Dolo Ferox -- Capítulo 2



         O campus de uma das mais prestigiadas universidades do país estava cheio de jovens.
A grande construção branca que lembrava um castelo da época medieval ostentava orgulhosamente a bandeira do seu país.
        Muitos calouros se encontravam sentados diante da enorme fonte. Conversavam animados, combinavam festas para o fim daquele período. Pareciam despreocupados, enquanto outros permanecia sob a sombra de frondosas árvores revisando conteúdos, tendo em seus rostos expressões de apreensão, temerosos de repetir algumas matérias. Outro fato comum de se presenciar eram os casais apaixonados. Atletas com suas jaquetas, exibiam suas formas definidas, sempre sendo apreciados pelas garotas que sonhavam com seus príncipes em seu cavalos brancos.
      A reservada Valerie seguia pelos corredores cheios.
      Levava nas costas sua mochila e era possível ver alguns tubos dos seus inúmeros projetos. Fora chamada na sala de uma das professoras, pois ela se encatara com um dos tantos desenhos feitos pela ruiva e pedira sua ajuda e orientação para algo que estava a construir.
A arquiteta Briana observava atenciosamente a bela garota de cabelos avermelhados inclinada sobre a mesa.
     Aproximou-se um pouco mais para lhe sentir o cheiro.
     Sabia que não deveria agir daquele jeito, mas desde que viu aqueles olhos verdes pela primeira vez, era como se sua alma tivesse sido dominada por um gênio de puro desejo.
     Contava com quarenta e dois anos, tinha marido e filho. Tinha uma casa e uma vida toda cheia de preceitos tradicionais, porém há mais de seis meses perdia-se nos encantos da aluna.
Inspirou o ar e ainda sentia o cheiro do prazer dos corpos de ambas sobre a poltrona...
     -- Acho que precisa mudar isso aqui!
     Briana foi tirada dos seus pensamentos pelo som rouco e baixo da voz feminina. Viu o dedo que apontava para a planta enorme que se estendia sobre a mesa.
    Tomou a jovem delicadamente pelos ombros.
     -- Reconsidere sua decisão… -- Pediu, encarando-a. -- Não estou conseguindo viver desde que terminou nossa relação.
     A estudante a fitou e mais uma vez não pareceu se comover diante do olhar sofrido. Aquele arranjo sempre fora de prazer… Nada mais que aquilo lhe interessara… 
    -- Não tinhamos uma relação! -- Livrou-se do toque, mas não se afastou. -- Foi apenas um caso… Sexo!
    -- Só isso? -- A mulher questionou chorosa.
    A neta rejeitada de Isadora encarou-a, parecia estar analisando todas as reações daquela face tão bonita.
   Sentia-se estranha diante das emoções humanas, tinha a impressão que realmente era um animal como dizia sua “ amada avó”.
   A ruiva passou a mãos pelos cabelos avermelhados, sentia os fios entre os dedos. Logo a tinta preta sairia e ela poderia expor suas verdadeira origem.
   -- Eu gosto de você, Nat…
   A Valerie meneou a cabeça negativamente.
  Gostar?
  Sabia que as relações humanas não passavam de uma troca prazerosa… Interesses escusos…        Vantagens…
   Desde muito nova descobrira isso e fizera a própria escolha naquele mundo cheio de competiçoes… 
   A jovem se afastou!
   -- Não fale essas coisas, sabe bem que jamais poderia acontecer algo assim… Nem sei o que significa isso de gostar…
   Briana não se surpreendia com a frieza que ela demonstrava. Sempre soube quais eram as condições da relação que iniciara com a estudante.
   Viu-a pegar a mochila e deixar a sala.


