A víbora do mar - O acordo - Capítulo 12
A
chuva ainda caia. Ficara ainda mais forte, mesmo assim Mel parecia não se
importar com isso.
Seguiu
lentamente até a fazenda.
Estava
toda molhada.
Marina
quando a viu, correu para buscar uma toalha, mas a jovem não parecia se
preocupar em manter-se seca.
–
Avise ao Matias para dentro de meia hora estar no meu escritório. – Disse
enquanto seguia pelo corredor, em direção aos aposentos.
A
empregada a olhava preocupada.
O
que estava acontecendo?
Ultimamente
percebia que a filha do duque não estava bem. Sabia que tudo isso tinha a ver
com a Lacassangner, a presença dessa mulher e a pressão que recebia do pai e do
avô não estava sendo algo bom.
Às
vezes pensava que tudo isso era para castigar o almirante que sempre agira com
tanta maldade não só com a filha, mas com a verdadeira neta.
Seguiu
para fazer o que fora mandado, depois faria um chá quente para que a jovem não
pegasse um resfriado.
A
militar despiu-se no meio do quarto. Livrando-se do traje, sentando-se, retirou
as botas.
Agora
que começava a sentir o frio da chuva que pegara. Sentia a pele começar a tremer
e parecia que não passaria mais. Pegou o edredom, cobrindo-se dos pés à cabeça,
encolhendo-se em posição fetal.
Por
alguns segundos teve a impressão que estava mergulhada novamente nas águas do
mar do norte quando quase morrera. Sentia os ossos enregelar.
O que se passava consigo?
Por que não fora mais forte?
Às vezes sentia-se culpada
por não agir como pai e o avô fazem. Talvez se fosse menos escrupulosa não
teria que enfrentar provocações como as que ocorreram ainda pouco.
Sentia espasmos, sentia-se
gelada.
Viu
a porta abrir e lá estava Cristina com uma xícara que parecia estar fumegante.
Tentou
sorrir, mas seus lábios mal conseguiram, apenas tremiam, os dentes batiam-se
como se fosse uma sinfonia.
A
amiga foi até ela, ajudando-a a sentar, fazendo-a tomar o chá que Marina tinha
preparado.
Alguns
segundos se passaram até que a jovem voltasse a se cobrir.
A
fisioterapeuta pegou mais um edredom, aconchegando-a.
Não
falaram nada durante alguns minutos, até a filha do duque pronunciar.
–
Pensei que fosse morrer de tanto frio…
–
Você enfrentou uma chuva dessas, Mel, é uma médica, mas parece não entender o
próprio corpo. – Repreendeu-a. – A babá estava desesperada, disse que você
estava tão pálida.
A
militar respirou fundo.
–
Acredita se eu dissesse que só quando cheguei aqui no quarto que senti esse
frio?
–
Adrenalina baixou né. – Sentou-se na beira da cama. – Como foi o duelo
proibido? Onde está a sua espada?
Mel
mordiscou a lateral do lábio inferior demoradamente. Não queria falar sobre o ocorrido,
pois a imagem dos lábios rosados dominando os seus começaram a dominar seus
pensamentos.
Não
conseguia acreditar que permitira que por alguns segundos cedera ao toque da
pirata, como deixara que isso acontecesse?
Observou
o olhar curioso da outra, mas nada respondeu, levantando-se.
Caminhou
até o armário, pegando um roupão, vestindo-o sobre a nudez.
–
Não posso falar contigo agora, tenho que tomar um banho e depois seguirei até o
escritório, tenho uma conversa com o Matias.
Cris
fez um gesto afirmativo com a cabeça.
–
Quero te avisar que seu noivo e Sir Arthur ligaram mais cedo, estão vindo para
passar o fim de semana aqui.
A
Santorini não disse nada, apenas assentiu.
Ester
viu quando a cunhada retornara. Estava em seu quarto quando ouviu o
barulho da moto e olhar pela janela, observou a arrogante militar completamente
molhada.
Onde teria ido?
Se não tivesse chovendo tanto
poderia ter aproveitado par ir até a fazenda da Samantha e tentar conversar
mais uma vez. Sentia-se frustrada por ter sido interrompida pela mimada
tenente.
Estava disposta a
reconquistar a mulher pela qual sempre ansiara e isso não mudara com os anos.
Queria-a ainda mais, ansiava por senti-la novamente, por continuar com a
relação que fora interrompida abruptamente. Óbvio que fora por sua culpa, mas
não tinha como ser diferente, jamais cogitara abandonar a vida que tinha dentro
da alta sociedade para assumir uma relação com a filha do homem mais procurado
do país, sem falar no preconceito de relacionar-se como alguém do mesmo sexo,
algo que já era visto com desprezo. Porém, agora tudo era diferente. A Lacanssangner
era uma poderosa sheika. Sabia que tinha herdado muito dinheiro da esposa.
Poderia convencê-la a ir para longe, teriam uma vida maravilhosa.
Suspirou!
Mas sabia que não seria tão
fácil assim. Percebera a indiferença nos olhos azuis. Viu como parecia
diferente, não havia mais o fogo de antes. Era tão fria...
Devia estar magoada.
Sentou-se na cama. Ouviu o
celular tocar insistentemente e ao olhar o visor viu o nome do marido.
Relanceou os olhos em
irritação.
Há tempos perdera o
interesse. Ainda mais com a insistência para que tivessem filhos.
Ouviu o bip e lá estava uma
mensagem de Sir Arthur.
Por que aquele homem odiava
tanto Samantha? Não só ele, mas também o duque demonstrava total aversão à
pirata. Porém, isso não acontecia em relação aos outros, era apenas com ela,
mas por quê?
Não acreditava em nenhuma das
histórias que contavam sobre ela, os crimes que diziam ter cometido.
Faria o jogo do almirante,
mas dessa vez ela seria esperta para escolher o lado que lhe interessava.
Mel tinha tomado um banho e
vestira um confortável moletom. Secou os cabelos, depois colocou meias, pois a
temperatura realmente tinha caído. Tinha demorado mais que meia hora, por isso
avisara para que o capataz esperasse antes de ir até lá.
Seguiu até o escritório,
seguindo até a cadeira de couro, sentando-se.
Não demoraria para que o
empregado chegasse.
Desejava logo resolver aquele
impasse, mesmo que soubesse que a pirata não fora digna na batalha. Provocou-a
a ponto de deixa-la desconcentrada, isso fizera que perdesse o duelo.
Observou as grandes estantes
de livros raros e ao olhar para o suporte da espada, sentiu uma apreensão em
seu peito. Teria que recuperar a arma que pertencera a família de Sir Arthur
desde as épocas imemoriais.
