A condessa bastarda -- Capítulo 23


              Clara sentiu braços circundando sua cintura e adorou aquela sensação. Abriu os olhos lentamente. O quarto estava envolvido na penumbra, mas há tempos o galo já havia cantado anunciando um novo dia.
                    Lentamente, virou-se para ela. Seus olhos se acostumaram com a escuridão, conseguindo assim visualizar a bela mulher que dormia tranquilamente ao seu lado. Os cabelos ruivos em desalinhos, os lábios entreabertos.
                   Sorriu!
                Por um momento por sua cabeça passou uma imagem maravilhosa. Um bebê da poderosa condessa. Será que ele herdaria aquele ar de arrogância e aquele sorriso debochado, ou seria agraciado com as madeixas afogueadas e o verde mais belo de todos?
                  Ouvia-a resmungar e achou engraçado.
               Fitou o seio que tinha sido desnudado pelos movimentos e sentiu uma forte contração no ventre.
            Como podia não ter o controle do próprio corpo? Bastava um toque ou uma simples insinuação e não havia forças para resistir ao desejo de se entregar a ela. Não tinha mais como negar o amor que sentia, mesmo sabendo que havia muito para ser enfrentado, pois não seria fácil lidar com o temperamento de Vitória, ainda mais pela raiva que ela sempre demonstrava por sua famı́lia, por seu avô... Sua tia...
                   Será que era verdade que Helena tinha destruı́do a vida do futuro conde?
                Lembrava que quando veio passar as férias na fazenda presenciara uma discussão da tia com o avô devido a um relacionamento que ela tinha, porém não fora o nome de Vitor Mattarazi que fora dito, outro homem fora mencionado, mas ela não conseguia recordar de quem se tratava. Ouviu os gritos de Frederico dizendo para que ela terminasse a relação... Mas quem era?
                Pouco tempo depois disso, fora anunciado o casamento e todos pareceram felizes com o arranjo. Fora ao enlace. Todos pareciam encantados com o jovem casal. Lembrava-se do olhar de Vitório, a pomposa Kassandra e o belo herdeiro, apenas a filha bastarda não estivera presente a elegante festa.
               Procuraria o pai e perguntaria sobre Helena, decerto, ele poderia esclarecer todas as suas dúvidas. 
                   Levantou-se.
                   Iria tomar um banho e depois iria cuidar dos animais.


                 Frederico lia o jornal matinal à mesa de café da manhã. Ao ver o filho e a nora descerem e se aproximarem, cumprimentou-os entusiasmadamente.
              -- Bom dia, queridos, estava esperando para que compartilhassem comigo desse maravilhoso desjejum.
              Felipe mirou a mesa e ficou surpreso com o sortimento de alimentos que ali estavam, afinal, havia uma terrível crise financeira que não davam mais a eles direitos a tanto luxo.
          -- De onde veio dinheiro para tudo isso? – Indagou preocupado. 
             O fazendeiro deixou o periódico de lado.
           -- Recebi uma grana que estavam me devendo e fiz umas compras. 
           Clarice sentou e começou a se servir.
           -- Eu adorei. – Tomou um pouco de suco. – Pena que não há empregados para nos servir.
          -- Em breve isso será resolvido. – Passou geleia na torrada. – Vamos aproveitar isso que temos agora. 
             Felipe parecia estático, observando tudo, até que encarou o pai.
       -- O senhor deveria estar juntando dinheiro para livrar a minha filha das mãos da condessa. – Bateu forte na mesa. – Não quero nada, só desejo que pague a sua maldita dívida e a Maria Clara possa voltar para casa.
          A esposa lhe tocou o ombro.
          -- Tudo vai se resolver, amor, em breve a Clarinha vai estar com a gente.
            O homem lhe afastou a mão, fitando-a ameaçadoramente.
           -- Aproveite da comida, pois a minha apetite já acabou.
          Frederico observou o filho se afastar e continuou no mesmo lugar, voltando a comer depois de alguns segundos.


