Dolo Ferox -- Capítulo 3
Natasha se mantinha sentada em uma confortável cadeira acolchoada, enquanto ouvia o arquiteto e assistente pessoal lhe narrar todo o fato.
Fitava o copo de cristal com água sobre a mesa e via os analgésicos que deveria tomar para conter o desconforto que sentia em todo o corpo.
As cortinas brancas tinham sido abertas e a luz do dia parecia querer profanar a escuridão que a neta rejeitada de Isadora fomentava em sua vida.
Era possível ouvir o barulho do vento…
Observou a cama ainda desarrumada da noite mal dormida… Tinha a impressão que estava mergulhada em um dos tantos pesadelos que sempre lhe assolavam o sono. Desde que tomara ciência de si mesma como ser humano, fora sempre assim…
Ouviu a campainha e logo uma senhora de idade uniformizada adentrava o quarto trazendo inúmeros sacos de gelos. Ela seguiu até o banheiro colocando tudo na hidromassagem. Não demorou para que deixasse os aposentos com a mesma discrição que entrou.
Leonardo retomou de onde tinha parado, enquanto percebia que a Valerie ali parada parecia ponderar sobre tudo.
Natasha levou cinco comprimidos à boca, ingerindo todo o líquido do copo de uma só vez.
Esperava que fizessem efeitos o mais rápido possível, pois o que mais desejava era poder se anestesiar de tudo...
Estavam em um hotel afastado da cidade, pois sua liberdade estava ameaçada mais uma vez.
Maldito o dia que Isadora a convencera ir até a irmã…
Fechou os olhos, relembrando a cena…
-- Não tenho nada a ver com a Nathália e muito menos com a senhora!
Disse diante do olhar irado da mãe de Elizabeth.
A duquesa encarou-a.
-- E se ela soubesse de algo sobre a sua amada Verônica? Esqueces que sua esposinha era uma amiga íntima da minha neta?
A ruiva voltou a sentar!
A família Villar a perseguia implacavelmente desde a morte da única herdeira, moviam ações e mais ações contra a viúva que nem mesmo recordava o que realmente aconteceu naquela fatídica noite.
-- O que você e a Nathália querem de mim? -- Mordiscou o lábio inferior.-- Pensei que nossos laços fraternos já tinham sido rompidos de uma vez por todas quando tirei tudo que vocês acreditavam ter.
-- Você é o ser mais miserável do mundo… Tenho certeza que se a minha filha estivesse viva teria preferido a morte que saber que colocou alguém como você no mundo.
A ruiva fitou a tela do computador, colocou os óculos e começou a digitar. Estava terminando um orçamento pessoal para a construção de um novo espaço para sua empresa.
-- Isadora, você tem trinta segundos para dizer o que quer, depois desse tempo se não deixar a minha sala, mandarei que te arraste como se faz ao ser mais desprezível da terra. -- Encarou-a. -- Fale! -- Ordenou.
A mulher abriu a bolsa e jogou sobre a mesa um papel.
-- Ta aí o endereço… Ajude-a e quem sabe ela não te faz relembrar sua noite de gala… -- Falou com um sorriso maldoso.
A Valerie a observou deixar a sala com aquele ar de superioridade. Ao ficar sozinha, fitou a escrita que estava ali naquele folha amassada.
Respirou fundo!
Seria uma boa ideia?
-- Natasha, você está me ouvindo? -- O arquiteto parou diante dela.
Observou-a atenciosamente, pensando se não seria melhor chamar um médico, alguém de confiança que pudesse ajudá-la.
Ela fez um gesto afirmativo, mas se arrependeu logo em seguida. Ainda sentia a cabeça doer da pancada que levara… Fora drogada durante dias e se não fosse o carro onde era transportada ter capotado, nem saberia o que teria se passado consigo uma hora dessas.
-- A sua irmã sumiu…Também não há vestígios do marido dela… Parece que foram tragados pela terra… Se passara por ti durante todo esse tempo e quando viu que seria presa, fugiu…
Leonardo andava de um lado para o outro.
Sentia-se culpado por tudo, pois fora ludibriado pela duquesa...
