A condessa bastarda -- Capítulo 24



                   Vitória desmontou rapidamente e correu até onde a jovem jazia caı́da.
               Agachou-se e percebeu que a garota estava desacordada e havia um corte profundo na lateral de sua cabeça.
                 Sabia que não deveria mexê-la, mas estava muito assustada, pois mal conseguiu ouvir sua respiração quando lhe tocou a lateral do pescoço.
                 -- O que houve? – Batista correu até ela. – O que houve com a menina Clara? 
                 A condessa o fitou.
                 -- Chame o médico, traga alguém, por favor... – Pedia aos prantos.
             O administrador parecia chocado com a imagem da poderosa mulher chorando copiosamente, mas se apressou para cumprir as ordens.
               -- Clara, meu amor, me perdoa... – Soluçava. – Eu não quis machucá-la, jamais pensei que algo assim pudesse acontecer...
                 Retirou o cabelo que cobria seu rosto.
             Pegou o celular que estava no bolso e discou o número de Miguel. Com poucas palavras explicou o que tinha acontecido e ele a aconselhou a não remover a garota até que chegasse o socorro. Antes de desligar, prometeu ir rapidamente ao seu encontro.
                Ao desligar, recebeu uma nova chamada.
               Era o médico que dizia já está a caminho, pois estava atendendo um paciente ali perto, então em menos de dez minutos chegaria.
            Alguns peões se aproximaram, pareciam curiosos, porém logo se afastaram temendo por uma explosão  da patroa.
              Vitória estava quase surtando, pois parecia que ninguém as socorreria.
           Levantou-se, frustrada, então viu um carro se aproximando rapidamente, estacionando e o médico indo até elas.
               -- O que houve? – O homem dizia tentando examinar os sinais vitais
               -- Ela caiu.., caiu do cavalo. – Agachou-se. – Diga que ela vai ficar bem...
               -- Ela está viva, mas precisamos com urgência levá-la para a capital.
               -- Por quê?
                -- Nosso hospital não tem nenhuma condição de cuidá-la.
                A condessa se levantou, fez uma ligação e depois se voltou para o médico.
                 -- O helicóptero pousará mais a frente.
                 O médico assentiu.
              Temia que algo pior ocorresse com a jovem Duomont. Sabia que precisariam de atendimento médico especializado e rápido, pois quanto mais tempo ficasse desacordada pior seriam as consequências.


                Miguel avisou aos Duomonts do que tinha ocorrido com a Maria Clara, em seguida seguiu para a capital. Encontrou a condessa caminhando de um lado para o outro no corredor do enorme hospital.
                 -- Como ela está?
                Vitória fitou o advogado.
                O rapaz a encarou e percebeu como a sobrinha estava sofrendo. Nunca a viu chorar por nada e nem por ninguém, mas naquele momento o lindo rosto da ruiva estava transfigurado pela dor e pelas lágrimas.
                  Miguel a abraçou e ouviu os soluços sendo sufocados em seu pescoço.
                 -- Foi minha culpa... Minha... Só minha... O advogado lhe acariciou as madeixas.
                 -- Não, minha pequena, não foi sua culpa, foi uma fatalidade...
                 -- Não! – Afastou para lhe olhar nos olhos. – Eu a provoquei... A fiz perder o controle...
               -- Ela vai ficar bem... – Aconchegou-a novamente em seu peito. – Vamos esperar e daqui a pouco o médico virá e dirá que tudo se resolverá.



                Felipe ficou desesperado ao saber do acidente sofrido pela filha.
       Rapidamente, seguiu para o quarto para arrumar uma pequena valise, pois seguiria imediatamente para o lado de
                -- Irei contigo! – Clarice entrou esbaforida. – Quero vê-la. 
                O vereador a fitou.
              -- Você se importa com ela? – Fitou-a. – Só se importa com o maldito dinheiro. – Tentou sair, mas a esposa o deteve pelo braço. – Deixe-me ir.
               -- Por favor, não seja tão cruel comigo. – Choramingou. – Amo a minha filha e quero estar ao lado dela nesse momento...
                Felipe mirou-lhe os olhos e ficou a ponderar por algum tempo.
               -- Ok, arrume suas coisas. Espero-te lá embaixo.
               A mulher assentiu, enquanto o marido seguia. Encontrou Frederico que subia as escadas.
              -- Estou indo para capital, quero ver a minha filha. 
              O fazendeiro fez um gesto afirmativo com a cabeça.
                -- Irei procurar a delegada e fazer uma denúncia contra Vitória Mattarazi, tenho certeza que esse acidente tem o dedo dela.
                Felipe não retrucou, apenas seguiu até o carro para esperar a esposa.


