A condessa bastarda -- Capítulo 25


           -- Chame a médica! – Vitória ordenou a Felipe. 
            Quando o Duomont saiu, ela voltou a fitar Maria Clara.
            -- Você me conhece? – Indagou à jovem.
          -- Claro que sim, a senhora é a condessa. – Falou altiva. – Nos encontramos uma vez no enterro da minha tia.
           -- Não, não... – A ruiva passou a mão pelos cabelos.
          -- Não o quê? – Clara tentou levantar, mas sentiu uma dor e decidiu ficar no mesmo lugar. – Por que eu estou aqui e o que a senhora faz aqui?
              -- Não, você está brincando comigo. Está me castigando...
          Clara encarou-a e ficou confusa. Sabia que sua famı́lia odiava Vitória Mattarazi, então era estranho que ela estivesse ali. Só a viu uma vez em sua vida, no enterro, mas nunca conseguira esquecer a força daquele olhar, a arrogância, a postura orgulhosa e dominadora.
             A equipe médica entrou e fora pedido que a condessa se retirasse, pois deveriam fazer alguns exames na paciente. Miguel foi até a sobrinha, sorria, feliz.
             -- Eu disse que ela ficaria bem.
          O advogado percebeu que a ruiva não parecia tão entusiasmada, na verdade, parecia em choque.
             -- O que houve?
             -- Ela não se lembra de nada... – Falou baixinho. – De nada...
             -- Como assim?
             Vitória sentou, cobrindo o rosto com as mãos.
             -- Eu não sei, vamos esperar que os médicos digam o que está acontecendo.


             Batista chegou a mansão, encontrando a esposa terminando de preparar o jantar.
             -- Olá, Maria Julieta. – Abraçou-a. – Que cheiro gostoso.
            -- Se afaste, você está todo suado. – Virou-se, encarando. – Tem notı́cias de menina Clara? 
             O administrador sentou.
              -- O senhor Miguel me ligou e disse que estava tudo do mesmo jeito.
              A boa senhora serviu duas xı́caras de café, em seguida também se acomodou.
          -- Oh meu Deu, aquela criança não merece isso. – Tomou um pouco do lı́quido. – E a condessa? Como ela está?
            -- Está ao lado dela, parece que gosta muito da menina. 
             Maria levou um biscoito à boca, parecendo pensativa.
            -- Quem diria que o ponto fraco da condessa seria a neta do seu maior inimigo...
            -- Por que diz isso? – Batista indagou confuso. 
            A mulher se levantou.
            -- Homens! – Levantou-se e saiu resmungando.


         Clarice, Felipe e Vitória estavam na sala da neurologista, esperavam-na ansiosamente. Ela pedira a presença dos responsáveis pela jovem.
             A porta se abriu, trazendo a presença da mulher que trazia as respostas para a aflição de todos.
              -- Bem, tivemos muita sorte que a nossa paciente tenha recobrado a consciência. – Sentou. – Já pedi alguns exames para ver como estão as coisas, mas acho que em breve ela poderá voltar para casa.
           -- E quanto à amnésia? – Vitória se levantou. – Ela não se lembra de fatos que ocorreram depois de determinando tempo.
              Jane fitou a ruiva. Naqueles dias que a encontrara, percebera o quão era orgulhosa e arrogante a bela mulher.
              -- Bem, acredito que isso foi um meio de defesa que a Maria Clara encontrou para se livrar de alguns traumas...
              -- Mas é permanente? – Clarice se adiantou.
             -- Não tenho como dizer com precisão, pois pode ser algo permanente ou ela poderá acordar amanhã e se recordar de tudo novamente.
           -- O que pode ser feito para que essa parte escondida de suas lembranças possa voltar? – Insistia a condessa. – Não pode simplesmente deixá-la ficar assim.
               A neurologista se levantou, pareceu perder a paciência.
          -- Como disse, senhora condessa, vai depender dela, lógico que um acompanhamento será preciso, então não aconselho que ela saia da capital. Desejo observar de perto a evolução desse caso.
               Vitória assentiu, saindo.
               -- Mal educada! – Clarice falou com escárnio. – Acha que é a dona do mundo.


