bem, infelizmente todas as pistas que tinham não me levaram a lugar nenhum. – Justificava-se diante do olhar irado.
-- Não aceitarei desculpas! Estou pagando uma verdadeira fortuna para nada. – Falou alterada.
-- Calma, senhora, como disse antes, até as correspondências oficiais são direcionadas ao hospital, mas ao falar com os funcionários fiquei sabendo que há muito tempo a senhora Berlusconi não aparece por lá.
-- Isso é um absurdo! Alguém deve saber algo. A Angel não pode ter sido tragada pela terra.
-- O que eles sabem é menos do que nós sabemos. – Levou o copo de água aos lábios. – Deve existir alguém que tenha tido uma ligação maior com ela.
-- Apenas a Flávia, mas ela jamais vai abrir a boca.
-- Pense, não havia ninguém na época que matinha seu relacionamento com a médica? Patrı́cia ponderou por algum tempo, parecia buscar respostas em sua mente.
A famı́lia Berlusconi, apenas de muito rica, não tinha muitos membros. Antônio era filho ú nico, de também filho único, da mesma forma Angelina, ela não tinha irmãos, primos ou nada do tipo.
-- Tem um professor, Henri, acho que esse é o nome dele. – Disse depois de algum tempo. – Ah, tem uma garota, o nome dela é Maria Eduarda, ela é afilhada do pai da Angel. Bem, não acredito que uma pirralha morta de fome possa saber algo, mas como você precisa de alguns nomes, aı́ estão eles.
O detetive anotou tudo, rezando para que uma daquelas pessoas lhe levassem até seu alvo.
Duda já se mostrava impaciente quando a morena reapareceu trazendo uma bandeja. Sentiu um delicioso aroma.
Eduarda se apoiou nas mãos, conseguindo sentar com as costas apoiada ao encosto da cama.
-- Nossa que cheiro gostoso! – Esboçou um sorriso entusiasmado. – Você que fez? – Indagou surpresa ao receber sobre o colo o tabuleiro com uma tigela e pão caseiro.
-- Coma e deixe de perguntar. – Cortou-a bruscamente.
Caminhou até onde estava o celular, olhando irritada para o aparelho.
-- E essa droga que não funciona! – Bateu com o punho fechado sobre o aparador que ficava alguns livros. – Para que serve se quando precisa não funciona.
Duda começou a comer tentando ignorar a raiva que era demonstrada pela médica. Observou-a seguir até a janela.
Observou-lhe as mãos e percebeu que ela apertava fortemente o parapeito.
Eduarda percebia a tensão naqueles ombros, mesmo que fosse quase imperceptıv́ el percebia o tremor. Respirou fundo!
Deixou a deliciosa refeição de lado, apoiou-se nos braços, levantou-se, evitando colocar o pé machucado ao chão.
Com a perı́cia do Saci Pererê, seguiu até onde estava a médica.
Tocou-lhe o ombro, mas Angelina não se virou e tampouco protestou. Duda iniciou uma relaxante massagem em seus músculos enrijecidos.
O cheiro almiscarado penetrou em suas narinas. Sentiu os cabelos sedosos em seus dedos. Ébano!
Aproximou-se mais.
Não sabia qual força era aquela que a atraia como a um imã. Lentamente retirou o enorme caso, vendo-o ir ao chão.
-- O que a aflige tanto, doutora? – Tocou a pele exposta. Desenhou as pequenas asas que repousavam.
Ouviu a respiração pesada da Berlusconi.
Angelina aliviou a pressão sobre o concreto. Sentia agora outro tipo de tensão se instalar em seu corpo. As mãos sedosas eram quentes de mais para seu corpo frio.
-- O que faz aqui? – Sussurrou. – Volte para a cama. Alimente-se para não ficar pior.
-- Nesse momento eu só desejo ajudá-la... A morena virou-se.
Os olhares se encontraram. Um forte e implacável, outro doce e acolhedor.
-- Sei que não somos amigas, mas já que estamos dividindo a mesma casa, podemos tentar uma relação mais equilibrada. – Segurou-lhe a mão. – Deixe-me ajudá-la.
A médica fitou os lábios rosados e mais uma vez foi acometida pelo desejo de tomá-los para si, dominá-los.
-- Por quê? – Arqueou a sobrancelha esquerda ceticamente. – Olho para ti e me lembro daquele dia que te arrastei pelos corredores do hospital. Recordo da sua cara de assustada, do medo e da dor em seus olhos. – Provocou-a cruelmente. – Eu fazia isso, enquanto a sua querida mamãe, amante do meu pai, era declarada morta.
