Dolo Ferox -- Capítulo 4


Leonardo estava encostado ao veículo. Observava as luzes do circo já se apagando e por ali não havia mais pessoas, apenas o som da noite naquele terreno baldio e afastado. Arrependia-se de ter deixado Natasha ir sozinha até a jovem. Sabia que ela não teria tato para lidar com a moça e temia que isso atrapalhasse os planos. Olhou para o relógio e já se decidia para ir atrás da ruiva quando viu a sombra toda vestida de preto se aproximar. Pegou a muleta no carro, indo imediatamente até ela, entregando-lhe. A bela Valerie nada disso durante todo o percurso até o automóvel. Acomodaram-se e Leonardo deu partida e prosseguiram em silêncio por alguns minutos. Vez e outra a fitava de soslaio e via o vinco de irritação entre as sobrancelhas. Decerto a primeira vez que encontrou a amante da irmã não fora proveitosa. Ansiava por questionar, mas sabia que ela quem precisava falar, caso contrário se mostraria totalmente inerte diante das perguntas. A arquiteta observava o caminho pelo qual seguiam. Estavam um pouco afastados e se fazia necessário o uso do farol alto, mas não demorou para começar avistar as casas e a civilização. Mordiscou o lábio inferior demoradamente. Ainda sentia a respiração acelerada como se tivesse acabado de correr uma maratona. Olhou pela janela, baixou um pouco o vidro, parecia que o ar condicionado do carro não era suficiente. Sentiu o vento frio lhe assanhando os cabelos, mas não parece se importar com isso… Sentia-se sufocada, como se o oxigênio não conseguisse chegar aos seus pulmões. Olhou o perfil do motorista daquela noite… Cerrou os dentes, falando: -- Tem certeza de que aquela garota está grávida? -- Natasha indagou enquanto massageava a coxa esquerda. -- Ainda não estou acreditando que a Nathália foi capaz de se envolver com uma menina, ainda deve ser uma adolescente… -- Dizia com desprezo. -- Empregadinha de circo de nariz em pé! O assistente parou no semáforo. Observou a acompanhante, mas como o carro estava na penumbra, não era possível lhe ver bem a expressão, mas conseguia decifrá-la pelo tom usado. -- Sua irmã sempre fora um caso complicado, difícil de lidar no fundo, mesmo ela exibindo aquele ar de simpatia, só os íntimos conheciam como era um ser dissimulado. A ruiva nada disse de início, apenas se deixou seu olhar voltar para a janela do quarto. Parecia perdida em seus pensamentos, nas lembranças dolorosas que sempre a acompanhavam. Não estava acostumada a sair do seu controle… Aprendera a preço muito alto a enfrentar tudo com total frieza, mas algo na morena de olhos negros a profanava. -- Não irei continuar com isso… Não saberia agir como ela, nem mesmo conseguiria fingir tão bem… Vamos denunciá-la à polícia, diremos que usou de má fé… -- Explicou sem se voltar. -- Mas como? Há a sua assinatura na clínica… Tudo foi muito bem armado… Entenda, sua irmã se passou por você… Sua preciosa genes estava no vidrinho, planejado lindamente e a Nathália se aproveitou disso! -- Lembrou-a. -- Não quero saber, não continuarei com isso! -- Retrucou. -- Deveria ter colocado fim naquele projeto de filho quando a Verônica morreu… Não vou mais participar disso! -- E vai arriscar sua vida? Quem está por trás disso não vai sossegar enquanto não te ver morta… -- Falou exasperado. -- Enquanto você fizer o papel da sua irmã, todos pensarão que realmente foi você a morrer e quando essas pessoas baixarem a guarda a polícia os prenderão. O sinal abriu e Leonardo deu partida. -- Nath, pense bem -- Suplicou -- você passou toda a sua vida sendo perseguida… Você perdeu tudo… Até mesmo a mulher que… -- Chega! -- Interrompeu-o por entre os dentes. -- Não quero mais ouvir isso… Não entende como desejo vingar-me de tudo o que fizeram? -- Fitou o perfil idoso. -- Eu acordo todos os dias com o mesmo desejo… Com a mesma vontade de ter essas pessoas diante de mim e lhe arrancar cada membros… -- Meneou a cabeça. -- Minha avó sempre esteve certa quando repetia a mesma ladainha de que eu tinha herdado a crueldade dos meus antepassados… Pois acredite, não vejo dentro de mim nenhum tipo de sentimento que não seja ódio e vontade incontrolável de destruir... Leonardo sabia que quando chegasse o momento não seria fácil controlá-la, mas naquele momento faria de tudo para pelo menos mantê-la viva. Depois pensaria na segunda parte do plano. -- Você terá sua vingança, porém antes terá que assumir essa difícil missão de ser sua irmã… Veja, pense comigo, vai ser por pouco tempo… Todos que sabiam do plano da Nathália vão imaginar ser você quando saberem que está nos braços da Valentina… Essa menina é uma peça muito importante nesse quebra-cabeça, talvez a peça chave para que tenhamos sucesso… Ainda não está claro os motivos, mas tanto Rick quanto eu temos certeza de que a trapezista está no centro de tudo. Os olhos verdes se estreitaram ameaçadoramente. -- Acha que poderei fingir algo por uma pirralha dequelas? Como pensas que poderei fazê-la me querer se nem ao menos a quero? Que centro? Nem sei o que de atrativo há nela! -- Passou a mão pelos cabelos. Mais uma vez o veículo parou diante do semáforo. Leonardo a encarou. -- A Valentina não é uma criança, ela tem vinte e três anos e está grávida… Ela vai ter o bebê que a Verônica planejou… Por algum tempo a Valerie pareceu perdida em suas lembranças… A rejeição ainda doía em seu íntimo… Mesmo que estivesse acostumada a isso desde que nascera, quando veio da única pessoa que nutrira algum sentimento fora destrutivo para si. -- E isso é que mais me deixa com raiva… Uma criança que foi planejada agora está crescendo dentro do ventre de uma qualquer… -- Mas ela vai ser sua… Vai poder criá-la, amá-la… Natasha suspirou cheia de tristeza. -- Sabe que isso seria impossível… A única coisa que esse bebê terá de mim é a proteção e tudo o que o dinheiro pode comprar… O contrário jamais acontecerá… Ele sabia que seria assim, sabia que dentro daquela mulher não havia espaços para sentimentos… Como poderia ter se jamais os recebera… Até mesmo Verônica, mesmo amando-a, encontrava sempre a frieza por trás daqueles olhos tão verdes. -- Vai fazer o que é preciso? -- Tocou-lhe a mão. -- Sabe que pode conseguir isso e poderá por fim fazer justiça… Um carro buzinou atrás deles e logo o assistente voltou a dar partida. Permaneceram em silêncio por longos minutos, até o veículo parar em frente ao hotel simples de cidade do interior. Do outro lado havia uma pequena praça arborizada. As luzes iluminavam os visitantes e o som do divertimento invadia a rua estreita. A ruiva iniciou uma massagem nas têmporas... -- Ela não me falou da gravidez e me colocou para fora daquele ferro velho que usa como casa. -- Imagino que você não tenha agido como sua irmã… -- Disse com um longo suspiro. O olhar irado caiu sobre o homem. -- Ela me esbofeteou, atingiu minha face com toda raiva que tinha…cravou as unhas em meus braços… Parecia um bicho possuído! Leonardo ficou perplexo com o que ouvia. Imediatamente acendeu a luz interna do veículo e seguiu a examinar.