Os olhos verdes da ruiva permaneciam frios. Não havia emoção de nenhum tipo em sua expressão.
Sua criação não fora nutrida por carinhos, por apego, por sentimentos. Talvez a indiferença fosse a única coisa que herdara da aristocracia. .
Os dedos longos tamborilava em harmonia ao tampo de mogno. Parecia estar diante de um piano e em plena nostalgia.
Seu corpo estava dolorido… Ainda não acreditava que fora vítima de um plano tão bem elaborado…
Fitou os pulsos e viu as feridas que as cordas causaram… Chagas...
Não poderia perder a calma, devia manter a frieza se desejasse fazer pagar os culpados daquele crime.
-- Sei que sua irmã e você…
A fala do homem foi interrompida por aquele olhar vazio.
-- E o dinheiro? E os contratos?
O assistente pigarreou. Encarou-a… A pele branca estava rosada… Desejou entender o que se passava em seu interior naquele momento.
Ele tinha por volta de sessenta anos e há muito tempo cuidava de toda a parte burocrática da bela mulher, ainda mais porque Natasha tinha uma paixão que se dedicava a maior parte do tempo.
Conhecia-a desde que era uma criança e desde então se compadeceu da forma como sempre fora tratada pela família da mãe, decidindo agir como um protetor e amigo.
Puxou a cadeira, sentando-se.
A mesa de quatro cadeiras era pequena, então o contato era imediato.
Tocou-lhe a mão…
Olhava-a com toda a paciência que já era lhe característico…
Sentia-se frustrado, pois era sua responsabilidade tudo o que aconteceu, era sua culpa tudo o que se passou.
Mirou o rosto bonito e viu com pesar os hematomas que lhe cobriam a face.
Fora espancada por puro prazer…
O lábio inferior estava cortado… O olho direito estava praticamente fechado dos socos que recebeu...
Até onde iria a crueldade daquelas pessoas?
Sabia o que ela já precisou enfrentar… Carregava consigo uma culpa terrível, mas não por ter cometido o crime, porém por não lembrar de nada que se passara naquela noite cinza.
Agora tudo parecia seguir para o mesmo caminho…
Seria presa novamente por um pecado que não cometeu… Seria novamente trancafiada em uma prisão…
Ainda recordava o dia que ela fora tirada do enterro da esposa e levada diante de todos. Ainda visualizava em sua mente os olhos verdes perdidos… Porém não houve protestos… Apenas estendera os pulsos para que algemas fossem colocadas e saiu com os policiais, mas não baixou a cabeça. Saiu com todo orgulho que carregava dentro si, encarando os olhares acusadores que foram lhe dirigidos.
A família da Verônica não sossegaria até destruir totalmente a arquiteta.
-- Não há vestígios, apenas uma pista… Os crimes foram cometidos e se não conseguimos provar que não foi você, poderá ser presa… -- Tocou-lhe a face delicadamente. -- Desculpe-me, filha, peço que me perdoe por ter falhado mais uma vez.
A Valerie se devencilhou do toque!
Não era segredo para ninguém que ela não gostava dessas demonstrações de carinhos.
A ruiva pegou uma caneta dourada e ficou a girar entre os dedos. Sua atenção parecia focada no objeto.
Leonardo sabia que ela não faria uma cena, nem mesmo deixaria que a emoção a dominasse… Nem mesmo sabia se nas veias dela havia sangue ou apenas aquela total indiferença.
-- E ela foi inseminada… Ela carregará um filho meu em seu ventre… -- Mordiscou o lábio inferior. -- A minha irmã se passou por mim durante meses, desviou todo o meu patrimônio e ainda a minha única esperança de ter uma descendência… Sequestrou-me, manteve-me cativa em um buraco, enquanto cometia fraudes em meu nome… -- Fitou o advogado. -- Como você não conseguiu distingui-la? Os outros, eu até entendo, mas você…
Ele pouco estivera com a usurpadora, fora enviado para fora do país para resolver alguns problemas que sugira, mas aquela explicação não seria suficiente para a Valerie.
O idoso juntou as mãos como se estivesse fazendo uma oração.
