A condessa bastarda -- Capítulo 9
A condessa fora retirada do veı́culo desacordada. Uma equipe já a esperava na casa do advogado. Doutor Ricardo fora informado para manter sigilo do ocorrido e por isso só levara consigo pessoas de sua total confiança.
Ela fora rapidamente levada ao quarto e o médico pediu que todos saı́ssem para atendê-la. De inı́cio, o profissional se negara a atender a domicı́lio, ainda mais sendo ferimento à bala, porém ao saber de quem se tratava, deixou de argumentar.
Valentina levou a herdeira dos Duomont até seu quarto e lhe entregou uma blusa, pois a mesma estava apenas de sutiã. Observava a neta de Frederico e ficava cada vez mais confusa com o que tinha acabado de acontecer.
-- O que houve? – Indagou.
-- Eu não sei, a encontrei ferida no estábulo. – A jovem explicou nervosa.
-- E o que você estava fazendo lá?
-- Fui pedir para que ela se afastasse da minha famı́lia, já que a senhora não conseguiu fazer o seu trabalho. – Respondeu irritada. – Diga-me, está pensando que eu atirei na condessa?
-- Eu não disse isso, me diga você se tenho motivos para pensar assim...
Clara deu de ombros.
-- Convenhamos que isso não seja hora para que você estivesse nas terras de Vitória. – Fitou-a. – Sem falar que há duas ordens de restrições que obrigam ambas a permanecerem distantes uma da outra.
-- Sim! – Falou com as mãos nos quadris. – Mas isso não parece ter impedido que a condessa invadisse a minha festa de noivado e a senhora não tivesse feito nada para impedir.
Valentina não pareceu gostar de estar sendo questionada quanto à competência em seu trabalho.
-- Você viu alguém na fazenda? Ouviu o barulho do tiro? – Indagou tentando manter a calma.
-- Não, e isso é o mais confuso, pois a ú nica coisa que ouvi foi o relinchar assustado do Bastardo, isso me fez ir até o estábulo e quando cheguei, encontrei a Mattarazi apoiada na baia.
-- OK, por enquanto você está liberada. – Disse por fim.
Maria Clara caminhou até a porta do quarto, mas hesitou, virando-se para ela.
-- Estou indo para a minha casa e espero de todo meu coração que a Vitória se recupere e que a senhora, dessa vez, possa esclarecer o que realmente aconteceu.
A bala fora retirada, mas o médico temia uma infecção. Ela perdera muito sangue, mas graças os procedimentos tomados por Maria Clara, a hemorragia fora contida.
Miguel a observava dormir.
Ficara demasiadamente assustado quando ficara sabendo o que tinha acontecido. Temeu perdê-la... Sua sobrinha!
Sim, ele era o irmão da bela jovem que se envolvera com o poderoso conde. Já pensara em contar para a ela, mas temia sua reação ao descobrir aquele segredo guardado por tanto tempo.
Tocou-lhe a face, estava muito pálida, mas sabia que ela era forte e logo estaria bem.
Sabia por tudo que ela já passara, Vitor sempre lhe falava, o rapaz sabia do laço sanguı́neo que ligava o melhor amigo à irmã. Quantas vezes fora aconselhado pelo rapaz a contar tudo, mas o advogado nunca se sentira seguro, ainda mais quando percebia a total indiferença que a garota demonstrava pelos laços maternos.
-- Como ela está?
-- O médico disse que ela se recuperara. – Voltou-se para a esposa. – Vai sair? – Indagou ao notar os trajes que a mulher vestia.
-- Irei até a fazenda, preciso investigar o que se passou lá.-- A delegada observou o semblante preocupado do marido, abraçou-o.
-- Não fique assim, uma bala não é suficiente para deter a arrogante condessa.
Miguel a fitou.
-- Quem fez isso com ela?
-- Terei que investigar, por enquanto a única suspeita é a Maria Clara Duomont. Esperaremos a Vitória acordar para que ela possa esclarecer o que realmente se passou. – Tocou-lhe os lábios de leve. – Prometo descobrir quem atentou contra a vida da jovem Mattarazi.
-- Não acredito que a neta de Frederico tenha feito isso.
-- Bem, caberá à investigação dizer isso.
Maria Clara chegou a sua casa e subiu silenciosamente para o quarto. Seguiu para o banheiro para tirar a roupa e tomar um banho. Estava toda suja de sangue.
Ficou sob a ducha por alguns minutos, sentindo os músculos relaxarem. Lembrou-se da condessa e sentiu um desejo enorme de retornar para o lado dela. De protegê-la, tê-la em seus braços e não permitir que nada e nem ninguém a ferisse.
O que estava acontecendo consigo?
Desligou a água, enrolou-se em uma toalha, seguiu para o quarto, deitou-se na enorme cama. Vitória Mattarazi...
Quem poderia ter atirado nela?
Pegou o celular e discou o número da delegada. Sabia que já estava quase amanhecendo, mas precisava saber como a condessa estava.