Duda assustou-se com a maldade presente nas palavras.
Soltou-lhe a mão, esquecendo-se do machucado, deu um passo para trás e se não fosse os braços da Berlusconi teria ido ao chão.
-- Veja o que seus atos impensados iam causando. – Disse, tendo-a colada a si.
Eduarda tentou se desvencilhar, empurrando-a, mas suas ações foram inúteis.
-- Chega! – A médica ordenou.
Angelina a fitou e viu os olhos verdes cheios de lágrimas.
-- Deixe-me, doutora Angel. Não necessito de sua ajuda. Pode voltar para a sua caverna. – Dizia por entre os dentes. – Deve ter escolhido viver nesse buraco porque ninguém aguentou conviver com alguém tão terrível como a senhora.
Dessa vez a Berlusconi não se importou com as ações e quais consequências trariam. Segurou-a firme pelos ombros, empurrando-a contra a parede.
A Fercodini arregalou os olhos assustadas ao ter a boca tomados pela explosão de raiva demonstrada pela médica. Permaneceu estática. Sentindo-a se mover bruscamente, ferindo-a.
Cerrou os dentes, impedindo a invasão.
Tentou afastá-la, as mãos tocou os seios redondos, mas a falta de equilı́brio não lhe dava forças para se livrar do contato.
A pressão em seus braços só aumentava, então, de repente o que parecia um arroubo furioso se tornou mais ameno. A lı́ngua contornou os lábios delicadamente, lentamente, fazendo-a ceder aos poucos, permitindo a doce invasão.
Duda se deixou beijar e quando sentiu a lı́ngua penetrando-a, fechou os olhos para sentir melhor. Ela tinha gosto de menta. Era macia...
Acolheu-a, permitiu-a comandar, deixou-a apossar de si...
Mas de repente, da mesma forma que começou, tudo chegou ao fim. Os olhos negros pareciam mais assustados do que os ingênuos verdes. Eduarda observou se afastar rapidamente, deixando o quarto.
Anos antes...
Angelina estava no avião.
Seu coração ansiava para colocar os pés logo em casa. Ficara alguns meses na Alemanha e se não fosse as constantes visitas de Patrı́cia teria enlouquecido. Tudo era muito corrido. Saia muito cedo de casa e só retornava quando as primeiras horas da madrugada se mostravam. Não que estivesse aproveitando a noite agitada da Europa, mas porque se esforçava para terminar logo a especialização e retornar o mais rápido possível para a esposa.
A psicóloga não pôde vir consigo, tinha um consultório para cuidar e se ausentar naquele momento não seria viável.
Sorriu ao lembrar do ciúmes que a esposa demonstrara de sua ausência, mesmo que buscasse demonstrar de todas as formas que a amava e compreendia sua insegurança.
Tocou o ventre delicadamente.
A famı́lia por fim estaria completa. Depois de inúmeras tentativas frustradas, há dois meses recebera a melhor notı́cia de todas. Estava grávida!
Não contara imediatamente a Patrı́cia, pois desejara fazer isso pessoalmente, ainda mais porque sabia como elas sofreram com os fracassos anteriores.
Um filho!
Sempre desejara um bebê. Adorava crianças e aquele ser era fruto de um amor verdadeiro. Lagrimou!
A aeronave aterrissou.
O movimento no aeroporto internacional era intenso e havia pessoas de todos os lados. Uns chegavam, outros partiam entre lágrimas.
A Berlusconi buscou entre os presentes um rosto familiar e não demorou muito para focalizar em meio a multidão a adorada mãe.
-- Minha pequena! – Ângela a estreitou em seus braços demoradamente. – Como sinto sua falta. – Segurou-lhe a face com ambas as mãos. – Está meio pálida. Não está se alimentando direito. – Constatava com ar de reprovação.
Angel sorriu.
-- Isso, decerto, tem a ver com o meu estado. – Piscou.
-- Está brincando não é?
A cardiologista sabia do desejo da filha e em muitos momentos voara até a Alemanha para consolar a sua menina.
-- Não acredito! – Dizia emocionada. – Então dessa vez deu certo?
A jovem assentiu, abraçando-a novamente.
-- Por que não me contou?
-- Queria fazer uma surpresa. – Mirou-a. – A senhora é a terceira a pessoa a saber da notı́cia. Ângela parecia irritada.
