Anjo caído -- Capítulo 2
Apesar de sol ter nascido há tempos, a escuridão fazia parte da mansão da Berlusconi. Cortinas pesadas cobriam as janelas para que dessa forma a luz solar não penetrasse o ambiente. A mobı́lia escassa colaborava com a imagem de abandono dos cômodos.
Angelina estava sentada no topo da enorme escada. Seu olhar estava fixo em suas mãos. Depois do que aconteceu não conseguira recuperar por completo os movimentos, devido a isso, sua carreira brilhante em ascensão tinha acabado mais rápido do que nunca poderá imaginar.
Nada restara dentro de si. Apenas o vazio de todos aqueles anos sem conseguir encontrar sentido em sua existência. Poderia ter acabado com a agonia há tempos. Inúmeras vezes pensara em dar um fim a própria vida, mas havia uma fagulha dentro de si que a impedia de concretizar tal ato.
“ Obrigada doutora, Angel...” “ Te amo, meu lindo anjo.”
Sua mente estava sempre cheia de lembranças que poderiam ser motivos para recordar com saudosismo do que era antes, porém as cenas que se repetiam nesse filme sem fim só serviam como um martı́rio para sua alma.
Patrı́cia...
Seu cérebro martelava...
A morena levantou-se, sacudindo a cabeça para espantar os pensamentos perigosos que a perseguiam por tanto tempo.
Seguiu até o escritório, lembrando-se da conversa que tivera com a Flaviá na noite anterior. Não acreditava que ela teria coragem de levar a filha da amante de Antônio para ficar consigo.
Decerto a loira estava blefando. Ninguém em sã consciência mandaria um ser humano para aquele lugar terrível, ainda mais quando quem habitava aquelas paredes frias era o monstro que tinha se tornado.
Observou o envelope que ficara sobre a mesa. Não tivera interesse de ler antes, mas agora era diferente. Acendeu a vela, sentando, abriu o papel.
Sua expressão mudava a cada sentença que decodificava. Alguns segundos depois, queimou a missiva.
-- Maldita seja!
Não acreditava que por causa daquela garota estú pida sua vida tranquila estava ameaçada. Necessitava de conversar com a Flávia, precisava convencê-la a arrumar uma solução rapidamente. Estava cansada de ser perturbada, odiava o fato de todos não a esquecerem de uma vez por todas. De repente pôde ouvir o som de um carro parando em frente a casa.
Maria Eduarda nem tivera muito tempo para digerir o fato de que moraria com a mulher que mais desprezava, pois, com certeza, a doutora Tavares não confiara muito na jovem, mandando José esperar por ela e imediatamente levá-la para a Berlusconi.
Ainda não conseguia entender essa insistência da médica em fazê-la viver com aquela mulher, se era preciso assumir uma conduta mais séria, poderia fazê-lo em qualquer lugar.
Observou o GPS do automóvel. Jamais imaginara que existisse um lugar como aquele naquela cidade tão grande. Impaciente, pegou o celular.
Havia inúmeras mensagens dos amigos e do namorado, todos querendo saber notı́cias suas. Preferiu ignorar de inı́cio.
Tudo o que estava fazendo é para não prejudicá-los, pois sabia os problemas que as ações que tomaram nos últimos dias teriam punições severas.
Naquele momento ela observava o carro se afastar cada vez mais da paisagem urbana, seguindo por serras que se mostravam dominantes naquele espaço.
-- Falta muito? – Indagou inquieta, ao motorista. O senhor idoso permaneceu calado.
-- Estamos quase duas horas rodando. Onde essa mulher mora, meu Deus!? José apenas deu de ombros.
Duda respirou fundo, continuando a observar a estrada deserta.
Colocou o fone, selecionando algumas canções no smartphone, buscando se distrair, porque já estava ficando enjoada com o sacolejo do carro.
Agora estava a pensar como moraria tão longe e ainda assim teria que frequentar a universidade, seria inviável.