Pegou uma caneta do
porta-lápis e ficou girando-a entre os dedos.
Fechou os olhos e lá estava a
imagem que buscava apagar da memória. Ainda sentia o corpo tremer quando se
recordava do beijo que a filha do Serpente do mar lhe impusera. Não bastara ter
perdido a luta, ainda fora humilhada...
Samantha Lacassagner pagaria
caro... Chegaria o momento...
Ouviu batidas na porta.
-- Entre! – Ordenou.
O capataz apareceu.
Mel não gostava muito daquele
homem, mas como a família dele servira bem antes por aquelas terras, aceitara o
pedido do pai para emprega-lo.
Observava a barba sempre por
fazer, os cabelos enrolados na altura dos ombros, os olhos incisivos. Era
bastante alto e forte. Agia com grosseria e intimidava a todos. Viu-o tirar o
chapéu diante do seu olhar.
-- Boa tarde, patroa, algum
problema?
A jovem movimentou-se na
cadeira, depois disse:
-- Quero que deixe de
intimidar os moradores da região, deixem que decidam se vão ou não trabalhar
para a Víbora!
-- Eu acho...
-- Você não acha nada! –
Levantou-se. – Não ouse retrucar, estou te dando uma ordem, eu pago seu
salário, então apenas aceite ou vá embora das minhas terras.
O capataz não a encarava, mas
era possível sentir sua revolta.
-- Só iria dizer que seu avô
e o duque...
-- O meu avô e o meu pai não
pagam seu salário! – Voltou a sentar-se. – Então decida logo o que vai ser:
Cumprir as minhas ordens ou deixar a fazenda agora mesmo?
Ele a olhou-a, parecia
ponderar, observando suas poucas opções.
-- Cumprirei suas ordens.
-- Ótimo! – Esboçou um
sorriso. – Ocupe-se com as plantações e as produções de queijo, isso que tem
que ser feito. – Apontou para a porta. – Está dispensado.
Ele assentiu, seguindo para a
fora, mas foi detido pela voz inflexível.
-- Se eu souber que não
seguiu minhas ordens não haverá mais conversa.
Ele fez um gesto afirmativo
com a cabeça, saindo. Não demorou nada para a Cristina aparecer.
-- Então já cumpriu sua parte
no acordo? – A fisioterapeuta questionou, sentando-se.
-- Sim. – Inclinou a cabeça
para trás. – Mas isso não significa que a relação entre a Víbora e a minha
pessoa tenha mudado.
A fisioterapeuta a observava
curiosamente.
-- Mas pelo menos as pessoas
terão trabalho.
-- Preferiria morrer de fome
a trabalhar para aquela pirata...
-- Você diz isso porque não
está morrendo de fome, amiga. – Entregou-lhe uma revista local. – Fora mandado
para ti.
Mel observou a capa,
prendendo o fôlego ao ver uma foto de Samantha Lacassangner navegando a grande
embarcação. Ela estava vestida como quando se enfrentaram mais cedo.
-- O que é isso?
-- O editor te mandou, tem
umas barbaridades escritas aí, diz ele que faz parte de um diário que fora
encontrado e que afirma ser da filha do Serpente.
A
Santorini folheava as páginas, havia inúmeras fotos da inimiga...
Uma página falava sobre as
aventuras sexuais da pirata. Algumas linhas falavam sobre a compulsão sexual,
de como relacionava-se não apenas com mulheres, mas também com homens.
Jogou longe o folhetim.
-- Não quero nada que tenha a
ver com essa mulher em minha casa. – Levantou-se. – Queime esses lixos e proíba
que mandem novamente.
Cristina viu a amiga deixar o
escritório, percebendo mais uma vez que não era apenas raiva que sentia em
relação à filha do Serpente, mas parecia muito mais profundo. Incomodava-se com
tudo que estivesse relacionado a ela, mas não só pelo que imaginava que tinha
causado a sua família, mas havia algo mais, porém ainda não conseguira
descobrir o quê.
Na
fazenda da Víbora, Eliah, Belinda e Samantha ocupavam a mesa. A empregada tinha
feito uma sopa, pois a noite estava bastante fria devido à chuva que não dava
trégua.
-- Admitimos dois novos
peões, Domingos os trouxe. – O idoso dizia. – Acho que sua peripécia deu
resultado, mesmo tendo sido perigosa.
A Lacassangner não respondeu
de imediato. Apenas comia.
-- Imagino como está a
tenente e seu orgulho, afinal, perdera logo para ti.
-- E ainda perdeu a arma da
família. – O pirata completou com lástima. – Deveria devolvê-la, não sei se é
algo bom ter essa relíquia dos Santorinis aqui.
-- Bem, a Samantha é a
verdadeira neta de Sir Arthur, então a espada lhe pertence.
A filha do Serpente suspirou
exasperada.
-- Acho que o importante nesse
momento é pensarmos nos trabalhadores. – Limpou os lábios com o guardanapo. –
Quero que contrate um engenheiro, Belinda, preciso que ele veja a antiga usina,
irei lá esses dias. Acho que se conseguíssemos coloca-la para funcionar
traríamos muitos benefícios para a região.
-- Quando toda a história for
esclarecida pretende ficar por aqui? – A agente questionou curiosa.
-- Não! – Levantou-se. – Mas
como percebo que ainda vai demorar para que tudo seja esclarecido, desejo
ocupar-me e essa seria uma ótima distração. – Fitou os dois. – Vou descansar,
amanhã conversamos.
Ambos se despediram da
mulher, enquanto imaginavam o que teria deixado Samantha ainda mais reclusa que
antes.
-- Não entendo por que age
assim?
A voz de Juan ecoava pelo
quarto da noiva.
Ela observava o pátio pela
janela. Ainda chovia muito.
O noivo tinha chegado há mais
de uma hora e já tivera tempo de se inteirar de tudo o que ocorrera na fazenda.
-- Por que não deixou que a
matassem quando invadiu a fazenda? Agora vem ordenar que deixem que trabalhem
para ela.
-- Por que não costumo agir
com covardia! – Encarou-o. – Quanto a proibir o Matias de interferir na vontade
dos peões, o fiz porque essas pessoas estão passando necessidades, não há
empregos na região e não vou carregar na minha consciência a miséria deles. –
Rebateu irritada. – E só para lembrar, não esqueça que eu sou a dona dessa
fazenda, foi herança da minha mãe, então eu decido como agir por aqui.
Já se afastava, mas o noivo a
deteve pelo braço.
-- Vamos remarcar o casamento
para o próximo mês, então comece a se organizar.