-- Natasha…. Vocês são idênticas e ela conseguiu se passar por ti, imitando seus mínimos gestos… Ninguém entenderia ou questionaria a veracidade de ser ou não… Entenda isso, por favor… -- Apelava em desespero.
A ruiva se levantou.
Permaneceu parada durante alguns segundos, pois sentiu a cabeça girar.
Usava uma muleta para se locomover, pois machucou mais a perna já avariada.
Alta, magra, exibia aquele porte de realeza.
Vestia roupão preto atoalhado. Os cabelos afogueados ainda estavam úmidos do banho demorado.
Ela seguiu até a janela e ficou observando o extenso jardim do hotel.
Sentiu saudades de algo que nunca fora seu, do lugar que poderia seguir para recuperar as forças…O espaço que projetara para viver com a esposa..
Por um momento fora aquela imagem que viu em seus olhos...
A grama perfeitamente aparada, as rosas do jardim. As árvores frondosas e ao longe os enormes portões.
Viu o jardineiro colher uma rosa vermelha…
Seus olhos pareciam hipnotizados com o bater das asas de um beija flor…
De repente o maxilar forte se enrijeceu ainda mais… Os lábios fechados em uma linha fina… Sentia uma raiva tão grande dentro do peito que temia suas próprias ações.
Abriu a boca para falar, mas algo a impediu de início, mas logo o fez novamente e a voz baixa e rouca invadiu o quarto.
-- Eu quero que movas céus e terras para que essa garota termine a vida em uma prisão suja… Assim aprenderá quem é Natasha Valerie… A maldita cúmplice da minha irmã receberá ainda mais da minha fúria… Destruirei-a com todas as armas que estiverem ao meu alcance… Ao final, ela preferirá mil vezes não ter nascido! -- Deu uma pausa, controlando a respiração. -- Ela vai pagar mais caro por se imaginar digna de ter dentro do seu corpo um filho meu…
Antes de Verônica ser morta, insistira para que tivessem uma criança. Dizia que seria uma forma de se unirem, mesmo que a relação tenha sido um total fracasso, teriam um legado para deixar como herança.
-- Eu mesma quero essa desgraçada diante de mim...
As palavras eram faladas tão naturalmente e de forma tão sutil que não soava tão graves como deveria ser.
Como alguém poderia desafiar aquela mulher?
Nathália não estava mais ali para uma vingança, então os que restaram teriam que pagar por tudo.
Leonardo se aproximou de forma cautelosa.
Ele sabia que o que falaria seria visto com estranheza, mas precisava arriscar.
Conversara com o detetive que o estava ajudando e ambos pensaram em uma forma de proteger a ruiva e assim lhe desse tempo para provar que era inocente.
-- Nath, se agir assim nada conseguirá… Perderá seu dinheiro, jamais descobrirá o que fora feito com seu patrimônio… -- Deu uma pausa. -- Mas se agir da mesma forma que a Nathália fez, recuperaria sua fortuna… Sei que está preocupada… Pessoas morreram, mas nada tem a ver contigo...
O silêncio intenso caiu entre eles até as palavras serem pronunciadas em tom baixo e controladas.
-- O que tu planejas? -- Questionou sem se voltar.
O assistente respirou fundo, afrouxou a gravata como se estivesse sendo sufocado. Já previa as negativas que receberia… Mas precisava tentar.
-- Veja… -- Pigarreou -- Sua irmã te sequestrou, assumiu seu lugar e te roubou… Liberou um projeto perigoso no qual vidas foram ceifadas... Além de ter usado seus genes para inseminar a amante... Por que não faz o mesmo?
Os olhos verdes se voltaram para Leonardo.
A expressão fechada, parecia ainda mais inflexível, mais intimidadora...
O olhar da ruiva demonstrava o quão absurdo ela achava daquela ideia.
-- Natasha -- Fez um gesto com a mão como se pedisse calma -- pense, ninguém sabe que a sua irmã está desaperecida… E também não há provas do que ela fez contigo, ou seja, como punirá os culpados se não há evidência de um crime… Entenda, ela foi você durante longos meses…
-- O que está me sugerindo? -- Indagou por entre os dentes.