Mesmo que as pessoas não acreditassem, a decisão de deixar o curso de medicina fora motivado por questão financeira. Não desejara realmente depender do dinheiro de Angelina. Não era a mesma coisa de quando seu padrinho estava vivo, ele realmente se preocupava consigo. Fora um apoio para si quando perdera a mãe, alguém que passou a apoiá-la em todos os momentos.
A decisão de ser médica veio através das longas horas que passava conversando com ele, admirava o amor que o cirurgião tinha pela profissão.
Seus pensamentos foram interrompidos ao ver uma linda imagem surgir diante dos seus olhos.
Observava as torres, paredes negras surgirem e mais uma vez serem ofuscadas pelos terrenos acidentados. A neblina parecia um véu sobre aquelas escarpas assimétricas.
-- O senhor viu aquilo? E' um castelo? – Indagou perplexa.
Porém antes que José respondesse, a mansão surgiu majestosa diante dos olhos curiosos da jovem.
Ela conhecia aquele estilo. Estudara ele nos livros de história e também de Literatura. Essa arte ocidental parecia, de certa forma, inadequada, entretanto ao observar com mais atenção, percebeu que era como se fizesse parte daquele lugar desde sempre.
O carro estacionou diante do enorme portão.
Rapidamente, Eduarda desceu, olhando abismada para o lugar. Parecia abandonado há muito tempo.
-- Por que paramos aqui? – Indagou com as mãos na cintura. – Você também ficou encantado com o lugar? – Pegou o celular, tirando inúmeras fotos. – Tira uma para mim? Quero mostrar aos meus amigos, eles vão amar. – Pedia entusiasmada.
José a ignorou, abrindo o porta malas, retirando a bagagem da garota.
-- O que está fazendo? – Fitou o homem, confusa, ao vê-lo destrancar o portão.
-- Seja bem vinda ao seu novo lar.
Eduarda esboçou um sorriso, imaginando que era uma brincadeira, mas ao observar a expressão no rosto do motorista percebeu que aquilo que acabara de ouvir era a mais pura verdade.
Angelina observou pela fresta da cortina e viu duas pessoas paradas diante de sua mansão. Não podia acreditar que Flávia havia cumprido o que dissera.
Tentou observar melhor os visitantes indesejados. Reconheceu José, ele trabalhava para a famı́lia da loira desde que ambas aram crianças. Ele sempre ia buscá-la em sua casa para brincar com a amiga de infância.
Estreitou os olhos, tentando reconhecer a mulher que estava ao lado dele. Os cabelos ondulados, negros, a pele branca... Alta...Magra...
De repente o olhar da jovem se encontrou com o seu. Aquilo causou uma fúria enorme na Berlusconi que imediatamente recolocou a cortina no lugar.
-- Vamos, menina! – José chamava impaciente. Duda o fitou, distraı́da.
Voltou a fitar uma das janelas do alto. Tinha certeza que viu alguém ali. Sentiu a força de olhar em sua direção.
-- Para onde?
-- Para sua nova casa. – Repetia.
Eduarda o observou entrar e hesitante o seguiu.
Examinou o local com atenção, percebendo que em outrora um lindo jardim existia ali, porém agora só ervas daninhas usurpava e dominava a flora morta.
Fitou as paredes de pedras. Era tudo tão abandonado.
Fitou a lateral, curiosa para saber o que havia lá, mas foi impedida pelo idoso.
-- Venha, menina!
A jovem acabou seguindo para dentro da enorme casa.
O lugar estava escuro. Não havia luzes. As janelas eram fechadas por enormes e pesadas cortinas. Seguiu até uma delas, abrindo-as, permitindo assim que se pudesse enxergar.
-- Acho melhor não mexer em nada. – José a advertiu temeroso.
O cheiro forte de mofo pareceu mais suportável depois que o ar começou a circular naquele espaço.
-- Por quê?