Os olhos caramelados
estreitaram-se.
-- Não me casarei mês que
vem, e você não vai me impor sua vontade.
-- Acha que vou esperar por
quanto tempo? – Indagou irritado. – Primeiro foi o coma, depois a recuperação e
agora se nega a remarcar porque está obcecada pela maldita pirata. – Respirou
fundo. – Sou um homem, tenho minhas necessidades, mas você age como se isso não
te importasse.
-- Suas necessidades? –
Debochou. – Fala de sexo não é? É isso que quer? – Livrou-se do toque. – Vamos
resolver o seu problema então.
Juan a observava livrar-se da
roupa até ficar totalmente nua.
A filha de Fernando era a
mulher mais bela que já tinha visto em sua vida. Parecia uma deusa.
Seguiu até ela, beijando-a,
abraçando-a, sentindo o desejo incendiar seu corpo em poucos segundos.
Samantha olhava os
trabalhadores que chegara à fazenda. Domingos era o encarregado de organiza-los
e distribuir os serviços.
Passava das dez e o sol
decidira aparecer naquela manhã.
-- Seu sacrifício valeu a
pena.
A voz de Belinda chegou aos
seus ouvidos.
A agente tinha visto a pirata
perto do curral e decidira ir até ela. Não a tinha visto, mas sabia que ela
estivera em ligação com a Miranda durante quase uma hora mais cedo.
-- Faço apenas o que deve ser
feito. – Disse, enquanto apoiava-se na madeira. – Não costumo esperar para que
as coisas caiam dos céus, vou lá e faço.
-- Isso é muito bom. –
Arrumou-lhe a gola da camisa de mangas longas. – Agora que há trabalhadores
vamos poder passar mais tempo na capital.
A morena suspirou.
-- Conseguiu encontrar um
engenheiro?
-- Sim, a chefe me indicou um
muito bom, já mandei um e-mail, acredito que semana que vem já deve estar por aqui.
-- Ótimo! – Voltou a observar
os animais.
Ficaram ali em silêncio, mas
logo a paz do momento fora interrompida pelo esbravejamento que ocorria na
entrada da fazenda.
As duas mulheres seguiram até
lá e viram os seguranças detendo a entrada de Sir Arthur.
A Lacassangner encarou o
homem que a perseguira durante toda a existência. Estava com o motorista no
jipe da fazenda da tenente.
-- Mande esses homens
afastarem-se, pirata, desejo falar contigo.
Belinda observou o famoso
almirante. Não havia nenhum tipo de afeto naquela expressão. Havia desprezo e
arrogância.
-- E por que eu faria isso? –
Samantha indagou com os braços cruzados. – Não tenho nada para falar com o
senhor, ainda... Vamos esperar quando as peças do quebra cabeça comecem a se
unir.
O mais velho a olhava com
ódio.
-- Acha que tenho medo?
-- Não? – Indagou com um
arquear de sobrancelha. – Se não tivesse não viveria a inventar mentiras sobre
mim.
-- Mentiras? O que eu menti?
-- Não sei, mas se perguntar
a tenente, ela vai contar um monte de coisas que são invenções suas.
-- Não ouse mencionar a Mel!
– Disse levantando a bengala que nunca deixava de lado. – Afaste-se dela.
Samantha esboçou um sorriso.
-- Não me aproximo da “sua
neta” – enfatizou. – Ela quem cruza meu caminho.
-- Esteve na fazenda, pena
que eu não estava lá para eu mesmo atirar em ti.
Os olhos azuis não
demonstravam nenhuma surpresa diante disso, apenas indiferença.
-- Do mesmo jeito que posso
fazer o mesmo com o senhor? Afinal, está tentando entrar em minhas terras e não
tem minha permissão.
-- Sabe que isso não vai
acabar não é? – O velho a fitava com ódio. – No final vai acabar igual o seu
pai, do mesmo jeito.
A Lacassagner cerrou os
dentes.
O almirante entrou no carro e
logo o motorista fazia a manobra e seguia para longe.
A agente sentia a tensão que
passava pelo corpo da sheika. Colocou a mão em seu ombro.
-- Você está bem?
Samantha fez um gesto
afirmativo com a cabeça, afastando-se.
-- Sim, estive com ela,
deixei claro que se voltar aqui, as ordens estão mantidas para atirar.
Mel estava sentada no sofá do
escritório. O noivo estava ao seu lado e Ester também.
O avô narrava o encontro que
tivera com a Lacassangner.
-- Uma coisa é você não se intrometer
na vontade dos empregados, respeito, filha, mas o que não permitirei é que se
intrometa no ódio que o povo tem por ela. Todos a odeiam, então eles mesmos
irão destruí-la.
A tenente permanecia calada.
Sabia que Sir Arthur estava
certo nesse sentido, afinal, ela quem mais deveria odiar aquela mulher, então
por qual razão se importaria com o que era feito com ela?
Ouvia a voz de Juan dizer que
seguiriam até o povoado. Sabiam que envenenariam ainda mais aquelas pessoas
ignorantes.
Observava a cunhada. Ela não
parecia se importar com o que era dito.
Sentiu a mão do Bragança
segurar a sua, viu o sorriso que ele lhe dirigiu, mas não retribuiu.
Depois de tanto tempo, tinha
permitido que ele a tocasse. Passara a noite nos braços do homem que estava
destinado a ser seu marido. Ele era carinhoso, gentil na forma de tocá-la, não
tinha o que reclamar disso, porém não conseguia sentir a euforia que era normal
quando era amada. Não que não conseguisse sentir prazer, sentia-o, mas não era
tão intenso como sabia que deveria ser.
Duas semanas depois...
Samantha tinha acabado de
retornar da capital. Passara cinco dias ao lado da Belinda. A sheika tinha sido
convidada para um evento da elite. Não pudera recusar, pois tratava-se da sua
personalidade esnobe a se exibir em meio a gente que a odiava.
-- O engenheiro fez um
relatório, deixou para que te entregasse. – Eliah lhe deu o envelope.
A pirata tinha acabado de
sair do banho. Usava um roupão atoalhado preto.
-- E quanto à reforma na
casa? – Indagou ao sentar na cama. – Pedi para que visse como pode ser feito,
pois temo que essas paredes estejam tão deterioradas que venham a desabar.
O mais velho puxou uma
cadeira, sentando-se.
-- Disse que se você
autorizar, trará os trabalhadores para cuidar disso, mas não vamos poder ficar
aqui, acho que tudo será derrubado.
-- Sim, ficaremos na capital,
enquanto isso não se resolve.
-- Eu posso ficar em uma da
casas vazias de peão, assim fico cuidando de tudo.