Leonardo engoliu em seco.
-- Que continue o jogo que ela armou… Continue de onde ela parou… Encontre-se com a namorada… Encontre as pistas para colocar essas pessoas na cadeia e conseguir recuperar o que perdeu… Isso nos dará tempo, poderemos provar que não foi você...
-- Isso é um absurdo! -- Jogou a cabeça para trás. -- Eu jamais conseguiria agir como a Nathália, seria impossível para mim… De onde tirou essa ideia tão sem cabimento?
Ele tocou-lhe os braços, fazendo-a virar para si.
-- Você sempre foi mais inteligente que ela… -- Encarou-a. -- Entendo que esse tipo de atitude não faça parte da sua forma de agir, conheço seu caráter, mas Natasha, pense, se você perder tudo, todos perderão também… Há famílias que dependem de ti… Vai simplesmente jogar nas mãos da justiça e demorar anos para conseguir uma solução… Pense… Você foi traída… E não punirá os culpados? -- Desafiou-a. -- Vai aceitar ser enclausurada mais uma vez em uma prisão quando não metera crime algum?
A mulher se manteve parada no meio do quarto. Os nós dos dedos estavam vermelhos devido à força que ela usava para segurar a muleta.
Os olhos verdes demonstravam total confusão, porém havia uma fugalha de esperança e Leonardo vibrou com aquilo.
O circo estava lotado.
Crianças e adultos pareciam hipnotizados com os voos dos trapezistas. A plateia via de pé e além de vibrar, pareciam também assustados, temerosos que os jovens acabassem se desencontrando e fossem ao chão.
Os algodões doces, refrigerantes e salgadinhos foram esquecidos, pois só se observava a fabulosa apresentação.
Os holofotes estavam voltados para os trapezistas. As luzes coloridas acompanhavam cada movimento.
O rufar dos tambores tornava tudo ainda mais emocionante… A voz do locutor sabia o momento certo para fazer ainda mais suspense...
O silêncio reinava no picadeiro, pois aquele era considerado o número mais perigoso, ainda mais por que os artistas não usavam a rede de proteção.
Pepi via tudo e mesmo sabendo que sua menina era bem treinada, assustava-se com sua desenvoltura, talvez desejando que ela voltasse a ser uma criança que apenas fazia palhaçadas ao seu lado.
Lembrava-se de quando a encontrara nas ruas da grande cidade. Tinha acabado de perder a mãe e fugia dos assistentes sociais. Pela forma de agir, era possível perceber que ela fora criada com modos educados. Sabia comer, comportar-se, conversar… Ficara triste ao descobrir que não havia outra família para se responsabilizar pela criança, então não resistira às insistências da garotinha, trazendo-a consigo para viver no circo. Cuidava dela como se fosse a neta que nunca teve.
Puxou um pouco mais a fresta da lona para poder fitá-la melhor.
Viu-a parar lá em cima e mesmo que ela exibisse um sorriso enorme, sabia que ela não estava bem nos últimos dias, via a tristeza nos belos olhos… Sabia que algo tinha se passado, pois antes a alegria da morena contagiava a todos, mas de repente era como se seu entusiasmo pela vida tivesse apagado…
Prendeu a respiração...
Então ela se jogou, voando como uma águia, em um mortal triplo parecia dominar o vento...fora ao encontro de Cézar que lhe segurou as mãos… Numa verdadeira dança com a morte, giravam no ar, fascinando e amedrontado os que assistiam ao show.
Soltou beijos para todos e sob eufóricos aplausos encerraram a apresentação.
Natasha observava a multidão deixando o interior da desgastada lona.
Via as inúmeras luzes que davam ao lugar um aspecto encantado.
Fitou as crianças pulando de alegria e imitando o que, com certeza, viram no interior. Os adultos comentavam cheio de entusiasmos os números apresentados, pareciam tão despreocupados da vida difícil que deveriam ter.
Olhou os troncos fincados no chão batido que sustentavam a armação, viu o enorme mastro ao meio tendo uma bandeira. Viu as luzes coloridas que davam nome ao circo: Felicidade!
Suspirou exasperada.