O motorista a ignorou e foi acabar de trazer as malas.
Ele sabia que a qualquer momento a doutora Angel apareceria. Tinha certeza que ela já sabia que eles estavam lá e isso não era algo que qualquer pessoa quisesse esperar para ver.
-- Bem, eu preciso ir. Ainda terei que levar a doutora Flávia ao aeroporto. – Disse se despedindo.
-- Mas como? – A jovem perguntou em tom de sú plica. – Não posso ficar aqui.—Parecia amedrontada.
-- Não pode mesmo!
Os olhares dos intrusos se dirigiram ao topo da escadaria e com a pouca luz que clareava foi possível visualizar uma figura toda vestida de preto.
Eduarda a reconheceu. A voz forte e fria. O porte aristocrático. Angelina Berlusconi!
Mesmo não tendo contanto suficiente com ela, a personalidade forte e intragável era quase palpável. Observou-a descer, até chegar ao térreo.
Observou-a disfarçadamente, notando a cicatriz que recaia sobre o lábio superior, as roupas que ela usava a fazia lembrar daqueles filmes de vampiros.
-- Leve-a imediatamente daqui. – Falou, encarando o motorista. Continuou ignorando a visitante. – Diga a Flávia que dê um jeito, mas não permitirei que essa garota fique aqui.
-- Eu sinto muito... – O homem parecia temeroso. – A minha patroa irá viajar hoje para Nova York e... e não tem o que fazer.
Naquele momento a desagradável anfitriã encarou a afilhada do seu pai. Estreitou os olhos, medindo-a desdenhosamente.
Fazia muito tempo que não a via. Na verdade se encontrou com ela no dia que a mãe da pirralha tinha morrido. Encarou-a e viu o brilho de temor no mar verde, mas também percebeu desafio em sua expressão.
Não era mais a garotinha de cara assustada, tinha se tornado uma mulher.
Eduarda engoliu em seco, mesmo assim não baixou a cabeça, sustentando os olhos de “Medusa” que lhe era dirigido.
Ela sabia que devia se pronunciar, mas as palavras pareciam presas em sua garganta. A mulher parada a sua frente demonstrava ainda maior frieza do que no último encontro de ambas.
De repente sua mente retornou para aquele fatı́dico domingo chuvoso.
Passara a noite toda rezando, implorando por um milagre que pudesse salvar a vida da sua amada mãe. Tinha voltado do internato assim que ficará sabendo da doença que acometera sua protetora e amiga.
Ao chegar ao hospital naquela manhã de mãos dadas com seu padrinho, algo dentro de si mostrava-se inquieto, angustiado. Então um dos chefes da equipe médica chamou o senhor Berlusconi, desejando lhe falar em particular.
Duda não precisou ouvir as palavras, ela conseguiu ler na expressão pesarosa do médico que tudo tinha acabado.
“Fizemos tudo o que podı́amos, mas a perdemos nessa árdua batalha contra a morte.”
Antônio seguiu por um dos corredores, deixando-a ali. Olhando para o vazio, sentindo o coração despedaçar aos poucos, até sentir uma mão macia lhe segurar bruscamente pelo braço, então seus olhos encontraram o daquela linda doutora.
Nunca a tinha visto pessoalmente, só via sua imagem estampando as capas das revistas. Sua beleza e sucesso sendo admirada e invejada por todos.
Doutora Angel, era assim que se dirigiam a ela, como um ser exultante de candura. “-- Vamos ver que tipo de sangue podre corre por suas veias...”
-- Perdoe-me, doutora... – A voz amedrontada de José interrompeu seus pensamentos. – Mas essas foram as ordens que recebi. – Retirou um envelope do bolso do terno, entregando à Angelina. – Isto é para a senhora.
A Berlusconi hesitou, observando a carta que pendia em sua direção. Aceitou-a e imediatamente o motorista se afastou, deixando a mansão.