           Maria Clara despertou mais uma vez e ao abrir os olhos, lá estava Vitória Mattarazi. Assustou-se com a presença arrogante.
            Seu pai estivera ali, ficando ao seu lado até que voltasse a dormir.
           -- Por que está aqui?
          -- Precisava vê-la. – Aproximou-se, segurando-lhe a mão, mas a jovem retirou. – Não se lembra de nós? 
               A morena mirou os olhos verdes.
         Havia algo neles que lhe desconsertava, que também lhe amedrontava, eram fortes, indomáveis, mas havia mais alguma coisa a mais e isso a incomodava demasiadamente.
           -- Não!
           Clarice entrou interrompendo a troca de olhares.
          -- Filha, que bom que você já está bem. – Beijou a face da garota. – A médica disse que vai lhe dar alta o mais rápido possível. – Falava, ignorando a presença da condessa.
           -- E onde está o Marcos? – Perguntou entusiasmada. – Ele vem me ver?
         Vitória respirou fundo, seguindo até a janela do quarto. Sabia que precisava manter a clama, mas temia não conseguir por muito tempo.
         -- Amor, ele esteve aqui duas vezes. – Enfatizou. -- Mas a Mattarazi não permitiu que ele entrasse. – Disse em voz alta.
        -- E ele continuará mantendo uma boa distância. – A ruiva se virou, fitando-as. – Não se esqueça, senhora Duomont, que eu quem estou a arcar com todas as despesas e isso me dá o direito de fazer certas escolhas.
            -- Não tem o direito de proibir a presença do meu noivo aqui. – Clara a enfrentou.
           A condessa ainda abriu a boca para retrucar, mas acabou mudando de ideia, deixando o recinto.
              Clarice torceu o nariz.
              -- Ela é um monstro, um ser desprezável, por culpa dela você está  aqui, não confie nela.
              -- Por que ela está aqui? – Indagou curiosa.
             -- Porque ela chantageou seu avô, essa maldita o fez mandar você para trabalhar de escrava na fazenda dela e a sua queda desse cavalo foi tudo culpa dessa desgraçada.
              -- Mas como? Eu não consigo me lembrar de nada disso.
             -- Você vai lembrar, precisa apenas ter calma. – Disse, acariciando-lhe os cabelos. – Mas lhe direi tudo o que precisa saber agora.
             Clara ouvia tudo e parecia cada vez mais horrorizada com o que lhe era dito. Nunca imaginara em toda sua vida que seria o alvo das maldades de Vitória Mattarazi. Como alguém poderia agir de forma tão cruel com alguém que nada tinha lhe feito? Lembrava que em muitos momentos duvidara das coisas que o avô dizia sobre aquela mulher, mas diante dos fatos narrados por sua mãe, não havia mais questionamentos.




                 Valentina chegou à casa do prefeito.
                 -- O que deseja, senhora? – Marcos indagou.
                 -- Tenho uma ordem de prisão para o seu pai.
                O rapaz pareceu surpreso com as palavras, pois não sabia o que o Marcelo poderia ter feito algo contra as leis da cidade.