     Na universidade, Natasha se destacava na parte acadêmica, mas não tinha popularidade como a irmã. 
     Preferia se manter afastada, pois não costumava ter muita paciência para futilidades.
     Com passos lentos, a ruiva chegou ao restaurante do campus.
     Mordeu a lateral do lábio inferior ao ver a irmã.
     A morena tinha usado seu trabalho, apresentado como se fosse sua obra, posou diante de todos como a dona de um projeto que passara várias madrugadas para terminar.
    Desejou ir até ela para tirar satisfação, mas temia perder a cabeça e acabar fazendo algo que pudesse se arrepender.
    “ Não perder a calma.”
    “ Não demonstrar emoções.”
    “ Não ter fraquezas.”
     Repetia as palavras mentalmente que aprendera quando vivera no convento...
     Seguiu em direção oposta à gêmea, mas as colegas da futura duquesa lhe abordaram.
     -- Como é não ganhar os créditos da sua grande obra? -- Um loira a provocou. -- A cópia mal feita e odiosa…
     Natasha mirou a adolescente… Amarrara-a em uma sessão de sexo sádico no semestre passado.
     Geovanna era filha de um grande amigo da família Hanminton. Era cheia de modos corteses, porém no fundo tinha gostos nada ortodoxo.
     Outras se aproximaram formando um círculo.
     A Valerie as conheciam bem.
    Viu Nathália um pouco mais afastada, sabia que ela não tinha coragem de enfrentá-la sem a presença da adorável vovozinha.
     Natasha esboçou aquele sorriso frio com arquear de sobrancelha que lhe era característicos.
      -- E como é ser uma loira idiota que não tem cérebro? -- Aproximou-se mais de forma altiva. -- Uma adolescente que só está na universidade por causa dos milhões que a família ostenta, porque se fosse por seus próprios méritos, teria que voltar a ser alfabetizada...Uma menininha boba que namorava um atleta, mas adorava apanhar na cara do rascunho mal feito...
     Nathália se aproximou mais e viu quando a amiga levantou a mão para esbofetear a irmã, viu a ruiva detê-lhe o movimento no ar, enquanto a empurrava, afastando-se.
     Mordiscou o lábio demoradamente...
     Viu a neta odiosa da sua vó sair mancando.
     Sabia que não podia bater de frente com ela, mas odiava-a com a mesma intensidade que Isadora.
     Era arrogante, presunçosa, mesmo ocupando o porão da grande mansão.
     Um dia a faria baixar aquela cabeça.. Um dia…
     As amigas voltaram a se aproximar.
     A Hanminton estava rodeada de pessoas. Todos queriam estar perto da bela morena. Queriam ser seus amigos ou até mesmo namorados.
   Ela contava a todos de forma entusiasmada sobre o trabalho que roubara da irmã. Não se preocupava que todos soubessem da sua falta de caráter.
     Os presentes gargalhavam da traquinagem da futura duquesa. 
   Nathália não levava nada a sério, apenas se importava com as festas e com os vestidos que compraria sem ter dinheiro.


       A ruiva saiu cedo do campus,  pegou um ônibus e parou diante de um prédio.
       Seguiu para seu interior.
       Caminhou até a recepção.
       A moça sorriu ao fitá-la, mas o gesto não foi retribuído.
       -- O senhor Leonardo a espera, pode entrar.
      Ela assentiu, enquanto seguia pelo grande hall, foi até o elevador.
      Fitou o espelho.
      Usava Jeans surrado, camiseta e casaco. Trazia a mochila nas costas.
      A face estava corada, os cabelos um pouco desarrumados.
      Parou no andar, seguindo até a enorme porta.
      Nem ao menos bateu, adentrando o grande escritório.
      Leonardo estava examinando alguns papéis quando fitou a ruiva.
      Era uma garota muito bonita, mas infelizmente vítima de grandes sofrimentos.
     Fitava-a e não havia nada ali de uma adolescente, como também nunca fora criança, agia sempre como adulta… Mas uma adulta que parecia tão vazia por dentro, tendo apenas o ódio lhe guiando os passos.
      -- Terminei o projeto!
      Foram as palavras que ela usara. Nada de cumprimentos, nada abraços… Nada de sorrisos.
      Viu-a tirar a mochila das costas, retirando uma pasta, aproximou-se, sentando na cadeira, entregou-lhe.
      O homem fitou impressionado ao observar os desenhos bem detalhados.
      Não havia dúvidas que ela fora abençoada com uma inteligência estupenda. Seus projetos estavam sendo cada vez mais requisitados pelo sheik Azhari.
      -- Teremos um contrato em breve e isso é maravilhoso, filha!
      Ela fez um gesto de assentimento, enquanto levantava.
      Cerrou os dentes por longos segundos, sentia dores na perna.
      -- Falei com o médico, desejo que faça uma cirurgia! -- Disse preocupado. 
O maxilar da ruiva se enrijeceu. 
Estava acostumada a conviver com aquele desconforto que nem mesmo se tornava prioridade se livrar daquilo.
        -- Quero sair daquela casa… -- Disse por entre os dentes. -- Preciso de um lugar para morar.
O empresário assentiu tristemente.
Infelizmente nunca conseguira convencer a odiosa duquesa em levar a menina para ficar consigo. Isadora, mesmo odiando a garota, regozijava-se em tê-la por perto para massacrá-la. 
-- Venha ficar comigo… -- Convidou entusiasmado. -- Helena adora você. Já tem idade para fazer essa escolha.
Natasha apenas fez um gesto negativo com a cabeça, enquanto deixava o escritório.
Leonardo fitou o projeto, enquanto suspirava tristemente.
Poderia um dia salvar aquela menina daquelas trevas?