Olhava pasmo para ela. Os cinco dedos estavam estampado na pele clara e as marcas próximo as mãos. -- Você reagiu? -- Indagou preocupado. A Valerie se desvencilhou do toque. -- Não, mas precisei me controlar bastante para não revidar… O arquiteto sabia que aquela não seria uma batalha fácil, via isso como se estivesse escrito em neon. -- Que bom! -- Abriu a porta e deixou o veículo. Dando a volta abriu a porta para ela. -- Eu mesmo resolverei essa parte da raiva da Valentina… Falarei com ela, eu explicarei a história do acidente… Que você está confusa e que não teve culpa de nada… Natasha nada disse. Apenas seguiu pela porta de vidro, caminhando até o quarto. Na manhã seguinte Valentina acordou com batidas na porta. Tivera uma noite terrível, na verdade só conseguira adormecer nos primeiros raios do novo dia. Sua mente estava em alvoroço, em desespero… Em sua garganta ainda havia palavras que não foram ditas e só depois que a ruiva foi embora é que lembrou… As batidas cessaram e ficou feliz por isso. Naquele dia não queria falar com ninguém, não desejava fazer nada, apenas ficar ali deitada… Precisava contar a Pepi sobre o bebê que trazia no ventre… Sabia que assim que o dono do circo descobrisse ela não poderia mais ficar ali… Precisava arrumar outro trabalho, um lugar, alguma coisa… Fechou os olhos e viu os verdes… Eles pareciam diferentes… Ela parecia outra… Mas se era tão diferente por que sentiu o coração vibrar ainda mais forte ao vê-la? Odiou o fato de ter se apaixonado por alguém tão terrível… Por ter acreditado em suas palavras… Falsa! Tudo nela era a mais cruel mentira que fora inventada. Natasha despertou em meio a um emaranhado de lençóis. Precisara tomar doses fortes de analgésico para amenizar as dores que acometera sua perna. O quarto estava mergulhado na penumbra e mesmo sendo um lugar simples, a cama era confortável, as roupas de cama limpa e não havia aquele incômodo cheiro de mofo. Havia um leito de casal de madeira pura, uma TV grande, uma mesa com duas cadeiras e um pequeno closet. Arrastou-se até a beirada da cama, colocando os pés para fora. Viu o aparelho que utilizava para andar ao lado… Costumava colocá-lo em toda extensão da coxa. Mordiscou o lábio inferior para não gemer de dor quando se pôs de pé. Pegou as muletas para não acabar caindo. Apoiou-as nas axilas enquanto amarrava o roupão de seda branca. Lentamente seguiu até o banheiro, acendeu as luzes, parando diante do espelho da pia de mármore preta. Os cabelos vermelhos brilhavam em desalinhos… Os fios rebeldes tinham se soltado do coque e agora faziam uma bagunça de madeixas… Os olhos estavam maiores, mas continuavam a expressar a frieza costumeira… Destituído de emoções… Havia olheiras seculares... Observou a face esquerda e viu estupefata como os dedos longos da amante da irmã estampavam ainda mais incisivos sua pele branca. Precisara de todo autocontrole para não reagir no momento que sentira a bofetada… Levou as mãos à marca vermelha… Ainda queimava… Ainda sentia o ímpeto que fora atingida. -- Logo você também vai encontrar seu castigo… -- Sentenciou em voz baixa. Leonardo acordou cedo e seguiu para se encontrar com o detetive da polícia que estava investigando o caso. O pequeno restaurante estava praticamente vazio. Havia mesas redondas de ferro, cadeiras desmontáveis, tudo bem simples. Ao avistar o homem elegante e bem vestido se aproximou. O detetive Rick fora quem resgatou Natasha das mãos dos sequestradores e fora dele a ideia para que ela assumisse a identidade da irmã por um tempo. Assim que viu o empresário, o rapaz alto, moreno e de boa aparência levantou, estendendo a mão em cumprimento. -- Como vai detetive? -- Sorriu simpático. -- Fico feliz que tenha podido nos encontrar aqui. -- Sabia que seria necessário a minha presença. Ambos se acomodaram, enquanto uma jovem se aproximava e servia café. -- E onde está a senhorita Valerie? Leonardo percebia que o detetive parecia bastante interessado na arquiteta. -- Acredito