                Três dias depois, a equipe médica chegou à conclusão de que a paciente poderia continuar o processo de recuperação em casa.
              Vitória não tornou a ver a jovem, não se sentia bem ao notar o olhar temeroso que a garota lhe dirigia, havia asco... medo... Nem mesmo quando a tentou pisotear com o Bastardo ou até mesmo quando cortou o pneu de seu carro viu uma expressão de puro desdém como desde que ela despertou da queda.
             -- Maria Clara recebeu alta! – Miguel disse entusiasmado. 
              A ruiva encontrou o advogado na recepção do hospital.
              -- Pague a conta, em seguida leve-a para o meu apartamento.
              -- Não vai permitir que ela retorne com os pais? – Indagou perplexo.
        -- A médica disse que ela precisa de cuidados e acompanhamento, não acredito que os Duomonts possam arcar com isso. – Explicou impaciente.
              Miguel assentiu, sabia que não teria como argumentar.
              -- Entrou em contato com a Valentina?
              -- Não, estive muito ocupada.
           -- Mas como? – Indagou perplexo. – Você sumiu durante três dias, deixei recado no seu celular e liguei para o seu apartamento, nem mesmo retornou as minhas ligações.
           -- Já disse que estava ocupada. – Falou pausadamente. 
             O advogado a fitou por alguns segundos.
            -- A Valentina queria falar contigo porque ela descobriu quem roubou suas vacas...
         -- Isso não me importa. – Interrompeu-o. – Há coisas mais importantes para me preocupar agora.
             -- Nem mesmo deseja saber que a queda da Maria Clara não foi acidental e sim provocada? 
             A condessa segurou-lhe pelo braço.
             -- Do que você está falando?
          -- A sela foi cortada pela mesma pessoa que roubou suas vacas. Miguel viu o maxilar da condessa quase furar a pele.
               -- Quem fez isso? – Estreitou os olhos ameaçadoramente.
               -- O prefeito!
              As pessoas que estavam na recepção ouviram o praguejar de Vitória, porém a empresária não pareceu se importar com isso.
              -- A Valentina não conseguiu prendê-lo, ele não estava na cidade, mas já existe uma ordem de prisão.
             -- Eu o quero na cadeia, quero que ele pague pelo que fez, porque se eu o encontrar, eu mesma o matarei.
                Miguel a viu se afastar e fez uma prece para que a condessa não cruzasse com Marcelo, pois sabia que ela seria capaz de trucidá-lo com as próprias mãos.
                   Respirou fundo e seguiu até o quarto onde estava a Clara, havia outra batalha para lutar.


                  Clarice ajudou a filha a se pentear.
                  -- Vai ter que usar muletas de novo. – Felipe lhe entregou.
                  -- De novo? – A jovem arqueou a sobrancelha.
                  -- Sim, filha. – A matriarca se adiantou. – A condessa cortou a sela do seu cavalo no dia da sua apresentação, então você sofreu um acidente e ficou um bom tempo usando muletas.
                   -- Chega, Clarice. – Felipe a advertiu com o olhar.
                -- Chega nada. – A mulher se empertigou. – Essa mulher é um demônio e já tentou até te pisotear com aquele cavalo do inferno. Já contei tudo para ela.
                 Ouviram batidas na porta, em seguida a entrada de Miguel.
               -- Bom dia! – Cumprimentou-os com um sorriso. – Fico feliz que esteja bem, Maria Clara.                    A jovem o fitou, mas não havia nenhuma lembrança daquele homem em sua mente.
           -- Bem, eu sou o advogado de Vitória e sou eu que venho lidando com todos os assuntos relacionados a você. – Adiantou-se, lendo a confusão nos olhos negros.
             -- E o que o senhor deseja? – Clarice perguntou cheia de arrogância. 
              Miguel pigarreou, parecia engasgado.
              -- Vim buscar a Clara para levar até o apartamento da condessa.
             O advogado se sentiu culpado ao ver o olhar de pânico que a bela morena lhe dirigia.
             -- Mas a Clara vai voltar conosco! – Felipe se intrometeu. – Não acredito que a Mattaraizi vai querer levar a minha filha depois de tudo que aconteceu.
              -- Por favor, Felipe. – Apontou a porta. – Prefiro lhe falar em particular.
            O filho de Frederico pareceu não gostar da ideia, mas acabou assentindo, acompanhando o representante da ruiva.


               Vitória seguiu até o apartamento.
             -- Bom dia, senhorita! – A empregada a cumprimentou com um sorriso.
            -- Olá, Ana! – Seguiu até a poltrona, sentando-se. – O que é isso? – Apontou para os enfeites de Natal, e uma árvore que tinha sido montada.
            -- Bem, como a senhorita disse que viria passar uns dias aqui e teria companhia, imaginei que gostaria de um clima natalino. – Disse simpática.
              A condessa deu de ombros.
            Não se importava com aquelas coisas. Nem mesmo se importava com essas festas, em toda sua vida nunca tivera algo para comemorar e isso continuava do mesmo jeito.
           Pegou o celular, estava esperando uma ligação da delegada, mas até aquele momento não recebera notı́cias.
             -- Maldito Marcelo!
              Surpreendera-se com a notı́cia de que ele estava por trás do que acontecera em sua fazenda. Quais motivos o levaram a agir assim? De Frederico poderia esperar tudo, pois sabia do ódio que o velho sentia por si, porém o prefeito não tinha motivos para isso... Ou teria?
              Com certeza, ele não imaginara que quem montaria o Bastardo seria a Maria Clara, tudo fora armado para que fosse a ruiva a cair.


