Anjo caído -- Capítulo 5
Eduarda decidiu passar todo o dia distante da insuportável doutora. Só apareceu para deixar a comida. Estudou durante todo o tempo.
Estava se dedicando para poder se sair bem nas provas e poder ir embora o mais rápido possível. Sabia que não era bem vinda e nem desejava ser, até estranhava o fato de se importar com aquela mulher que só sabia gritar e agir como se fosse a dona do mundo.
Ouvira parte da conversa que ela teve com a Flávia e percebera como ela não a queria realmente naquele lugar.
Certo, sabia que estava errada por ouvir diálogos alheios, mas não conseguiu se conter, sabendo que seu nome estaria presente ativamente naquela discussão.
Observou o celular.
Havia uma foto de Angelina acompanhada de uma bela mulher, bem, não tanto quanto ela, mas a loira se vestia de forma fatal.
Engraçado que ao acessar a internet e buscar por informações sobre a Berlusconi encontrara várias coisas sobre a forma como ela vivia a vida, como deixara a carreira promissória para torrar a fortuna que o pai deixou, porém aquilo não se encaixava, pelo menos em alguns sentidos, afinal, ela estava vivendo em um lugar isolado, em meio ao nada.
Observou melhor uma das fotos que trazia a cirurgiã.
Era uma mulher de beleza selvagem, arrogante, até mesmo perigosa. Agia como se não soubesse lidar ou como se não desejasse lidar com seres humanos, algo estranho para alguém que tinha se formado em medicina quando ainda era bem jovem.
Observou a hora e percebeu que já era tarde. Quase sete da noite.
Deixou os livros sobre a mesa, seguindo para o quarto, mas ficou parada no batente, observando-a.
A médica tentava se livrar das roupas, porém os machucados na mão tornavam sua ação difı́cil de ser executada.
Duda aproximou-se.
-- Deixe-me ajudá-la.
Angelina não respondeu, apenas permaneceu estática, enquanto a observava abrir o roupão com suas mãos delicadas, com dedos longos de unhas bem feitas.
Sentiu o cheiro de flores se depreenderem dos cabelos soltos. Tentou não fitá-la. Sentiu a camisola deslizar por sobre o corpo, ficando apenas de calcinha.
Afastou-se, cobrindo os seios.
-- O que houve? – Perguntou confusa.
-- Nada. –Falou tentando controlar as batidas do coração. – Vá até meu quarto e me traga roupas limpas.
-- Não! – Caminhou até ela. – Você ainda está fraca. Te ajudarei no banho, depois faço o que precisa.
-- Não é necessário! – Negava-se de forma impaciente. – Não sou uma inútil que não possa nem mesmo tomar um banho sozinha.
-- Ninguém disse que a senhora é, porém teve muita febre, dores de cabeça e tontura, imagina se cai lá dentro? – Apontou a porta. – Eu teria que correr para chamar ajuda... Muitas pessoas viriam aqui...
-- Você não consegue manter mesmo essa boca calada não é? – Cortou-a irritada. – Eu já disse que não é necessário.
-- Sim, doutora, é necessário, afinal, não quero que fique pior, pois dividir a ala norte com alguém tão desagradável não é algo que me interesse. – Retrucou firmemente.
O maxilar da morena enrijeceu e ficou ainda mais brava ao notar o sorriso que estampava a face da garota. Tentou ir sozinha, mas sentiu a cabeça girar e acabou aceitando o auxı́lio da afilhada de Antônio.
O banheiro era pequeno, o box não tinha espaço suficiente.
Angelina entrou e ficou perplexa quando Duda se despiu e foi ao encontro dela. Desviou o olhar do corpo esbelto imediatamente.
-- Pronto. – Ligou a água. – Assim não gastamos muito e nem acabo molhada. – Observou o olhar escandalizado da médica. – Qual o problema?
A morena tentou ignorá-la, entrando sob a ducha. Sentia os mú sculos se aliviarem.
Deu as costas para Duda, mas ao sentir as mãos da garota em seu ombro, tentou se manter estática.
-- Você está tensa. – Iniciou uma massagem. – Que lindas... Você tatuou asas nas costas. – Continuou tocando-a. – Essas são pequenas, imaginei que a doutora Angel teria até asas de verdade. – Caçoou.