que logo desça… -- Tomou um pouco do líquido negro. -- Ontem estivemos com a Valentina… O detetive pareceu surpreso com a informação. -- Não imaginei que iriam antes de falarem comigo. -- Pareceu perturbado. -- Imagino que deva ter sido um fracasso! Antes que pudesse responder, ouviram passos e os olhos negros do policial brilharam diante da figura que aparecia. Natasha usava calça em estilo social, preta, o tecido se ajustava as pernas. Usava também camisa de mangas longas de seda branca, com botões dourados. Os cabelos ruivos estavam soltos. Rick levantou-se rapidamente para puxar uma cadeira para que ela se acomodasse. Ela agradeceu com um gesto de cabeça, mas não esboçou sorriso. -- Deus, o que houve com seu rosto? -- Indagou preocupado ao mirá-lhe a face. Leonardo a encarou, esperava que ela falasse algo, mas sabia que ela não falaria. Respirou impaciente, enquanto percebia a preocupação do detetive. -- O encontro com a Valentina não fora proveitoso… Rendeu-lhe cinco dedos na face bonita. -- O assistente adiantou-se. -- E algumas marcas de unhas nos braços... Natasha permanecia impassível. Sua expressão não esboçava uma única emoção, mas em seu íntimo ainda revivia as agressões da noite anterior. -- Eu não imaginei que iriam até ela antes de nos encontrarmos! -- O rapaz encarou a mulher. -- Eu imaginava reação pior, porque pelo que descobri, sua irmã foi horrível com a garota. -- Ele pegou um envelope, entregando a Valerie. -- Aqui está um resumo de tudo o que se passou entre elas… A ruiva não pareceu interessada, arqueou a sobrancelha em desdém, mas acabou aceitando. -- A primeira coisa que deve saber é que Valentina se apaixonou perdidamente por sua irmã… E fora seduzida à moda antiga… Natasha não estava mostrando interesse até ouvir a última frase. Encarou o mais jovem. -- O que quer dizer isso? -- Leonardo quem indagou. O detetive pareceu um pouco desconfortável, pigarreou, depois tomou um pouco do café. Investigara minuciosamente o caso entre as duas mulheres que encabeçavam aquela investigação. Mirou os dois envolvidos e começou a falar: -- De acordo com tudo que foi apurado… Valentina é uma garota sonhadora e mesmo apaixonada por sua irmã, ela desejava que ambas só se entregassem quando casassem… Nathália falara para ela que fora a primeira vez em se envolver com uma mulher e por isso queria que tudo fosse único entre elas… Dissera como suas relações foram fúteis e como precisava que entre elas houvesse algo além do corpo... A arquiteta meneou a cabeça em desdém, enquanto se mexia incomodada na cadeira.Nunca em seus trinta e três anos ouvira tamanho absurdo! -- E a idiota da circense acreditou? -- Tamborilava os dedos sobre o tampo da mesa. -- E como alguém que nunca fez sexo contigo te convence a ter um bebê? Poupe-me desses eufemismos descabidos, pois não acredito em absolutamente nada! -- Falou aborrecida. -- Deve ter recebido dinheiro, promessas… Vantagens... Leonardo trocou olhares com Rick que continuou, mesmo diante da irritação. -- Ela usou a sua história, apenas omitiu o fato de ser seu e da Verônica. O maxilar da neta da duquesa enrijeceu. Os olhos verdes estavam escuros. Mais ódio! Não era segredo para ninguém tudo o que vivera nos últimos anos, então seria algo surpreendente encontrar sentimentos nobres dentro do seu coração naquela altura do campeonato. -- Natasha, sei como vai ser uma coisa difícil desempenhar esse papel, ainda pensei em deixar essa parte de fora, porém cada vez mais tenho certeza de que se deseja se passar por sua irmã, a forma mais convincente é fingir que retomou a relação que tinha antes… E para esclarecer… O propósito dela com esse bebê era ter um herdeiro para que pudesse ficar com todos os seus bens... -- Quanto tempo terei que fingir? -- Interrompeu impaciente. -- Quanto tempo estarei no papel da Nathália? -- Meneou a cabeça em total descrença. -- Eu não acredito que conseguirei fazer isso... Rick encarou Leonardo e depois a fitou. -- Não posso dizer