             -- Entenda, Felipe. – Miguel tentava convencê-lo. – A Clara precisa de acompanhamento médico e só aqui na capital ela poderá ter.
                O Duomont passou a mão pelos cabelos, sentia-se impotente diante daquela situação.
               -- Clara não está bem, ela precisa ficar perto da famı́lia. – Insistia.
           -- Nesse momento o que ela precisa é de assistência médica para poder se recuperar totalmente. – Colocou a mão em seu ombro. – Você sabe que não terá como arcar com as despesas, Vitória o fará, ela se responsabilizará por todo esse processo de recuperação.
               Infelizmente, Felipe sabia que aquilo era verdade, mas não estava seguro se poderia confiar na condessa, porém naquele momento seria preciso pensar no que seria melhor para a Maria.
               -- Está bem! – Disse por fim. – Deixe-me falar com ela primeiro.
                -- Não se preocupe, eu estarei presente, cuidarei dela.


               Maria Clara almoçou com os pais, em seguida seguiu com Miguel para o apartamento.
              Entendera que deveria fazer o que a condessa exigia, pois havia um contrato, mesmo que ela não lembrasse, teria que continuar seguindo todas as suas ordens.
               Encostou a cabeça, virando-se para a janela.
            Não queria chegar ao seu destino, temia a presença de Vitória, temia estar no mesmo lugar que aquela mulher. Miguel fitou de soslaio a jovem que estava ao seu lado.
           Imaginava como ela deveria estar se sentindo, ainda mais com todas as barbaridades que Clarice lhe falara sobre a Mattarazi.
              Sabia como a sobrinha sofreu com o acidente de Clara, testemunhara a dor da ruiva, dia após dia e mesmo que ela
           sempre exibisse aquela máscara de orgulho e arrogância, tinha certeza que Vitória estava apaixonada pela neta de Frederico.
               Clara viu o carro estacionar diante de um enorme prédio todo espelhado, luxuoso, enorme. O advogado desceu, deu a volta abrindo a porta para ela.
                -- Seja bem vinda! – Sorriu.
                A garota assentiu.
               -- Deixe-me ajudá-la. – Pegou as muletas. – Se quiser, peço uma cadeira.
               -- Não, não precisa, eu consigo me virar.