Samantha não gostava dessa
ideia, pois ainda ficava preocupada em deixar Eliah ali, não confiava nas
pessoas daquele lugar, mesmo que nenhum incidente tivesse ocorrido nas últimas
semanas.
-- Depois decidirei isso, não
quero que fique aqui sem proteção.
-- Mas, filha, aqui já está
cheio de trabalhadores, sem falar os seguranças, não acho que fariam algo
contra mim.
-- Bem, mesmo assim, não
quero que corramos riscos. – Procurou uma roupa no armário. – Irei ver como
está tudo, peça para que selem meu cavalo.
Eliah assentiu, depois deixou
os aposentos.
Mel estacionou a moto de
frente a uma casa no povoado. Tinha recebido um recado para ir até lá.
Não precisou bater na porta,
pois uma mulher já idosa aproximou-se. Conhecia-a. Ela era a vó de um dos
marinheiros que morrera no dia do atentado que sofrera.
-- Olá, senhora Helena. –
Estendeu a mão em cumprimento.
A mulher a cumprimentou,
abrindo a porta, convidou-a a entrar.
O lugar não tinha luxo. Uma
poltrona, uma TV em uma estante antiga e as repartições dos cômodos eram feitos
por cortinas.
-- Deseja algo?
-- Apenas uma água. –
Respondeu com gentileza.
Só conseguira ir até ali
naquele dia. Viajara com o noivo para passar um final de semana em uma ilha.
Decidira não se negar, pois não desejava chatear-se com detalhes tão
minúsculos.
A mulher voltou com a caneca,
entregando-lhe, depois sentou na poltrona de fronte.
-- Eu não queria incomodá-la,
senhorita, mas estou tão preocupada com o Heitor.
A idosa falava do esposo.
-- O que se passa? – Indagou
curiosa.
-- Está obcecado em matar a
Víbora. – Falou baixinho como se estivesse a confidenciar um segredo.
Mel prendeu o fôlego ao ouvir
a menção à pirata.
Há dias tentava afastar da
mente a lembrança de Samantha que parecia assombrá-la. Tentava não pensar, não a
imaginar, apenas concentrando suas energias em investigar tudo o que
acontecera, assim poderia ter sua justiça.
-- Por que diz isso?
Em poucos minutos a mulher
narrava tudo o que estava ocorrendo nos últimos dias. Nos planos que o marido
já narrara, em como seguia preparando tudo.
No final, Helena chorara
bastante, pois temia que o esposo realmente fizesse isso e acabasse sendo
preso. Ela não tinha ninguém, apenas ele e não poderia imaginar ficar sem ele.
A Santorini ouvia tudo com
grande preocupação, prometendo que faria tudo para dissuadir Heitor de fazer
algo contra a pirata.
Samantha observava os
trabalhadores.
Ainda não eram suficientes
para cuidar da enorme extensão de terras. Ainda precisaria de mais empregados.
Sabia que mesmo que a tenente tivesse cumprido o acordo de não interferir,
ainda havia a mão de Sir Arthur e do duque ao espalhar mentiras para amedrontar
as pessoas.
-- Vamos até a estrada, acho
que uma vaca se perdeu. – Falou com Eliah.
O
homem montou outro cavalo e seguiram.
Em determinado lugar,
adentraram a área da colina ao avistar o animal.
-- Acho que está assustada,
deve ser os trovões.
Desmontaram e a Lacassangner
já se preparava para ir até o animal quando ouviu uma pancada. Ao virar viu o
amigo caído, quando tentou ir até ele, sentiu cordas lhe amarrarem. Não era
apenas uma, mas várias presas em seu corpo.
-- Estão loucos!
Havia cinco homens que a
olhavam com raiva.
-- Não, pirata, estamos sãs e
vamos livrar o mundo da sua presença.
Ela observou o mais velho.
Via que estavam armados. Agora reconhecia alguns da primeira vez que fora
atacada.
-- Deixem o Eliah fora disso!
– Ordenou.
-- Não precisa se preocupar,
não vai demorar para que ele desperte. Não queremos nada com ele, só contigo.
Samantha sabia que seria
inútil tentar algo, seria ferida e ainda colocaria em risco a vida do pirata.
Olhou ao redor. Tinha ordenado aos seguranças que ficassem na fazenda, então
ninguém iria até ali.
Respirando fundo, disse:
-- Irei com vocês, mas não
machuquem o Eliah...
Antes que pudesse falar mais
alguma coisa recebera um golpe na nuca, desmaiando.
Mel estava na varanda da casa
grande. Armara uma rede e descansava.
O sol logo se poria.
Não conseguira falar com
Heitor e esperava que ele não fizesse nada que fora dito por Helena.
A empregada serviu uma
bandeja de bolos e sucos.
-- Ora, até que enfim te
encontro.
A voz da fisioterapeuta lhe
interrompeu os pensamentos.
A militar deu de ombros,
enquanto bebia um pouco da limonada.
-- Que bom que retornou não
é, ainda não terminou seu tratamento. – Sentou-se na poltrona de vime. – Acho
que agora o casamento vai sair. – Pegou um salgado, comendo-o. – Viagem
romântica... – Ironizou.
A Sanotrini relanceou os
olhos entediada.
-- Pelo menos a sua viagem
serviu para levar tua cunhada para longe.
Realmente Ester tinha ido com
eles e ficara na capital.
-- Mas acho que ela foi
porque sabia que a Lacassagner não ficaria aqui... Deve ter ido em busca de
vê-la.
Os olhos dourados encararam a
amiga.
-- A pirata não está na
fazenda?
A outra fez um gesto negativo
com a cabeça.
-- Pelo que soube no povoado
ela estava viajando, mas já retornou. – Jogou-lhe o folhetim. – Olha a página
quinze, só falam de safadeza... a pirata tocava nos seios das suas vítimas...
fiquei até excitada. – Gargalhou. – Queria saber como inventam isso...
A tenente a repreendeu com o
olhar.
-- Não quero saber disso, não
me interessa nada daquela mulher.
-- Hun... interessante... eu
tive a impressão que depois do duelo você se acalmou mais.
Cristina viu a face da
militar ficar corada.
-- Apenas não desejo ter
problemas com o almirante, pois se assim continuar logo poderei retornar ao meu
posto e isso vai me deixar mais perto de descobrir a verdade.
-- Que bom...
Mel ouviu a confusão no
pátio, então deixou a rede para ver o que se passava. Apoiou-se no
guarda-corpo. Via tudo com crescente irritação.
Viu Eliah montado em um
cavalo e seus empregados o ameaçando.