Angelina passou as mãos pelos cabelos, continuando de costas para a indesejável hospede. Segurou forte no corrimão, sentindo a pressão em seus dedos se tornarem insuportável.
Conseguia sentir a respiração fraca, porém acelerada da jovem. Inalava o cheiro de mofo mesclado a rosas invadindo seu espaço.
Eduarda podia ver a tensão nos ombros cobertos pelo enorme sobretudo.
Fitou a enorme porta e sentiu um desejo incontrolável de sair correndo para o mais longe possível dali, porém antes que cometesse tal ato, a morena voltou-se para si. O olha gélido mirava-a minuciosamente, exibindo uma postura implacável, insensível.
-- Não pense que a desejo em minha casa. – A médica pronunciava cada frase por entre os dentes. – Mas graças a sua maldita idiotice terei que aceitá-la aqui. – Aproximou-se mais, ameaçadoramente, parecia querer intimidá-la. – Mantenha-se longe do meu caminho ou se arrependerá de não ter ido pagar os seus delitos na prisão, delinquente juvenil.
Duda quase foi ao chão quando a raivosa anfitriã passou quase a atropelando.
Sem saber como agir, sentou-se em uma das malas, observando com atenção o espaço que a cercava. Suspirou desanimada.
Ótimo!
Estava presa em um castelo antigo e sendo ameaçada pelo anjo das mãos de curas. Aquilo só podia ser algum tipo de castigo ou uma brincadeira de muito mau gosto.
Não havia móveis ali, apenas um enorme carpete empoeirado e gasto pelo tempo. Viu alguns candelabros na parede de pedra, porém não havia sinal de eletricidade. Nem mesmo havia alguém que pudesse lhe orientar que quarto deveria ocupar.
Retirou o celular da bolsa, percebendo que pelo menos o sinal da rede existia, mesmo não sendo cem por cento.
Viu algumas mensagens de Flávia em seu aplicativo de conversas, mas infelizmente nada naquelas palavras que pudesse lhe auxiliar naquele momento.
Tentou ligar, mas o telefone da loira deu desligado.
Poderia pedir para o namorado vir buscá-la. Ainda iniciou a chamada, porém se lembrou das palavras que ouvira no consultório.
Mordiscou o lábio inferior, coisa que fazia sempre que estava preocupada.
Angelina seguiu por um dos enormes corredores e mesmo com a opacidade predominante, a segurança dos seus passos poderia ser comparada a precisão de um morcego.
Abriu uma pesada porta, entrando em seguida.
No enorme cômodo só havia uma cama de casal, uma mesinha de cabeceira e um armário pequeno e rústico onde guardava as poucas roupas que tinha ali.
Desde que decidira viver naquele lugar, abrira mão de todo o luxo que sempre fora cercada. Não havia empregados, tecnologia, apenas o básico para sobreviver. Havia uma senhora que uma vez na semana vinha para pegar as roupas para lavar, porém nunca manteve contato com ela. Sempre deixava a encomenda na porta da frente e o pagamento era feito por Flávia, quanto à alimentação, também era fornecida por um restaurante de beira de estrada.
Sentou no leito e permaneceu lá.
Há tempos mantinha presos seus demônios, porém ao ver a afilhada do seu pai, algo dentro de si pareceu se revoltar e isso era assustador depois de viver em total inércia durante quase cinco anos.
Flávia seguia no veı́culo para o aeroporto, não conseguira falar com Eduarda e a narração que José tinha feito sobre o encontro das duas mulheres não lhe deixara nada animada.
-- Droga! – A loira guardou o aparelho na bolsa. – Não consigo completar a chamada.
-- O sinal lá é péssimo, precisa encontrar uma posição adequada para conseguir uma comunicação. A jovem encarou o perfil do empregado.
-- Eu nunca tomei uma decisão em minha vida para me arrepender tão rapidamente. – Voltou a fitar a rua movimentada. – Caramba, eu esqueci de mandar ela se hospedar na ala norte. – Bateu na cabeça.
