Dolo Ferox -- Capítulo 5




         O detetive e Leonardo esperavam no carro quando viram Natasha se aproximar. Ambos foram ao encontro dela, entregando-lhe as muletas ao vê-la mancar mais do que de costume devido ao terreno acidentado.
        Era perceptível o humor caótico. Em nenhum momento ela fitara qualquer um dos dois, nem mesmo esperou por ambos.
          Entrou em silêncio no veículo.
       Os dois homens trocaram olhares, pareciam interessados em saber o que se passara, mas pareciam não terem coragens para verbalizar aquela pergunta. Seguiram de mãos dentro do bolso das calças, pareciam desolados.
          Imitando o gesto da arquiteta, sentaram nos bancos da frente.
          A ruiva sentiu o maxilar dolorido por estar tão enrijecido, aliviou a pressão. Tinha a impressão que ouvia as batidas descontroladas do coração...
          Mordiscou a lateral do lábio inferior demoradamente até que pareceu encontrar a própria voz. 
       -- Não me prestarei a isso, estou pouco me importando se essa garota estúpida será um bom disfarce, para mim não interessa… Que se exploda, que vá para o inferno com todo seu orgulho de pirralha estúpida!
       Os acompanhantes pareciam chocados com a explosão, principalmente o assistente, pois há muito tempo conhecia a bela mulher e sabia que ela não era dada a arroubos de emoções. Algo parecia muito estranho naquela situação.
       -- O que houve? -- O mais velho inclinou a cabeça para trás para fitá-la e pareceu procurar marcas em sua face. -- Ela te agrediu novamente? -- Observava com atenção cada detalhe.
          Acendeu as luzes internas.
          Os olhos verdes estavam escurecidos, a boca entreaberta...
          Teve a impressão que a viu corar… 
          Não, isso sim era um absurdo, jamais aconteceria isso com a arquiteta.
          Mais um tapa?
         Natasha não respondeu de pronto, apenas ficou calada durante alguns segundos. Em sua mente ainda rodava a imagem do beijo.
          Passou a mão pelos cabelos em um gesto nervoso.
         -- Deve haver algum jeito para que ela colabore sem que eu precise fazer esse papel ridículo. -- Dizia um pouco mais calma. -- Quem sabe se for oferecido uma pena mais branda ela aceite fazer esse papel… Ou dinheiro… Dinheiro resolve tudo sempre...
          Leonardo olhou demoradamente para o detetive.
          Ambos pareciam ainda mais preocupados com o fato.
          Rick quem se antecipou de forma cautelosa, encarando-a:
        -- Ontem conversamos sobre isso… Não podemos confiar em ninguém e mesmo que a Valentina não saiba de tudo, pode ser uma peça importante para chegarmos ao resto. -- Inclinou a cabeça para vê-la melhor. -- Entendo que não é uma situação fácil, mas precisa entender que tem coisas que precisam ser feitas, essa é uma delas...
      A arquiteta cerrou os dentes enquanto olhava pela janela. Observava tudo com atenção sem parecer ver nada. Havia algo que começava a lhe perturbar demasiadamente naquele momento.
        Inconscientemente umedeceu os lábios e teve a impressão que o sabor dela estava ali… A boca que desejou devorar...
         Encarou o mais novo com um olhar pesado.
       -- Eu não conseguiria nem se fizesse um curso extensivo fazer o papel da Nathália…-- Falou baixo. -- Se no físico temos semelhança assustadora, na personalidade somos como um dia ensolarado e uma tempestade de neve… A minha irmã tem modos… Mesmo que saibamos que não passa de fingimento… -- Meneou a cabeça. -- Eu não sei lidar com pessoas, ainda mais quando se trata de uma relação...
        Leonardo entendia a metáfora que ela utilizava muito bem e não havia dúvidas de quem ela era naquela história.
       Por um momento visualizou a garotinha de cabelos vermelhos sempre em um canto da enorme mansão da duquesa… Por um momento viu a adolescente solitária e perdida dentro dos seus próprios pensamentos… Mas depois conseguia ver a mulher que passara um ano dentro de uma prisão sem ter cometido um único crime…
         Mesmo que ela não quisesse e não aceitasse, desejou abraçá-la.
          A voz do detetive lhe tirou das suas divagações.
          -- Natasha, precisa entender a gravidade das coisas…
        -- Eu entendi e já tentei duas vezes… -- Mordiscou o lábio inferior. -- Deixo nas suas mãos, nada mais farei.
          Rick assentiu, enquanto ligava o carro e se afastavam do lugar.