        Natasha voltou a pegar a condução,seguindo até uma casa de show.
        Desceu lentamente devido ao problema da perna.
        Apoiou-se na parede de uma loja.
        Massageou a coxa esquerda sobre o jeans.
        Ainda recordava o dia que fora jogada pela avó da escada da mansão… Ainda sentia os ossos se batendo…
        Respirou fundo, voltando a caminhar.  
        As ruas estavam cheias naquele horário, alguns voltando para casa dos seus trabalho, outros começando aproveitar o final de semana.
        Quando chegou diante da porta, um segurança alto, forte e careca se aproximou.
        -- Crianças não entram aqui! -- Tentou intimidá-la.
        Uma garota alta e de cabelos negros saiu do recinto. .
        -- Olá, Natasha! -- Aproximou-se sorridente. -- Sou Verônica e fui eu que a contratei para tocar na apresentação.

      Anos depois…
     O gigantesco prédio com vidro espelhado em toda sua estrutura ocupava grande parte da avenida mais nobre da cidade.
     Parecia impossível passar por ali e não ser atraído pela arquitetura única e detalhadamente pomposa.
    O acesso restrito, deixava claro a segurança dos que trabalhavam ali.
    No térreo havia seguranças vestidos de terno e gravata diante das portas giratórias
    A moça estava em sua escrivaninha quando viu com pesar quem se aproximava a passos duros e desdenhosos. Aquela mulher poderia ter caído no poço do elevador, não poderia?
    Ficou a pensar quais dos seguranças seriam demitidos depois daquele respeitada duquesa conseguir chegar até ali quando já se tinha ordens expressas proibindo.
    Rebeka respirou fundo, pois sabia que teria problemas.
    Não era segredo para ninguém que aquela senhora bem vestida não era bem vinda. Nem era nada bom ir até a chefe e expor aquela situação.
    A Hanminton observava o lugar e ficava a calcular mentalmente quanto de dinheiro estava presente naquela construção.
    A maldita ruiva lhe tirou até a mansão, levando-a a total miséria. Sempre soubera que ela seria o flagelo da sua família e todas as manhãs quando acordava, arrependia-se de não ter jogado aquele maldito bebê do alto da torre daquele convento.
    -- Exijo ver a Valerie! -- Isadora falou, enquanto batia forte sobre o tampo espelhado. -- Diga àquela assassina que não sairei daqui sem vê-la.
     A secretária sabia que precisava manter a neutralidade, mas ao ouvir aquelas últimas palavras, desejou ela mesma tirar pelos cabelos a honrosa lady.
    -- Ela está um pouco ocupada… -- Disse relutante, tentando manter a calma.
    -- Pois se ela não me receber, logo a imprensa estará aqui e aí vocês terão sérios problemas. --        Ameaçou com um sorriso medonho. -- Imagine… Acabou de deixar a prisão e já é acusada de abusar de uma pobre e indefesa idosa…
   “ Era um ser desgraçado e miserável!” -- Pensava a mais nova.
   Olhou para o andar. Não havia ninguém naquela parte,então não seria possível contar com ajuda.
    Fitou demoradamente a tela do computador enquanto ouvia os dedos impaciente tamborilar sobre o tampo da sua mesa.
    Vencida, a loira assentiu, enquanto seguia até a sala da chefe.
    Sabia que se ligasse, a chamada seria rejeitada na mesma hora. Pena o senhor Leonardo não estar na empresa naquele dia. Ele precisou viajar a negócios e demoraria a voltar.
    Sentia os pés pesados aos dar os passos. Tinha a impressão que carregava uma tonelada de chumbos nos saltos.
    Parou diante da enorme porta e para sua sorte ou azar estava entreaberta. Bateu sutilmente e logo adentrou o espaço.
    Viu com desgosto a arquiteta debruçada sobre uma projeto que ocupava a grande mesa de doze lugares da sala da presidência. Ela estava tão concentrada que não notou sua presença.
    Trabalhava com aquela bela mulher há três anos e sempre tinha a impressão que estava diante dela pela primeira vez.
     Em todo aquele tempo percebeu que a chefe não costumava falar muito. Estava sempre envolvida com seus trabalhos e com seus pensamentos. Não havia demonstrações de afetos, arroubos de raiva, apenas aquele iceberg presente em seus olhos.
    Seu olhar seguiu até a grande estante onde havia vários livros, depois até a mesma menor que reluzia em preto. Era tudo tão impessoal…
    Pigarreou para que fosse notada.
    -- Senhora Valerie...sua avó está na recepção e deseja vê-la. -- Disse de uma vez. 
    Esperou a demissão oral, mas apenas foi ignorada. 
    A ruiva não levantou a cabeça.
    Observava atenciosamente uma planta que estava sobre a mesa até que seus olhos fitaram a bela loira que era sua assistente.
    A secretária mergulhou por alguns segundos naquele verdejantes perdidos.
    Fitou as roupas que a empresária usava.
    Calça jeans azul justa ao corpo. Camisa social branca de mangas longa e colete preto em seda..
    Os cabelos estavam mais curtos, porém continuavam a reluzir em puro fogo...
     Era linda!
     Natasha encarou a loira .
     -- O que se passa, senhorita Costa, eu fui clara que não desejava interrupções… Já deixei claro que não desejo a presença de Isadora aqui!
