A condessa bastarda -- Capítulo 5
Valentina fitou-as novamente, desconfiada.
-- O que estava acontecendo aqui? – Repetiu a pergunta.
-- Meu cavalo foi ferido e a doutora estava cuidando dele. – Vitória respondeu altiva.
-- Realmente, foi isso que aconteceu. – Maria Clara confirmou rapidamente.
A delegada assentiu afirmativamente, observando o animal deitado.
-- Preciso que me acompanhe a delegacia, precisa esclarecer algumas coisas.
-- Eu não irei a lugar nenhum, o Bastardo está machucado, não sairei do lado dele. -- Respondeu altiva de modo arrogante.
-- Não complique mais a sua situação, você está sendo acusada de atirar contra Marcos Ferraz.
A condessa fitou as duas mulheres. Estava surpresa.
-- Eu não fiz nada! – Negou veemente. – Estive em casa durante todo o dia.
Maria Clara observava-a e buscava encontrar a verdade naquelas palavras. Realmente desejava que ela fosse inocente. Era terrıv́el só em pensar que aquela mulher fez e continua a fazer coisas tão terrıv́eis, porém sua tentativa foi em vão. A condessa só aparentava total frieza e indiferença.
-- Vamos comigo, lá você esclarece, ligue para o seu advogado.
-- Você é surda? – Aumentou o tom de voz. – Não fiz nada e tampouco irei a lugar algum.
-- Está desacatando a minha autoridade! – Valentina avisou-a. – Isso só vai piorar a sua situação.
A condessa fitou a Clara, dirigindo sua raiva e indignação à garota.
-- Saia da minha frente antes que eu esqueça o que fizestes pelo Bastardo. – Disse por entre os dentes. – Estou cansada da sua maldita famı́lia, do seu maldito namoradinho e de você.
Vitória seguiu a passos largos para a casa, enquanto a delegada observava curiosa a jovem que parecia estática, observando a Mattarazi se afastar.
-- Acho melhor ir embora daqui, senhorita Duomont. – Aconselhou-a. – Não deveria ter vindo e ainda mais sozinha.
-- Vim para confrontar a condessa, pois estou cansada de vê-la se livrar de todos os crimes que comete.
-- Bem, não foi isso que a cena aparentava.
Clara sentiu mais uma vez a sangue subir ao rosto.
-- Sou veterinária e jamais deixaria de ajudar um animal que necessitasse dos meus cuidados.
-- Imagino que o animal a quem estar a se referir seja o cavalo... – Arqueou a sobrancelha curiosa.
A jovem observou a colocação, mas preferiu não responder.
-- Passar bem, delegada, e espero que consiga fazer o seu trabalho dessa vez para que ninguém volte a se ferir.
Valentina a observou se afastar. Não sabia o motivo, mas ao ver as duas mulheres juntas, sentiu que muita confusão ainda estava por vir.
Maria Clara não deu partida de imediato.
Encostou-se ao banco e tentou controlar a respiração. Sentia uma grande dose de adrenalina passar por seu corpo, sacudindo-o. Suas mãos estavam trêmulas, nem mesmo conseguia segurar a direção.
Observou pelo retrovisor o olhar da delegada cair sobre si como forma de advertência. Felizmente, conseguiu ligar o carro, afastando-se o mais rápido possıv́el dali. Não conseguia entender o que se passava consigo, mas ainda sentia os seios doloridos, desde que a condessa o tocara acidentalmente.
Sentiu o rosto queimar mais uma vez.
Acelerou!
A única coisa que queria naquele momento era chegar a sua casa. Sentiu o cheiro de sangue que sujava a sua camiseta, porém não fora esse aroma que a perturbou.
Vitória estava possessa. Caminhava de um lado para o outro, lembrando a uma fera enjaulada.
-- Já disse que não atirei em ninguém e ainda mais com balinhas de festim. – Debochou. – Quando eu atirar em alguém, o farei com balas de verdade.
-- Eu farei de conta que não ouvi isso! – A delegada a advertiu com o olhar. – Acompanhe-me, já perdi muito tempo contigo.
-- Você é surda? – Apontou-lhe o dedo indicador. – Eu não deixarei o Bastardo sozinho.
Valentina a fitou e viu como aquela mulher era determinada. Não sabia o porquê, mas acreditava que não fora ela quem atirara no filho do prefeito.
Respirou fundo.
-- Compareça amanhã às dez horas a delegacia ou mandarei uma viatura vir buscá-la. -- Disse vencida.
A condessa deu de ombros e observou a autoridade sair de sua casa.
Seguiu até o quarto, vestiu uma camiseta e retornou para perto do cavalo.
Ele continuava deitado no feno. Agachou-se ao seu lado, acariciando-lhe a crina.
-- Você ficará bom, meu amigo.