Nunca esteve em um ambiente como aquele… Mas sua irmã sim. Isadora a levava aos melhores espetáculos… O que não se comparava àquilo ali diante de si. Não passava de um circo medíocre de cidade pequena, nada parecido com a sofisticação dos Hanmintons que recebera títulos da própria família real.
Leonardo a convenceu a ir até lá e agora servia como motorista.
Fora preciso mostrar as imagens das câmeras da clínica para convencê-la.
A Valerie não deu uma única palavra em todo o percurso, apenas permanecia no banco traseiro e observava a foto que lhe fora entregue.
Não havia nada de atrativo na imagem… Não se negava que era bonita, mas o que era a beleza em um mundo como aquele?
-- Se desejar vou até lá e trago-a aqui. -- O assistente fitou-a pelo espelho.-- Assim você evitaria se forçar ainda mais… Precisamos da sua fisioterapeuta o mai rápido possível.
Ele sabia que a ruiva não estava bem, ainda mais agora que sofrera tantos danos à perna. Mirou a face e viu que quase não havia mostras do que vivera nas mãos dos bandidos.
Os olhos verdes fitavam o trailer e viu quando uma luz acendeu lá dentro.
Havia vários próximos, mas o que lhe interessava estava mais isolado dos outros. Observou as erva daninhas crescerem por todo o terreno… Precisava tomar cuidado quando fosse até lá, pois não contaria com a muleta.
-- A única coisa que me interessa é descobrir quem, além da minha querida irmã, está por trás de tudo isso… -- Fitou o homem. -- Se essa garotinha não for útil para isso, mandarei-a para a prisão imediatamente… Ou quem sabe eu mesma acabe com ela… Assim consigo aplacar um pouco da raiva que estou sentindo.
Antes que Leonardo pudesse falar alguma coisa, a ruiva deixou o veículo.
Ele pensou em ir com ela, mas sabia que não seria uma boa ideia.
Natasha aceitou com um único objetivo, nem mesmo o fato da jovem amante de Nathália carregar um filho seu parecia importar.
Agora começava a pensar se aquela fora uma boa ideia realmente.
Há uma semana ela se passava pela irmã e graças a isso pôde retornar a sua vida sem ter que ir para a prisão, mas sabia que tudo não estava resolvido, pois Isadora não fora convencida de que se tratava da neta querida. Deveriam evitá-la de todo jeito, pois ela jamais acreditaria nessa farsa.
Suspirou alto!
Meneou a cabeça cheio de preocupação.
Agora havia aquela nova personagem naquele perigoso jogo. Ainda não entendia qual o plano da futura duquesa, apenas tentava juntar as peças daquele quebra-cabeça e encontrava lacunas que o deixava perdido. Certo que um herdeiro da Natasha seria bem rentável, afinal, seria herdeiro de tudo que a arquiteta possuía… Mas qual a razão de ter escolhido a jovem circense? Não acreditava que ela realmente estivesse apaixonada pela garota…
Voltou a observar o vídeo que obteve da clínica.
Valentina entrou e acendeu a luz da pequena luminária.
Apesar de tudo o que vinha acontecendo em sua vida, sentia-se feliz por sua estreia ter sido um verdadeiro sucesso.
Ainda tinha a impressão que estava voando pelos ares...
Ainda usava o macacão colado ao corpo, delineando suas formas.
Mordiscou o lábio inferior enquanto mirava seu reflexo no espelho. Levou a mão ao ventre.
Uma criança crescia ali e logo todos saberiam disso, logo haveria um bebê… Uma criança que seria apenas sua… E nada faltaria para seu filho...
Cerrou os dentes ao lembrar da mulher que a enganara, usara-a, iludira-a com um propósito que ainda lhe era desconhecido.
Como alguém podia ser tão baixo a ponto de se aproveitar dos sentimentos alheios para tirar vantagens?
Mirou o celular sobre a mesinha.
Mantinha-o desligado na maior parte do tempo, pois não desejava receber nenhuma ligação e mensagens daquele ser doente que se mostrara tão diferente do início de tudo.