     A secretária cerrou os dentes. Sabia que o tom baixo usado era bem mais intimidador que se ela estivesse a esbravejar, coisa que nunca acontecia.
    Em todos aqueles anos que trabalhava naquele lugar, sempre se sentira fascinada pela personalidade da chefe.
    Não era incomum aquela forma de tratar da bela ruiva. Era introspectiva, racional ao extremo e totalmente insensível a tudo que a cercava. 
    As más línguas diziam que ela era uma verdadeira predadora…
    Recordou-se de que há um tempo ela ficara viúva e fora presa acusada pela morte da esposa pela família da jovem.
   Seria verdade?
   Não…
   Se ela tivesse feito tinha quase certeza que ela assumiria sem titubear… Havia muita arrogância e orgulho em sua personalidade para não assumir suas faltas. 
    Observou sobre os ombros da chefe o projeto e viu que parecia mais um sucesso...
    Formada em arquitetura, não demorou para conseguir seu lugar no meio tão concorrido das construções.
    Inicialmente, começara comprando imóveis em total decadência, transformando-os em grandes empreendimentos e com o tempo se tornou uma poderosa mulher de negócios.
    Natasha chegou mais perto, exibindo um impaciente olhar. 
    Rebeka percebeu que estava distraída.
     -- Perdoe-me, mas ela insiste em vê-la… Ameaçou… -- Falou em um fio de voz.
    O maxilar da ruiva enrijeceu. 
    Há tempos deixara de viver com aquela mulher, há tempos fugira das humilhações que passara toda a vida a sofrer.
    Quando fora a última vez que a viu?
    Nem recordava disso.
    Colocou as mãos na cintura…
    Deveria ter algum problema, com certeza se tratava de dinheiro… Seria uma oportunidade boa de vê-la se humilhar mais uma vez...
    Fez um gesto afirmativo de cabeça, assentindo.
    Seguiu até a mesa, sentando-se na cadeira de couro.
    Viu a jovem sair e não demorou para a espevitada mulher entrar.
    Alta, magra, cabelos negros e roupas elegantes, trazia em sua face a arrogância dos ingleses.
    Isadora mirou o ser sentado e sentiu ainda mais ódio por ela ocupar um lugar tão importante.
    Ela agia como se fosse a dona de todo o mundo.
    Natasha a fitava com aquelas expressão de puro sarcasmo...
    Antigamente, aquela presença lhe causava temor, nos dias atuais, apenas a indiferença ocupava sua mente.
    Observou o olhar pairar sobre suas madeixas e se tivesse hábito de sorrir, teria feito naquele momento, afinal, quanta raiva a prepotente duquesa deveria estar sentindo ao observar os cabelos avermelhados da neta, pois quando vivia sob sua guarda, era obrigada a tingi-los de negros. 
    -- Vejo que já aceitou de uma vez o sangue bárbaro que corre por suas veias. -- Disse torcendo os lábios em desagrado. -- Andas exibindo o sobrenome Valerie como se fosse teu amuleto...
    Natasha arqueou a sobrancelha esquerda em provocação. 
    -- Sim e com muito orgulho!
    A inglesa se aproximou mais.
    -- Você deveria ter morrido no lugar da sua mãe, você a matou… Foi por sua culpa…É amaldiçoada e Deus vai castigá-la mais ainda.
    A arquiteta se levantou apoiada em sua bengala, viu o sorriso de satisfação no rosto da duquesa.
    -- Não tenho tempo para suas crendices ridículas, exijo que diga logo o que veio fazer e se retire imediatamente. 
    -- Aleijada, manca miserável…
    Os dentes alvos da ruiva se abriram em um sorriso enviesado. 
    -- Eu devo isso a você, vovó!
    A mulher se aproximou com o dedo em riste.
    -- Não me chame assim! Não tenho e jamais terei vínculos com pagãs…Por sua culpa Deus castigou a minha linhagem, por sua culpa… Quando negou-se a entregar a sua vida ao convento, quando preferiu abraçar a descendência do demônio do seu pai… -- Esboçou um sorriso diabólico. -- Até mesmo em uma assassina se transformou… Pobre Verônica… Deve ter vivido em total pânico ao perceber com quem havia se casado… Eu lembro dos olhos dela cheio de pânico na primeira noite que ficara contigo… Falara para Nathália a sua falta de modos… Coitada, além de ter se perdido por uma mulher, ainda teve o azar de ser por uma selvagem como você!
    Com o punho fechado a arquiteta esmurrou a mesa.
    Os olhos verdes se estreitaram de forma ameaçadora… Pareciam negros como ébano...
    Era possível observar uma veia pulsar em seu pescoço.
    Não costumava se deixar levar por emoções, mas a menção que fora feita mexia com suas estruturas.
    Ainda vivia sendo assombradas por aqueles fantasmas… Ainda sentia o cheiro do sangue...
    -- Chega! -- Falou por entre os dente. -- Ou fala logo o que deseja ou mando os seguranças te arrastarem daqui pelos cabelos.
    A pálida inglesa pareceu assustada diante da ameaça, baixando a mão, respirando fundo.
    Sabia que precisava dosar suas palavras, afinal, se a ruiva matara a mulher que dizia amar, poderia fazer bem pior consigo.
    Engolindo o orgulho, apelou:
    -- Sua irmã precisa da sua ajuda… O marido perdeu tudo… Estão vivendo momentos difíceis…      Nathália não merece viver como pobre.
    A sombra de furor que tingia o rosto bonito de Natasha chegou no seu ápice.