Deixou a varanda e
rapidamente foi até lá.
O pátio estava cheio de
empregados e Matias apontando a arma para o idoso.
-- Já chega disso! – A
tenente ordenou. – Voltem para o trabalho que eu resolvo.
O capataz ainda abriu a boca
para retrucar, mas lembrou do aviso que fora dado.
Foi até o homem, ajudando-o a
desmontar. Viu o sangue em sua têmpora.
-- O que houve?
O idoso fitou a filha do
duque. Assim que despertara do desmaio decidira ir até ali, pois acreditava que
aquelas pessoas sabiam o que realmente tinha se passado.
-- Fomos atacados, levaram a
Sam, preciso que pergunte aos seus homens para onde a levaram.
Ela estreitou os olhos.
Observava os olhares curiosas
em sua direção.
-- Aqui ninguém tem nada a
ver com isso!
Cristina aproximou-se.
-- Vou pegar o kit de
primeiros socorros para cuidar desse ferimento.
-- Não precisa, vou voltar
para casa, vou buscar os seguranças e ligar para alguma autoridade que possa
fazer algo, já que sei que o delegado nada fará. – Já se preparava para montar.
Mel soltou um suspiro de
exasperação.
Não queria ter seu nome
envolvido em confusões envolvendo a Víbora. Sabia que se isso acontecesse
poderia até mesmo correr o risco de ser expulsa da corporação.
-- Espere! – A neta de Sir
Arthur falou. – Fique aqui, tentarei ver o que pode ter acontecido. – Colocou
as mãos na cintura. – Cuida dele, Cris, vou ver se descubro algo.
A fisioterapeuta assentiu,
enquanto olhava a amiga se afastar. Era como se ela soubesse o que se passava,
mas não compartilhara com eles. Será que tinha algo a ver com o ocorrido ou apenas
estava temerosa de carregar aquela culpa?
A Santorini seguiu até o
estábulo e viu Matias cuidar dos cavalos.
-- Para onde o Heitor levou a
Víbora? – Indagou sem arrodeio. – Diga logo antes que tenhamos problemas
maiores.
-- E por que acha que sei?
Mel seguiu até ele.
-- Não me venha com mentiras,
falei com Helena, ela me disse que o marido vivia contigo planejando pegar a
pirata.
-- A senhorita não pode me
culpar, ele quem disse que iria se vingar, disse que ela pagaria pelo que fez
com o filho.
A jovem passou a mão pelos
cabelos.
-- Diga para onde a levou! –
Falou por entre os dentes.
O peão soltou um suspiro.
-- Não tenho nada a ver com
isso, passei o dia aqui trabalhando... mas ele sempre dizia que a levaria até a
ruínas da fábrica.
Mel foi até a baia, pegou o
cavalo, nem o selou, saindo em disparada.
A Lacassangner despertou e
quando tentou se mexer sentiu os braços presos.
Abriu os olhos lentamente e
viu a construção deteriorada. Os tijolos vermelhos tinham sido dominados pela
vegetação que se apossara de cada canto.
Sentia a parede fria às suas
costas. Levantando a cabeça viu as correntes que a prendiam.
Ouvia o barulho da chuva
fina.
Tentou livrar-se das amarras,
mas era impossível fazê-lo.
Pensou em Eliah.
Sentia a raiva por aquelas
pessoas começar a crescer em seu interior. O velho não tinha culpa de nada e
mesmo assim tinha sido ferido. Estava começando a acreditar que deveria reagir
a tudo o que acontecia. Teria que tomar uma atitude ou coisas piores
aconteceriam.
Ouviu passos e ficou perplexa
ao ver a neta de Arthur aproximar-se.
Ainda não estava totalmente
escuro, então conseguia ver com exatidão a figura bonita. Ela usava apenas uma
bermuda jeans e uma camiseta, e botas de cano curto.
-- Ora, então a tenente
decidiu mostrar a cara depois do feito, pelo menos dessa vez não vai gastar
energia negando o que fez.
Mel respirou fundo.
Viu a pirata presa e o
machucado em sua face. Havia sangue e alguns fios de cabelos tinham se colado
ao líquido pegajoso.
Encontrara os homens quando
chegara e conseguira convencê-los a ir embora, alertando-os para o crime que
estavam cometendo. Apenas Heitor lhe deu mais trabalho, pois estava certo de
fazer a Víbora pagar pelo que ocorrera com o filho. Não fora fácil dissuadi-lo,
mas conseguira.
-- Solte-me! – A Lacassagner
ordenou. – Dessa vez contarei tudo ao almirante, você e esses bandidos irão
pagar por isso que fizeram.
A Sanotrini percebia que ela
demonstrava o mesmo humor que estivera no dia do incêndio. Estava furiosa.
-- Eu não tenho nada a ver
com isso, estou aqui apenas para te levar de volta.
-- Nossa que heroísmo da sua
parte! – Desdenhou. – Solte-me agora! – Voltou a mandar. – Se tiver acontecido
algo com o Eliah...
-- Ele está bem, não
aconteceu nada com ele. – Apressou-se em dizer.
-- Você e sua família não
sabem com que está se metendo, já perdi a paciência contigo.
Mel cruzou os braços,
encostando em uma pilastra.
Sabia que não poderia
simplesmente soltá-la, sabia que dessa vez ela iria mais longe e o marido de
Helena seria preso pelo que fizera.
-- Só o farei quando fizermos
um trato.
-- Trato? – Disse cuspindo as
palavras. – Estou cansada dos seus tratos, estou cansada desse povo ignorante
que vive inventando mentiras sobre mim.
-- Não tenho nada a ver com o
que inventam, acredito que nem mentira seja. – Retrucou calmamente. – Você mesma
age da forma que eles falam.
Samantha puxou as correntes,
mas apenas machucara os pulsos.
-- Então acha que realmente
fiz tudo aquilo que dizem nos folhetins? – Indagou perplexa.
-- Isso não me interessa!
Os olhos azuis estreitaram-se
ameaçadores.
-- São um bando de idiotas!
-- Essas pessoas não têm
culpa, elas apenas querem fazer a justiça que lhe fora negada.
-- Justiça? – Meneou a cabeça
negativamente. – Vocês estão do lado errado da história.
-- Não vou discutir, apenas
te soltarei se prometer não fazer nenhuma queixa, esse é o trato.
Os dentes alvos da pirata
abriram-se em um sorriso desdenhoso.
-- E se eu não concordar
ficarei aqui presa até quando os urubus me comerem?
-- Não posso permitir que
faça algo contra Heitor, ele já sofreu muito com a perda do filho... Aceite o
que estou propondo e te tiro daqui e vamos embora.