          Valentina seguiu para o banheiro improvisado do trailer.
          Despiu-se rapidamente, entrando sob a ducha fria… Gelo…
         O pequeno retângulo parecia minúsculo naquele momento… A luz parda iluminava o lugar e era possível ver os espasmos que que atingia a circense.
           A água caia em cascata sobre seu corpo, parecendo chicotear sua pele… Deixando-a trêmula... Pegou a esponja e começou a esfregar freneticamente o pescoço, a face… Os seios… 
Teve a impressão que a ruiva estava ali… FItando-a com aquele olhar inflexível e cheio de deboche.
Como alguém mudava tão rápido?
Aquela não era o ser humano que se apaixonara… Não… Jamais se encantaria por alguém com aqueles terríveis modos...
Fechando o punho, bateu com força contra a lataria.
Deveria ter batido do outro lado da face dela, deveria ter executado a ação com mais força, assim, nunca mais ela apareceria por ali.
-- Maldita desgraçada!
Furiosa, desligou o registro, pegou a toalha gasta, enrolando-se, saiu do banheiro.
Caminhou de volta ao quarto
          O pequeno espaço estava arrumado e sobre a cama jazia um livro e um caderno que ela deixara antes de seguir para o espetáculo daquela noite.
           Livrou-se do tecido…
           Sentia-se feliz por estar na segurança do seu lar.
         Estava acostumada a viver naquele lugar e era muito grata, pois na época que estivera na rua, não havia um luxo como aquele.
          Vestiu uma camiseta colada ao corpo e uma calcinha, depois seguiu até o espelho para cuidar da pele e foi nesse momento que viu o lábio ferido.
            O rosado ainda lhe enfeitava as bochechas e não fazia parte da maquiagem...
          Aproximou-se mais do reflexo e observou que não só estava machucado como inchados pela forma violenta que foram tocados.
         Fechou os olhos por alguns segundos e de repente lembrou da forma selvagem que fora atacada, da forma brusca de ter sido tomada…
          A boca era tão arrogante quanto a dona estava se mostrando…
          Levantou a blusa e viu as marcas dos dedos fortes quando fora apertada pela cintura… Passou os dedos pelas manchas lentamente...
           Cerrou os dentes!
           O que se passava?
           Ainda sentia o cheiro dela impregnado em sua pele… Ela mudou o perfume?
           Meneou a cabeça tentando se livrar daqueles pensamentos.
           Voltou a fitar os lábios...
           Quem era aquela mulher?
           Foram seis meses ao lado dela, encontravam-se dia a dia, recebia flores, poemas, saiam juntas, mas em nenhum momento Nathália agia de uma forma tão tempestuosa. Era sempre cheia de delicadeza…Gentil em seus mínimos atos… Recordava os beijos delicados...
            Fechou os olhos e lembrou o que trocara tão diferentes daquele…
            Contornou-os com a língua…
            Irritada, limpou-os com o pulso, fazendo-o grosseiramente para que não ficasse vestígios.
            Seguiu até a cama, deitou-se.
           Não, não iria cair naquela conversa… Sabia que era mais uma vez um truque daquela mulher tão bonita.
            Mas o que iria fazer com a criança que estava crescendo dentro de si?
            Precisava arrumar um emprego, alguma coisa que pudesse lhe ajudar a sustentar esse bebê…
            Acariciou o ventre…


            Dois dias depois…
            Leonardo estacionou o carro diante da grande lona colorida.
            Era uma tarde fria, o sol brilhava calmo, suave…
         Nem mesmo sabia o que estava fazendo ali, nem mesmo acreditava que sua visita poderia mudar alguma coisa, mas pelo menos tentaria de toda forma ajudar a Natasha.
         A ruiva não estava bem e seria até mesmo cruel pressioná-la para seguir com aquele plano naquele momento, seria insensível fazê-la ir até ali mais uma vez.
            Pegou o aparelho celular e mandou uma mensagem para o detetive.
          Rick andava muito preocupado, ainda mais quando a arquiteta deixara claro que não moveria mais uma palha para seguir com aquele plano. Ele temia pela segurança da Valerie, tinha certeza que não demoraria para que fosse novamente atacada.
            Meneou a cabeça irritado.
            Onde estaria a Nathália?
            Por que ela armou um plano tão cruel?
         Pensou em discar o número da Valerie… Queria entender o que havia se passado no último encontro, assim seria mais fácil na hora de usar seus argumentos.
            O que teria acontecido, afinal, na vez que se viram?
         Natasha se negava a falar sobre o ocorrido, apenas deixava claro que não retornaria àquele lugar.
             Suspirou cansado, sabendo que tudo seria mais difícil do que pensara. 
             Desceu do veículo e seguiu pelo acampamento.
             Era um terreno grande, onde vários trailers ficavam. Observava tudo com bastante atenção. 
Crianças brincavam… Algumas pessoas que deviam trabalhar ali lhe encaravam com curiosidade.
            Aproximou-se de alguns jovens que faziam malabares com maçãs.
            -- Boa tarde! -- Cumprimentou com simpatia.
         Os rapazes o fitaram com cara de surpresa, afinal, não era comum um homem de terno e gravata e um carro esportivo aparecendo por ali antes da hora do espetáculo.
           -- Pois não, senhor, deseja alguma coisa? -- Indagou um dos garotos ao levar uma fruta à boca, mordendo-a. -- O espetáculo só começa às nove.
           O assistente de Natasha esboçou um sorriso.
           -- Na verdade estou procurando por uma pessoa.
           Os adolescentes se entreolharam desconfiados.
           -- Quem?
           -- Valentina Rodrigues.
           Os rapazes ficaram ainda mais intrigados com aquilo.
       Antes era sempre uma bela mulher elegante que aparecia ali, agora aquele senhor que com certeza fazia parte da mesma classe social da madame. 
           -- O que deseja com ela?
           O homem colocou as mãos nos bolsos, tentando parecer não estar tão ansioso.
           -- Não é nada sério, apenas a vi em uma apresentação e gostaria de lhe fazer um convite.
       Leonardo percebia como eles continuavam cismados e já pensava na próxima desculpa a inventar quando foi surpreendido.
           Um dos rapazes decidiu colaborar. 
          -- Ela está lá dentro. -- Apontou para a grande lona. -- O treino terminou há alguns segundos, porém ela continua lá… 
            O assistente agradeceu com um sorriso, seguindo para onde fora lhe informado.