           A condessa tomou um banho demorado, estava tensa, estressada com todos os acontecimentos. Vestiu o roupão, seguindo até a sala, caminhou até o elegante bar, preparando um drinque. Então a porta se abriu e seus olhos se encontram com os negros da linda Duomont.
       Por um momento, Vitória conseguiu ver naquele olhar algo que a deixou inquieta, entusiasmada...
                -- Seja bem vinda, Branca de Neve. – Levantou a taça em um brinde. 
               Clara desviou o olhar.
              Não conseguia explicar, mas havia algo naquela mulher que a inquietava. Sentia-se invadida, violada de alguma forma. Voltou a fitá-la, os lábios exibiam um sorriso preguiçoso, os olhos verdes brilhavam perigosamente...
               Observou o roupão preto, os cabelos avermelhados ainda estavam molhados...
             -- Branca de Neve? – Arqueou a sobrancelha esquerda, confusa. 
              Vitória caminhou lentamente até ela.
               Tocou-lhe o pequeno curativo na lateral da fronte, sentindo-a se encolher.
            -- Você deve voltar hoje, Miguel. – Afastou-se dela. – Há muita coisa que você precisa resolver.
               -- Mas eu pensei que você precisaria de mim aqui...
              -- Não. – Tomou todo o conteúdo do copo. – O helicóptero o levará de volta dentro de uma hora.
             Clara fitou o advogado, suplicando silenciosamente para que ele não a deixasse sozinha ali, estava amedrontada, pois imaginara que ele ficasse junto com ela naquele lugar.
               Miguel insistiu.
              -- Acho melhor ficar, acredito que posso resolver os problemas daqui mesmo.
            -- Não! – A ruiva sentou, cruzando as longas pernas. – Vá logo, pois como disse o helicóptero saırá dentro de uma hora.
             O advogado colocou a mão no ombro da jovem.
           -- Você vai ficar bem, eu ligarei sempre para saber como você está. – Tirou um cartão do bolso, entregando a ela. – Qualquer coisa, pode me ligar.
                 A jovem assentiu.
           Miguel foi até Vitória, beijou-lhe a face, fitando-a com um quê de advertência, depois partiu.                  A condessa fez um gesto com a mão para que a outra sentasse.
              -- Gostaria de descansar.
              -- Sente-se, quero falar contigo. – Insistiu.
              A jovem assentiu. Tentou sentar, mas pareceu um pouco atrapalhada para tentar se acomodar na poltrona, então rapidamente Mattarazi foi até ela, ajudando-a.
            A Duomont teve um sobressalto ao sentir o toque da bela mulher em seu corpo, tentou se afastar, mas acabou se desequilibrando.
             Vitória instintivamente a abraçou para que ela não fosse ao chão, arrependendo-se em seguida de ter se permitido tamanha proximidade. Sentiu uma corrente elétrica percorrer cada centı́metro de si, fitou a boca que estava tão próxima da sua e teve um desejo insano de tomá-la.
                  Maria Espalmou a mão em seu peito, afastando-a. Estremeceu. A ruiva ajudou-a a sentar e voltou para a sua própria poltrona.
               -- Não precisa me olhar com esses olhos assustados, não vou te atacar. – Disse aborrecida, mas depois tentou amenizar o tom que estava usando. Seguiu até ela, ajoelhando-se, pegou-lhe as mãos.-- Clara, não lembra mesmo de nada? Não se lembra de nós?
                -- Nós? – Indagou confusa. – O que tem nós?
                Vitória levantou-se frustrada. Caminhando de um lado para o outro.
                -- Ana! – Chamou a empregada. 
                A jovem atendeu prontamente.
                -- Leve a senhorita Duomont para o quarto e a ajude no que for preciso.
                -- Certo, senhora.
               Clara sorriu para a serviçal, simpatizando instantaneamente com ela. Antes de deixar a sala, fitou mais uma vez a condessa, estava curiosa...
             Vitória entrelaçou os dedos em suas madeixas vermelhas, sentindo-os deslizar por entre os fios. Como suportaria estar tão perto dela sem poder tocá-la?
              Deveria ter deixado-a partir com os pais, deixá-la viver em paz, longe, sendo feliz com o noivo. Mas como faria isso?
                Sabia que ela a amava, ouvira isso inúmeras vezes, sentira aquilo quando se amaram, sentira aquilo quando fizeram amor. As coisas não podiam simplesmente ser apagadas daquele jeito.


               Clara observou o luxuoso quarto, ficando impressionada com tamanha pompa. Havia uma cama de casal ao centro, duas poltronas, uma imensa TV, os móveis todos em cor marfim com branco.
                 -- O closet fica aqui. – A jovem mostrou.
           A Duomont assentiu, porém não sabia se havia roupas suas, pois aquela que usava fora comprada naquele mesmo dia.
                 -- Essa porta dá direto para os aposentos da condessa.
              A jovem fitou a elegante separação de vidro. Havia uma persiana que não permitia que se visse o que se passava em seu interior.
                 Só naquele momento Clara percebeu que a empregada falava com ela.
                 -- Perdoe-me, eu me distrai. – Falou sem jeito.
                 -- Perguntei se deseja alguma coisa? Está com fome?
                -- Não, quero apenas deitar, minha perna está doendo. 
                 A moça se adiantou para ajudá-la a se acomodar.
                -- Deseja que deixe o ambiente na penumbra?
                -- Sim! Obrigada.
                Ana fechou as cortinas, em seguida saiu.
               Clara fechou os olhos, desejava poder dormir muito. Havia uma confusão de imagens em sua mente que a estava deixando perturbada. Não entendia o motivo, mas sempre que fitava Vitória sentia um aperto em seu peito, uma raiva misturada a algum tipo de receio, carinho... Mas como?
                  “Não se lembra de nós?”
                   O que ela quis dizer com aquilo?