Voltou a fitar a própria imagem e mais uma vez teve a impressão que o cheiro dela invadia seu espaço…
Fechou os olhos por longos segundos, tentando em vão sufocar a dor que lhe apertava o peito...
Mas não importava mais, não verteria mais uma lágrima e teria aquela criança e a criaria com todo amor do mundo.
Natasha abriu a porta sem dificuldades. Tentava não fazer barulhos.
Viu a circense parada diante do espelho. Inspecionou tudo ao redor com seu olhar crítico. Havia uma cama estreita com inúmeras pelúcias sobre. Um frigobar com a pintura gasta… Um fogão de duas bocas… Uma mesa de madeira que contava com uma única cadeira… Fitou os cabides com roupas penduradas…
Deu mais alguns passos… Observando o reflexo no espelho.
As luzes internas estavam acesas, então era possível observar os traços da mulher que parecia a dormir diante do cristal…
A trapezista sentiu-a… Achou que estava a mergulhar em seus sonhos... Lentamente abriu os olhos...
De repente uma imagem apareceu bem atrás de si, refletindo no desejo que tivera durante aqueles dias.
Seria novamente uma peça pregada por sua cabeça?
Ficou parada, tentando decifrar o que estava a ver…
O olhar era diferente… Frio… Mas os traços eram delas… Mirou as roupas elegantes compostas por calça de seda que se modelava ao corpo bonito, camiseta e jaqueta de couro vermelha… Onde estavam os vestidos floridos? O ruivo dos cabelos pareciam mais vivos… Estavam menores...
Fechou os olhos, apertando-os forte e depois de alguns segundos voltou a fitá-la, com a ilusão de que sumiria como tantas vezes aconteceu com as projeções da sua cabeça.
Não… Ela realmente estava ali...
De repente a raiva de todos aqueles dias ameaçou explodir. Virando-se, seguiu até a mulher que continuava parada.
Natasha fitava a garota e percebia que a foto que lhe fora mostrada não demonstrava a jovialidade que ela exibia.
Observou as roupas em azul e branco que pareciam uma segunda pele… Se estivesse nua não causaria tanto impacto…
Encarou os olhos negros… Eles pareciam ter milhares de estrelas, pois brilhavam como a mais bela das constelações… Fitou os lábios entreabertos… O superior era mais cheio… O nariz fino… Arrebitado...
Quando a empresária abria a boca para falar algo, seu ato foi interrompido por uma forte bofetada.
Valentina colocou toda a sua força na ação, fazendo a cabeça da ruiva pender para o lado pelo impacto.
Ambas se encararam durante longos segundos. Pareciam mergulhar...
A respiração acelerada de ambas era a música ambiente...
A trapezista não conseguia amenizar sua fúria, enquanto Natasha a fitava com os olhos semicerrados.
A jovem artista fechou os punhos com força...
Odiava-a!
Queria matá-la da mesma forma que a amou!
A morena já tinha a mão pendendo no ar para desferir novo golpe, porém dessa vez a arquiteta parecia preparada para o que viria.
Natasha lhe segurou o pulso, enquanto a fitava, apertando-lhe a carne. Fê-lo sem piedade...
-- Quem você pensa ser para encostar sua mão em minha face?
O olhar da outra se mesclava em surpresa e frustração. Tentou se livrar da mão, buscava empurrá-la, mas foi abraçada por trás, imobilizando-lhe os movimentos.
Estavam tão próximas que era possível confundir as respirações.
A arquiteta sentia a forma feminina unida a sua... Inalava o cheiro de suor com um delicado perfume.
Sentiu-a se debater, segurou-a pela cintura fina.
A morena emitia rugidos de raiva, tentando a todo custo se livrar das amarras.
-- Solte-me, sua miserável! -- Cravou as unhas na pele da ruiva.
A arquiteta a empurrou, dando alguns passos para trás. Permanecendo atenta a mais um ataque.
Valentina observava-a diante de si e sentia algo estranho, como estivesse na presença de alguém totalmente diferente… Mas como?
Mirou-a demoradamente...e viu cheia de satisfação a marca que deixara no belo rosto… Desejava fazer muito mais… Arranhá-la toda e tirar de sua face aquele olhar de superioridade que exibia.