Já estava desistindo, quando ouviu a voz de Valentina do outro lado da linha.
-- Desculpe-me ligar, mas eu queria saber como está a condessa. – Disse relutante.
Por alguns segundos pensou que não receberia resposta, pois só conseguia ouvir a respiração da mulher.
-- A bala já foi removida... O médico ainda estar tentando controla a infecção.
-- Certo... Obrigada!
Nem mesmo esperou resposta e encerrou a chamada.
Precisava dormir, pois teria muito que explicar a famı́lia em poucas horas, porém o sono parecia estar muito longe naquele momento. Quando fechava os olhos, eram os olhos de Vitória que aparecia para si, a expressão de dor que viu neles, o brilho sarcástico sendo apagado pela agonia que estava a sentir...
No dia seguinte, Maria Clara pediu ajuda ao pai para limpar o carro. Explicou-lhe o que tinha ocorrido. Felipe ficou possesso, mas ajudou-a e prometeu não falar para ninguém sobre o acontecido.
Felizmente, apesar de viverem em uma cidade pequena, onde as pessoas estão sempre a comentar sobre a vida dos outros, o fato ocorrido com a condessa não fora alarmado. Até mesmo a equipe que a atendera manterá sigilo, temendo uma retaliação por parte de Vitória.
Frederico acordou bem melhor, não parecia nem mesmo ter passado por tudo aquilo na noite anterior.
A neta ficou ao lado dele durante boa parte do dia. O velho polı́tico escolheu um livro e pediu que a bela jovem lesse para ele e assim passaram bons momentos juntos. Não falaram sobre nada desagradável e apenas curtiram a companhia.
Quase uma semana depois...
Vitória estivera tão fraca que cogitaram a possibilidade de levá-la para outra cidade, o médico, porém, disse que não era uma boa ideia transferi-la, esperariam por mais alguns dias, talvez a jovem conseguisse combater a infecção.
Miguel estava na sala. Tinha levado o filho à escola e agora esperava o médico que estava a examinar a condessa. Ouviu a campanhia tocar.
Atendeu e se surpreendeu ao ver a neta de Frederico parada na soleira.
-- Bom dia! – Ela cumprimentou timidamente.
O advogado a fitou desconfiado.
-- O que deseja?
Maria Clara permanecia parada, pois o homem não lhe dera passagem.
Sabia que não era uma boa ideia ter ido ali, porém não sabia notı́cias da ruiva e da última vez que ligara para a delegada, ela apenas lhe ordenara para manter distância e nada disse sobre Vitória.
-- Gostaria de saber como está a condessa.
O advogado a fitou por alguns segundos.
-- Entre! – Disse por fim, afastando-se para a garota passar. -- Sente-se! – Apontou-lhe uma poltrona.
A jovem fez o que ele disse.
-- O médico está a examinando. Ela teve muita febre durante esses três dias.
-- O organismo deve estar muito fraco. Por que não a levam para um hospital? – Indagou preocupada.
-- O doutor Ricardo não achou que seria uma boa ideia, pois teme que ela possa piorar.
Clara se sentiu desconfortável, seria melhor ir embora, não deveria ter ido à casa da delegada e ainda mais para saber sobre a maior inimiga da sua famı́lia.
-- Eu preciso ir...
-- A condessa acordou!
Os olhares se voltaram para a escada. O médico descia e exibia um sorriso enorme.
-- A febre cedeu e ela acordou. – Repetiu entusiasmado.
A jovem Duomont sentiu uma felicidade enorme se apossar de seu peito. Tinha vontade de pular de tanta alegria, porém permaneceu quieta.
-- Eu preciso ir atender outro paciente. – Entregou-lhe uma receita ao advogado. – Compre esses remédios, eles a ajudarão a se recuperar ainda mais rápido. Tentarei pedir a enfermeira para vir fazer a limpeza do curativo.
-- Certo, irei agora mesmo comprar.
Ricardo se despediu, prometendo voltar o mais rápido possıv́ el.
-- Maria Clara, você pode ficar aqui, enquanto vou à farmácia? – Miguel indagou.
A garota sabia que não era uma boa ideia, mas acabou assentindo.
Vitória tentou sentar, mas sentiu uma dor forte e acabou desistindo do intuito.
Nem sabia que horas e que dia era aquele. Sua mente estava turva e não recordava claramente do que ocorrera. Viu a porta abrir e bela Duomont entrar.
Fitou-a intensamente. Não entendia o motivo de se sentir tão atraı́da por aquela mulher.
-- O que faz aqui?
-- Queria saber como você está.
Clara chegou mais perto e percebeu que o curativo estava sujo de sangue.
-- Não deve fazer esforço. – Tocou-lhe a atadura.
A condessa se encolheu ao sentir o contato.