A Berlusconi mesmo não desejando estar ali, não pôde resistir ao prazer que passava por todas as suas células. O toque a estava excitando.
Eduarda desenhava com os dedos.
A tatuagem não era grande. Era apenas um pequeno par de asas na cor negra em seu ombro esquerdo. Fizera-a quando perdera uma aposta para a Flávia. Ainda eram adolescentes.
As costas traziam alguns sinais. Eram definidas, decerto, a médica malhava em suas horas vagas.
A Fercodini afastou as mãos. Virando-se acabou colando-se a morena, de repente sentiu algo como uma espécie de corrente elétrica percorrendo a si.
Afastou-se.
-- Acho melhor ficar esperando você terminar. – Disse sem jeito. – O espaço é pequeno não dá para nós duas. Angelina não respondeu, apenas continuou ali, sentindo a água acalmar sua mente conturbada.
Eduarda parecia chocada com as sensações que dominara sua pele.
Sorte que a médica estava de costas ou poderia testemunhar sua face pegando fogo.
Cobriu-se com uma das toalhas, como se só naquele momento tivesse ciência de que estava totalmente despida.
A Berlusconi terminou, desligando o registro. Cobriu-se e ao voltasse viu os olhos verdes fitando-a a alguns metros de si.
-- O que houve? – Perguntou impaciente. – Parece que viu um fantasma. Sua presença é um incômodo, sabia? – Passou por ela, pisando duro. – Voltarei para o meu quarto.
Duda ficou paralisada , perdida em seus pensamentos, até voltar a si, seguindo rapidamente até ela.
-- Olha, doutora, fique apenas essa noite. – Começava preocupada. – Não queira agir por impulso e piorar, pois se isso acontecer. – Apontou-lhe o dedo em advertência. – Se isso acontecer chamo a ambulância para levá-la ao hospital.
A morena seguiu até ela em passos largos, parando a poucos centı́metros. O rosto estava transfigurado pela fúria.
-- Quem você pensa que é, sua fedelha arrogante? – Levantou a mão para tomá-la pelo braço, mas acabou se arrependendo, fechou o punho. – Não esqueça sua situação em minha casa. Como ousa me ameaçar?
-- Ah, casa! – Debochou. – Se é para lembrarmos, é bom que não esqueça de que é também do seu interesse que eu fique aqui.
-- Isso não aconteceria se você não fosse uma maldita pirralha irresponsável que andou se envolvendo com corridas ilegais e drogas...
-- A senhora não é ninguém para falar de mim. – Interrompeu-a. – Nego-me a discutir contigo sobre a minha vida.
– Deu-lhe as costas, buscando uma roupa para vestir.
Angelina não estava acostumada a ser desafiada, mesmo em outrora, quando sempre exibia uma personalidade tranquila e amistosa, nunca fora enfrentada por ninguém, afinal, ela era filha do famoso e bilionário neurocirurgião. Ela sempre fora acostumada a ser prontamente atendida e jamais questionada.
-- Amanhã mesmo você irá embora daqui. – Dizia tentando conter a explosão dentro do peito. – Não quero te ver, não desejo sentir a sua presença aqui.
-- Ótimo! – Eduarda disse por fim. – Também não desejo estar em sua presença.
A Fercodini seguiu de volta ao banheiro. Não desejava perder tempo e paciência com um ser humano daquela espécie.
A chuva começava fina, mas aos poucos tomava forma de tempestade. Podia-se ouvir a fú ria da natureza esbravejando e clareando os céus.
A mansão Berlusconi parecia imune à fúria dos deuses. Suas colunas pareciam feitas para aguentar todo tipo de mazelas, até mesmo a raiva que se instalava no lado de dentro de suas paredes grossas.
Maria Eduarda seguira até a sala, pegando seus livros, sentando em uma das poltronas.
Lembrava-se de que depois da discussão com a odiosa mulher, seguira para o banheiro, desejando apenas terminar seu banho e se vestir. Ao sair do cômodo, ficou surpresa ao ver que Angelina permanecia lá, encontrou-a cuidando das feridas das mãos. Pensou em se aproximar, porém depois do que aconteceu, o melhor era se manter distante.