Samantha tinha vontade de
estapear aquela garota arrogante. Sentia novamente a raiva crescer em seu
interior. Não acreditava que chegara a beijá-la, não acreditava que sentira
vontade de tocá-la, agora só queria destruí-la.
-- Ora, então só ganharei a
liberdade...—Ponderava -- Não sei se é um acordo bom para mim.
Mel a observava com cuidado.
Vestia calça jeans colada às
curvas bonitas, blusa de magas longas pretas, mas essa já estava toda rasgada,
teria sido espancada?
-- E o que mais iria querer?
Samantha lembrava-se das
mentiras que diziam sobre si no povoado, de como era devassa, então talvez
fosse o momento de castigar aquela militar orgulhosa.
-- Tem algo que dizem em uma
das revistas que você recebe como prêmio toda semana, acho que fala sobre minha
obsessão por seios femininos... Então vamos fazer assim, quero ver os seus.
Os olhos dourados abriram-se
em espanto.
Sentiu um frio na espinha.
-- A partir de agora vou agir
como uma pirata contigo, afinal, não é isso que inventam de mim. – Voltou a
tentar se livrar das amarras. – Solte-me!
Mel aproximou-se dela,
encarou os olhos irritados.
-- Temos um acordo, então?
Samantha não conseguia
acreditar que ela aceitara. Observou-a aproximar-se para livrá-la da corrente,
então sentiu o perfume delicado lhe invadir os sentidos. Observava a face perto
da sua. Ela não era apenas bonita, era muito mais que isso.
Cerrou os dentes em
irritação.
-- Sim, temos, mas não quero
ver seus peitos agora!
A tenente ficou constrangida
diante das palavras grosseira, mas nada disse, apenas pegou as chaves para
abrir as correntes.
Viu os olhos azuis lhe
encararem com total desprezo, mas nada disse e logo a soltava.
Não demorou muito para que a
filha do Serpente estivesse livre.
Sentiu-se tonta. Precisando
apoiar-se na inimiga. Mel a sustentou pela cintura, observando-a com cuidado.
-- Bateram em ti? – Indagou
preocupada.
Samantha
a fitou demoradamente, depois fez um gesto negativo com a cabeça, afastando-se.
Esfregou
os pulsos, estavam feridos do ferro apertado.
-- Você é tão ignorante
quando as pessoas desse lugar. – Disse irritada.
-- E você é o quê? – Indagou.
A filha do Serpente a viu a
afastar-se, seguiu até ela e a viu montar no cavalo, havia outro animal preso,
decerto, era sua carona para casa.
Observou-a afastar-se.
Sabia que não deveria ter
falado aquelas coisas, mas ficara tão irritada que não conseguira controlar o
temperamento, coisa que acontecia sempre que aquela mulher estava envolvida.
O salão de festa do palácio
central estava todo decorado para o evento anual que condecorava os militares
que executavam feitos considerados heroicos.
A construção de três andares
fora projetada inspirada na arquitetura jônica. Havia colunas que tinha obras
de artes desenhadas, algumas mostravam grande batalhas históricas, outras
traziam alguns retratos de antigos presidentes. O lugar era cercado por
varandas que tinha uma visão privilegiada de todo o pátio.
A grama bem aparada servia de
carpete para as mesas que foram colocadas. A iluminação projetava imagens nas
árvores e nas nuvens. Um palco fora montado e exibia um show musical.
Os convidados já chegavam,
passando pela carpete vermelho que fora colocado paras as ilustres pessoas.
Juan vestia-se impecavelmente
com um terno da cor de chumbo. Os cabelos estavam bem arrumados e tinha ao seu
lado a noiva.
A filha do duque não usava seus
impecáveis vestidos de festas, naquela noite estava com sua farda
impecavelmente ajustada ao seu corpo. Usava um colete azul com botões dourados
por toda lateral, calça branca e o cinto na cor cinza. Botas de couro preta que
brilhavam de tão bem engraxadas, que chegavam aos seus joelhos. Em sua cintura
levava uma espada, mas não era a relíquia de Sir Arthur, essa ainda continuava
em mãos inimiga.
Retirou o quepe em sinal de
respeito e logo as madeixas ficavam a mostra em uma trança que caia na lateral
do ombro delicado.
A jovem esbanjava simpatia,
cumprimentando a todos. Conversava com alguns colegas da marinha quando seus
olhos encontraram outros que parecia lhe perseguir.
Há quase duas semanas
ocorrera o fato de tê-la salvo de Heitor e desde esse dia nem mesmo ouvira
falar dessa mulher, até imaginara que tivesse desaparecido de uma vez do mundo.
Cristina comentara uma vez que ficara sabendo que ela tinha deixado o país, mas
pelo que vinha já tinha retornado. Viu a loira ao lado dela, a amante oficial
não parecia perder tempo.
-- O que essa maldita Víbora
faz aqui? – Juan indagou furioso. – A maior inimiga da marinha fora convidada
para sentar à mesa?
Mel permaneceu em silêncio,
não queria deixar-se explodir em indignações, mesmo que por dentro também
estivesse revoltada.
Os presentes tratavam a
Lacassagner com simpatia, pois sabiam como era querida pelo príncipe Ralf, sem
falar que ela era uma sheika bastante poderosa, então preferia não arrumar
problemas.
-- A tenente parece não ter
gostado da sua presença. – Sussurrou-lhe. – Será que seu vestido não a agradou?
– Questionou entregando-lhe uma taça.
O traje escolhido para a
filha do Serpente era um vestido de criação exclusiva de uma famosa estilista
do país. Não tinha alças, mas moldava aos seios de forma delicada. Chegava aos
joelhos, ajustando-se em todo corpo como se fosse uma segunda pele. A cor azul
combinava com os olhos. Por cima da peça usava um cardigã preto que chegava
quase aos calcanhares. Os cabelos estavam soltos, tendo os cachos em suas
pontas. Usava óculos, parecendo mais séria que de costume.
Samantha tinha visto a filha
de Fernando, mas tentara ignorá-la. Não desejava pensar na mimada militar, nem
em como ficara encantada ao vê-la vestindo a farda da ilustre marinha.
Olhou para o delicado relógio
que trazia no pulso.
Mal começara a festa e já
desejava ir embora.
Bebeu um pouco do líquido.
-- Já viu sua antiga
namoradinha? – Belinda voltou a falar. – Ela não deixa de te olhar.
Antes que pudesse responder
algo, viu o almirante Ernesto aproximar-se com a esposa. O chefe do estado
também veio ao seu encontro, cumprimentando-a.