             Valentina estava sentada no chão e alongava as costas…
              Esticava os braços… Dava uma atenção maior as pernas longas...
              Ficou feliz por todos terem ido embora depois do treino.
          O filho mimado do dono estava cada vez mais intratável devido às suas dispensas. Não cogitava a possibilidade de ter algo com alguém como ele…
              Mexeu o corpo em movimentos lentos...
              Naquela noite também dançaria…
             Fitou os lugares que logo mais estariam cheios… E não podia negar a presunção de saber que em grande parte era por sua causa. Hoje faria ainda melhor, ainda mais o número que seria acrescentado.
             Há tempos não fazia aquilo, porém isso lhe renderia uma grana a mais e isso seria perfeito.
Estava pensando em falar com o dono do circo, pedir que a deixasse ficar, mesmo quando estivesse nas vistas o estado, estava disposta a trabalhar de graça se ele permitisse, contanto que tivesse um lugar para ficar.
            Tudo precisaria ser feito com muito cuidado, pois temia a ira de Cézar quando tudo fosse dito. Sabia que o loiro não aceitaria de bom grado que ela teria um bebê e não sendo ele o pai.
            Lembrou-se de Pepi, deveria protegê-lo daqueles problemas. Ele já estava velho, com certeza não conseguiria outro trabalho naquela altura… Ele sempre fora muito bom consigo, acolhendo-a como uma filha, protegendo-a e ensinando-a uma profissão.
            Sorriu ao lembrar como era maravilhoso quando era uma criança e contracenava com ele.
            Ouviu passos, aprumou-se. 
            Finalizou os exercícios, levantando-se. 
         Fitou o homem de cabelos finos e brancos, barba bem feita, alto e com o corpo bem distribuído. Dava para ver que usava terno elegante e na medida certa. Com toda certeza não fazia parte do seu mundo.
          Observou o caminhar discreto, esboçando um semblante simpático.
          Quem poderia ser?
          -- Senhorita Rodrigues? -- Indagou quando estava bem próximo.
          Sim, ele sabia que era ela, apenas indagou como forma de aproximação.
          Ela era muito mais bonita do que nas fotos que Rick mostrara, mas não era apenas aquilo, havia algo diferente… Ainda não sabia o quê, porém a fitá-la sentia uma familiaridade, como se a conhecesse…
          Fitou a postura tão elegante… O corpo sensual…
          Natasha teria prestado atenção àquilo?
          Desde a morte de Verônica ela não se relacionou com mais ninguém...
          Os olhos negros olharam o homem com relutância, mas acabou assentindo com a cabeça.
          -- Sou Leonardo Antoniti! -- Estendeu-lhe a mão.
        A trapezista observou o gesto pendendo no ar em cumprimento, hesitou por alguns segundos, mas o aceitou.
           -- Sou Valentina Rodrigues… O que o senhor deseja?
           O assistente da Valerie observou o local.
            Tudo estava vazio, mas as luzes já estavam acesas, focando o picadeiro.
           Mirou a arquibancada onde as pessoas logo ocupariam.
        Não era um circo importante pelo que pôde ver, havia alguns buracos na enorme lona azul e branca.
           -- Não poderíamos conversar em um lugar mais reservado?
           Os olhos da morena se estreitaram em desconfiança.
       -- Infelizmente não, senhor, logo começará as apresentações, tenho pouco tempo para conversar… Diga o que deseja! -- Ordenou.
              O homem pareceu surpreso com o tom imperativo, mas apenas esboçou um sorriso.
               Leonardo sabia que precisava falar logo e tinha certeza de que a moça não gostaria nada.
Com um suspiro, assentiu.
              -- Estou aqui para falar sobre a senhorita Nathália…
              O rosto suado da circense adquiriu o rosado nas bochechas.
           A expressão de exasperação substituiu a de cisma. Os lábios bonitos se fecharam em uma linha fina de reprovação.
          Passou aqueles dias a relembrar odiosamente o beijo que trocaram, ainda sentia a raiva dentro de si por ter cedido, por ter aceitado a forma que fora subjugada.
            Suspirou irritada!
        -- Não tenho nada para falar sobre essa mulher, senhor, então peço que se retire daqui. -- Apontou-lhe a abertura que servia como porta. 
            Antoniti sabia que teria que continuar e sob o olhar irado pegou a pequena maleta de couro que trazia consigo.
           -- Filha, eu entendo sua raiva… -- Abriu a pasta, pegando um envelope, entendeu para a jovem. -- Gostaria que desse uma olhada, por favor...
                Valentina observou o invólucro, mas não fez menção de aceitar.
                 Passou a mão pela tez, ignorando totalmente a tentativa. 
                 Leonardo voltou a encará-la, tentando não perder o contato entre eles. 
               -- Aqui estão os laudos que confirmam que a Nathália não esteve bem nos últimos meses… passou por momentos conturbados… Ainda nem recuperada está… Mas fora teimoso e veio até você...
             Por alguns segundos, ele conseguiu ver um lampejar de preocupação nos olhos tão negros, mas não durou muito e a indiferença assumiu o lugar. 
             -- Eu não sei o que o senhor sabe, porém digo que nada que me fale mudará meu conceito sobre ela… -- Girou nos calcanhares para ir embora.
                O assistente a viu seguir em passos firmes. Não podia desistir tão rápido, deveria insistir.
                -- Está sendo injusta… -- Falou calmamente.
          Valentina ouviu a mesma palavra de algumas noites atrás, mas o tom era diferente, até conciliador e não tão acusativo como o da ruiva.
                 Respirando fundo, parou.
                Quem aquele homem pensava ser para falar algo assim se nem mesmo sabia o que havia se passo?
                 Fechou as mãos ao lado do corpo.
               -- Injusta? -- Ela virou para ele. -- Injusta foi a sua “sei lá o quê” me enganar fingindo que estava apaixonada por mim e depois jogar na minha cara um monte de barbaridades…-- Apontou-lhe o dedo em riste. -- Onde está o maridinho dela? Ele sabe que ela está atrás de mim como um cadela atrás de osso?
                 Leonardo pareceu perplexo com a última informação.
                 Ela sabia que Nathália era casada!
                 Mas como?
                 -- Passar bem, senhor!
                Ele permaneceu ali parado sem argumentos para trazer a garota de volta. Fora surpreendido pela revelação que recebera.
                Como agora agiriam?
              Não era apenas uma raivinha de namoradas, havia muito mais por trás de tudo isso, havia uma situação embaraçosa e difícil de resolver.
                 Suspirou em total desespero, deixando cabisbaixo o lugar. 