-- Como a terceira? – Alterou o tom de voz. – Angelina Karoline Alencar de Berlusconi, eu não a carreguei por nove meses no ventre, cuidei dos seus dodóis e mantive seu bumbum branco limpo para ser a terceira pessoa a saber que serei vovó. O que significa ser a terceira?
Angel fez cara de pouco caso, levando o indicador a cabeça, como se estivesse a ponderar aquela indagação.
-- Bem, primeiro o médico precisou ficar sabendo, teve que me contar... – Gargalhou.
A senhora elegante simulou uma palmada.
-- Quando você vai mudar hein? Não cansa de fazer piadas?
A garota deu um beijo estalado em sua face, em seguida pegou a pequena valise.
-- Vamos embora que estou louca para ver a minha esposa.
-- A Flávia disse que você a acompanhará em uma cirurgia. – A senhora Berlusconi falava enquanto caminhava ao lado da filha pelo luxuoso hall.
-- Sim, ela insistiu tanto que não pude me negar. O problema será convencer a Patrı́cia de se desgrudar de mim.
Ângela preferiu não comentar. Esforçara-se muito, mas mesmo assim não conseguia acreditar na bondade e amor que a psicóloga dizia sentir por Angel. Na verdade, desde que a viu juntas pela primeira vez, sentira uma angustia em seu peito. Um temor, que mesmo tendo passado alguns anos, não conseguia se livrar deles.
Chegaram até o estacionamento.
-- Pensei que tivesse vindo com o motorista. – Colocou a bagagem dentro do porta malas do Duster.
-- Ele está de folga! – Entregou-lhe as chaves. – Leve-me onde quiser! Ambas entraram, dando partida.
-- E como está o papai? – Sintonizou uma emissora de rádio.
-- Está bem! – Disse meio que relutante.
Ficaram em silêncio por alguns minutos, em seguida a mais velha voltou a falar meio hesitante.
-- Filha, estou pensando em me divorciar do seu pai.
Angel parou em um semáforo.
Sabia que há tempos o casamento dos pais tinha acabado, nem mesmo o respeito restara de todos aqueles anos juntos. Antônio tinha inúmeras amantes.
Segurou a mão da mãe, levando-a até os lábios, depositando um delicado beijo nela.
-- A senhora não conta só com o meu apoio, mas também com todo o meu amor e devoção. Quero que venha viver comigo.
O vı́nculo entre mais e filha sempre fora muito estreito. Voltou a dá partida no veı́culo.
-- Não sabe como sinto sua falta e como desejo dividir contigo todas as conquistas que estarão por vir.
-- Oh, minha pequena, não quero atrapalhar o seu casamento. Imagina uma velha para levar de encosto. – Disse limpando as lágrimas.
-- Jamais será isso! – Protestou sorrindo. – És o meu primeiro amor e saiba que um que desejar lhe namorar terá que enfrentar a fúria da sua filha. – Piscou. – Serei o anjo vingador!
Ambas gargalharam alto e a conversa continuou.
Pegaram uma saı́da lateral, pois morava fora da tumultuosa cidade.
Antônio lhe dera de presente de casamento uma luxuosa chácara. Uma verdadeira mansão de dois andares cercadas de jardins e belas piscinas.
A estrada que levava até lá não era asfaltada. Não havia construções próximas.
Estranhou ao ligar para o apartamento e ficar sabendo que a esposa estava tinha seguido para aquele lugar isolado.
Era costume usar a cobertura da cidade, apenas iam até ali para fazer festas, coisa que Patrı́cia adorava.
Depois de meia hora de longa viagem, deu a volta na casa, estacionando por trás.
-- Depois virei buscar as malas.
Ângela assentiu, seguindo ao lado da jovem.
Subiram os degraus que dava acesso à porta da frente.
Angelina estava super entusiasmada. Desejava ter a mulher nos braços o mais rápido possível. Passara todos aqueles dias imaginando a felicidade que Patrı́cia teria ao saber que a famı́lia estaria finalmente completa.
Abriu a porta.
Observou que havia inúmeras garrafas vazias pelo chão. Estranhou.
Rapidamente seguiu até o andar superior. Ouviu gemidos.
Sentiu o coração gelar, mesmo assim, não hesitou, abrindo a porta da suı́te principal. Naquele momento seu mundo pareceu parar.
Ângela veio logo atrás de si.
Patrı́cia exibia sua beleza nua e sua perı́cia amazonas ao montar o neurocirurgião. Ambos se separaram bruscamente ao ver os inesperados visitantes.
Angelina parecia em choque. Seus olhos fitavam como se estivessem perdidos. Sua mente fervilhava. Deu alguns passos até chegar próximo ao leito.