             Vitória tinha acordado e não encontrara a amada ao seu lado.
        Fitou o relógio e percebeu que já estava um pouco tarde. Há tempos não dormia tanto. Espreguiçou-se demoradamente.
             A noite fora deliciosa. Seu corpo ainda sentia as marcas da paixão, nos lençóis ainda estava o cheiro da doce princesa, do desejo de ambas...
             Mordeu o lábio inferior.
           Faria qualquer coisa para ter definitivamente Maria Clara Duomont para si. 
         Ela era sua e nada, nem ninguém lhe tomaria de sua vida. Sabia o que deveria ser feito para prendê-la, para torná-la totalmente sua mulher.
            Batidas na porta lhe tiraram dos seus pensamentos.


            Clara  sorriu  ao  ver  Branca  de  Neve  tão  mais  acessível  aos  seus  carinhos.  Não  parecia  mais  arredia,  nem tampouco arisca.
             Sabia que em breve poderia montá-la sem medo, pois aquela linda égua já lhe pertencia, do mesmo jeito que seu coração pertencia a ela desde o dia que a viu no leilão.
               Acariciou-lhe a crina brilhante.
             Quem sabe poderia voltar a praticar equitação, afinal, tinha uma bela espécime e sabia que ela não lhe decepcionaria em nenhum quesito. Entregou-lhe uma maçã e o animal a recebeu de bom grado.
              -- Doutora...
              Ao virar-se se deparou com um dos empregados da fazenda.
             -- Sim?
             O rapaz retirou o chapéu em um gesto educado.
           -- Temos uma vaca em trabalho de parto, mas as coisas se complicaram, pois ela fora ferida por um tiro e tememos que o filhote e a mãe não sobrevivam. – Disse rapidamente.
             -- Onde ela está? – Indagou preocupada.
             -- No curral. – Apontou. – Pode vir comigo?
             -- Sim, sim, estou indo para lá, mas antes quero que vá buscar o meu material...
            O empregado nem mesmo esperou ela terminar e saiu correndo até a clı́nica, enquanto a jovem seguia para o lugar indicado.


           -- Como ? – A condessa indagava impaciente.
           Mattarazi estava no escritório. Fora arrancada da cama pelo administrador, tivera tempo apenas de tomar um banho rápido.
          -- Bem, simplesmente, roubaram três dos seus preciosos animais. 
             Vitória se levantou, batendo o punho fechado sobre a mesa.
          -- E você me fala assim? Simplesmente como se alguém tivesse pegado emprestado algo e logo devolveria. – Disse por entre os dentes.
          -- A senhorita demitiu todos os seguranças... – Disse baixinho.
          -- Então a culpa agora é minha?
         -- Eu não disse isso, apenas afirmo que não havia nenhum tipo de segurança para coibir esse tipo de ação.
         A condessa abriu a boca para falar algo, mas pareceu ter mudado de ideia, respirou fundo e soltou o ar lentamente.
            -- O que precisamente aconteceu? – Perguntou depois de alguns segundos.
         -- Levaram três animais e atiraram em duas vacas, uma morreu e a outra está em situação difı́cil.
         -- Como ousaram fazer tamanha maldade? – Passou a mão pelos cabelos. – Vá buscar a delegada agora mesmo.
          O homem não esperou uma segunda palavra, saiu rapidamente indo cumprir as ordens da patroa.
            Vitória sabia quem estava por trás daquela sujeira, tinha quase certeza de que os Duomonts estavam envolvidos. Estava tão furiosa que temia não se controlar por muito tempo.


              Clara estava chocada com a maldade que fizeram com o pobre animal.
             Ela ainda estava vida e ao fitar os olhos do bicho, sentiu um aperto no peito, era como se ele lhe implorasse por ajuda... Para que salvasse seu filhote.
            Pegou o material que o empregado lhe trouxe, lavou as mãos, colocou as luvas... Fez uma prece silenciosa, pois temia não poder salvar nem a mãe e tampouco o filho. Ao escutá-la, percebeu que o coração da cria ainda batia, então estava vivo, mas resistiria? Afinal, faltavam alguns dias para que ele estivesse pronto para vir ao mundo.