                  Fora preciso chamar uma fisioterapeuta para ajudar a ruiva com suas dores.
              Os analgésicos passados pelo médico não surtiram muito efeito, apenas a hidromassagem cheia de gelos aliviava.
                 Natasha gemia ao fazer os exercícios.
                A perna esquerda parecia totalmente desprovida de forças. Aumentava a pressão... Trincava os dentes tentando conter o desconforto.
                Tinha retornado à capital, pois só lá contava com a assistência necessária a sua recuperação. Um dos quartos da mansão fora adaptado com equipamentos para que ela pudesse ser atendida sem necessitar de se deslocar.
               Havia uma hidromassagem cheia de gelos. Esteiras, supinos, maquinários para fortalecer as pernas. Uma cama também fora montada para as massagens.
           Os que achavam que estava lidando com Nathália não sabiam que o problema da ruiva era algo antigo, pensavam que fora muito ferida no atentado que sofrera.
              Leonardo tinha acabado de chegar e a viu sentada sobre a esteira.
          Estava com a cabeça baixa, pelas roupas que vestia era possível notar o esforço já feito, estavam molhadas de suor. Os cabelos vermelhos molhados como se tivesse acabado de sair do banho.
              Ouvia a respiração acelerada dela… O vermelho que tingia seu corpo...
              Viu a fisioterapeuta parada, observando-a com um semblante preocupado.
              Doutora Helena acompanhava o caso há muito tempo.
            Uma mulher alta, de seus quarenta anos, exibia belos cabelos loiros e um sorriso simpático. Era muito bonita, parecia atleta pelo corpo tão bem cuidado.
               -- Acho que será preciso uma nova intervenção, Natasha, machucaram muito sua perna…
         Helena era de total confiança, então eles não costumavam esconder nada dela, pois necessitavam dos seus trabalhos.
           O assistente a viu levantar a cabeça e viu aquela força e determinação que nunca a abandonava.
                    Parecia a mesma menininha que Isadora passou a vida a torturar...
                    Observou-a limpar a face com as costas da mão, pegou a muleta e se levantou.
                 Seu olhar trazia a mesma máscara de indiferença que exibia para todos. Agia sempre como se nada a atingisse, quando quem convivia com ela intimamente sabia que era tudo faz de conta. Mas o que se esperaria de alguém que sempre viveu sozinha? Alguém que nunca sabera o que era ser motivo da preocupação e zelo de alguém?
                  -- Obrigada, doutora, nos encontraremos na próxima sessão.
             A fisioterapeuta suspirou impaciente, enquanto deixava o recinto, cumprimentando no caminho o homem que observava tudo ali parado de forma desanimada.
                    A Valerie vestiu um roupão atoalhado, depois seguiu até uma poltrona, sentando-se.
                    -- Quando chegou?
                    Leonardo a fitou demoradamente.
                    -- Ainda pouco, vim direto para cá. -- Puxou uma cadeira, colocando de frente para ela. -- Talvez deva fazer o que a Helena disse.
                    A ruiva começou a massagear as têmporas. Sua cabeça doía, seu corpo… Sua alma…
                    Respirava lentamente.
                  Há alguns dias a situação da Valentina não saia da sua mente… Ainda lembrava do beijo que trocaram.
                    Por que tinha a impressão que ainda a tinha nos seus lábios?
                    Há quanto tempo sua boca não tocava outra?
                 Não negava que se relacionava sexualmente em alguns momentos, mas era algo puramente físico, apenas sexo, sem palavras, sem delicadezas, sem contatos sublimes...
                -- Isso não é algo que me interessa agora… -- Encarou-o durante alguns segundos. -- E então conseguiu convencer a trapezistazinha de que eu não sou culpada… -- Relanceou os olhos em tédio. -- Essa garota está se achando muito, agindo como se fosse a dona do pedaço.
                    Leonardo a repreendeu com o olhar.
                -- Nath, você não sabe o que descobri… -- Esperou que o olhar indiferente fosse substituído para continuar, mas como não aconteceu, prosseguiu -- A Valentina sabe que a sua irmã era casada.
                A ruiva pareceu ponderar por alguns segundos.
               -- Ela se envolveu com ela sabendo disso? -- Indagou perplexa. -- A Nathália escolheu bem a amante. -- Disse com desdém. -- Não irei perder meu tempo tentando convencê-la de nada, simplesmente traga-a aqui, ela tem uma criança crescendo em seu ventre e essa criança é minha… Posso mandá-la para prisão por tudo isso. -- Torceu a boca. -- Desavergonhada!
               Antoniti parecia estupefato.
              -- Natasha, você ouviu o que Rick disse, não sabemos muito sobre a Valentina, nem sabemos quem está à espreita… Precisamos ser espertos… Você corre o risco de ser presa se não provar que fora sua irmã que cometeu todos os crimes.
            -- Mas como farei isso? -- Jogou a muleta no chão. -- Estou quase aleijada, a garota não aceita que me aproxime… Nem você conseguiu.
             -- Fiquei pensando em algo… Ela tá esperando um bebê… Não vai poder trabalhar… Que tal casarem-se?
Os olhos verdes quase soltaram de órbita. 
              A pele pálida fora acometida pelo corado de fúria.
             -- Calma, tá! -- Leonardo fez um gesto com as mãos. -- Seria tudo arranjado, nada seria real, mas pelo menos, você teria a Valentina como trunfo.
              Natasha começou a massagear a coxa dolorida. 
              Tinha a impressão que bastava falar o nome da circense e tudo piorava.
            -- E como você acha que vou conseguir algo assim? -- Questionou sem fitá-lo. -- Você disse que ela sabe do enlace da minha amada gêmea virtuosa… Seria bigamia… Fingimento… -- Fitou o idoso com um arquear de sobrancelha. 
              Leonardo pigarreou.
            -- Você é uma mulher bonita, inteligente… Seduza-a! Ela gosta da sua irmã, era apaixonada, tente...
              A ruiva o olhou como se aquilo fosse a coisa mais surreal a se dizer.
            Ela não era Nathália, não sabia lidar com as pessoas, não tinham as formas delicadas, o jeito que seduzia a todos com um simples sorriso.
            Ela era Natasha, a filha amaldiçoada de uma família de nobre ingleses, a filha que herdara a selvageria dos seus antepassados da mesma forma que os cabelos flamejantes.
            -- Isso é impossível e você sabem muito bem disso… Só houve uma mulher e mesmo assim… Mesmo assim...
            Leonardo se aproximou, agachando-se.
            -- A Verônica te amava e nós sabemos bem disso…
            Os olhos verdes o encarou por intermináveis segundos.
            Amava?
            O que fora aquela relação?
          -- Mas eu não… Não sei o que significa essa palavra que tantos falam… E ela morreu por causa disso…
             -- Foi um acidente… Um terrível acidente…
             Com muita dificuldade, a ruiva se levantou.
              Apoiava-se em uma única perna, para não lesionar ainda mais a outra.
            -- Vamos fazer do meu jeito… -- Disse com os dentes cerrados. -- Não perderei mais tempo com essa circense miserável. Não tenho esse tato e essa paciência que você tem.
             Leonardo ainda abriu a boca para questionar, mas preferiu ficar calado, pois sabia que ela não escutaria nada que fosse dito. Por fim, assentiu, rezando para que as decisões que ela tomasse não fossem tão radicais.