com precisão… Mas deve esquecer quem você é por algum tempo… -- Disse com pesar, enquanto lhe fitava. -- Não sabemos onde a Nathália está, parece que foi tragada pela terra… Estou fazendo tudo que está ao meu alcance para encontrá-la e fazê-la acertar as contas com a justiça. -- E o que farei com a trapezista? -- Apontou a face. -- Se ela ousar a fazer isso novamente… -- Precisa entender que não vai ser tão fácil assim… Terá que ter humildade… Ser gentil… Mostrar para ela que não foi seu desejo se afastar… -- Rick sabia que estava pedindo o impossível. -- Eu entendo que será uma tarefa difícil, mas você tem ao seu favor o fato da garota estar apaixonada por ti… -- Viu a expressão irritada e logo corrigiu. -- Apaixonada por sua irmã… Então se conseguir convencê-la de que tudo não passou de um engano, essa parte será muito fácil de vencer. Leonardo fitou Natasha e mais uma vez viu-a mesclar suas emoções em uma expressão de pura indiferença. Tomou um pouco de café, enquanto sua mente buscava uma forma para poder fazer Valentina baixar a guarda. Cézar observava Valentina ser amparada por Pepi. Estavam em treino quando de repente ele teve fortes náuseas e precisou parar. O palhaço a sentou em uma cadeira, enquanto molhou um lenço e começou a passar em sua face fria. Os traços bonitos e delicados tinham a palidez da morte -- Filha, acho melhor te levar ao hospital. -- O bom homem dizia preocupado. -- Está suando… Seu rosto está branco como a clara de um ovo. -- Arrumou-lhe os fios de cabelos soltos. -- Você não comeu nada durante o dia todo… Há dias que se alimenta mal... A moça exibiu um sorriso trêmulo. -- Eu estou bem, acho que fiquei tonta com o triplo mortal… -- Tentou levantar, mas sentiu tontura novamente, voltou a sentar. -- Está vendo que seria melhor que continuasse sendo uma palhacinha fofa… -- Tocou-lhe a ponta do nariz. -- Imagina se caisse daquela altura. -- Falou em pânico. A morena colocou o indicador sobre os lábios do protetor. -- Ah, Pepi, sabe que não me importaria de mudar de números… -- Mas meu pai e eu sim, você faz mais sucesso no trapézio do que com o rosto pintado de forma ridícula… -- O loiro se aproximou irritado. -- Espero que essa frescura acabe logo, pois hoje à noite tem espetáculo e você não vai ganhar nada se ficar passando mal. Valentina relanceou os olhos em irritação. -- Irei voltar ao treino agora mesmo! -- Levantou-se. -- Pepi… -- Beijou-lhe a face. -- Eu já estou bem, obrigada por cuidar de mim. O palhaço a viu se afastar e continuou preocupado. Sabia que alguma coisa estava errada. Lembrou-se da mulher bonita e misteriosa que sempre aparecia nos espetáculos e de uma hora para outra simplesmente sumiu. Via o olhar de ambas… Suspirou ao ver o treino recomeçar, fez uma prece pedindo a Deus para que tudo desse certo. Natasha estava se arrumando. Mirou o aparelho que usava na perna… Usava-o desde a adolescência quando fizera uma fracassada cirurgia. Em breve precisaria se submeter a outra. A cada dia sentia mais dores… Apoiou-se na muleta, enquanto se mantinha de pé. Usava lingerie preta de renda. Ajustava o sutiã nos seios quando ouviu o som do telefone. Cerrou os dentes, mas não se deu o trabalho de atender. Arrumou o aparelho, atando-o firmemente. Seria necessário utilizá-lo por enquanto. Sua deficiência apenas piorou depois de ter sido sequestrada e ainda mais ferida. O pior de tudo é que não podia mostrar esse problema, enquanto estivesse se passando por Nathália. Sentou-se na cama, assim seria mais fácil vestir a calça justa. Gemeu… Não acreditava que teria que sair mais uma vez e passar por essa agonia novamente. Estava irritada, furiosa com toda aquela situação… Só estivera fora do controle quando teve que conviver com a avó, época terrível, mas que a ajudou a ser a pessoa que se transformara. Viu a camiseta e a jaqueta de couro preta… Ainda mais exasperada, acabou de se vestir, pegou as muletas e caminhou até o espelho. Os cabelos ruivos estavam soltos, na altura um