    
             Valentina estava em sua delegacia quando fora avisada que Marcelo estava ali acompanhando de dois advogados. Rapidamente, ela pediu que entrassem.
              O pomposo prefeito a fitou com desprezo.
          -- Esteve a minha procura? – Sentou-se. – Desculpe-me o contratempo, mas sou o prefeito dessa cidade e há muitas coisas para se fazer.
              Um dos advogados lhe entrou um papel. “Miserável!”
              Ele tinha recorrido ao juiz.
             -- Bem, acredito que estamos livres agora. – O homem levantou-se.
         -- Independente disso, há uma investigação muito grave envolvendo a sua pessoa. – Ela também se levantou.
             -- Irá contra a ordem de alguém superior a você? – Arqueou a sobrancelha.
          -- Não, mas a investigação não irá parar, saiba que a condessa não aceitará facilmente que o senhor apenas pague uma fiança e seja liberado.
            -- E eu não aceitarei que a palavra de um bandido desgraçado seja levada acima da minha.
           A delegada observou o trio deixar sua sala e teve vontade de gritar de frustração. Precisaria de provas concretas para enjaular aquele homem, pois agora sabia como ele podia ser escorregadio.
           Pegou o telefone para ligar para Vitória, sabia que a ruiva ficaria fora de si quando soubessem disso.


           Os dias passavam tranquilos na capital.
         Clara tinha a sorte de pouco se encontrar com Vitória. Pelo que ficara sabendo por Ana, ela anda muito ocupada resolvendo problemas referentes às suas empresas.
            Desligou o telefone.
            Tinha ligado para a famı́lia e depois para o noivo. Pelo menos tinha essa liberdade.
           Seguiu até a sala e encontrou a empregada arrumando uma verdadeira bagunça. Parecia que um furacão tinha passado por ali. Havia garrafas quebradas, copos, na verdade, o elegante bar fora totalmente destruı́do.
             -- O que houve?
             A moça a fitou.
         -- A condessa parece ter ficado muito chateada depois de receber um telefonema ontem. –       Confidenciou baixinho.
           -- Nossa! – Exclamou.
          -- Acho melhor ficar aı́ mesmo, ainda tem muito vidro, não quero que se machuque. 
          A Duomont assentiu, encostando-se ao batente, observando a outra limpar tudo.
         O que poderia ter acontecido para deixar a ruiva tão descontrolada? Há três dias não a via, até pensara que ela tinha viajado, não fosse às luzes que podeia ver pela porta de ligação entre os quartos. Pode perceber que ela sempre se deitava muito tarde, às vezes só de madrugada sentia a sua presença e cheiro suave que ela exalava.
             -- O que vai querer para a ceia de Natal? – Ana perguntou ao terminar a tarefa.
            Maria Clara adorava o Natal, mas não se sentia nada empolgada, ainda mais porque estaria longe da sua famı́lia, sem falar que a companhia não era nada agradável.
           -- O senhor Miguel vai vir com a esposa e o filhinho. 
            Bem, pelo menos não estaria sozinha com a condessa.
             -- E então? Qual será o cardápio?
             -- Eu não sei...
            Ela percebeu o olhar da empregada se focar em algo além de sua pessoa, ao se virar percebeu a condessa praticamente colada as suas costas. Ao tentar se afastar, mais uma vez se desequilibrou e mais uma vez Vitória precisou segurá-la.
             A jovem Duomont sentiu a pele se arrepiar com o contato tão intimo.
              -- Deve tomar mais cuidado. – Disse afastando-se. 
              Clara a fitou de esgueira.
         A ruiva estava apenas de roupão, dessa vez verde, combinando com os olhos. Os cabelos estavam molhados, percebeu que a mão esquerda estava enfaixada.
            -- Ana, eu preciso de algo para aliviar minha enxaqueca. – Sentou-se na poltrona. – Algo bem forte, pois minha cabeça parece que vai explodir.
             -- Está bem, vou buscar algo para a senhora. – Recolheu os sacos de lixo e seguiu em direção à cozinha. 
                Vitória fitou a hóspede e se deparou com o olhar dela sobre si.
              Há dias que evitava vê-la, pois temia não conseguir manter o controle. Desejava tê-la em seus braços, desejava mais uma vez aqueles lindos lábios nos seus.
                  -- E então, Branca de Neve, animada para o Natal?
                  -- Não! – Disse, encarando-a com ar de desafio.
              -- Por quê? – Indagou cruzando as pernas. – Pensei que as princesinhas como você gostassem dessa época.
             -- Eu amo essa época, mas acredito que ela deve ser passada com as pessoas que amamos.                    Clara se arrependeu de suas palavras ao notar uma sombra de tristeza nos lindos olhos verdes.
                 A condessa apenas fez um gesto afirmativo com a cabeça, levantou-se, retornando para o quarto.