Valentina estava diante do dono do circo.
              O homem  fora até seu trailer.
            Alto, magro e com seus quase cinquenta anos. Ele exibia aquela aparência estranha de pirata falsificado. Usava sempre um lenço vermelho nos cabelos longos e brincos em ambas orelhas.
              A morena já estava vestida para a apresentação daquela noite.
              A jovem vinha se esforçando cada vez mais para que quando chegasse o momento de contar a verdade não fosse dispensada pelo dono.
               Fitou-o e percebeu que ele tava muito preocupado.
               -- Você não entrará no picadeiro hoje! 
               Os olhos da moça demonstravam total surpresa.
               Passou a mão pelos cabelos, arrumando os fios rebeldes por trás da orelha.
            -- Recebi a visita hoje de pessoas que ameaçaram fechar meu negócio… -- Fitou-a apreensivo. -- Sinto muito, Valentina, mas preciso que deixe imediatamente o acampamento.
               Os olhos negros se abriram em total desentendimento.
              -- Mas como assim? -- Indagou confusa. -- O que eu fiz de errado? -- Questionava cheia de emoção. -- Estou fazendo tudo da melhor forma, o público está gostando das minhas apresentações… -- Deu um passo até ele. -- Foi o Cézar?
               O homem passou a mão na cabeça.
           Valentina era uma verdadeira mina de ouro. Ela era uma das atrações mais requisitadas, porém não poderia arriscar tudo, levando em conta que não costumava seguir as regras, poderia ser processado e ainda parar na cadeia.
            Não tinha outra solução.
        -- Eu gosto muito de você… A conheço desde que era uma criança… Ria quando entrava naquele palco ao lado de Pepi e fazia palhaçadas… Agora vibro quando está voando no trapézio com meu filho, porém agora você deve partir…
         -- Como assim? -- Indagou ainda mais confusa. -- Está me expulsando? Sabe que não tenho para onde ir...
       Antes que o homem pudesse explicar, a porta do trailer se abriu e logo ali entrava Natasha Valerie.
           Valentina observou a mulher toda vestida de preto.
        Calça social que se adequava e se ajustava as pernas longas. Usava uma camisa de botões e mangas compridas também colada às formas feminina. 
           Os cabelos ruivos estavam soltos e pareciam um pouco mais curtos.
           A trapezista sentiu uma corrente elétrica passar por todo seu corpo em forma de fúria.
          Há mais de uma duas semanas não a via e chegara mesmo a pensar que ela tinha desistido, mas eis que a odiosa e mentirosa aristocrata aparece à sua porta.
          Observou que o dono do circo não parecia surpreso com a presença da desconhecida e não fora difícil perceber o que se passava.
            Ele pigarreou, enquanto saia imediatamente do trailer.
            Quando estavam sozinhas, Natasha a fitou.
            O corpo da morena era ainda mais bonito naquela roupa tão sensual.
            Meneou a cabeça irritada.
            Desde quando a achava sexy?
           -- Então agora desceu ainda mais o nível? -- Valentina questionou enquanto colocava as mãos na cintura. -- O que mais de podre está escondido por baixo dessas suas roupas elegantes, duquesa?
           Natasha observou o relógio que trazia no pulso, parecia mais preocupada com a hora que com a explosão da jovem.
          Não poderia se demorar, pois não gostava de dirigir durante a noite e ainda mais de madrugada.
Seria rápida, não haveria motivos para enrolações. 
          Voltou a fitá-la.
     Os olhos verdes não traziam nenhuma emoção, apenas havia uma frieza cortante, total indiferença.
           -- Você vai ter um filho que tem os meus genes, acha que eu ignoraria isso?
        Valentina levantou a cabeça em desafio, aproximando-se. Inicialmente demonstrava surpresa, agora desprezo. 
        -- Ah, sim, agora entendo o motivo para sua insistência… -- Passou a mãos pelos cabelos longos. -- Pois saiba que não se aproximará do meu filho e tampouco cairei nas suas chantagens.
            A ruiva deu alguns passos, chegando bem perto dela.
            A morena sentiu o cheiro dominador, aquele perfume forte e embriagante.
            Miraram-se por intermináveis segundos em uma batalha de vontades...
           -- Bem, eu só quero a criança, depois você pode voltar para cá e agir como prostituta dançando para esse homens.
       Quando a circense levantou a mão para esbofeteá-la, Natasha parecia ter previsto o ataque, segurando-lhe o pulso.
           Encararam-se em intensa raiva..
           O nariz de Valentina frenava e como uma água selvagem tentando se libertar.
            A arquiteta pressionou mais a pele delicada. 
            -- Violência não te levará a nada! Aja como um ser civilizado e tudo ficará bem…
            A trapezista se desvencilhou do toque bruscamente.
            Mirou a pele e começou a massagear para que o sangue voltasse a circular.
            Encarou-a cheia de fúria.
            -- Saia daqui! -- Apontou-lhe a porta. -- Suma da minha vida de uma vez por todas.
            Natasha observou uma cadeira e ignorando o olhar de ódio, sentou-se.
            Não podia ficar tanto tempo de pé.
            Observava tudo com atenção.
             Seu olhar foi atraído por fotos que formavam um belo painel. 
             Uma criança vestida de palhacinha…
             Meneou a cabeça, depois fitou-a.
            -- Isso não vai adiantar nada… Se eu sair daqui sem você, esse lugar que você conhece como lar, essas pessoas que você vê como família perderão tudo… -- Pegou o celular do bolso da calça e como se fosse a coisa mais natural começou a checar os e-mails. -- Os jovens poderão arrumar trabalho, mas e os idosos e você grávida? Ninguém irá empregá-la e eu farei questão de me certificar disso. -- Terminou o que fazia, fitando-a. -- E então, isso vai ser feito da forma mais fácil ou da mais difícil? -- Indagou com um sorriso de lado. 
             Valentina a olhava e era como se estivesse a buscar algo que a fizesse reconhecer a mulher que ali estava.
               Os cabelos, a pele, a voz, tudo era tão idêntico, mas havia algo que não reconhecia…
             Ali não estava a Nathália que a tratava cheia de carinhos, que respeitava seus gostos… Ali era a duquesa que achava que poderia fazer o que bem entendesse sem se importar com o que os outros queriam.
               Não imaginou que ficaria ainda mais decepcionada com a ruiva...
               -- Como pode agir de forma tão baixa? -- Indagou perplexa. -- Você não é a pessoa pela qual me apaixonei… -- Desabafou em desgosto. 
              Natasha viu o olhar cheio de decepção.
              O maxilar enrijeceu.
              Não, ela não era, nunca seria...
         -- Eu não tenho que te dar nenhum tipo de explicação… Se tivesse agido com sabedoria, teríamos evitado isso. -- Levantou-se. -- Venha comigo agora e me poupe de escândalos infantis… Não sou uma pessoa adeptas a essas birras de pirralhas.
A morena a observou levantar e ficou a pensar qual alternativa tinha naquele momento? Poderia se negar a ir? Como ficaria todos se tomasse essa decisão? Pepi?
Ela teria mesmo coragem para cumprir a ameaça?
Bastou olhá-la para ter certeza de que sim. Não havia nenhum tipo de sentimento dentro dela.
Engoliu em seco!
Poderia fugir…Iria para longe...
-- Saia, arrumarei as minhas coisas e te encontro.
A Valerie observou tudo ao redor com olhar de desprezo, desdenhosamente meneou a cabeça negativamente.
-- Nada que tem aqui será necessário… Peça que guardem ou joguem no lixo… Venha comigo agora mesmo!
-- Quem pensa ser? -- Indagou esbravejando. -- Quem pensa que é para dizer o que é ou não necessário?
Valentina chegou mais perto, fitou os olhos tão claros… Mirou os lábios rosados…
Natasha sustentou o olhar raivoso.
Sentia a fúria dela e o desprezo… Com isso ela conseguia lidar muito bem.
Colocou as mãos nos bolsos da calça, sentiu a aliança que sempre carregava consigo.
-- Apenas faça o que disse, pois se não o fizer, com certeza, vai se arrepender… -- Falou calmamente.
Valentina fez um gesto afirmativo com a cabeça.
             -- Você é o ser mais sujo que tive o desprazer de conhecer… -- Sorriu amargamente. -- Em pensar que sonhava em viver ao seu lado, que desejava ficar contigo e construir uma família… Que espécie de monstro é você?
               Os olhos verdes se estreitaram.
               Os dentes alvos trincaram…
                Sim, era um monstro… E não se importava em mostrar o contrário.
               Chegou mais perto, praticamente roçando os corpos.
               Observou os seios seguindo o ritmo acelerado da respiração.
               Umedeceu os lábios demoradamente.
             -- Acostume-se! -- Afastou-se, seguindo até a porta. -- Vamos, senhorita! -- Fez um gesto com a mãe apontando a saída. -- Sua carruagem a espera… Seu conto de fadas começa agora…
             Valentina viu o sarcasmo brincar naquele sorriso e decidiu apenas assentir, enquanto seguiam.
             Natasha caminhava mais atrás, enquanto via a trapezista pisar firme no chão. Não costumava perder tempo com negociações dramáticas. Era uma mulher de negócio. Prática e objetiva em suas ações e não seria uma garotinha boba que faria que as coisas fossem o contrário.