pouco abaixo dos ombros, o novo corte picotado fizera uma transformação enorme. Os olhos verdes estavam mais escuros. Inclinou a cabeça e fitou a face onde fora esbofeteada. Só a Nathália para se envolver com gente sem classe e sem educação. Quando pensava no papel que desempenharia ficava a pensar se aguentaria por muito tempo. A única coisa que desejava era poder voltar para sua vida, para sua música, para o seu mundo de paz… Ouviu batidas na porta… O circo Felicidade como de costume estava cheio. Adultos, crianças e idosos lotaram a arquibancada. Os risos diante das palhaçadas deram lugar a famosa apreensão diante do número mais tenso da noite. O trapézio era fascinante, ainda mais quando os trapezistas ousavam sempre mais em seus voos por entre os arcos de fogo. Era possível sentir a tensão, era possível perceber como todos pareciam apreensivos, afinal, um salto mal calculado poderia resultar até em uma morte. As luzes focavam nos astros do show, o barulho dos tambores era assustador… Os pássaros fizeram a performance perfeita e aterrissaram no chão com grande graça e charme. A plateia vibrou. O sorriso de Valentina era enorme até seus olhos se cruzarem com os verdes intensos que a observam um pouco afastada da multidão. Não acreditava que ela tinha retornado… Encarou-a, sentindo aquela agonia tomar conta de si. Observou as roupas e novamente pensou como estava mudada. Destacava-se em meio a tantas pessoas, atraindo-a como a um imã. -- Vejo que vibraram com nossa bela trapezista… -- O locutor falava. -- Pois saibam que essa bela mulher não só voa pelos ares… Ela também dança… mas isso ficará para o próximo show… A morena sorriu, acenou para as pessoas e logo deixou o espaço. Natasha a observou se afastar por trás e decidiu contornar pela parte externa. Jamais imaginou que uma garota tão franzina tivesse tanta coragem para sair voando naqueles cabos. Que tipo de trabalho era aquele? Se ela estava realmente grávida, a primeira coisa a se fazer era tirá-la daquele lugar, pelo menos até a criança nascer, depois o lugar dela seria na prisão. Suspirou irritada ao perceber o número de pessoas que praticamente fechavam sua passagem. Lentamente, passando entre os entusiasmados, seguiu para fora. Ali não havia ninguém, apenas o guichê da bilheteria. Observou o céu, estava nublado e não demoraria para cair uma tempestade. Respirou fundo, seguindo até o trailer. A cada passo que dava, amaldiçoava toda aquela situação. Para sua sorte, encontrou Valentina na porta. Ela parecia distraída, enquanto segurava a maçaneta gasta. Segurou-a delicadamente pelo braço. -- Precisamos conversar, senhorita! A morena ouviu a voz baixa e rouca, sentiu um arrepio na nuca. A trapezista a fitou irritada e surpresa. Mirou os olhos tão verdes, a expressão que parecia neutra, os lábios carnudos, mas o que lhe surpreendia era o ar de superioridade que exibia. Irritada,desvencilhou-se violentamente do toque. -- Não encoste em mim! Natasha relanceou os olhos exasperada! Não tinha paciência para lidar com esse tipo de comportamento. -- Eu só quero conversar contigo, moça… -- Disse, enquanto a encarava. -- Preciso que me escute. -- Colocou as mãos no bolso. -- Há coisas que precisam ser explicadas... A morena fitou-a demoradamente. Como odiava vê-la ali tão cheia de si, parecendo que nada fora feito, como se nada tivesse acontecido, como se não tivesse a abandonado durante meses… Deu alguns passos para trás, pois sentia-se sufocada pelo perfume que ela usava. Como ela era desavergonhada por ter ido até ali com aquela cara de dona do mundo? -- Eu não quero ouvi-la, não desejo lhe falar, não quero te ver… Esqueça que eu existo como fez tão bem nos últimos tempos. -- Voltou a tentar entrar no trailer. Natasha a segurou novamente, fazendo-o de forma mais ríspida. -- Ouça-me! -- Exigiu. -- Apenas por alguns segundos! -- Não! -- Vociferou, livrando da mão que a segurava. A arquiteta cerrou os dentes, parecia irritada e buscava controlar a tempestuosidade