-- Eu só quero ajudar, pois já basta a infecção que teve de enfrentar. – Seguiu para o banheiro e lavou as mãos, retornando ao quarto. – Trocarei a bandagem. – Fitou-a. – Eu sei fazer isso, não se lembra de como cuidei bem do seu cavalo. – Provocou com um sorriso.
Vitória apenas deu de ombros, permitindo que ela fizesse o que tinha se proposto. Sentiu a pele queimar ao toque delicado...
A neta de Frederico observou a ferida que tinha sido muito bem cuidada pelo médico. Limpou-a cautelosamente e depois a cobriu novamente e só nesse momento percebeu a camisola que a bela mulher usava. O colo atraente mostrava algumas sardas...
Fitou os olhos verdes e depois os lábios entreabertos e teve ganas de beijá-los... Afastou-se, sentindo o rosto queimar.
-- Bem, agora está tudo bem!
-- Onde está o Miguel?
-- Ele saiu para comprar alguns remédios que o médico solicitou.
-- E o que você veio fazer aqui?
-- Apenas queria saber como você estava. – Repetiu.
A condessa exibiu um sorriso sarcástico.
-- Será que não veio comprovar que eu estava morta, afinal, assim você sairia livre do seu crime.
-- Que? – Indagou perplexa. – Achas que eu atirei em ti? Ah, então, diga-me por que eu te socorri? Por que não te deixei lá para sangrar até morrer?
-- Deve ter se arrependido... Não sei...
-- Sabe que você aparenta ser mais inteligente quando não abre a boca para falar idiotices...
Vitória irritou-se com a colocação que ela fez e tentou se levantar, mas gemeu, trincando os dentes ao sentir o latejar no ombro.
-- Como disse, é melhor ficar quieta.
-- Saia daqui! – Disse irritada.
-- Só irei quando o Miguel retornar, afinal, ele me pediu para ficar aqui e cuidar de ti.
-- E o seu noivinho sabe que estás a cuidar da condessa bastarda? – Provocou-a.
Maria Clara sentou em uma poltrona e ignorou a provocação.
-- Ah, já que estamos a matar o tempo, fale como foi sua festinha de noivado... Deliciou-se muito com a carne das minhas vacas?
-- Sim, estava deliciosa! – Decidiu entrar no jogo. – Com certeza seus animais comem do bom e do melhor, pois a carne era muito macia e suculenta... – Sorriu.
A condessa cerrou os olhos, parecia não ter gostado da resposta.
-- Maldita Duomont!
A neta de Frederico foi até ela e ficou a encarando por alguns segundos.
Vitória Mattarazi não era só uma mulher bonita, mas havia algo mais que encantava... Seduzia. Aquela expressão arrogante, o arquear de sobrancelha, o nariz empinado... Os lábios cheios e macios que pareciam ter aprendido apenas a sorrir ironicamente...
-- Eu não consigo acreditar que você seja uma assassina...
A ruiva ouviu aquela frase e sentiu algo dentro de si... Um desejo de negar e falar que jamais fizera algo assim, que nunca atentara contra a vida da famı́lia... Não entendia o motivo, mas ouvi-la dizer aquilo não tinha o mesmo significado de que quando o Miguel, a Julieta ou o Batista diziam... Era muito maior... Mais forte...
Desviou o olhar porque teve a nı́tida impressão que a neta do seu maior inimigo desejava mergulhar dentro de si...
Sentiu-se despida... Invadida...
-- Você não me conhece, princesinha de conto de fadas... – Falou enraivecida. – E mais uma vez repito, não volte a cruzar o meu caminho...
Valentina entrou no quarto e observou as duas se enfrentando.
Maria Clara ao notá-la saiu sem ao menos se despedir ou cumprimentá-la.
-- O que ela estava fazendo aqui? – Indagou surpresa.
-- O seu marido a deixou como minha babá. – Debochou.
A delegada se aproximou.
-- Fico feliz que esteja bem, vejo que até o humor ácido já está aflorado. – Puxou uma cadeira e sentou próximo a ela. – Quem atirou em ti?
-- Eu pensei que a delegada aqui fosse à senhora. – Piscou o olho.
-- Foi a Maria Clara Duomont que atirou em ti, Vitória? – Indagou ignorando o deboche.
-- Não sei, não posso afirmar. O que sei é que não vi ninguém naquele dia a não ser a neta de Frederico.
-- Irá fazer uma denúncia?
-- Não! – Mordeu o lábio inferior. – Tenho outros meios de destruir a garotinha do vovô.
-- Deixe-a em paz, chega de se envolver com essa famı́lia. – Valentina se levantou. – Continuarei a investigar o seu atentado, mas te peço que se mantenha longe dos Duomont.
-- Diga o mesmo para eles, afinal, são eles que sempre cruzam o meu caminho.
Os dias se passaram e a condessa retornou para a fazenda. Os empregados foram readmitidos e o episódio que ocorreu fora mantido em sigilo. A condessa sabia que quem o fizera poderia tê-la matado, mas tinha a impressão que aquilo fazia parte de um plano maior.
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