               Vitória estava sentada na sala de espera junto com Miguel quando uma médica de meia idade entrou.
          -- Vocês são os responsáveis por Maria Clara Duomont? 
          A condessa se levantou imediatamente, assentindo.
          -- Eu sou a doutora Jane, sou a neurologista que está atendendo a jovem.
           -- Como ela está? – A ruiva perguntou sem esconder a preocupação.
          -- Fizemos alguns exames e não encontramos lesões aparentes em seu crânio. Teve fraturas na perna esquerda, mas aos poucos se recuperará.
             Miguel abraçou a sobrinha, entusiasmado.
         -- Então ela está bem? – O advogado indagou. – Podemos vê-la? 
          Jane fez um gesto negativo com a cabeça.
      -- Mesmo não tendo encontrado nenhuma lesão, ela ainda continua inconsciente e isso é preocupante.
           -- Mas a senhora disse que não estava tudo bem... – A condessa parecia alterada.
           -- Sim, porém teremos que esperá-la acordar, pois o cérebro ficou algum tempo sem oxigênio e isso é algo sério e preocupante.
        -- Mas vocês não vão fazer nada? – A ruiva gritou. – Que droga de hospital é esse que não consegue fazer algo por uma paciente que está desacordada.
       -- Eu peço que se acalme, senhorita. – A médica pediu. – Estamos fazendo o que é humanamente possível.
           -- Pois agora mesmo pedirei a transferência dela para outro lugar onde a equipe médica seja mais capacitada. 
               Miguel se intrometeu, mas a condessa se desvencilhou do toque e saiu pisando duro.
              -- Peço que a perdoe, ela está muito preocupada.
              A mulher suspirou exasperada.
             -- Espero que ela se acalme e mude de ideia, pois não aconselho que a paciente seja removida mais uma vez. 
              O advogado assentiu, enquanto a especialista se afastava.


             Valentina seguiu até a fazenda quando recebeu a denuncia de Frederico. Ao chegar ao local, pediu para ver o cavalo e a sela.
               Batista a levou até o estábulo, em seguida lhe mostrou a montaria.
              -- Ela foi cortada. – A delegada falou em voz alta. – Alguém a sabotou.
             -- Quando a recolhi foi a primeira coisa que percebi, não tive tempo de falar com a condessa, então a guardei aqui. 
            A esposa de Miguel parecia surpresa com o que via, pois o que poderia constatar a priori é que não era para a Maria Clara cair do cavalo, tudo fora armado para que Vitória Mattarazi sofresse um acidente.
              Massageou as têmporas.
              Precisava descobrir quem estava por trás daqueles crimes.
          -- Preciso dos nomes de todos os seguranças que foram demitidos. – Falou determinada. – Preciso da ficha completa deles.
              O administrador assentiu.
         -- Tudo se encontra no escritório. Venha comigo que lhe entregarei. 
         Valentina seguiu o empregado da condessa.
          Investigaria pessoalmente tudo o que estava ocorrendo e de uma vez por todas descobriria quem estava por trás de toda aquela sujeira.


            Vitória fora dissuadida de transferir Clara de hospital.
         Já era noite e só naquele momento conseguira permissão para entrar no quarto onde a jovem estava. 
            Aproximou-se.
         Fitou a Duomont e sentiu um aperto no peito ao vê-la deitada naquela cama, enquanto vários aparelhos estavam conectados a ela.
             Observou o corte em sua fronte.
             -- Perdoe-me, minha doce Branca de Neve. Por favor, acorde, meu amor, volte pra mim...
           As lágrimas da condessa não pareciam ter fim, talvez por sua culpa ou pelo medo de perder a pessoas mais amava em todo o universo. Tinha consciência do que tinha feito, sabia que ferira a amada, tivera tarde de mais noção da dor que lhe infligia.
            Puxou a cadeira e ficou lá, apenas observando-a.
       Estava pálida e parecia tão sem vida. Lembrou-se da noite anterior, de como se amaram intensamente, de como se entregaram de corpo e alma àquele sentimento poderoso que chamavam de amor.
           Às vezes ficava a imaginar se não fora amaldiçoada com sua concepção impura. O estigma de bastarda só lhe levara pelo caminho da dor e do desprezo, havendo apenas alguém que a amara apesar de tudo isso, mas ele partiu tão cedo e agora o mesmo acontecia com a mulher que roubara seu coração.