Estava tão perdida em seus pensamentos que ao ouvir o enorme trovão teve um sobressalto. Seus livros voaram para longe a para completar a energia foi embora.
Tateou até encontrar o celular entre as pernas. Era quase meia noite.
Encolheu-se, inclinou a cabeça para trás, tentando relaxar.
Dias antes...
A região de difı́cil acesso era perfeita para uma boa corrida. O horário colaborava com o isolamento. Quatro jovens se reuniam em uma fábrica abandonada.
-- Tomou todas as providências para que não tenhamos problemas com ninguém? – Eduarda indagava com expressão preocupada. – Não quero que ninguém se machuque.
Bruno que estava sentado em um dos batentes, aproximou-se.
O rapaz também era estudante de Medicina, na verdade era obrigado pela famı́lia àquilo, mas suas ações deixavam claro que o bonito moreno não queria saber de nada, apenas agir por seus instintos e irresponsabilidade.
-- Ah, princesa, qualquer coisa, você coloca o seu jaleco e salva vidas. – Abraçou-a por trás, beijando-lhe o pescoço.
-- Que horas essas pessoas chegarão?
A bonita ruiva que perguntava era Ester. Ela era amiga da morena, mas não fazia parte do universo da medicina ou tinha pais ou apadrinhamento bilionários. A garota trabalhava como atendente em um restaurante localizado no shopping. Duda a conhecia porque suas mães tinham uma bonita amizade desde que eram adolescentes.
-- Acho que não deverı́amos fazer isso. – Matias se manifestou.
Matias era filho de um dos enfermeiros do hospital de famı́lia de Angelina. O jovem tivera alguns problemas com a lei, mas agora tentava colocar a vida no eixo, ainda mais porque há pouco tempo descobrira que a mãe tem uma doença incurável e seu último desejo era causar decepções a ela.
-- Deixa de ser mulherzinha! – Bruno provocou. – Se ganharmos teremos um bom dinheiro para gastar por todos esses dias e você. – Falou com a namorada. – Não precisará das esmolas da famı́lia Berlusconi.
-- Eu concordo com o Matias. – Ester se adiantou. – Ainda mais porque quem vai estar dirigindo aquele carro é a Eduarda. – Segurou a mão da morena. – Tenho medo que aconteça algo contigo, que se machuque.
-- Não se preocupe. – Duda sorriu simpática. – Você sabe que sou muito boa no volante.
O som de um veı́culo lá fora chamou a atenção de todos.
Caminharam até lá, encontrando duas pessoas.
-- Estamos prontos! – O homem vestindo couro avisou. – Podemos ir, boneca. – Piscou.
A Fercodini assentiu, seguindo até a Ferrari, veı́culo que pertencia ao namorado.
Ela iria sozinha.
Tinha talento para aquelas corridas, sem falar que o dinheiro que estava em jogo seria muito bem vindo para todos. Desejava poder pagar a mensalidade do curso aquele mês sem necessitar do dinheiro que sempre caia em sua conta. Desejava poder pagar todas as suas despesas com seu próprio suor.
Sabia que aquilo não era certo, porém não havia escolha, pelo menos não naquele momento.
Dias atuais.
Os relâmpagos clareavam o quarto, trazendo o som forte dos trovões. Angelina despertou.
Sua mente estava confusa. Não recordando bem o que passou, nem mesmo sabia onde estava.
Apoiou-se nas mãos e sentiu o latejar.
Mordeu o lábio inferior para não gemer alto. Decidiu continuar deitada.
Esticou os braços, começando a movimentar os dedos. Tocou o anular da mão esquerda. Não repousava mais ali a aliança de casamento. Seu vı́nculo fora quebrado rudemente, machucando-a mais de que qualquer outra ferida fı́sica.
Lembrava-se bem do feliz dia do seu enlace. Tudo fora planejado detalhadamente, ostentando a pompa de sua riqueza, pois era esse o desejo de sua futura esposa.
Ela estava tão linda naquele dia. Patrı́cia esbanjava uma sensualidade, segurança e elegância que poucas mulheres somente em sonhos teriam.