-- A senhora tenta ligar para ela novamente e avisa.
Temia que aquela convivência se tornasse ainda mais nociva a personalidade de sua amiga de infância.
Se pudesse cancelaria a viagem, porém o seu trabalho exigia muitos sacrifı́cios e não poderia se negar a fazê-los.
-- Preciso que você fique por perto. Vá a mansão. Não posso abandonar a Eduarda nas mãos da Angel. Nós sabemos que a Angelina passou por muita coisa e talvez isso só colabore para que tudo fique pior. – Respirou fundo. – Eu não sei de onde tirei a ideia de que aquele lugar seria o melhor para tentar livrar a Duda das más influências.
-- Bem, essa menina também não é tão santa. As coisas que ela vinha aprontando nos últimos dias. – Recriminou-a. – Ali, pelo menos, não haverá aquelas amizades que a senhora conhece bem.
-- Eu sei... Mas e a Angelina? – Observou no celular a foto da amiga. – Nesses últimos anos ela mudou tanto que temo suas explosões.
O motorista parou no sinal vermelho.
-- Eu juro que não entendo como alguém doce e sensível tenha se tornado tão fria, tão difı́cil de lidar. – Deu uma pausa, pensativo. – Recordo de quando vocês eram crianças e eu as levava para todos os lugares.
-- Sim... – Sorriu, tristemente. – A Patrı́cia destruiu o anjo que habitava naquele corpo...
-- A dona Patrı́cia destruiu tudo, desgraçou a vida de alguém que só se dedicava a salvar... Os carros começaram a buzinar, impacientes com a demora do condutor.
-- Mesmo assim, José, a Eduarda não se enquadra no perfil das pessoas que eram amadas e protegidas pelo nosso anjo.
Ambos terminaram de fazer o trajeto em silêncio, pois não havia palavras para serem colocadas naquela longa história.
A noite já chegava à serra coberta por neblina e sacudida por ventos frios. A enorme mansão ficava em meio ao nada, repousando imponentemente sobre o topo de uma colina.
Aquela construção gótica datava do século XIX e fora usada como forma de pagamento para uma dívida que um jovem aristocrática contraiu com um rico senhor de engenho. O casarão fora parar nas mãos do bisavô de poderoso Berlusconi, porém ninguém se interessou pelo lugar. A abastada descendência de médicos era por demais cosmopolitas para desejar o isolamento de residir ali.
A mansão, em outrora, era cercada de lindos jardins. Havia uma fonte adornando o pátio e mesmo gasta pelo tempo, ainda estava lá a estátua representando a personagem mı́tica Galatéia. Havia algumas árvores frutı́feras, porém as plantas invasoras tomara a beleza do local.
Quando Angelina decidira morar ali, o fez para fugir de todos, de suas piedades e de suas palavras de conforto. Durante todos aqueles anos isoladas, apenas a presença de Flávia era raramente presente. Não que a loira não desejasse estar com ela, mas era o desprezo da Berlusconi que afastava a todos incansavelmente.
Ninguém imaginava que a vida da talentosa doutora teria uma mudança tão drástica.
A única herdeira de um conceituado neurocirurgião e uma cardiologista nascera predestinada ao sucesso. Estudara nas melhores escolas e podia ser considerada prodı́gio. Terminara cedo o ensino médio e antes de completar quinze anos, entrara para o concorrido curso de medicina. Ela era brilhante, mas muito humilde, mesmo sendo tão favorecida em sua vida. Sua forma doce e reservada encantava muitos e os entusiasmavam a se aproximar, não só pela personalidade e beleza, mas também por ser a única herdeira de bilhões.
A jovem de cabelos negros era muito popular, Angel, como todos a chamavam, fazia sucesso não só com o sexo masculino, mas algumas mulheres cobiçavam a futura médica, mesmo assim, a garota não cultivava relacionamentos, seu foco era diferente, ainda mais quando se tem um pai como Antônio Berlusconi.