             Leonardo tinha chegado ao apartamento da arquiteta.
             Passara toda noite preocupado, pois ela não atendera nenhuma das ligações.
             Estava parado no hall quando viu a ruiva descer lentamente as escadas.
             Usava um roupão branco atoalhado e os cabelos estavam presos em um coque frouxo. 
            Estranhou o fato dela ter ido para aquele endereço, imaginou que ficaria na mansão por mais tempo.
             -- Fiquei preocupado… Você sumiu e simplesmente disse que resolveria tudo do seu…
             Antes que pudesse terminar a frase, seus olhos focaram o sofá e viram a jovem lá deitada.
             O idoso levou a mão aos lábios, cobrindo-os.
             Então fora aquilo…
             Mas quais meios usara para conseguir aquele intuito?
          Natasha deu de ombros e por alguns segundos fitou a mulher que estava deitada sobre estofado.
Chegaram de madrugada à capital.
            A ruiva sentia dor em todo o corpo e para completar, Valentina não falara uma única palavra e não aceitara ocupar nenhum quarto, ficando ali e pelo que via o cansaço a venceu também. 
            Não voltaram a trocar uma única palavra, apenas via o olhar acusativo durante todo o tempo.
Suspirando, seguiu pelo hall, caminhando lentamente até uma porta alta e de mogno.
            O assessor pareceu ter se recuperado segundos depois, indo até onde estava a empresária.
            Ao adentrar, viu a ruiva sentada diante do piano antigo, mas bem conservado.
            Aproximou-se.
         Desejava saber como tudo aconteceu e sabia que se não perguntasse, ela jamais falaria sobre isso.
            Tomando coragem, falou:
            -- Como a trouxe? -- Questionou preocupado. -- Como a convenceu?
         A Valerie parecia não ter ouvido nada. Apenas mirava as teclas e com o dedo maior tocava aleatoriamente, produzindo um som baixo.
            Com as mãos cruzadas, esticou os dedos.
            Há dias não se debruçava e aproveitava sua paixão de vida. Nathália não sabia tocar, então precisava tomar cuidado com esse detalhe.
          Leonardo sabia que deveria apenas esperar, então sentou-se em uma poltrona, cruzando as pernas.
          Natasha não cederia, nem agiria de forma diferente, isso sempre foi óbvio. Então não adiantava montar um plano perfeito para que ela se aproximasse da morena, pois ela tinha os próprios métodos.
          Ouviu o primeiro LA, depois o la sol fa…
          Ele sorriu.
          Fechou os olhos e os acordes da grande obra o fantasma da ópera saia dos longos dedos.
          Ele sabia que mesmo ela tendo suas próprias composições, era aquela música que fazia parte do seu repertório, da sua história…
            Mas ela não era a cantora… Mas a alma dela estava ali.