Respirou fundo e mais uma vez suas narinas foram invadidas por aquele cheiro de rosas. Continuava na ala norte e dividia a cama com a fedelha de lı́ngua afiada.
Por que não retornou para os próprios aposentos? Decerto, fora o analgésico que tomara. Apagara totalmente.
Mas uma vez os raios clarearam o ambiente, então por frações de segundo pôde vê-la. Maldito Antônio Berlusconi!
Jamais imaginara que o homem que tinha como dever cuidar e protegê-la seria um dos responsáveis direto por sua desgraça. Ele morrera, mas suas ações continuavam vivas em sua memória, assombrando-a dia após dia.
O que ele pensaria agora sabendo que a menina dos seus olhos estava nas mãos da filha que ele fizera questão de destruir.
Quando abrira mão de tudo, sua dor era tão grande que nem lembrava que havia a afilhada do seu pai envolvida naquela história.
De repente, sentiu o corpo de Maria Eduarda se enroscar ao seu.
Permaneceu imóvel, mas já pronta a repeli-la, quando sua libido lhe agitou o estômago. Sexo!
Como podia, depois de tanto tempo de celibato, ser perturbada por desejos tão primitivos? A pele dela era delicada, macia...
Desejava tomá-la à força... Possuı́-la como um animal, sem regras, sem romantização... Esse era o seu desejo. Bruscamente, empurrou-a, deixando os aposentos, antes que perdesse totalmente o controle.
Duda mexeu-se, mas seu sono pesado não fora molestado pela explosão da anfitriã.
O luxuoso hotel ao lado do central Park estava cheio de turistas.
Flávia se arrumava para seguir a mais um dia de trabalho quando a campanhia tocou.
Imaginou que fosse o serviço do quarto, abrindo imediatamente, deparando-se com a desagradável loira.
-- O que faz aqui? – Indagou aborrecida.
Patrı́cia não esperou que ela fechasse a porta em sua cara, simplesmente entrou parando ao centro da sala.
-- Quero que me diga onde está a Angelina. – Exigiu. – Não esqueça de que ainda sou a esposa dela. – Mostrou a mão esquerda onde uma valiosa aliança descansava.
-- Acha que isso faz alguma diferença depois de tudo o que fizestes?
-- Bem, se a sua amiga não desejava continuar casada comigo porque ela nunca pediu o divórcio? – Provocou-a. – O problema é que você nunca aceitou que ela preferisse a mim de que a você.
A bonita Tavares precisou respirar fundo para não acabar partindo para agressão.
Ela também não entendia o motivo de Angelina não ter pedido o divórcio depois de tudo o que aconteceu.
Lembrava-se de que chegara a falar sobre o assunto com ela, porém o que recebera fora um rugido violento em resposta.
-- Saia daqui, antes que eu perca toda a paciência que eu tenho.
A mulher a ignorou totalmente, sentando-se de pernas cruzadas no pomposo sofá.
-- Por que ela se esconde? Por que você a esconde? Será que é porque sabemos que ela não resistirá ao meu toque, aos meus beijos, as minhas carı́cias... – Umedeceu os lábios com a lı́ngua. – Sabemos quão passional é a brilhante cirurgiã Angel Berlusconi.
Flávia enterrou as unhas nas palmas das mãos.
Sim, ela sabia como aquela miserável fazia para controlar a morena, conhecia as táticas que ela usava.
-- Vou te dar um conselho: Não cruze o caminho da Angel.
-- Eu não preciso dos seus conselhos. – Levantou-se, caminhando até ela. – Encontrá-la-ei e mostrarei que eu também fui vı́tima de toda essa história. Vou reconquistá-la e teremos a famı́lia que ela sempre sonhou.
Patrı́cia ainda teve a ousadia de lhe soprar um beijo, antes de deixar o apartamento. Miserável!
Não sabia ela que a Angelina naquela maldita noite não perdera apenas o poder sobre as mãos, como também perdera a criança que esperava.
Não havia resquı́cios da tempestade que acometera aquele lugar na noite anterior, apenas o majestoso sol brilhando e aquecendo a terra.