Sob a enorme lona colorida, os artistas circenses treinavam seus novos números.
       O enorme círculo de terra batida era palco de grandes espetáculos. Os bancos de madeira que se enfileiram um sobre outro. Estavam vazios naquele horário, mas quando chegasse a hora, aquele espaço seria insuficiente para o público.
       Há quase um ano estavam naquele lugar e sempre tentavam inovar e fora isso que fez com que sua clientela se tornasse fiel.
       Os olhares espantados miravam para o alto. Apreensivos, esperavam… Os palhaços tinham parado seu ensaio para fitar estupefatos o balanço aéreo.
       Os anões sobre seus pequenos pôneis miravam embevecidos a cena que se desenrolava.
       O mágico pendia sua cartola, tendo sob seus dedos as orelhas enormes do coelho branco… Não o roedor da Alice, mas um mais cordato… Menos atrasado...
       Então houve o primeiro salto, o segundo salto… e o voo… Voaram como se tivessem asas… Como gaivotas sobre o mar…
       Mais um...
       Entusiasmados todos davam gritos de felicidades… Sorriam…
       O balanço continuou durante longos minutos e os presentes não pareciam se cansar de ver…
Os olhos arregalados… Boquiabertos...
       A performance terminou e a jovem trapezista pulou sobre a rede de proteção e logo estava no chão.
      Limpou o suor da face.
      Respirou fundo!
      Estava feliz, muito feliz...
      A roupa colante preta parecia uma segunda pele… Cobria com esplendor o corpo da artista...
Os cabelos castanhos e longos estavam presos em um discreto coque. 
       Os olhos negros brilhavam em um sorriso.
       -- Eu sabia que conseguiria, bambina! -- Um homem já idoso se aproximou, abraçando-a.
       A garota retribuiu o carinho de forma entusiasmada.
       Segurou o rosto querido em suas mãos, mirando a maquiagem de palhaço sorridente.
       -- Jamais conseguiria nada se não fosse por seu apoio...
       Um rapaz alto, de pele branca e cabelos cor de ouro parou ao lado dos dois.
       Empertigado, demonstrava arrogância em sua forma de agir.
       -- Logo será minha companheira também nos voos… -- Estendeu a mão, tocando-lhe a face. -- Depois será minha esposa… Só minha!
       A garota desvencilhou-se do toque, ignorando a tentativa do jovem.
       Conhecia-o há muito tempo, desde criança, e não suportava seus assédios.
       -- Pepi, estou cansada, vou tomar um banho e depois preciso passar na livraria… Tem um livro que encomendei...
      O homem assentiu, enquanto a garota se afastava.
      Os olhares sempre se centravam nela.
      Não era só a beleza, havia muito mais que isso em sua forma de agir, seu jeito de se comportar.
      Mesmo que vivesse ali, não parecia ser como eles, talvez sua alma estivesse acostumada com a alegância, com o nobre.
     O idoso percebeu os olhos incisivos do trapezista para a menina.
    Sabia que ele a queria e temia que tentasse fazer algo para conseguir aquilo de forma covarde.
    Sempre fora um garoto mimado e agora se tornara um homem pior ainda. 
    -- Esqueça-a, ela não é para você! -- Avisou-o.
    Os olhos azuis se estreitaram em fúria.
    -- O que você sabe disso, velho estúpido! -- Falou de forma agressiva. -- Não esqueça que esse circo é da minha família, eu serei o dono de tudo isso aqui e se deseja continuar a viver conosco, comece a mostrar para sua protegida como serei um ótimo esposo.
    Pepi o encarou.
    -- Ah, menino Cézar, se continuar com essa forma de agir, jamais vai conquistar a minha Valentina.
    O trapezista o segurou pelo colarinho, suspendendo o corpo magro e velho.
    -- Eu não sou um menino, seu palhaço idiota, e querendo ou não serei o dono da Valentina. -- Empurrou-o. -- Agora eu não acho que você durará muito por aqui...
    O filho do dono saiu pisando duro, enquanto alguns presentes corriam para ajudar  o palhaço.