            Valentina despertou.
           Mirou as paredes pintadas em creme, o imenso e caríssimo lustre sobre sua cabeça. Ao mexer, sentiu a maciez do sofá de couro…
            Mirou a escada em caracol que dava para o piso superior...
           Por algum tempo, seus olhos não conseguiram reconhecer o lugar, por frações de segundo ficou a buscar os pôsteres pregados no seu trailer. Buscou as roupas coloridas… Mas havia apenas aquela total indiferença. Os móveis elegantes…
               Levantou-se de supetão e sentiu tontura.
               Não demorou muito para as cenas da noite passada voltar a sua mente…
               Olhou para a porta e se viu entrando com aquela mulher que um dia imaginara amar…
                Lembrou das longas horas de silêncio durante a viagem…
                Passou a mão pelos cabelos numa tentativa de arrumar a bagunça.
                O que faria naquele lugar?
                Andava de um lado para o outro pensando em uma forma de sair daquele problema. 
             Ela tinha total certeza de que nem mesmo o interesse pela criança que a ruiva demonstrava era verdadeiro. Mas se não era aquele o desejo dela, o que seria?
               Tentava puxar pela cabeça algo que pudesse lhe ajudar, algum fato que se passou entre elas e que poderia iluminar suas ideias, mas parecia vão seus esforços.
                 Mordiscou o lábio inferior.
                 Ouviu o som de um piano…Forte… Dominador… Havia mais que uma música...
                 Mirou na direção de onde saia, seguindo lentamente até lá…
                A porta não estava totalmente fechada, então conseguiu ver longos dedos deslizando sobre o bonito instrumento musical.
                  Estreitou os olhos, fitando com atenção tudo o que via.
              Viu o homem que estivera no circo sentado confortavelmente numa poltrona de um único lugar. Mais além havia uma escrivaninha cheia de papéis e uma computador portátil jazia aberto…
                  Mais uma vez sentiu-se invadida pelo som...
                  Não lembrava de alguma vez em sua vida ter ouvido aquela melodia…
                  Era como se tivesse vida… Como se lhe tomasse, prendendo-a furiosamente...
                  Empurrou mais a porta e teve uma visão melhor…
                  Nathália tocava… Era ela quem produzia aquele som…
                  Observou-lhe a face… 
                  Os olhos estavam fechados…
                  Ereta… Régia! 
                  Os lábios rosados estavam entreabertos…
                  Mirou mais uma vez a perfeição em que os dedos executavam as notas…
                  Não sabia daquele dom, nunca falara sobre aquele talento…
                  Quantas coisas ainda descobriria sobre aquela mulher que um dia imaginou conhecer?
                  De repente a música cessou e logo os olhos verdes que permaneceram fechados por todo o tempo, agora estavam abertos e fixos em sua face.
                  Era tão intenso… Parecia lhe tocar a alma… Como a música...
                   Leonardo viu a jovem parada à porta…
                  Viu-a se afastar e logo levantou-se.
                  Natasha bateu com o punho fechado sobre o móvel.
                -- Vá atrás dela e faça com que ocupe um dos quartos porque não vou querer vê-la sobre o meu sofá toda manhã… 
                 O homem se aproximou, apoiou a mão no instrumento, fitando-a.
                  Tentava manter a calma, mas não era uma situação fácil mesmo para alguém tão pacífico.
                -- Quando disseste que seria do seu jeito… -- Suspirou. -- Deveria ter imaginado que seria na base da força… -- Passou a mão pelos cabelos em um gesto nervoso. -- Por que sempre procura esses caminhos para seguir? -- Questionou preocupado.
               Ela não respondeu de imediato, parecia ponderar a melhor explicação, por fim a voz baixa se fez ouvir.
            -- Na verdade não usei a força, apenas usei meios de convencimentos irrecusáveis… -- Falava enquanto observava com atenção o teclado. -- Se acha que eu iria cortejá-la e trazê-la para cá cheia de amor… Enganou-se… -- Fitou-o. -- Não bastou a bofetada que levei? Ela tentou novamente até, mas lhe segurei o lindo pulso…
           Leonardo meneou a cabeça.
            -- Você acha que vai conseguir tudo na base de chantagem então?
            A ruiva relanceou os olhos em descaso. 
           -- Você disse que precisava que eu a trouxesse e foi isso que fiz… 
         Leonardo abriu a boca para retrucar, dizer aquela não era a forma adequada para agir naquela situação, mas ao vê-la mais preocupada com a próxima música a tocar, apenas assentiu.
          -- Mas agora que ela está aqui…-- Sussurrava -- Tente fazê-la voltar a gostar de ti… Conquiste-a...
          Os olhos verdes se abriram em surpresa e fúria.
          -- Esqueces que não sou a minha irmã? -- Levantou-se. -- Age como se eu pudesse realmente ter algo com essa garota… -- Apoiou as mãos no instrumento. -- Pare com essas ideias, pois não irei fazer nada disso!
           -- Pelo menos tente, se não quiser ir para a prisão…
         Natasha observou Leonardo se afastar, sabendo que ele tinha razão, mesmo assim não sabia ainda se a ameaça de perder tudo e vir a ser condenada por algo que não fez era incentivo suficiente para ir tão longe naquele plano.