            Felipe encontrou Miguel na sala de espera do hospital.
            -- Onde está minha filha?
         O advogado não ficou surpreso com a presença dos Duomonts, afinal, Maria Clara não estava bem e era lógico que a famı́lia quisesse ficar perto.    
          Em poucos minutos resumiu tudo o que estava acontecendo, observava a expressão pesarosa de Felipe e mesmo que fosse difı́cil acreditar a própria Clarice demonstrava estar sofrendo muito naquele momento.
        -- Quero vê-la. – A pomposa senhora falou. – Quero ficar ao lado da minha menina. 
         Vitória saia do quarto quando encontrou a famı́lia que sempre tentara destruir sua vida.
         -- O que fazem aqui? – Indagou implacável.
         -- Queremos ver nossa Clara. – A senhora Duomont respondeu altiva.
        -- Ah não diga. – Falou com escárnio. – Só falta dizer que estão preocupados com o que se passa com ela.
          -- Ela é nossa filha, condessa. – Felipe se intrometeu sereno. – Só desejamos ficar ao lado dela.
       Mattarazi observou as duas pessoas paradas a sua frente. Não gostava de Clarice, achava-a tão mesquinha quanto Frederico, porém não se podia dizer o mesmo do homem que a fitava com um olhar temeroso e ao mesmo tempo esperançoso. Testemunhara a coragem daquele pai quando se prontificou para assumir o lugar de Maria Clara em suas exigências.
            -- Devem vestir roupas adequadas. – Disse por fim se afastando.


            Os dias passavam e Maria Clara não reagia, todos ficavam cada vez mais apreensivos com a situação. Vitória Mattarazi não saia do lado da amada, pois temia perdê-la completamente.
         Deixou a jovem em Companhia de Felipe e seguiu caminhando pelo enorme hospital, até chegar a uma pequena capela. Hesitou, mas acabou entrando.
           Havia inúmeras pessoas ali, ajoelhadas, rezando e decerto pedindo para que um milagre fosse feito. Sentou em um banco e ficou a observar tudo ao redor.
         Não era religiosa e na verdade, mesmo tendo ficado praticamente toda infância em um convento, era cética em relação a muita coisa, afinal, se existia um Deus porque ele a deixara sofrer tanto? Por que a abandonara por toda vida?
             Inclinou a cabeça para trás, fechando os olhos.
           Não sabia como pedir, nem lembrava como se rezava, então se deixou ficar ali, sabendo que seu desejo era sincero e que a Maria Clara precisava de outra oportunidade, Ela era um dos melhores ser humanos que encontrara em sua vida e apesar de todos os rancores que as cercavam, amava-a com todas as forças do seu coração.
               Virou-se ao sentir um toque em seu ombro. Miguel.
              O advogado sentou ao seu lado.
          -- Você precisa se alimentar ou ficará doente. – Disse preocupado. – Tem que se cuidar, princesa. 
               A condessa o fitou por intermináveis segundos.
              -- Como as pessoas rezam?
            O homem se surpreendeu com a pergunta. Jamais em sua vida imaginara algo assim sair dos lábios da condessa.
             -- Se você pedir algo com muita fé e acreditar essa coisa se realiza.
          A ruiva assentiu. Levantou-se e seguiu até onde havia um pequeno altar, permanecendo um bom tempo tentando pedir algo, implorando por sua Branca de Neve.


            Valentina estava na delegacia e já tinha investigado vários funcionários da fazenda, até chegar àquele que agora estava sentado diante de si.
           Carlos Teixeira era um homem alto, forte e deveria ter seus quarenta anos.
         -- Senhor Teixeira... – A delegada falava examinando alguns papéis em suas mãos. – Como sabe, algumas investigações foram feitas para que pudéssemos descobrir quem provocou o caos na fazenda Mattarazi. – Fitou-o.
           O homem se remexia, parecia desconfortável e isso não se passava despercebido diante do olhar perspicaz da autoridade.
             -- Diga-me quem está por trás das sabotagens contra Vitória Mattarazi. – Falava baixinho sem desviar os olhos do rapaz.
                 -- Não sei, senhora, não sei. – O homem respondeu nervoso.
                -- Por que ligou para o prefeito na noite anterior ao roubo dos animais e ao acidente com o cavalo?
            -- Estava... – Hesitou. – Estava pedindo trabalho, eu fui demitido e tenho famı́lia para sustentar. 
                  Valentina assentiu e voltou a olhar as folhas.
               -- Bem, com a ordem judicial conseguimos o histórico de suas ligações de tempos atrás e sempre temos chamadas para o Marcelo...
                Teixeira se levantou, caminhando de um lado para o outro na pequena sala. Passou a mão pelos cabelos, nervoso.
             -- Veja, eu tenho provas suficientes para lhe por atrás das grades e nós sabemos que a condessa usará todo o seu poder para lhe manter lá durante muitos anos. – Levantou-se. – Não se iluda, Vitória será implacável contigo, ao menos que conte essa história direito.
               O homem pareceu ponderar durante algum tempo, enquanto Valentina examinava seus gestos. Tinha certeza que ele estava a pensar nas vantagens que teria em confessar aquele crime.
               -- Você trabalha há muitos anos para os Mattarazis, na verdade, trabalhou para o antigo conde. – Dizia pensativa.
                -- Sim, trabalhei com o conde e ele era mil vezes melhor do que a filha. – Falou por entre os dentes. – E digo mais, quem deveria ter caı́do daquele maldito cavalo era ela, deveria ter quebrado aquele pescoço esguio, quem sabe assim perderia aquele ar arrogante, aquele nariz empinado, pensa ser a dona do mundo.
               A delegada arqueou a sobrancelha.
               -- Isso é uma confissão?
              Carlos voltou a sentar pesadamente.
               -- O prefeito me mandou fazer. – Disse por fim.
            Naqueles quinze dias de investigação, Valentina, a priori, pensara que Frederico estava por trás daquele crime, mas com o decorrer dos dias, todas as provas apontavam para o sogro de Clara.
               -- Conte-me tudo. – Pediu, voltando a sentar.