    Valentina caminhava pelo mato que crescia descontrolado em direção ao trailler. 
     Fitou o sol, estava muito quente e bonito.
     Há meses tinham chegado naquela pequena cidade e esperava de todo coração que demorassem muito mais.
    Nunca se sentira tão bem em um lugar como se sentia ali.
    Tudo parecia estar indo por um bom caminho, até mesmo conseguira começar cursar a universidade, algo que desejava há muito tempo.
    Suspirou com um sorriso.
    Naquele dia encontraria Nathália, a bela por quem se apaixonou. 
    Sabia que sua relação não seria algo bem visto pela sociedade, mas não se importava mais com isso.
     Antes não sabia lidar com os sentimentos conflitantes que lhe dividia os sentidos. Fora difícil aceitar esse sentimento, quando sempre namorara rapazes… Mas gostava de pensar que aquilo que sentia tinha a ver com a alma… 
    Mordiscou o lábio inferior lembrando da amada...
    Conhecera-a em uma das apresentações e não conseguira desviar os olhos dos intensos verdes.
    Como ficara surpresa quando no dia seguinte recebera uma mensagem em seu celular e mais surpreendente fora saber de quem era a escrita.
    Inicialmente, conversavam durante horas pelo aplicativo… Ansiava por um áudio seu… Por seu bom dia… Por sua despedida de madrugada quando já conversaram durante muitos minutos…
    Seus modos delicados… Gentis...
    Apaixonara-se...
    Entrou no veículo e deitou na estreita cama.
    Mirou as paredes coloridas que dava a impressão que estava em um arco-íris ambulante. Viu o quadro com fotos suas e do Pepi vestidos de palhaços.
    Ele a acolheu quando era apenas uma menina assustada e perdida nas ruas da grande cidade e devia a ele muito do que era.
    Pegou o pequeno diário, abrindo-o.
    Lia as linhas escritas nas páginas e ficava cada vez mais emocionada com as palavras da amada.
    “ Minha doce Valentina…
    Os dias passam lentos longe de ti… Meus olhos buscam constantemente por sua imagem em meio à multidão. Desejo te estreitar em meus braços mais uma vez e sentir a maciez dos seus lábios…
    Cuide do nosso bebê…
    Te amo”
     Sorriu!