          Valentina estava parada na sala quando viu o homem idoso que já tinha ido falar consigo uma vez se aproximar.
        Ele não parecia ser uma pessoa má, porém o fato de ele estar ao lado da ruiva seria peso suficiente para odiá-lo também.
            -- Senhorita… -- O homem disse ao chegar mais perto. -- Deixe-me acomodá-la em um quarto. -- Falava gentilmente. -- Em seu estado é preciso que tenha mais cuidado.
          -- E se eu não quiser? -- Desafiou-o com as mãos nos quadris. -- Qual vai ser a chantagem a usar para me “ incentivar” ? -- A respiração dela estava acelerada. -- O que mais de sujo tem nessa história sórdida? 
         Leonardo viu o peito da moça arfar e teve certeza que aquela seria uma guerra difícil de ser vencida.
            Sabia que precisava tentar acalmá-la, tarefa que não seria fácil.
            -- Não… Se o seu desejo é ficar aqui e dormir nessa poltrona, entenderei, mas apenas acho que não será tão confortável…
              -- Acha que me importo com conforto? -- Indagou transtornada. -- Vivi dentro de um trailer a minha vida toda…Morei muito tempo na rua, dormia nas calçadas... E acredite, senhor, isso nunca representou problema pra mim.
              Ele sabia disso.
           -- Eu entendo… E tenho certeza de que isso não é um problema… Mas acho que não vai querer passar o dia aqui…
              Passos lentos foram ouvidos e não demorou para Natasha aparecer.
              Mais uma vez os olhares se encontraram…
              Intensos…
              Penetrantes…
              Irritados…
           Valentina desejou voar sobre ela e rasgá-la toda, mas decidiu que aquilo não seria uma coisa louvável de se fazer, mesmo tendo recebido um tratamento pior.
        -- Se ela deseja ficar aqui, não vejo problema… Assim nos encontraremos com mais frequência… -- Natasha piscou com olhar mesclado entre a malícia e sarcasmo.
              A circense estreitou os olhos ameaçadoramente, mas a ruiva não pareceu se assustar, apenas exibindo um sorriso largo.
               O assistente lhe dirigiu um olhar de advertência que foi totalmente ignorado.
           -- Vou amar vê-la acordar toda manhã com seus lindos cabelos em desalinhos… Seu rosto inchado, seus olhos encolhidos da noite bem dormida…
           A trapezista fechou as mãos ao lado do corpo, tentando manter o equilíbrio que há tempos perdera.
              A arquiteta chegou mais perto, fitando-a dos pés a cabeça despudoradamente.
             -- Vai ser até melhor para eu trazer seu café da manhã… Gostas de leite ou café no desjejum? -- Indagou com um arquear de sobrancelha.
             -- Você pode enfiar esse desjejum… -- Cerrou os dente ao ver para olhar assustado do idoso.
           Valentina fitou o sorriso aberto da mulher e sentiu uma vontade insana de fazê-la engolir todos.
          -- Venha comigo! -- Leonardo pediu delicadamente. -- Vai se sentir melhor, tenho certeza disso.
          O homem rezava silenciosamente para que ela aceitasse, pois já estava a pensar como faria para separar as duas em uma possível briga física. 
          Valentina sabia que não valeria a pena discutir naquele momento, sem falar que estava sentindo uma terrível tontura.
       Ela apenas assentiu, enquanto acompanhava o assistente da arquiteta em direção ao andar superior.
        Sentia o olhar dela cravado em suas costas, sabia que a observava com aquele sorriso debochado e isso lhe deixava ainda mais irritada.

Comentários

  1. Oi autora,tudo bem?
    A Natasha pegou pesado dessa vez,como ela não queria que fosse bofetada pela trapezista? Até chamou a menina de prostituta.
    A Valentia grávida tem mesmo que fica longe do circo,pois é perigoso,mas junto da arquiteta também não será menos.
    Essa convivência será necessária para ambas,e esse mistério começa a ser desvendado.
    Essa história nos arremata para dentro dela de uma forma surpreendente,amo tudo isso.
    Beijos autora

    Val Castro

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  2. Oie,
    Geh, você gosta muito de casamentos, né? Rsrs
    A Natasha me faz lembrar de você kkkk Acho que é porque acho que você não é muito paciente rsrs Mas você é rsrs
    Quero saber como é que a Natasha vai conquistar a Valentina e se vai ter casamento. Kkkk
    A história está ficando muito boa, Geh.
    Você me surpreende a cada capítulo^^
    Quando crescer quero escrever bem assim^^
    Parabéns!

    Vanvan^^

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  3. Ah... Será uma guerra, realmente, bem interessante! Eis em toda sua força o estilo personalíssimo da senhorita Geh Padilha se manifestando! Parabéns, autora! Mais uma vez a dominadora se impondo à dominada, com toda sua arrogância e fascínio irresistível - ambas se "odiando" e ao mesmo tempo sentindo a atração inexplicável entre elas. Será uma delícia acompanhar todos os movimentos desse embate, até que os papéis se invertam e possamos sentir o prazer de Valentina dominar a sua fera!
    Beijos,
    Bruna

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  4. Esqueci de comentar... Dei boas risadas com a maneira convincente da Valerie conduzir a decisão de Valentina a ir para o quarto...
    Bruna

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