               Felipe observava a filha deitada naquele leito.
             Daria a vida para assumir aquele lugar, faria qualquer coisa para que sua Clara estivesse bem, para ver seus lindos olhos negros lhe fitarem e aquele doce sorriso iluminar a vida de todos.
               Observou a condessa sentada em uma poltrona ao lado do leito.
           Não entendia qual o tipo de relação  que havia entre aquela mulher e sua filha, porém  pode comprovar naqueles  últimos dias a preocupação no semblante bonito daquela ruiva.
              Lembrou-se da esposa.
              Clarice acordara indisposta e ficara no hotel.
           Precisava arrumar dinheiro para pagar a Vitória Mattarazi, pois ela estava custeando tudo, todas as despesas médicas e até a estadia dos Duomonts na capital.
           Frederico não fora visitá-los, apenas ligava para saber como estavam indo as coisas. Vitória despertou, parecia assustada, então viu o pai de Clara de pé ao lado da filha.
           Levantou-se, seguindo até o pequeno lavabo, voltou alguns minutos depois com o rosto lavado.
               -- Bom dia, condessa. – Felipe a cumprimentou.
               -- Faz tempo que chegou? – Indagou, ignorando o cumprimento.
              -- Meia hora mais o menos. – Encarou-a. – Gostaria que fizesse as contas do quanto estou lhe devendo, pagarei todas as despesas que está tendo conosco.
             Maria Clara sabia que precisava acordar ou acabaria chegando atrasada para a apresentação do festival na cidade.
               Estava empolgada, seu cavalo estava pronto para executar as mais belas performances.
             Tentou mais uma vez, até sentir os olhos serem ofuscados por uma luz forte. A visão estava embaraçada, mesmo assim conseguiu visualizar a imagem do seu pai, tentou chamá-lo, mas as palavras não saı́ram.
              Fechou os olhos mais uma vez. Conseguia ouvir uma conversa, mas não conseguia decifrar a voz feminina, sabia que o timbre era rouco e forte, até mesmo sensual.
             Tentou mais uma vez e agora conseguindo focar nos presentes.
              -- Papai...—Falou baixinho.
             Vitória conversava com Felipe quando ouviu aquele doce som que tanto amava. Pensou estar vendo coisas, mas ao fitar a cama, viu os lindos olhos negros abertos, fitando-os, pareciam confusos, mas estavam vivos.
              -- Branca de Neve... – Disse em um fio de voz.
             -- Meu amor. – Felipe sentiu as lágrimas molharem o rosto. – Seja bem vinda, minha pequena princesa.
               -- Papai, eu preciso levantar, tenho a apresentação no festival da cidade... – Fitou a condessa. – O que essa mulher está fazendo aqui? – Indagou temerosa, tentou levantar, mas foi detida pelo pai.
                    Mattarazi notou que havia algo diferente na forma do olhar da jovem.
                    -- Que apresentação? – Felipe perguntou confuso.
                    Clara desviou o olhar da ruiva, voltando a atenção para o outro.
              -- A da festa da cidade, papai, esqueceu que vou me apresentar. – Falava entusiasmada. – Meu cavalo está pronto. 
                 Vitória fitou o Duomont, alguma coisa estava errado.
                 -- Que dia é hoje? – A condessa indagou, encarando a garota.
                 -- Vinte e três de Março de 2016.
               Tudo parecia estar em ordem, se não fosse pelo fato de que já era Dezembro e faltavam poucos dias para o Natal.


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