Seu mundo era resumido aos estudos, até encontrar uma linda loira, estudante de psicologia.
Angelina se apaixonou perdidamente por Patrı́cia, mas havia muitos obstáculos em seu caminho. O neurocirurgião era rı́gido e sempre cobrava demasiadamente da ú nica herdeira, para ele nada estava bom o suficiente e tudo piorou quando Angel se apaixonou por Patrı́cia, então pela primeira vez em sua vida a jovem brilhante fora contra a vontade do patriarca e isso fora o suficiente para criar um verdadeiro caos na famı́lia.
O quarto escuro fora iluminado por algumas velas.
Uma cama de madeira rústica, estreita, repousava ao centro do enorme cômodo. Não havia móveis adornando o ambiente, apenas o vazio e o aglomerado de malas que fora colocada ali.
Eduarda limpou o suor que escorria pela testa.
Sem encontrar nenhum tipo de auxı́lio para se acomodar no imenso casarão, a jovem se cansou de ficar sentada,decidindo explorar a enorme construção, e mesmo apesar do abandono, ficara encantada com a arquitetura, tanto que teve a impressão de ter mergulhado em um livro de história medieval e mesmo que não houvesse nenhum tipo de luxo ou as comodidades do século XXI, havia um encantamento natural.
Após vagar durante tento tempo, escolheu um quarto, escolhendo-o para habitar. Encontrara alguns itens de limpeza e um armário que continha roupas de cama limpas. Decerto havia alguém responsável por aquela parte, mesmo com a poeira imperando em toda parte.
Terminou a limpeza, seguiu até a janela e percebeu a escuridão que reinava lá fora. Exausta, caminhou até o leito, sentando.
Precisava de um banho, seu cheiro não estava nada agradável.
Abriu uma das bolsas que repousava junto a si, comendo uma barra de cereal.
Precisava de comida, uma pizza enorme de frango com catupiry seria uma maravilha, mas naquele lugar não havia nada.
Mais uma vez inalou o cheiro ruim de suor que seu corpo exalava.
Levantou-se, abriu uma das malas, pegou uma muda de roupas, toalha, sabonete.
Caminhou até o decadente jardim, na parte frontal da casa havia um chuveiro. Não sabia onde havia banheiros naquele lugar, era muito grande e preferiu não se arriscar a subir até nenhum dos andares, pois não desejava encontrar a doutorinha.
Com a lanterna do celular clareando o caminho, seguiu até a enorme porta frontal. Sentiu um arrepio na espinha. Não havia sinal de alma viva, apenas a escuridão.
De repente teve uma crise de riso, precisou se encostar a parede fria para não cair.
O pensamento que povoava sua cabeça era a comparação da doutora Angelina com o doutor Frankenstein. Seria ela o próprio monstro?
“Meu Deus, o que aquela mulher poderosa fazia naquele lugar?” Levou a mão ao peito para tentar conter os espasmos.
“ Tão pouco tempo nesse lugar e já estou ficando louca.”
Difı́cil acreditar que alguém tão elegante, arrogante e mimada vivia ali, ou seria aquilo apenas uma forma para castigá-la?
Só tivera o desprazer de encontrá-la uma ú nica vez, nem mesmo quando Antônio morreu a herdeira dos Berlusconis aparecera. Os comentários sobre o destino da jovem eram muitos, mas nada concreto sobre ela. Sabia que nos ú ltimos tempos a relação entre pai e filha não estava tão boa. Seu padrinho demonstrava muito rancor e costumava dizer que Angelina fora irresponsável e ingrata, abandonando tudo e todos por seus caprichos mesquinhos.
Decidiu seguir para o banho, pois o frio já aumentava e assim poderia acabar perdendo o desejo de tomar banho.