                 A noite chegou tranquila.
                Clara fora avisada que a famı́lia de Miguel já tinha chegado.
               Ela fitou o vestido que estava sobre a enorme cama. Era preto e branco. Não tinha alças, era justo até a cintura, no quadril ele era soltinho.
               Sabia que tinha sido um presente da condessa. Não desejava nada que viesse daquela mulher, porém não tinha outro traje para o jantar e não desejava ser mal educada com o advogado que sempre se mostrava muito atencioso consigo.
                  Decidida, pediu a Ana que a ajudasse a se vestir.


                Os Duomonts foram convidados pelo prefeito para a ceia. Todos compareceram, menos Felipe.
                    -- Fico feliz com a presença de vocês.
                 Havia muita gente presente. Polı́ticos, empresários e curiosamente também estava ali Otávio e Alex.
                  A conversa transcorria animada, menos para Marcos que jazia sozinho em um canto. Tinha planos para tirar a noiva dos domı́nios da condessa e sabia que poderia conseguir alguns aliados para tal intuito.




              -- Seu filho é lindo.
              Estavam na sala, havia um garçom servindo aperitivos.
              -- Obrigada. – A delegada sorriu.
             Valentina fitou o advogado, ainda estava surpresa com o fato de Clara não se lembrar de nada.
               -- E como está sua perna? – Miguel levou um salgado à boca.
               -- Vou precisar fazer fisioterapia, a partir da terça já inicio.
            O garotinho pulou do colo da mãe correu até  a entrada. Todos olharam naquela direção e viram a arrogante condessa.
               A jovem Duomont mirou a ruiva agachar para tomar a criança nos braços. Como alguém poderia ainda ficar mais bonita? Essa era a pergunta que martelava em sua cabeça ao fitá-la. Ela usava um vestido longo, na mesma tonalidade dos cabelos, havia uma enorme fenda na lateral que deixava à mostra a perna longa e torneada vestida por uma meia na cor da pele.
                 -- Olá, pequeno. – Sorriu para Miguelzinho. – Boa noite! – Fitou a todos.
             O olhar de Vitória se demorou por mais tempo em Maria Clara. Ela estava tão linda que sentia vontade de estreitá- la em seus braços.
               -- Fico feliz que tenha aceitado o meu convite. – Encarou a delegada. – Sei que a presença de vocês será melhor do que a minha para a Branca de Neve. – Sentou.
                 -- “ Banca de Neve, tia?”
              -- Sim. – Gargalhou. – Veja. – Apontou para a neta de Frederico. – Ela não parece com aquela princesa do livro que te dei?
                  A criança assentiu entusiasmada.
                 -- Sim!
               A condessa viu o vermelho se apossar da face da veterinária e teve vontade beijá-la. A noite transcorria tranquila.
                Valentina conversava com Vitória, enquanto Miguel brincava com o filho junto com a Clara.
                Beberam e já era meia noite quando sentaram para jantar. Ana levou a criança para o quarto, pois ele já não se aguentava de sono.
                A Duomont acabou sentando ao lado de Vitória. Vez e outra, as mãos de ambas se tocavam.
            -- Nossa, acho que vou engordar uns quilinhos, amor. – Miguel beijou o rosto da esposa. – Espero que não se importe de ter um marido barrigudo.
              -- Acho que vai ter correr um pouco mais. – Valentina o provocou.
              -- Está vendo, Clara, o que dá casar com uma delegada. – Fez beicinho.
             -- Não se preocupe, Miguel, ela só está brincando. – Vitória falou. – Afinal, ela sabe que você vai correr muito para perder essa barriga, você a obedece direitinho. – Piscou provocante.
              -- Bem, é  impossível não obedecer a uma mulher tão linda, condessa. – Agora foi a vez do advogado provocá-la. – Você mesma é a prova disso. – Relanceou os olhos para Clara.
               A ruiva levou a taça à boca e ficou bebericando lentamente. Preferiu ficar calada, pois sabia que o seu representante legal estava certo, afinal, quantas coisas já tinha feito só para agradar aqueles olhos negros.
               Depois do jantar, voltaram para a sala onde houve trocas de presentes. Clara cumprimentou todos, menos a condessa.
                 Vitória tentou não aparentar como ficara decepcionada.
               Miguel e Valentina notaram a dor no olhar da mulher que sempre se mostrava tão arrogante.
             A ruiva inventou um desculpa, alegando uma pequena dor de cabeça, seguiu para o quarto. Os outros também seguiram para seus respectivos aposentos.