Ela iniciou uma conversa
superficial. Era boa quando falava, tinha uma boa oratória e conseguia
discursar sobre os mais diversos assuntos.
Vez ou outra flagrava o olhar
ameaçador da filha do duque, mas apenas ignorava.
A festa transcorria bem e
logo começava as condecorações.
O almirante Ernesto e o chefe
de estado chamavam os heróis homenageados na noite. A tenente Olívia Mel Santorini de Del
Santorre fora a primeira ser chamada e ela subiu ao palco para seu discurso.
Fora bastante aplaudida por todos que a conheciam.
-- É uma honra participar
dessa instituição, porém fico sentida e decepcionada quando percebo que
começamos a acolher em nosso meio pessoas indignas, mesmo que se mostrem
poderosas...
Samantha viu o olhar
prepotente em sua direção e ouviu comentários baixinhos. Todos sabiam que ela
falava de si.
Bebericou mais um pouco da
bebida.
A filha do duque merecia ser humilhada, merecia engolir todo
aquele orgulho que demonstrava. Não sabia permanecer distante, insistia em
provoca-la, em enfrenta-la em cada oportunidade que tinha. Nunca pensara que
seu maior desafio naquele lugar seria logo a garota que um dia lhe salvara a
vida.
-- Tudo bem? – Belinda
questionou, segurando-lhe a mão.
-- Vai demorar muito para
irmos embora? – Indagou com expressão aborrecida.
-- Ainda está cedo, aproveite
a festa... – Beijou-lhe a bochecha. – Vamos ouvir a heroína da pátria, ela é
bastante eloquente...
Samantha voltou a mirar a
jovem.
Continuou ouvi-la por mais
alguns minutos, viu-a mencionar a emboscada que sofrera e novamente sentira-se
acusada diante de todos, mesmo que seu nome não tivesse sido dito.
Viu-a ter condecorada com uma
medalha e logo deixar o palco. Viu o noivo beijá-la e o avô lhe entregar um
buquê de rosas. O duque não estava presente, o que teria se passado com ele?
Não era comum não o ver nesses eventos.
Não demorou para ela deixar o
jardim, entrando na mansão.
A Lacassagner pediu licença,
seguindo-a. Observou quando ela subiu as escadas indo para a varanda, foi até
lá. O lugar estava mergulhado na penumbra e apenas a lua iluminava o espaço.
Não havia ninguém ali, apenas a militar a olhar para o nada.
Aproximou-se, mas não fora
notada. Ela apenas permanecia lá, observando os ombros aprumados, a cabeça
erguida.
-- Boa noite, tenente!
Mel teve um sobressalto ao
ver a mulher a alguns passos de si. Encarou-a.
-- O que faz aqui, Víbora? –
Indagou com o nariz levantado. – O fato der sido convidada para a festa não te
dar o direito que ficar perto de mim.
-- Ora, sou tão convidada
quanto você. – Mirou-lhe os olhos. – Fui cumprimentada pela grande maioria, mas
você não o fez...Vim aqui cumprimenta-la... É uma confraternização.
-- Não costumo confraternizar
com inimigos.
Os lábios da Lacassagner
desenharam-se em um sorriso.
-- Nas minhas veias correm
sangue de pessoas honradas assim como nas suas... Meu pai era tenente... –
Disse pensativa.
-- Seu pai era tão bandido
quanto você, desonrou a farda que usava.
Samantha estreitou os olhos
ameaçadoramente.
Sentia que a bebida que
tomara a deixara menos reclusa.
-- Meu pai era um homem cheio
de honra... – Insistia.
-- Um canalha igual a
você...Uma depravada.
A filha do Serpente cruzou os
braços sobre o colo.
-- Acha que alguém acredita
que você vale alguma coisa? Desfila com amantes, envolve-se com qualquer uma
como uma devassa – Tomou fôlego para continuar --envolveu-se com uma mulher de
bom coração apenas para tirar vantagem e conseguir o poder que sempre
sonhara... Agora acha que é uma sheika! – Debochou.
A pirata tentava manter o
controle diante das provocações, como sempre buscava fazer diante dela. Era a
única pessoa que conseguia tirá-la do sério, que a provocava a ponto de sentir
o fogo queimar em seu interior derretendo o gelo.
-- Sim, está certa! – Disse
por fim, apoiando-se no guardo-corpo da varanda.
Mel a observava de costas, fitava
o céu estrelado, parecia concentrada no abobado.
Não gostava da presença dela,
odiava quando a encontrava em qualquer lugar, pois sempre era afetada pela
arrogância que ela exibia junto com o olhar desdenhoso.
Fizera o que o almirante
Ernesto tinha pedido. Não voltara a fazer nada contra aquela mulher, nem
permitira que os empregados fizessem, apenas contratara um detetive para buscar
por provas para que assim pudesse puni-la. Não acreditava que ela era inocente,
não acreditava que não fizera todas aquelas coisas que era acusada desde muito
tempo.
Decidiu voltar para o jardim,
mas a voz baixa e fria disse:
-- Acho que esse é o melhor
momento para que cumpra sua parte no nosso acordo, tenente.
A Santorini parou
abruptamente.
Desde o dia que fizera o
trato com a pirata não conseguira dormir em paz. Sempre tinha sonhos com o
momento que logo chegaria. Mas o tempo tinha passado e imaginara que não
voltaria a vê-la, tampouco fazer o que tinha dito que faria.
-- Não acho que esse seja o
momento certo.
Samantha virou-se para ela,
encarando-a.
-- Eu já cumpri a minha
parte... Acho que se não tivesse feito você não estaria aqui e teria recebido
essa medalha. – Cruzou os braços. – Acho que a lua está linda, ela projeta uma
luz sobre ti... você com essa farda aguçou minha curiosidade. – Umedeceu os
lábios. – Abra seu colete, quero ver seus seios.
Os olhos dourados estavam
arregalados.
-- Aqui? – Indagou perplexa.
– Está louca!
-- Não, não estou.—Disse
calmamente -- Não há ninguém, estamos sozinhas... – Fitou os lábios rosados. –
Só eu verei, acalme-se, sou discreta e isso é apenas negócio, não há nada mais
que isso.
A filha do duque sentia o
sangue correr mais rápido em suas veias. Podia até mesmo ouvir as batidas do
próprio coração. Estava indignada e ao mesmo tempo havia uma agitação maior em
seu interior, algo assustador, algo que a amedrontava.
Encarou os olhos azuis que
pareciam ainda mais brilhante. Não havia nada naquele olhar, apenas expressava
a costumeira indiferença.
-- E então, tenente, pensei
que uma Santorini Del Santorre tivesse palavra.