Os grandes olhos a fitaram, mas pareciam buscar por outra imagem.
-- Não se preocupe, a talzinha já foi. Perdoe-me por tê-la deixado tocar em você, mas eu estava tão desesperada. – Observou os pontos que ela deu. – Por que não lhe deu um coice quando a estava pontuando? – Sorriu. – Você deveria está muito derrubado para ter permitido... Droga! – Levantou-se. – Ela foi embora e não disse qual o remédio que deveria comprar para ti.
Clara demorou um pouco para chegar ao destino, pois passou por uma casa de pet onde comprou os medicamentos para Bastardo e pediu que o entregador levasse na fazenda Mattarazi rapidamente, em seguida dirigiu-se para seu lar.
Entrou pelos fundos. Não desejava que ninguém a encontrasse naquele estado, mas quando estava adentrando o seu quarto, deparou-se com seu pai no corredor.
-- O que houve? – Felipe indagou, aproximando-se preocupado.
A jovem fez um gesto para ele fazer silêncio e o chamou em seus aposentos.
Seu pai era diferente do seu avô e de sua mãe. Era um homem de fácil trato, carinhoso e muito brincalhão, coisa que não acontecia quando estava nas presenças de Clarice e Frederico.
-- Diga-me o que houve, filha. – Tocou-lhe a face. – Você está ferida? – O rosto demonstrava preocupação.
-- Não, eu não estou! – Tranquilizou-o. – Esse sangue não é meu!
-- Mas então?
Ela observou o homem a sua frente. Ele sempre a apoiara em tudo e por isso se sentia mais a vontade com ele de que com qualquer outra pessoa.
-- Esse sangue é de um cavalo que estava machucado e eu cuidei. – Disse de supetão.
Felipe a fitou incrédulo.
Ele conhecia a filha muito bem. Era uma garota doce, obediente e centrada. Sempre fora muito responsável, desde quando ainda era uma criança. Nunca tivera aquela fase rebelde, tı́pico de adolescente, e vê-la fazer algo que sabia que lhe era proibido o chocou.
Não entendia o motivo do pai não deixar a neta exercer uma profissão tão bonita. Apenas acatava.
-- Mas como? Você sabe que seu avô não quer que faça isso.
-- Eu sei, papai, mas juro que não tive escolha. O animal estava mal, não poderia deixá-lo entregue a própria sorte.
-- E de quem era o bicho? – Ficou a andar de um lado para o outro. – Espero que seu avô e nem sua mãe fiquem sabendo disso.
-- Eles não saberão! – Afirmou com convicção, desconversando da pergunta.
-- Assim espero! Agora tire essa roupa que darei um fim a ela. Não quero nem imaginar a cara da sua mãe se descobrisse algo assim.
Maria Clara se aproximou para abraça-lo, mas o homem se afastou.
-- Nem ouse, essa blusa foi presente da Clarice e se ela sumir, sua mãe me mata.
Ambos caı́ram na risada só de imaginar a cena.
Batista e Julieta tinham voltado da festa.
Vitória já mandava o administrador ir à cidade para falar com o veterinário, quando viu uma moto se aproximar.
-- Boa tarde, senhora condessa. – O jovem a cumprimentou. – Pediram que lhe entregasse essa encomenda. A mulher recebeu a bolsa e o rapaz se afastou.
A condessa abriu e viu que havia alguns remédios e um bilhete.
“ Que o Bastardo possa se recuperar...
M.C.D”
Julieta observou os olhos da patroa brilharem e estranhou.
-- Não precisa ir mais a cidade! Podem tornar a descansar. – Seguiu para o estábulo.
Maria Clara banhou e seguiu para a casa do namorado. Desejava ficar junto a ele. Sentia uma necessidade de tê-lo por perto, parecia que algo a amedrontava.
-- Vou ficar doente mais vezes para te ter assim, pertinho. – Dizia o rapaz.
Eles estavam no quarto, ocupavam um sofá e ele estava deitado com a cabeça sobre o colo da amada. A jovem acariciou-lhe as madeixas negras e macias.
-- Não diga nunca mais isso, fiquei demasiadamente assustada quando soube que alguém tinha lhe ferido.
-- Não foi alguém, foi a condessa. – Frisou.
Clara sentiu a pele arrepiar só em ouvir a referência àquela mulher.
-- Tem certeza que foi ela?
-- Claro que sim, meu amor! O Bruno a viu. Ela montava aquele cavalo preto.
-- Está certo! Não precisa ficar alterado. A polı́cia já está tomando providências contra para punir a culpada.
-- Seria tão bom se ela sumisse daqui, todos viveriam mais felizes.
Ela não sabia o motivo, mas pensar que a poderosa Mattarazi pudesse ir embora parecia incomodá-la. Algo agora a perturbou: Será que Bastardo se ferira quando ela cometera o ato contra o rapaz?