               A condessa seguiu até o curral e encontrou os peões formando um cı́rculo.
              -- Saiam daqui, voltem para o seu trabalho. – Gritou.
            Os homens se dissiparam rapidamente, ficando apenas um que estava auxiliando a veterinária.
          Observou o sangue, o animal que jazia quase morto e o empenho que a jovem que ali estava fazia para salvar a vida do bicho.
          A raiva que sentia dos Duomonts parecia ter chegado ao limite. Levantou-a bruscamente pelo braço.
             -- Deixe-a, ela já está morta. – Disse firmemente. 
            Clara a fitou confusa.
             -- O filhote ainda está vivo... – Retrucou.
             Vitória a encarou, estreitando os olhos ameaçadoramente, apertando-lhe o braço.
          -- Para que salvar? – Gritou. – Para a sua maldita famı́lia entrar aqui e tentar matar novamente.  
               A jovem se desvencilhou do toque.
              -- Farei o que for possível para salvá-lo e não permitirei que me impeça.
           O peão observou a patroa ficar ainda mais irritada, enquanto a jovem retornava ao seu trabalho.
             A condessa ficou ali parada durante algum tempo, observando a determinada Duomont abrir o animal com grande perı́cia e ficou surpresa ao perceber que o novilho realmente tinha sobrevivido.
             Afastou-se.


            Valentina chegou rapidamente à fazenda e encontrou a condessa na usina.
          -- Pensei que não viria mais. – A ruiva disse ao vê-la. – Sente-se. – Apontou uma cadeira.
          A delegada ignorou a ordem e continuou de pé.
        -- Batista já me adiantou o que aconteceu, abrirei uma investigação para apurarmos os fatos.                  Vitória relanceou os olhos.
        -- Você nunca faz nada, nunca encontra os culpados, mas dessa vez eu exijo que faça as coisas direitos.
          -- E quem é você para me dizer como fazer as coisas? – Bradou irritada.
          -- Porque a senhora só consegue fazer um bom trabalho quando sou eu a sua presa.
          -- Olha, condessa, eu não vou ficar aqui ouvindo suas acusações.
     -- Prenda Frederico Duomont! – Disse por entre os dentes. 
           Valentina meneou a cabeça negativamente.
           -- Não há provas que tenha sido ele a fazer isso.
           Mattarazi pegou uma garrafa que estava sobre a mesa e a espatifou na parede.
          -- Então encontre as provas, pois esse é o seu trabalho. – Bradou. 
          A delegada a fitou mais uma vez e saiu pisando duro.
      Vitória voltou a sentar, tentava manter a calma, respirando lentamente. Batidas na porta antecederam a entrada de Larissa.
          -- Bom dia, condessa. – Cumprimentou-a sorrindo.  Caminhou até ela. 
           – Você está bem? 
           A ruiva passou as mãos pelos cabelos.
           -- Alguns problemas... – Disse por fim. – Convidou-a a sentar. – Deseja falar comigo?
          -- Sim, porém não quero incomodá-la. – Sentou. – Posso ajudar em alguma coisa? 
          A condessa inclinou a cabeça para trás, cobrindo o rosto.
         A engenheira levantou-se, deu a volta, posicionando-se por trás da empresária. Tocou-lhe os ombros lentamente, iniciando uma massagem.
           -- Você está muito tensa, relaxe... – Falava baixinho.
           