Angelina se mantinha em seu escritório. Sentia-se perturbada, inquieta. Sua mente estava cheia de lembranças doloridas. As mãos latejavam. Sentia que sua debilidade só aumentava nos últimos anos, o que significava era que em breve perderia toda a sensibilidade.
Levantou-se!
Seguiu até a janela.
Afastou a cortina pesada, sentiu o vento frio que vinha de fora, observou o céu escuro, anunciando tempestades. Inspirou o ar frio, apoiando-se nas pedras gélidas.
Nada em sua miserável vida fazia sentido. Não havia sentimentos, desejos, aspirações dentro de si, apenas a sensação de vazio.
Seu tormento era tão grande que seu desejo era que tudo chegasse ao fim o mais rápido possível. Recordava-se de como tudo fora perfeito, como se sentira abençoada.
Ângela, sua mãe, fora o melhor ser humano que existira. Agia sempre com sabedoria e mesmo tendo uma brilhante profissão como cardiologista, ela abrira mão de tudo quando a única filha veio ao mundo. A mãe desejava acompanhar todos os passos e todas as mudanças que ocorriam na vida do seu maior tesouro, seu anjo.
Suas divagações foram interrompidas ao visualizar uma luz em meio à escuridão entre os arbustos. Estreitou os olhos, franzindo a tez, então conseguiu ver de quem se tratava.
Onde ela estava indo?
Passara o dia todo no escritório e nem se recordou da intrusa que estava em sua casa.
Seguiu pelo corredor, até a outra janela para ver o que a afilhada do seu pai estava a aprontar. Mesmo estando escuro, a lanterna do aparelho celular iluminava o suficiente.
Viu-a caminhar até um chuveiro antigo.
Angelina revirou os olhos em sinal de tédio e já se afastava, quando a percebeu se despir totalmente. A luz artificial produzia sombras na pele branca.
Continuou onde estava, presa em algo que ela nem mesmo sabia o que era.
Duda se sentia revigorada, mesmo a água estando tão fria. Deu alguns gritinhos, ao sentir a pele se arrepiar instantaneamente.
Pegou o sabonete, lavando cada parte de si.
De repente teve a impressão de estar sendo observada. Seu olhar voltou-se para os lados, em seguida para uma das janelas. A escuridão era um empecilho a sua investigação, porém tinha certeza que alguém a fitava em alguma parte.
Apressou o que estava fazendo, cobrindo-se imediatamente com a toalha. Seria a poderosa doutora Angel? – Ponderou.
Ficou alguns momentos mirando uma das janelas, tendo seus pensamentos invadidos por curiosidades sobre aquela mulher.
O restaurante do grande centro de Nova York estava cheio.
Flávia, apesar de ter chegado cansada, precisou encontrar com o dono de uma empresa de material cirúrgico.
A doutora Tavares assumira a administração da rede de hospitais da famı́lia Berlusconi, ela contava com uma procuração que fora lhe passada por Angelina para assumir todas as decisões sobre a herança que ela se negava a aceitar.
Fitou o celular e viu a mensagem em pedido de desculpas. O empresário tivera um problema sério e não poderia comparecer ao encontro.
A médica respirou fundo para manter a calma costumeira.
Fez sinal ao garçom para pedir a conta, quando alguém se aproximou da sua mesa.
-- Flávia!
Ao levantar a cabeça deparou-se com a ú ltima pessoa que imaginara encontrar depois de todos aqueles anos.
Eduarda seguia distraı́da para dentro da mansão. Estava muito fria. Havia uma lareira em uma das alas térreas e naquele momento seria maravilhoso se aquecer diante das labaredas com uma xı́cara de chocolate quente.
O celular estava descarregando, mas seu carregador portátil tinha carga para três, assim poderia se virar até poder ter uma ideia de quantos dias aquela mulher ainda aguentaria permanecer naquele lugar.
Onde será que ficava o banheiro?
O que faltava era ter que fazer suas necessidades no mato. Sorriu do próprio pensamento.