Vitória aparecera no outro dia na delegacia, acompanhada do advogado. Realmente a denunciaram por atentar contra o filho do prefeito, mas não havia nenhuma prova quanto à participação dela naquele ato, então não teriam como detê-la.
-- Estou cansada dessas denúncias! – Falou ao entrar no carro. – Quero que entre com um processo contra os Ferraz por calúnia.
Miguel ocupou o banco do passageiro.
-- Certo, hoje mesmo entrarei com a petição.
-- Também quero que faça outra coisa. – Deu partida. – Quero uma ordem de restrição contra Maria Clara Duomont.
O homem a fitou surpreso.
-- Faça o que estou dizendo! – Deu partida. – Estou me sentindo ameaçada. Depois peça para o jornal local trazer esses dois atos na primeira folha.
Miguel observou o sorriso da cliente e apenas assentiu ao seu comando.
No dia seguinte...
A famı́lia Duomont estava reunida para o café da manhã como já era de costume.
-- Clarinha, as pessoas estão entusiasmadas contigo. Acredito que não poderia ter feito melhor escolha para ser a candidata à prefeitura da cidade.
-- A minha filha será uma ótima gestora! – Completava Clarice orgulhosa.
A empregada entregou o jornal a Frederico. O velho tinha mania de tomar o desjejum enquanto acompanhava as notı́cias.
Os presentes se assustaram a ouvir o grito dado pelo polı́tico.
-- Que essa mulher seja amaldiçoada! – Praguejava, enquanto levantava-se. – Tenho ganas de matá-la com as minhas próprias mãos.
Felipe pegou o caderno de notı́cia e viu o que tinha chocado ao pai.
“ A condessa Vitória Mattarazi está sendo ameaçada por Maria Clara Duomont.” O homem mostrou a matéria para a esposa e em seguida para a filha.
-- Ela está fazendo isso para sujar sua imagem. – Clarice levantou-se. – É uma desgraçada!
A jovem leu a matéria completa e a cada frase sentia sua indignação aumentar.
Como fora ingênua em pensar que aquela mulher pudesse ter algum tipo de sentimento bom em seu peito. Agora estava segura de que tudo que sua famı́lia falava sobre ela era verdade.
Naquele mesmo dia, a famı́lia Duomont recebia a ordem de restrição para um dos seus mais preciosos membros.
Vitória precisara se ausentar, mesmo não desejando fazê-lo, pois não queria deixar seu cavalo. Mas dois dias depois do que tinha ocorrido com o animal, Bastardo já estava recuperado.
Ela não fez nenhum tipo de denúncia para descobrir quem tinha machucado o garanhão, mas contratara alguém para investigar, outra medida que também tomou foi a de contratar seguranças para proteger sua fazenda. O roubo de suas vacas continuava a acontecer e isso a estava tirando do sério.
Passou a semana no México, hospedara-se na mansão de Juan. Ambos pareciam terem iniciado um tipo de relacionamento bem peculiar. O empresário se mostrava totalmente apaixonado e enfeitiçado pela ruiva, já ela não demonstrava que a relação poderia ter algo mais para oferecer do que uma simples satisfação carnal.
Duas semanas depois...
A cidade estava animada. Naquele dia se realizaria a festa da padroeira da cidade. Bandas foram contratadas. Havia parques de diversões, barracas de comidas e outras que vendiam lembrancinhas, brinquedos. Também havia barracas de tiros, bingos, roletas, algodão doce e muito mais coisas.
O show pirotécnico era um atrativo a mais do grande evento.
-- Está tudo muito lindo, Marcelo!
Os Duomont tinham chegado à comemoração.
Maria Clara estava linda. Usava uma saia de couro marrom que chegava bem abaixo dos joelhos. Usava botas de cano alto, pretas, camiseta branca e jaqueta do mesmo material dos calçados e da mesma cor.
A jovem estava de mãos dadas com o namorado.
-- Quando você se tornar a prefeita, sei que seguirá o meu exemplo. – O prefeito disse para a nora.
Havia mesas por toda a praça e era lá que as duas famı́lias estavam reunidas. Conversavam sobre polı́tica, cumprimentavam as pessoas e recepcionavam alguns deputados que vieram prestigiar o evento e garantir o apoio ao atual gestor.
-- Mas quem é aquela mulher tão linda?
A pergunta foi feita pelo filho de um dos deputados.
Todos os olhares se voltaram para a ruiva que exibia suas curvas em um vestido preto sem alça, longo, tendo uma abertura lateral que deixava à mostra a perna longa e bem feita.
Clara a fitou e viu o sorriso desdenhoso aparecer na face perfeita. Observou que ela estava de mãos dadas com o mesmo homem que se declarou para ela no dia que estava no clube.