Angelina não voltara a dormir depois de deixar o quarto de Duda, passara todo o tempo remoendo o passado. Levantou-se e foi até a janela. Afastou um pouco a cortina e a luz irritou seus olhos.
Há tempos que vivia isolada ali sem saber o que se passava com o mundo lá fora e tudo estava indo muito bem. Já se afastava quando viu quem estava lá embaixo.
Duda levava um balde em uma das mãos e na outra alguns materiais de limpeza. O que diabos ela estava inventando naquele momento?
Lembrava-se claramente que a expulsara de lá, deixara bem claro que a desejava fora da propriedade naquele dia.
Por que aquela menina a irritava tanto?
Eduarda observou a imagem de Galateia.
Seria uma bela estátua se não estivesse tão suja.
Naquela manhã ao despertar a luz ainda não tinha voltado. Tentara inutilmente falar com Flávia, mas o telefone não estava com sinal, então decidira passar seus últimos momentos naquele mausoléu limpando a obra de arte que lhe chamara tanta a atenção.
Tomou um pouco distância para ver por onde deveria começar.
A fonte era enorme e os matos a invadiram, tirando-lhe total beleza. Adorava história, era fascinada por mitologia e esse era um dos motivos de desejar restaurar um pouco da beleza daquela estátua.
Quando estava na escola, lembrava-se do professor falando sobre o famoso Pigmaleão. Da falta de fé que ele tinha nas mulheres de sua época e como criara uma obra tão bela que se apaixonara por ela.
Tentando tocá-la seguiu por sobre borda.
Ficou maravilhada ao perceber que ela também era de marfim, curiosamente o mesmo material que fora criada pelo escultor cipriota.
Hipnotizada, deu mais um passo, porém onde só havia ervas daninhas, também havia um enorme buraco.
O grito de Duda cortou o ar ao cair metros abaixo.
Angelina já fechava a janela quando ouviu o som de alerta. Sentiu um desejo enorme de ignorá-lo, mas aquele berreiro denotava não só surpresa, como também dor.
Imediatamente seguiu até o jardim.
Não acreditava que teria que sair da mansão. Nem se lembrava da última vez que fizera aquilo e não tinha nenhum interesse em fazê-lo.
Aquela garota só lhe trazia problemas.
Desde que chegara só arrumava confusões e mais confusões. Não houvera um momento de paz desde que aquela peste colocara os pés ali.
Saiu pela porta da frente, sentindo o sol lhe cegar a visão. Esperou até que se acostumasse com a claridade. Em seguida deu a volta, seguindo até a antiga fonte.
O material de limpeza estava lá, mas não havia sinal dela.
-- Fercodini! – Chamou-a. – Se isso for uma brincadeira saiba que vou jogá-la do último andar da mansão. – Dizia em tom rabugento.
Apenas o silêncio poderia ser ouvido.
-- Eduarda! – Chamou mais alto. Passou as mãos pelos cabelos.
Quando criança era costume do seu avô trazê-la ali. Ele adorava aquele lugar, até mesmo pensara em viver lá, mas a famı́lia fora totalmente contra aquela ideia que todos achavam absurda, ainda mais porque era muito distante e esquisito.
Subiu sobre a parede de concreto e viu o enorme buraco que tinha sido abrido ali.
-- Duda... – Chamou-a.
Pela primeira vez em tantos anos, sentiu uma apreensão enorme. Preocupação por alguém de quem nem mesmo gostava.
Olhou para um lado e para o outro. Não havia ninguém para pedir ajuda.
Seguiu rapidamente pela parte de trás da casa. Havia uma porta que levava até a parte subterrânea. Apressou ainda mais o passo.
Sentia as batidas do coração se acelerar.
Abriu a porta, a escuridão imperava ainda mais ali. Porém em todos os cantos daquele lugar havia candelabros, velas e fósforos e ela sabia onde buscar.
Acendeu-a e seguiu pelos túneis onde costumava brincar quando era criança.
Mais uma vez chamou pela jovem, porém não houve respostas, então ao virar numa curva, viu-a caı́da.
Correu imediatamente até ela, colocou o candelabro de lado. Ajoelhando-se.
Hesitou em mexê-la, temia que tivesse tido alguma fratura. Observou os olhos fechados e o corte que tinha na testa dela.