-- Amor, eu posso explicar. – Patrı́cia cobriu-se com o lençol branco. – Não é como você está vendo.
Os olhos negros encararam Antônio.
O Patriarca também se cobriu.
-- Como pode fazer isso com a nossa filha!? – Ângela o esbofeteou. – Um miserável como você não pode ser chamado de pai.
Antônio ignorou a esposa, caminhando até a médica.
-- Não leve tudo tão a sério. – Começou friamente. – Há muitas mulheres no mundo.
A forma como Berlusconi falava se assemelhava a uma faca de serra lhe cortando lentamente. O olha da psicóloga demonstrava temor, talvez por pensar que a médica avançaria contra si. As lágrimas já banhavam a face bonita da morena.
Ângela foi até ela, mas foi repelida.
A jovem olhou mais uma vez para os traidores, saindo em seguida às pressas.
-- Malditos miseráveis. Não terão o perdão de Deus!—Ângela disse antes de ir atrás da filha. Encontrou-a ligando o carro.
Rapidamente ocupou o banco do passageiro.
Conseguia ver a dor que a filha sentia naquele momento. Os soluços lhe sacudiam o corpo. Queria abraçá-la, mas apenas esperou pacientemente que a jovem falasse algo.
O veı́culo seguia em alta velocidade, mas em poucos quilômetros percorridos, uma camioneta apareceu na contramão.
Angelina tentou desviar, mas acabou perdendo o controle do automóvel, capotando inúmeras vezes. O outro condutor fugiu sem prestar socorros.
Antônio se vestia, enquanto Patrı́cia permanecia sentada na cama. Ela levantou a cabeça, fitando o amante.
-- E agora?
-- Agora o quê? – O médico indagou ajeitando a gravata.
-- Eu sou casada com a sua filha. – Disse impaciente. – E ela acabou de nos encontrar aqui e você fala como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Antônio segurou-a firme pelo braço.
-- Eu disse que terminasse com ela. Falei mil vezes para que não casasse, mas o que você fez pelas minhas costas? – Apertou com mais força. – Tudo isso é apenas sua culpa!
O Berlusconi a empurrou violentamente sobre o leito. Patrı́cia permaneceu lá, encolhida.
Pela primeira vez desde que começara toda aquela confusão, ela se sentiu mal pelo que fez.
Talvez, só naquele momento tenha percebido que tinha se apaixonado pela esposa. Por sua forma doce e sempre brincalhona de ser, seu jeito carinhoso e apaixonado de tocá-la, de tratá-la como se fosse o ser mais importante do mundo.
Chorou baixinho.
Angelina abriu os olhos.
Sentia o cheiro de gasolina.
Sentia dores por todo o corpo. O sol queimava sua pele e seus olhos. Sentia uma vontade enorme de dormir. De repente, recordou o que passou.
-- Mamãe! – Tentou gritar, mas a voz saiu em um sussurro.
Conseguiu ver o carro. Ele estava a alguns metros de si. Os pneus estavam virados para cima.
-- Mãe! – Dessa vez a voz conseguiu sair mais forte. Tentou levantar, porém lhe faltava forças.
-- Mãe! – Gritou.
Percebeu a gasolina vazar.
Não havia ninguém para ajudar. Desesperou-se!
Mesmo com todas as dores, seguiu se arrastando até o carro. Tentou abrir a porta, mas as portas permaneceram travadas.
-- Mãe! – Gritou aos prantos. – Por favor, mamãe...
Viu quando a primeira fagulha apareceu. Não demoraria muito para estar tudo tomado pela chama. Começou a esmurrar as portas. O vidro blindado não se abalava, mesmo assim ela não parou.
O fogo já estava alto e suas mãos cobertas de sangue, mas ela não se deu por vencida. Sentia que seus ossos tinham sido partidos, a dormência já tomava conta delas.
-- Mãe... – Chamava esmurrando. – Mamãe... Por favor... por favor... Não me abandone... Não, não...
Chorava de dor, de desespero, de impotência.
O fogo já tinha se alastrado por todos os cantos.
O vidro com a quentura, quebrou-se, penetrando-lhe a pele das mãos e do rosto. Angelina desmaiou.
Antônio se aproximava quando viu o carro virado. Parou imediatamente, correndo até lá.
O veı́culo estava tomado pelas chamas.
Desesperou-se ao encontrar a filha caı́da. Não viu a esposa.
Rapidamente a tirou de lá, tempo suficiente para que a explosão ocorresse.
Viciei. Kkkk
ResponderExcluir