-- O que faz aqui, duquesa? -- Indagou por entre os dentes. -- Somes e depois me manda uma mensagem simplesmente dizendo que não podíamos ter nada… Agora apareces aqui como se fosse a coisa mais normal de acontecer… Não há nada para você nesse lugar!
Natasha fitou a raiva estampada ali.
Ainda tinha entre seus dedos a pele sedosa dela, ainda sentia o queimar da bofetada que levara. O cheiro feminino impregnava seu corpo...
-- Sugiro que fique calma, pois sou avessa a dramas e quanto à violência, tenho meus lugares preferidos para usá-la!
A circense ouvia as palavras ditas em voz rouca e era como se fosse a primeira vez que escutava aquele som.
Voltou a examiná-la… Parecia confusa diante do que via e ouvia...
-- Saia! -- Expulsou-a.
A Valerie deu alguns passos, tentando manter distância para não ser atacada novamente.
Ainda sentia a face arder onde fora golpeada.
-- Você tem doze anos é? Adultos não resolvem problemas assim, então, aconselho-te a agir de acordo com sua faixa etária...
Cerrou os dentes ao sentir a perna doer por ficar de pé por mais tempo do que deveria, fora o esforço para segurar a trapezista.
Mirou tudo ao redor e notou como o pequeno espaço era organizado e aconchegante.
Havia uma minúscula cama com cobertas limpas, uma pequena mesa com algumas flores arrumadas em um vaso.
Viu o painel cheio de fotografias de uma bela garotinha de cabelos pretos…
Suspirou impaciente.
-- Saia da minha casa! -- Valentina caminhou até a porta, abrindo-a. -- Tenha dignidade pelo menos uma vez na sua vida.
A ruiva viu um banco estreito, sentando-se, enquanto massageava a coxa sem se importar com a anfitriã batendo a ponta do pé impaciente no assoalho gasto.
Seus ossos doíam demasiadamente.
Sentia o latejar dos músculos…
Até quando aguentaria tamanho desconforto?
-- Eu já disse pra sair da minha casa!
A voz da morena lhe tirou dos seus pensamentos.
Natasha a fitou de forma desdenhosa.
Mordeu o lábio inferior para não gemer diante do desconforto.
-- Isso não é uma casa… É uma lata velha que você vive, então não gaste seu tempo me expulsando, pois estou aqui para falar contigo e não sairei daqui sem fazê-lo.
Mais uma vez o olhar de Valentina denotava surpresa, pois aquele ser humano que estava ali parecia totalmente diferente da qual se apaixonou.
Lerda!
Óbvio!
Aquela forma doce, educada e delicada era apenas um teatro que ela executava com maestria.
-- Eu não tenho nada para falar contigo! -- Disse por entre os dentes.
A arquiteta relanceou os olhos.
A última coisa que imaginava era que teria que lidar com uma amante despeitada da irmã.
-- Deveria se mostrar mais grata por me ver, mais feliz, mais apaixonada… Estou aqui para você… Então aproveite...
Valentina fechou as mãos ao lado do corpo.
-- Como pode ser tão descarada? -- Seguiu até a cômoda e pegou o celular. -- O que eu sentia por ti acabou nesse momento. -- Praticamente lhe jogou o aparelho. -- Cínica!
A ruiva lia com atenção cada sentença e não duvidava que aquilo realmente fora feito pela irmã, afinal, da mesma forma que ela era uma mulher cheia de educação e delicadeza, sabia ser cruel.
Fitou a jovem que parecia prestes a voar sobre si novamente.
O que ela poderia saber de toda aquela história?
Por qual motivo Nathália se envolvera com uma simples trabalhadora de circo?
Precisava tentar descobrir o que havia por trás de tudo aquilo e mesmo que fosse algo difícil de fazer, entraria no jogo que Leonardo propôs.
Respirou fundo!
Cerrando os dentes devido à dor, levantou-se, aproximando-se da garota. Precisava usar um tom diferente…
Respirou fundo!