                Clara tentou pela enésima vez retirar o vestido, mas suas tentativas continuavam sendo em vão.
            O lindo modelo tinha pequenos botões nas costas. Ana quem a ajudou a vestir, porém a empregada já tinha ido embora há tempos.
                Sentou, frustrada.
            Não conseguiria dormir vestida daquele jeito. Pensou em chamar a esposa de Miguel, mas com certeza eles deveriam estar aproveitando a noite e não desejava importuná-los, então só haveria uma alternativa.
           Respirou fundo para conseguir coragem, pegou as muletas e caminhou até a porta que dava acesso ao quarto de Vitória.
            -- Condessa... – Chamou baixinho.
            Esperou para ver se ela respondia, mas não teve resposta.
            -- Condessa! – Falou mais alto.
             Alguns segundos se passaram, até que a enorme porta foi aberta.
          Clara observou que a ruiva usava apenas uma camisola. A vestimenta na cor preta deixava os seios quase toda a mostra e mal cobria as coxas.
             Fitou os olhos verdes, percebendo que estavam vermelhos e inchados como se tivesse chorado.
              -- Por que me chamou? Algum problema? – Indagou preocupada. 
              A Duomont foi tirada das suas divagações pela voz rouca.
            -- Sim. – Fez um gesto afirmativo. – Eu não consigo tirar o vestido. – Disse relutante. – Tem muitos botões e não consigo me apoiar sem as muletas.
               Vitória a fitou por alguns segundos, em seguida se posicionou por trás dela.
            Clara sentia a respiração arrepiar os pelos do seu pescoço. Sentiu-a colada as suas costas e isso fez seu corpo reagir de forma jamais imaginada. Percebeu os seios doloridos e uma forte pressão em seu ventre.
                Sentiu o rosto em chamas.
           -- Pronto! – Afastou-se. – Agora você conseguirá tirá-lo. – Seguiu de volta ao quarto. 
           A morena a viu se afastar e algo dentro de si pareceu se manifestar.
             -- Condessa...
            A ruiva se virou para fitá-la.
          -- Sim? – Arqueou a sobrancelha.
          -- Feliz Natal... – Disse baixinho.
          A empresária a fitou demoradamente.
        Não estava sendo fácil lidar com o desprezo da jovem. Doı́a ver em seus olhos a indiferença, o desdém... Naquela noite doeu ainda mais... Porém agora, os olhos negros transmitiam outra coisa...
Caminhou até ela e inesperadamente a abraçou forte.
        Clara não reagiu, apenas ficou ali, dentro daquele cı́rculo, sentindo-se protegida... Sentindo-se familiarizada... Aspirou o seu cheiro dela...
         -- Feliz Natal, Branca de Neve... – Sussurrou em seu ouvido.
            A morena a viu se afastar, em seguida a porta foi fechada, mas a Duomont continuou ali, perdida em seus pensamentos.

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