Comentários

  1. Adorando a história. Esperando ansiosamente por novos capítulo.

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    1. Fico muito feliz por isso... Tenho alguns capítulos prontos que serão adiantados...
      Um abraço!

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  2. Uau!!! Precoce, a nossa Natasha! Jovem, ainda, e já conquistou a professora! Pobre Briana! Foi deixada de lado com toda frieza...
    Quem é Leonardo? Como esse anjo virou o protetor de Natasha?
    Agora fiquei com a curiosidade aguçada - Natasha já foi casada e, além disso, acusada pela morte da esposa? Meu Deus! Essa garota precisa ser urgentemente benzida por um santo forte!
    A surpresa final fica por conta desse circo inesperado, surgindo nesse cenário já pouco comum e trazendo consigo a linda Valentina, trapezista que promete muita emoção!
    Surpresa também a mensagem tão carinhosa, cheia de ternura, partindo de Natasha, a garota de coração duro e frio! Quer dizer que a doce Valentina conseguiu essa proeza? E esse bebê? O que virá por aí?
    Beijos,
    Bruna

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    1. Ah, sim, a ruiva tem um quê especial, mas parece que não costuma ter sentimentos... Ah, sim, uma esposa e uma história que ainda será contada no decorrer dos capítulos... Uma parte interessante que vai unindo a trama aos poucos...
      Valentina brilha em seu mundo particular... EU adoro circos, sempre fui fascinada, mas nao por aqueles famosos, mas esses de cidade pequena... é como se lá o palhaço fosse mais feliz kkkkkkk bem, vamos ver aos poucos o que ainda teremos...
      Um grande beijo e boa noite.

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  3. Ah... Esqueci de comentar... Fiquei também curiosa sobre a ida de Natasha à casa de show. Ela também toca piano publicamente?

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  4. Ola,
    Geh, adorei o capítulo.❤
    Mas quero saber quem é a amada da Valentina. Kkk
    Estou aqui me fazendo várias perguntas. A Natasha vai conhecer a Valentina como?
    Você está me surpeendendo. E olha que eu já estava surpresa com os índios. Rsrs
    Parabéns!

    Vanvan^^

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    1. kkkkkkkkkkkkkkkkkk calma, Vanvan, primeiro vem os bois e depois as carroças... Logo vc vai ver... melhor, vai descobrindo kkkkk
      Beijão grande.

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  5. Com quem a Valentina vai ficar? KKK Natasha ou Nathalia?

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