que parecia prestes a explodir dentro de si. Não era acostumada a lidar com situações daquele tipo, não era acostumada a lidar com os ataques das pessoas… Nem com seus dramas pessoais… Ela simplesmente tinha que aceitar e agradecer por ter retornado... -- Está sendo injusta comigo…-- Tentou usar um tom mais brando. -- Se me ouvir, poderá entender o que realmente aconteceu… -- Acariciou sua face com as costas da mão. -- Ouça-me… Deixe-me lhe dizer… -- Umedeceu os lábios. Valentina a encarou, mirou os olhos verdes. Mesmo que não houvesse muito iluminação naquela parte, era possível ver o vermelho no rosto dela. Tentou não se sentir culpada... Mirou os lábios entreabertos que deixavam a mostra os dentes alvos… Suspirou impaciente. -- Injusta? -- Livrou-se do toque que parecia incendiar sua pele. -- Injusta?-- Colocou as mãos na cintura. -- Injustiça… Sim, você foi injusta comigo… -- Meneou a cabeça. -- Esqueça-me! Girou nos calcanhares para se afastar, mas novamente a ruiva a deteve pelo braço, puxando-a para perto de si, colando os corpos. Valentinha grunhiu, mas foi ignorada. O olhar furioso da morena caiu sobre o ar de superioridade da arquiteta que a prendeu mais forte,impedindo-a de lhe agredir. Os olhos verdes pareciam ter ganho um brilho diferente, perigoso…Ameaçador... Segurou a nuca da circense diante do olhar arregalado, tomando a boca na sua diante da expressão de total surpresa da jovem. Natasha de início só colou os lábios, mas ao sentir o hálito fresco, a maciez da boca… Acabou colocando mais pressão, ansiando pela resposta dela. A trapezista tentou se livrar, mas foi surpreendida por um abraço que parecia querer lhe partir os ossos. Cerrou os dentes para evitar o contato, mas para sua surpresa, Natasha foi insistente, vencendo a resistência. Sentiu a língua incisiva lhe delinear os lábios de forma provocante, depois seguia exigente em busca da sua. Valentina mantinha os olhos abertos… Mas aos poucos, fechou-os, parecendo se perder no ato impulsivo... O aroma fresco… A forma delicada dos lábios contrastando com a grosseria do ato. Espalmou as mãos em seus seios, tentando se livrar, mas aos poucos o toque se tornava mais intenso. Sentiu uma eletricidade passar por seu corpo… Ouvia a respiração dela… Estava acelerada… Aquele cheiro estava deixando embriagada… Perdida... Dividida entre a raiva e o desejo, capturou a língua da ruiva, chupando-a vorazmente, como se precisasse daquilo para sobreviver… Ouvia-a o barulho… A carícia molhada e atrevida como nunca fora antes… Tinha a impressão que estava a andar na corda bamba… Ouviu o gemido rouco que escapou da garganta daquele ser miseravelmente odioso… Aprofundou mais a carícia, pois aquele som era delicioso... Tomava ciência de como suas formas se moldavam a dela… Natasha abriu os olhos ao sentir a intensidade do contato… Fitou-a por alguns segundos... Sentiu-se profanada… Invadida... Rompeu o contato, afastando-se. Valentina a observava com olhar assustado, estava ainda mais corada que a face esbofeteada da arquiteta. Não acreditava que tinha cedido tão facilmente... Nunca imaginou que aquela mulher delicada, gentil e educada que sempre lhe conquistava com galanteios fosse capaz de uma ação tão cheia de agressividade e paixão… Deixou que a raiva voltasse lhe inflamar o íntimo. -- O que deu em você? Por acaso está louca? -- Indagava aos gritos. -- Acha que sou quem para agir desse jeito? A arquiteta passou a mão pelas madeixas ruivas. Era possível perceber a confusão em seu olhar. -- Eu só quero que conversemos… Que me escute… -- Aproximou-se. -- Não chegue perto de mim, caso não queira que eu termine de maquiar essa sua cara de safada. -- Apontou-lhe o dedo em riste. -- Depois do que fez, eu não desejo nunca mais te encontrar… Porque eu não sei do que serei capaz! A Valerie fechou os punhos ao lado do corpo quando a observava se afastar e entrar no trailer. Cerrou os dentes tão fortes que precisou aliviar a pressão ao sentir o incômodo no maxilar.