           -- Onde está a condessa, Batista?
         Clara estava feliz por ter salvado o filhote, infelizmente a mãe não resistira aos ferimentos e morreu. Agora era necessário que o novilho recebesse cuidados para terminar sua formação.
           -- Está no escritório da usina. Algum problema?
          -- O novilho precisa ser levado para um hospital, pois é necessário que sua formação termine, caso contrário, ele poderá não ter muitas chances.
           -- Então vamos falar imediatamente com ela.
          Ambos seguiram apressados até a usina. Não era distante, então não demoraram a chegar lá. O garanhão pastava ali perto, sinal que a ruiva ainda estava lá.
           A secretária não estava em sua mesa, então, os dois visitantes entraram sem ao menos bater.                 Clara observou a curiosa cena.
         A condessa estava confortavelmente sentada em sua cadeira, havia tirado a jaqueta e naquele momento usava apenas uma camiseta, enquanto uma bela morena lhe tocava os ombros, massageando-a.
           Larissa não pareceu se incomodar com os intrusos.
           -- O que querem agora? – Vitória indagou. – Por que não se anunciaram?
           -- Perdão... – Batista começou.
           -- Não peça desculpas. – A Duomont tocou-lhe o braço. – Eu quis vir. – Encarou a empresária. – Preciso que providencie que o bezerro seja levado para uma clı́nica.
            -- Precisa? – A ruiva arqueou a sobrancelha. – Não vi um pedido em suas palavras.
           -- Talvez, porque eu não esteja pedindo... – Levantou o queixo desafiadoramente. 
             Vitória tocou as mãos da engenheira, depois levou-as aos lábios.
           -- Obrigada, Larissa. – Levantou-se. – Não sabe como seu toque me fez relaxar. 
           A jovem sorriu.
           -- Quando precisar, sabe onde me encontrar. 
           A morena lhe beijou a face, em seguida saiu. 
            Clara desviou o olhar.
            A condessa fez um gesto para que ambos se sentassem.
             -- Não tenho tempo para isso, só preciso que providencie o que eu disse.
             -- Eu perdi cinco animais, um a mais não fará diferença. – Disse irritada.
          -- É uma vida que está em jogo e se a senhora não providenciar a transferência do novilho adequadamente, eu o levarei de qualquer jeito, mas não o deixarei morrer sem que algo possa ser feito por ele. – Falou determinada.
            Vitória estreitou os olhos ameaçadoramente, mas fez o que ela tinha dito. Bastaram algumas palavras e tudo foi resolvido.
            -- Pode ir, Batista. – Dispensou o administrador. – Você tem coisas mais importantes para fazer do que ficar aqui perdendo tempo.
                O homem assentiu e saiu.
            A veterinária continuou parada no mesmo lugar. A ruiva caminhou até ela, segurando-lhe firme pelo pulso.
             -- Quem te deu o direito de falar comigo assim na frente de outras pessoas. – Fitou-a. – Não esqueça a posição que você ocupa aqui.
              Clara tentou se desvencilhar, mas dessa vez não foi tão fácil.
              -- Solte-me! – Exigiu.
            -- E se eu não quiser? – Provocou-a com um sorriso. – O que vai fazer? 
              A jovem mirou os olhos verdes e pode ver a provocação dançar ali.
             -- Deixe-me em paz...
           -- Por que está bravinha? – Aproximou a boca da dela. – Está com ciuminho? – Esboçou um sorriso enorme. – Está com ciúmes da minha bela engenheira?
             -- Para mim, você pode se deitar com quem quiser, isso não me interessa... – Disse baixinho. – Só não pense que deitará comigo novamente.
              Ela viu o maxilar da condessa enrijecer.
         -- Deito com ela e depois deitarei contigo... Quem garante que ontem eu não estive com a Larissa e depois com você? – Provocou-a.
           Vitória viu os olhos negros se encherem de lágrimas e na mesma hora se arrependeu do que tinha dito, mas a Duomont conseguiu se livrar do toque, saindo correndo da sala.
           A ruiva tentou alcança-la, mas ao saı́rem da usina, Clara montou no Bastardo que se encontrava pastando ali perto.
              Gritou seu nome, mas ela já saia desembestada. Pegou o cavalo de um dos peões e seguiu tentando alcançá-la. Chamou-a mais uma vez, mas foi inútil.
                Sentia-se arrependida por tê-la provocada daquele jeito. Pela primeira vez em sua vida a dor de outra pessoa a tocou profundamente. Odiava-se por tudo o que fez naquela manhã desde que a viu, desde que descarregara nela toda sua frustração, até tê-la humilhado falando coisas que tinha certeza que a machucariam
                   Esporeou mais o animal, então foi quando viu a jovem ser atirada violentamente ao chão.


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