Sentiu-se terrivelmente incomodada com aquilo.
-- Acredite, meu rapaz, é uma mulher que não merece ser ao menos cumprimentada. – Frederico falou.
O jovem assentiu, mas não deixou de fitar a ruiva. Nunca virá alguém tão bonito, mas se sentia irritado por saber que outro já tinha chegado primeiro.
A condessa retornou a cidade com Juan. Ele parecia interessado em manter a relação amorosa. Aproveitou a companhia para comparecer à festa da padroeira, assim, não se sentiria tão entediada.
Encontrou os membros do partido e decidiu sentar com eles. Há alguns metros de distância estava a famı́lia Duomont e a Ferraz acompanhadas de outras militâncias.
Observou a tal Maria Clara de mãos dadas com o namoradinho e sentiu ânsia. Quando os olhares se cruzaram, Vitória demonstrou todo o seu sarcasmo.
A conversa fluı́a à mesma medida que a bebida sumia dos copos, tudo estava muito animado. Havia uma multidão prestigiando ao evento, crianças brincavam e corria. As músicas eram agradáveis e o ritmo da festa seguia em um clima gostoso.
-- Vamos comigo dar uma volta? – Clara convidou o namorado.
-- Não posso sair agora, pois papai quer me apresentar a um amigo dele. – Beijou-lhe a face. – Vá indo, prometo te procurar depois.
Ela assentiu, levantando-se.
Ainda precisava andar com o auxı́lio da muleta, mas já sentia mais firmeza ao colocar o pé no chão. Seguiu encantada, vendo as barracas, as luzes que iluminavam as ruas.
Parou para observar as crianças fazerem filas para passearem nos parques. Tudo era tão lindo que a fez recordar de quando era apenas uma menina.
-- Está perdida?
Ela virou-se instintivamente, deparando-se com a bela ruiva. Vitória sorria divertida.
-- O que quer? – Clara Indagou encarando-a.
-- Apenas a vi e tive vontade de cumprimentá-la. – Respondeu simplesmente. – Estendeu-lhe a mão.
Maria Clara estreitou os olhos, desconfiada. Deu-lhe as costas e voltou a prestar atenção aos brinquedos.
-- Obrigada por ter cuidado do Bastardo e obrigada pelos remédios. – Sussurrou-lhe ao ouvido.
A jovem sentiu um arrepio percorrer todo o corpo ao ouvir o som rouco tão próximo a si, tentou ignorar.
-- Não vai dizer “ de nada”, “ Disponha”, “ não tem por onde” ? – Debochou.
A Duomont virou-se para ela.
-- Não lhe direi nada, pois o seu agradecimento já foi dado quando me denunciou e me expôs no jornal.
Vitória mordeu o lábio inferior.
-- Bem, vocês sempre estão fazendo denúncias contra a minha pessoa, então decidi ver se esse jogo de julgar os outros é tão divertido assim.
-- As denúncias foram feitas porque você cometeu os crimes. – Enfrentou-a firme. – Ninguém falaria nada contra ti se você não procurasse.
A condessa chegou mais perto como se quisesse intimidá-la, mas Clara permaneceu no mesmo lugar, fitando-a.
-- Eu não atirei contra o idiota do seu namoradinho, pois se tivesse que disparar contra alguém, o faria contra ti.
-- Isso é uma ameaça, condessa?
A Mattarazi colou o corpo ao dela por alguns segundos e pareceu que uma descarga elétrica percorria ambas.
Clara sentiu uma pressão no estômago e os seios eriçarem imediatamente. Observou os lábios próximos e sentiu um desejo enorme de senti-los.
-- Denuncie-me novamente... – Disse próximo a sua boca. – E você verá se é uma ameaça ou um aviso.
Encararam-se por segundos intermináveis. Ambas estavam a medir forças, mas algo a mais pairava sobre elas. Vitória foi a primeira a romper o contato.
A neta de Frederico a observou se afastar e precisou se apoiar na muleta ou acabaria indo ao chão.
Passou a mão pelos cabelos, agoniada.
Não, aquilo não poderia estar acontecendo. Seu corpo tinha respondido a presença de uma mulher e para piorar era a odiosa condessa quem lhe deixara em chamas.
Conseguiu controlar a respiração e retornou para junto da famı́lia.
Todos estavam tão animados com a festa que nem pareceram notar a mudança na jovem. Marcos deu-lhe um beijo rápido e voltou à atenção para a banda que continuava a tocar.
Maria Clara viu que a Vitória já tinha retornado para perto do tal que a acompanhava. Parecia adorar os paparicos feitos por ele, beijos nas mãos, uvinha na boca...
A jovem relanceou os olhos ao ver a cena patética.
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