Comentários

  1. Muito instigante a situação! Natasha, decidida a conquistar Valentina, usou de todo seu poder sensual e sentiu-se "profanada, invadida", mas certamente ficou abalada com a atração que deve ter sentido pela garota. Valentina, por sua vez, não pôde deixar de notar a diferença na suposta amante - mais firme e apaixonada! Já se consegue vislumbrar a chama que deverá aquecer essa relação. O desenrolar da história promete ser fascinante...
    Ainda não comentei, mas fiquei muito impressionada ao saber que a própria avó da arquiteta provocou-lhe o problema na perna! Difícil imaginar tamanha maldade!
    Estou curiosa, querida autora, pela explicação do título da novela. Quando nos esclarecerá sobre o significado de "Dolo Ferox"? Não tive sucesso em minhas pesquisas...
    Beijos,
    Bruna

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    1. Boa noite, meu bem, postei o novo capítulo e não respondi logo em seguida porque estava a estudar algumas coisas.
      Espero que estejas bem nesse domingo frio...
      Realmente a situação entre a Valentina e a Natasha segue um ritmo difícil... A ruiva sabe que está assumindo o lugar de outra, Valentina não, acha que é a mulher pela qual se apaixonou... mesmo sentindo que há uma diferença... Complicado para as duas em seus próprios problemas...
      Isadora não vale muito, é um ser cruel ao extremo e desde o nascimento mostrou o ódio que tinha pela neta ruiva...
      Agora o nome da história... Sabes que ando mergulhada nesse mundo de leis né? Sem falar da minha formação em letras clássicas ter envolvido o Latim, língua morta pela qual sempre fui apaixonada, desde criança, pois é foi dela que veio o nome... Vc deve conhecer a expressão " doloso' bem usada no ordenamento jurídico, isso significa fazer algo por vontade... Então tem o dolo... vontade, desejo... Ferox: feroz, selvagem... ta aí a explicação kkkkkkkk
      um beijão

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  2. Oi autora!
    A Valentina é bem esperta, logo descobrirá que não é a mesma pessoa. Talvez a Nathalia nunca tocou na garota,apenas a usou por saber que ela se apaixonou.
    A Nathalia e toda a corja dela estão em algum lugar desfrutando do dinheiro roubado. Ainda tem esse cara do circo que também é do mal.
    A Valentia tem um ministério no seu passado.
    Esse beijo vai de alguma forma mexer com a arquiteta,pois esse coração ainda vai amar muito.

    Beijos.

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    1. Olá, meu bem, realmente há um mistério na vida da Valentina, algo que a Nathália com certeza deveria saber, talvez essa seja a razão por ter se aproximado do moça...
      A trapezista sentiu a diferença da pegada, Natasha já deixou claro que não teria como fingir ser a irmã e isso a gente conseguiu ver bem nesse beijo...
      Um beijão para ti e ótima semana.

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  3. Simplesmente maravilhoso cada capítulo

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    1. olá, linda, fico imensamente feliz que tenha gostado e espero que também aprecie o novo.
      Um grande beijo e boa semana para ti.

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  4. Oi,
    Geh, quero mais capítulos . kkkkkkkkkk
    A Natasha tentando conquistar a Valentina vai ser algo muito interessante.
    Quer dizer que a Valentina é virgem?
    Ahhh... Eu sou muito lenta para entender as coisas. kkkkk
    Parabéns, Chuchu, a história tá maravilhosa.
    Não tinha como não ser, já que é uma escritora incrível.

    Vanvan^^

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    1. Oi, Vanvanzinha, estou me sentindo é honrada em vc lê a história rsrsrsrs e estou respondendo as todos os comentários para não afrontar a fera que vive dentro de ti kkkkkkkkkk
      Virgem? Uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
      Agora lembrei de uma das minhas famaskkkkkkkkkkk
      Obrigada por sua amizade e um beijinho.

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  5. Kkkkkkk Isso de fera foi muito engraçado��������
    Estou gostando muito de sua história ❤

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