Mel olhou de um lado para o
outro. Realmente não havia ninguém. Ao longe ouvia a música que tocava animada.
Poderia ir embora dali, não
era obrigada a cumprir nada, mas sempre honrara as promessas.
Olhando novamente os dois
lados do lugar, depois com um suspiro levou as mãos trêmulas aos botões do
colete.
Baixou os olhos porque agora
havia uma expressão de sarcasmos no olhar da herdeira do Serpente.
Seguiu lentamente com a ação
até deixar a mostra o delicado sutiã de renda branca, porém não prosseguiu,
parando.
-- Eu pensei que o acordo
dizia que eu veria seus seios e não tecido. – Debochou. – Não tem palavra,
tenente.
Antes que a filha do duque
levasse a mão a espada, Samantha foi mais rápida, segurando-lhe os dedos sobre
o cabo da arma. Conhecia-a bem para premeditar seu ato. Sentia o toque macio
abaixo do seu. Mirou os lábios rosados, estavam desenhados, lindos, tão
suculentos como no dia que os beijara.
Sentia perder as forças
quando se recordava da carícia que trocaram. Ela cedera, mesmo que houvesse
apenas ódio em seu olhar, ela cedera...
-- Um dia, Víbora, vou te
fazer pagar caro por tudo o que fez e o que ainda faz.
A Lacassagner não duvidava
disso.
-- Não anseio para ver seus
dotes de espadachins hoje, isso não estava no nosso acordo. – Exibiu um
sorriso. – Abra o sutiã, filha do duque, mostre-me o tamanho da sua coragem!
Mel sentia o perfume dela
entrar em suas narinas. Olhava-a com cuidado, estavam tão próximas que era
impossível não querer observar cada detalhe do rosto tão atraente. Usava os
óculos que lhe davam um ar ainda mais sério. Observou o decote a pingente
delicado que adornava o colo delicado.
Iria cumprir o que fora
acordado, mesmo que soubesse que a outra só fazia isso para humilhá-la, mesmo
assim iria fazer a parte que lhe cabia. Soltou a espada, enquanto levava as
mãos ao fecho frontal da delicada peça íntima.
Samantha continuou
segurando-lhe o aparato militar, não desejava sair dali com um arranhão na face
ou até mesmo com alguma parte do corpo arrancada.
Não tinha interesse em ver
aquela mulher despida, tampouco precisava daquele tipo de trato para satisfazer
suas vontades, mas sentira o desejo de fazer a menina mimada pagar por suas
provocações, fazê-la entender que nem sempre estaria por cima de toda aquela
história.
Não tinha interesse em
mulheres, na verdade não tinha interesse em ninguém. Só estava naquele lugar
porque fazia parte do teatro que Miranda exigia. Só queria ir embora, retornar
para a fazenda, isolar-se de tudo e de todos.
Voltou seu olhar para a jovem
inimiga e foi quando teve a sensação de ter recebido um soco em seu estômago.
Sentiu como se algo se alojava em sua garganta, impedindo-a de engolir.
A
visão que se mostrava diante dos seus olhos não podia ser mais maravilhosa.
Os seios redondos se
mostravam poderosamente como a mesma maçã que tentara a Eva no paraíso. O luar
prateado dançava sobe a pele sedosa. Observou-os com atenção. Os biquinhos
tinham quase a cor dos olhos dela...
Sentiu o sexo molhado,
escorregadio.
Há quantos anos não ficava
excitada?
Mel não conseguia ver tão
claramente a face da pirata, pois o lugar estava mergulhado na penumbra, porém
conseguia ver os olhos brilhantes e naquele momento trazia uma expressão
diferente, hipnotizante.
Sentiu os mamilos
enrijecerem, decerto devido ao vento frio que sacudia as cortinas finas.
Notou mais pressão na mão que
segurava sua espada
-- Agora não te devo mais
nada, pirata... – disse baixinho.
Samantha nada disse, vendo-a
tentar fechar novamente o sutiã, mas parecia que suas mãos tremiam tanto que
não conseguia encaixar.
-- Deixe-me ajuda-la,
tenente!
A Santorini ainda abriu a
boca para protestar, mas antes que conseguisse fazê-lo, sentiu o contato dos
dedos longos em sua pele. Ela fazia de forma tão delicada e vez e outra roçava
em si. Observava-a tentar fechar, mas não obtinha sucesso.
Respirou fundo e o cheiro
dela era como se estivesse a profanar seu mundo.
Viu-a fitar seus olhos,
estavam tão próximas, seus rostos quase se tocavam.
-- Acho que há um problema em
seu fecho... – Falou. – Tem um fio solto... Vou cortá-lo...
-- Espera...
Mel não entendeu e logo via a
boca chegar tão perto do seu colo que sentiu uma inquietação dentro de si, uma
vontade que nunca chegara a sentir no mais íntimo do seu ser.
Apoiou-se no guarda-corpo,
pois sentia s pernas tremerem.
Sentia a respiração contra os
seios, sentiam-nos doloridos, sensíveis.
Observou a cabeleira negra,
sentiu o cheiro delicioso dos cabelos longos. Pensou em tocá-los, sentir a
maciez.
Umedeceu os lábios
demoradamente.
Ouvia a respiração acelerada
e não conseguia distinguir de qual das duas era.
Viu-a levantar a cabeça,
fitando-a.
Observava-a...
-- Agora vai ser mais fácil.
Mel encarou os olhos azuis
que pareciam negros. Sentia o hálito perto de si. Recordou-se dos lábios sobre
os seus...
Sentiu os dedos passearem por
seus seios e teve a impressão que sua pele queimava. Os mamilos doíam em
agonia.
O que estava acontecendo
consigo?
-- Pronto, não há mais
dívidas, tenente... Já cumpriu sua parte...
A voz baixa lhe tirou dos
seus devaneios. Viu a mulher afastar-se, mas permaneceu ali, apenas olhando
para a escuridão e tentando manter o controle do coração que parecia prestes a
explodir.
não vejo a hora que essas duas irão se pegar com gosto,
ResponderExcluirQue história maravilhosa, que dom lindo que você tem, Geh! Vida longa para você.
ResponderExcluirEu amo sua escrita. Que coisa gostosa de se ler.
ResponderExcluir3x0 para a Samantha 😜ganhou o duelo, ficou com a espada e ainda viu os seios da tenente kkkkkkkkk
ResponderExcluirAchei muito fofo e respeitoso o fato dela não ter se aproveitado da situação.
Esse cap foi muito perfeito haha, parabéns autora, eu estou presa nessa história.
ResponderExcluir