Ao virar o corredor, bateu de frente com algo forte, rı́gido... mas macio... As coisas que levava em suas mãos foram ao chão.
A lanterna do aparelho móvel caı́ra entre as duas, iluminando-as.
Duda a fitou, os olhos grandes tinham a mesma expressão de antes. Superioridade!
-- O que pensa que está fazendo, sua idiota?
A voz baixa e rouca denotava a raiva incontida.
-- Estava indo ao meu quarto. – Respondeu simplesmente, tentando passar, mas sendo detida pelo braço. Angelina mirou a tranquilidade que a face bonita expressava. Era como se nada daquilo a estivesse atingindo. Quando se trancara durante todo o dia chegara a pensar que a garota estúpida tivesse ido embora, afinal, quem ficaria em um lugar como aquele, porém ao vê-la ainda pouco lá fora foi suficiente para instigar sua fúria.
-- Ora, sua louca, deseja pegar uma pneumonia tomando banho no jardim e depois iria me culpar ou quem sabe até me denunciar por maus tratos. – Ironizava. – O que ganharia com isso? E se passasse alguém e te visse totalmente pelada.
-- Bem, doutora, sua preocupação é tocante. – Tocou a mão que lhe segurava firme, afastando-a. – Mas eu estava apenas tomando banho e quanto a uma pneumonia... A senhora é uma médica internacionalmente conhecida, então, tenho certeza que não morreria. E quanto a me ver... Só se fosse os animais noturnos ou as medusas...
Angelina estreitou os olhos.
Aquela era a primeira vez que ouvia o som da voz da intrusa, nem mesmo quando a levou arrastada para tirar sangue e fazer o teste de paternidade ela ousou abrir a boca para pronunciar uma única sı́laba.
O timbre era forte, mesmo tendo um teor de doçura.
-- Como ousa falar comigo assim? – Falou por entre os dentes. – Quem te deu permissão para se dirigir a mim desse jeito? – Segurou-a pelos ombros, firmemente.
-- Eu apenas respondi a sua pergunta. – Retrucou calmamente.
A médica observou-a com mais atenção. Os lábios rosados estavam entreabertos. A pele dela era branca, não havia muito resquı́cio da adolescente que um dia encontrara chorando pela morte da mãe.
Soltou-a, afastando-se.
-- Saia do meu caminho. – Deu as costas, passando a mão pelos cabelos. Duda a fitava.
Ouvia a respiração acelerada. Percebia os ombros tensos sobre a enorme capa preta. Ela tinha uma presença marcante, forte.
Depois de um tempo verdadeiramente infinito, a Berlusconi a encarou mais uma vez.
Pela primeira vez Duda pode vê-la melhor, pois uma das velas que estava acesa clareava-a. Mais uma vez ficou impressionada com o corte no lábio superior.
Ficou curiosa, mas diante daquele olhar não teve coragem de perguntar o que ocorrera com ela.
-- Na ala norte tem banheiro e tem água, então evite se expor do lado de fora novamente. Angelina começou a se afastar, mas foi detida por uma pergunta.
-- E comida?
Angel virou-se, mirando-a impacientemente.
-- Vá para ala norte, lá você encontrará tudo o que precisa. – Já estava seguindo quando foi detida mais uma vez.
-- Onde é a ala norte? – Indagou segurando o riso. – Nunca gostei muito de Geografia e isso aqui é tão grande que até que eu descubra, vou morrer de inanição.
A médica não respondeu, apenas apontou a direção que ela deveria seguir, afastando-se o máximo que podia da jovem que começava a lhe causar muito mais do que o aborrecimento por sua presença.
Olá,
ResponderExcluirFaz tempo que não apareço por aqui.
Resolvi acompanhar essa história que eu não tinha lido.
Estou amando, Geh.
Você é uma escritora incrível.
Beijinhos^^
Vanvan
Estou amando ler suas histórias!
ResponderExcluirLi a fera ferida semana passada e tbm me encantei.
♥️