Tocou-a peritamente e a priori não conseguiu detectar nenhum rompimento de músculos. A respiração dela estava fraca.
-- Duda. – Chamou-a.
Angelina já estava entrando em desespero quando a ouviu gemer. Sentou em meio ao chão frio, colocando a cabeça da jovem em seu colo. Afastou-lhe a franja para ver melhor o machucado.
Mirou os lábios rosados entreabertos... Convidativos. Com o polegar, desenhou-os. Carnudos...
Era apenas uma menina teimosa e hiperativa que desde que chegara só fazia desafiá-la. Respirou fundo!
Precisava tirá-la dali.
-- Duda... – Sussurrou mais uma vez.
Precisava de ajuda, mas não havia a quem pedir.
Baixou a cabeça, aproximando-se para sentir a respiração. Não resistindo, seguindo um impulso primitivo, colou os lábios aos dela.
Moveu-se lentamente, sentindo-os frescos, vivos. Passou a lı́ngua por eles, seguindo o mesmo desenho que fizera com o polegar.
De repente, sentiu-a corresponder a carı́cia. Movendo-se devagar, quase que imperceptível.
Angelina afastou a cabeça. O olhar arregalado mostrava a surpresa pela ação que tomara sem pensar antes. Viu os olhos verdes se abrirem. Fitando-a.
-- Eduarda... – Falou-lhe o nome como se estivesse com a boca cheia.
-- O que houve? – A jovem encarou a mulher que a fitava.
-- Você caiu, despencou até aqui.
A garota ficou por alguns segundos em silêncio.
-- Sim. Eu estava limpando a Galateia e sentiu o chão se abrir e tudo apagou.
-- Você só se mete em problemas. – A Berlusconi torceu o nariz. – Vai ser uma médica desastrada.
Duda se irritou com as palavras dela tentando se levantar, sentiu uma forte dor no pé, voltando-se a sentar. Angelina se aproximou.
-- Afaste-se! Não quero sua ajuda. – Disse chorosa, massageando o membro.
A médica ficou parada de pé, as mãos nos quadris. Olhou para todos os lados, tendo um desejo enorme de se afastar dali o mais rápido possível. Ficar longe daquela menina era o melhor a ser feito.
Suspirando de forma impaciente, agachou-se, tocando-lhe o pé.
-- Foi uma torção. – Falou depois de algum tempo examinando-o. – Não deve forçar para que não fique pior.
Eduarda fitou-a. Observou, fascinada, o toque feito com maestria, era quente, quase queimando sua pele.
-- Como está sua mão?
A morena a fitou, parecendo confusa.
A maioria das pessoas em uma situação como aquela estaria apenas preocupada consigo.
-- Está bem. – Disse por fim. – Temos que sair daqui. – Repetiu sem paciência.
-- Que lugar é esse? – Fitou as paredes escuras.
-- Uma masmorra.
Eduarda arregalou os olhos. Observava com atenção o lugar, vendo algumas correntes presas à parede.
-- Verdade? – Levou a mão a boca. -- Deus do céu!
Angelina teve vontade rir da expressão assustada da jovem. Quanto tempo fazia que não ria?
Decidiu por não fazê-lo.
-- Quem era preso aqui?
-- Não sei, porém sei quem eu desejaria deixar presa aqui à pão e água.
-- Eu?!—Falou como se estivesse matando uma difı́cil charada. -- Sabe que eu não duvido nada disso.
A médica deu de ombros.
-- Apoie-se em mim. Vamos embora. – Ordenou.
Duda tocou-lhe o ombro, encarando o perfil forte.
-- Podemos?
A garota fez um gesto afirmativo.
Angelina seguiu lentamente, levando o candelabro para iluminar o caminho escuro, tendo seus pensamentos perturbados pelo que tinha feito há pouco tempo.
Será que Duda tinha visto?
Na verdade nem sabia porque de se sentir assim, o que fizera fora apenas uma tentativa para testar a respiração da jovem que jazia desmaiada.
Isso!
Essa era a explicação para o seu ato.
Respirou aliviada.
Ahhh... Amando muito a história!
ResponderExcluirAdoro história assim que te prende, maravilhosa ❤️
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