-- Sofri um acidente há alguns meses e ainda não estou bem… -- Começou. -- Estava em um hospital e… E minha cabeça estava confusa… -- Passou as mãos pelas madeixas afogueadas. -- Estou muito atordoada… Esqueci de algumas coisas… Nem deveria estar aqui hoje, mas não resisti… -- Entregou-lhe o aparelho. -- Preciso que me escute, que entenda…
Parou ao ver que a garota quase partia novamente para cima mais uma vez, porém algo a fez cessar os movimentos.
Valentina não pareceu se sensibilizar com o que ouvia.
-- Não acredito em nada que falas… -- Voltou a abrir a porta. -- Saia antes que chame alguém para que a tire ou eu mesma o faça por seus belos cabelos, sua vagabunda!
Natasha a fitou demoradamente e não havia dúvida que ser expulsa daquele lugar não era uma coisa tão natural para si.
Os olhos verdes não conseguiam dissimular a arrogância, não conseguiam esconder o desdém.
-- Escute-me, já disse que passei por coisas…
-- Que morra! -- A morena gritou, interrompendo-a. -- Fique longe de mim se não quiser que eu arraste essa sua bela face pelo chão…
A ruiva passou a mão pelos cabelos mais uma vez em total frustração.
Não costumava aceitar aquele tipo de comportamento, mas se conhecia a irmã, sabia que aquele era o momento que ela faria cara de vítima e apelaria para a pena alheia. Porém essa forma de agir não funcionava consigo.
Voltou a encarar os olhos negros.
Observou-a tremer, sabia que estava em total descontrole… Fitou as mãos que se fechavam toda hora ao lado do corpo. Mirou os lábios carnudos se cerrarem em uma linha fina… Inflexível...
Controlando-se, apenas emitiu um gesto de de assentimento com a cabeça, enquanto deixava o lugar, mas parou, voltando-se para ela.
-- Ainda temos muito que conversar, senhorita!
A trapezista não moveu um único músculo da face, enquanto a via se afastar, enquanto a observava deixar o trailer com um excesso de orgulho nunca visto antes.
Apenas quando se viu sozinha é que conseguiu soltar a respiração.
Segurou-se no espaldar da cadeira gasta. Mirou a mão e viu como estava a tremer.
Não choraria, não verteria mais uma única lágrima por aquele ser insensível.
Passara dias destruída, desesperada, buscando em todos os lugares por aquela mulher que a fizera se apaixonar e ao final abandonara.
Acariciou a barriga que logo estaria a ser vista.
Não falaria para Nathália sobre o sucesso da inseminação… Sabia que tinha sido usada, mas ainda não entendera qual fora o propósito do ato, porém nada daquilo lhe interessava mais… Nada…
A história tá cada vez mas envolvente .
ResponderExcluirah, sim, esse encontro fora interessante e bem proporcional ao que ainda vem...
ExcluirBeijos!
Mto interessante!!!!
ResponderExcluirLogo veremos essa batalha esquentar ainda mais...
ExcluirQue trama incrível! Como foi possível Nathália armar toda essa farsa? E como aconteceu essa inseminação? Será muito interessante observar a aproximação de Valentina e Natasha nessa situação em que se encontram - em verdadeiro "pé de guerra"!
ResponderExcluirUm abraço,
Bruna
olá,meu bem, que bom lê seu comentário... Pois é,é uma história complicada e cheia de tramas crueis... Nathália e Natasha ainda terão muito que resolver... A Valentina, coitada, essa ainda não imagina o que está para acontecer...
ExcluirBeijinhos, meu bem, e um grande abraço
Que armação terrível,a Isadora faz parte de tudo isso com a mau caráter da Nathalia.
ResponderExcluirA Valentia vai pagar por isso.
Por que dela querer um filho da irmã,certamente ela pensou que a irmã estava morta. História envolvente.
Você sabe nos prender como ninguém nas tuas tramas.
Beijos
Oi,
ResponderExcluirGeh, adorei o capítulo.
A Nathalia parece não prestar como a vó.
A Natasha parece ser muito atraente e não leva desaforos para casa.
Vanvan^^
Não tô conseguindo encontra páginas tipo do 1 ao demais.. Toma vez q clico perece desde do inicio do conto.... Dolo ferox
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